Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
299/13.2TTVRL.G1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS EMERGENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO E DE DOENÇA PROFISSIONAL / PROCESSO PARA EFECTIVAÇÃO DE DIREITOS RESULTANTES DE ACIDENTE DE TRABALHO / FASE CONTENCIOSA / PROCESSO PRINCIPAL / DESPACHO SANEADOR.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, p. 127;
-Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, p. 172 e 173;
-Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª edição, p. 111;
-Heleno Taveira Torres, Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica, Metódica da Segurança Jurídica do Sistema Constitucional Tributário, Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 187 e 188;
-Rodrigues Bastos, Notas ao código de Processo Civil, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º, N.º 1, ALÍNEA B).
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 131.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ 386/446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º/382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III/156;
- DE 18-06-1996, CJ, 1996, II/143;
- DE 26-05-1999, PROCESSO N.º 82/99;
- DE 19-06-2002, PROCESSO N.º 2773/2001, IN HTTP://WWW.VERBOJURIDICO.NET/JURISPSLJ/INTEGRAL/2002/STJ012773S.HTML;
- DE 23-11-2005, IN WWW.DGSI.PT;
- PROCESSO N.º 2121/11.5TBVCT.G1, IN WWW.DGSI.PT.




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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 10-05-2007;
- DE 17-09-2009, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 20-10-2008, PROCESSO N.º 844516, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra BB - SUCURSAL EM PORTUGAL, CC e esposa DD, EE e FF, SA., tendo formulado o seguinte pedido:

“1- Declarar-se a existência de relação laboral/contrato de trabalho dos sinistrados GG e HH com II (…) e esposa DD…;

2- Declarar-se que os óbitos dos sinistrados GG e HH ocorreram como consequência directa e necessária de acidente de trabalho;

3- Condenarem-se os Réus a pagarem à Autora… os valores seguintes:

3.1- Os Réus 1, 2, 3 e 4, solidariamente e nos termos do contrato de seguro com a apólice n.º ..., quanto ao acidente de trabalho que vitimou o seu cônjuge-‑marido (…):

a) Uma pensão anual e vitalícia a partir de 09/09/2012, no montante de € 6.300,00 (seis mil e trezentos euros), calculada com base em 30% da retribuição anual de € 21.000,00 (vinte e um mil euros) do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice, o que ocorreu em 10/08/2013 e 40% a partir daquela data perfazendo o valor de € 8.400,00 (oito mil e quatrocentos euros), em conformidade com o disposto no art.º 59.º/1, alínea a) da Lei n.º 98/2009 de 04 de Setembro;

b) Subsídio de morte no montante de € 5.034,24 (cinco mil e trinta e quatro euros), nos termos do art.º 65.º/1 e 2, alínea b) da referida Lei;

c) Despesas de funeral no montante de € 1.678,00 calculadas nos termos do disposto no art.º 66.º/1 e 2 da referida Lei;

d) Despesas de transporte por conta da deslocação até ao Tribunal no montante de € 40,00 (quarenta euros).

3.2- Os Réus 1, 2, 3, e 4, solidariamente e nos termos do contrato de seguro com a apólice n.º ..., quanto ao acidente de trabalho que vitimou o seu filho HH:

a) Uma pensão anual e vitalícia a partir de 09/09/2012, no montante de € 3.150,00 (três mil cento e cinquenta euros), calculada com base em 15% da retribuição anual de € 21.000,00 (vinte e um mil euros) do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice, o que ocorreu em 10/08/2013 e 20% a partir daquela data perfazendo o valor de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), em conformidade com o disposto no art.º 61.º/1 e 2 da Lei n.º 98/2009 de 04 de Setembro;

b) Subsídio de morte no montante de € 5.034,24 (cinco mil e trinta e quatro euros), nos termos do art.º 65.º/1 e 2, alínea b) da referida Lei;

c) Despesas de funeral no montante de € 1.678,00 calculadas nos termos do disposto no art.º 66.º/1 e 2 da referida Lei;

d) Despesas de transporte por conta da deslocação até ao Tribunal no montante de € 40,00 (quarenta euros).

3.3- A Ré 5, no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho com a apólice n.º 069/00076202 quanto ao acidente de trabalho que vitimou o seu cônjuge-‑marido GG:

a) Uma pensão anual e vitalícia a partir de 09/09/2012, no montante de € 3.057,00 (três mil e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos), calculada com base em 30% da retribuição anual de € 10.192,00 (dez mil cento e noventa e dois euros) do sinistrado de acordo com o contrato de seguro, até perfazer a idade de reforma por velhice, o que ocorreu em 10/08/2013 e 40% a partir daquela data perfazendo o valor de € 4.076,80 (quatro mil e setenta e seis euros e oitenta cêntimos), em conformidade com o disposto no art.º 59.º/1, alínea a) da Lei n.º 98/2009 de 04 de Setembro;

b) Subsídio de morte no montante de € 5.034,24 (cinco mil e trinta e quatro euros), nos termos do art.º 65.º/1 e 2, alínea b) da referida Lei;

c) Despesas de funeral no montante de € 1.678,00 calculadas nos termos do disposto no art.º 66.º/1 e 2 da referida Lei;

d) Despesas de transporte por conta da deslocação até ao Tribunal no montante de € 40,00 (quarenta euros).

(…)

5- Todas as restantes quantias que se vierem a apurar serem devidas à Autora;

6- A todos os quantitativos peticionados deverão acrescer juros vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento”.

Alegou para tanto que, no dia 08.09.2012, faleceram em consequência de acidente de trabalho o seu marido GG e o seu filho HH, os quais haviam sido contratadas à jeira/jorna pelo 2º e 3ª RR por intermédio do 4º R, seu representante e seu irmão/cunhado, para trabalharem, com outros, sob as suas ordens, direção e fiscalização, numa quinta, mediante uma retribuição de € 50,00 por dia e horário de 8 horas diárias, a que acrescia o pequeno-almoço e o almoço e, no caso do marido, também o transporte desde a residência até ao local de trabalho. Nesse dia, tinha sido ordenado que desentupissem um tubo que se situa numa mina, cujo acesso é feito pelo interior de um poço, de onde é retirada água e conduzida para um tanque para irrigação dessa quinta. Instalou-se no interior da mina uma bomba de água para retirar a que restava no fundo do poço. Sem que os trabalhadores se dessem conta, os gases tóxicos libertados pelo respetivo motor asfixiaram o seu marido e o seu filho, entre outros que também pereceram. O seu marido faleceu no estado de casado, intestado e com dois descendentes maiores, um deles aquele seu filho. O marido era a principal fonte do seu rendimento e integrava o mesmo agregado familiar. O seu filho faleceu no estado de solteiro, intestado e sem descendentes, tendo-a deixado como única herdeira, sendo que também contribuía para a economia comum. À data tinha mais de 60 anos de idade, padecia de problemas de saúde e não exercia qualquer atividade renumerada. Aufere pensão de velhice no montante de € 110,77 e pensão de sobrevivência de € 164,87. O 2º e 3ª R transferiram a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a 1ª R (apólice ...) e o seu falecido marido era tomador e beneficiário de seguro do mesmo tipo celebrado com a 5ª R (apólice …).

Os RR contestaram.

A 1ª R alegou que existia contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho celebrado entre si e o 2º R. Contudo, o mesmo não inclui a propriedade onde ocorreu o sinistro. Inexistia qualquer vínculo laboral com o seu segurado sendo que, no momento do sinistro, que ocorreu fora do horário de trabalho, as vítimas atuavam nos seus próprios interesses. A existir qualquer contrato o mesmo era de empreitada celebrado com o falecido filho da A. Ademais, o falecido marido da A havia celebrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho em nome próprio com a 5ª R.

Os 2º e 3º RR alegaram que os falecidos não eram seus trabalhadores. No dia do acidente estiveram na propriedade porque o falecido filho da A, que era trabalhador de uma empresa, foi fazer um arranque de batatas e, por iniciativa própria, arranjou outras pessoas para o efeito, nomeadamente o pai. O 4º R pagava a quantia que esse falecido solicitava. Os falecidos pai e filho foram os exclusivos responsáveis na eclosão do sinistro, pois não observaram nem respeitaram o mais básico dever de cuidado que se impunha no caso. O filho não contribuía para o sustento, alimentação e vestuário da A, não fazendo parte do seu agregado familiar. Vivia em união de facto e em economia comum com a sua companheira, como se marido e mulher fossem.

O 4º R alegou que nunca exerceu qualquer atividade agrícola e apenas auxilia o seu irmão. Por ordem e no interesse do seu irmão procedeu à contratação de empreiteiros agrícolas para que estes procedessem à realização na quinta dos serviços agrícolas necessários. Assim, celebrou com o falecido filho da A um contrato de empreitada agrícola, nos termos do qual este se comprometeu, sempre que necessário, a efetuar diversos trabalhos agrícolas, utilizando as suas máquinas e procedendo à contratação de trabalhadores para a execução das tarefas. O mesmo ficava responsável pelas técnicas integradas no serviço e pelo cumprimento integral da legislação laboral perante os seus contratados. Decidia, em função dos trabalhos a executar, os dias, as horas e o número de trabalhadores necessários. Quando o sinistro ocorreu já não se encontrava na quinta. As pessoas tinham ordens para não acederem ao poço. Houve culpa exclusiva dos intervenientes no acidente devido a negligência grosseira.

A 5ª R, alegou existir um contrato de seguro celebrado com o falecido marido da A, sendo que, na proposta de seguro que preencheu, declarou ser trabalhador independente, trabalhando por conta própria na atividade de jardineiro, em qualquer local do território nacional com a retribuição mensal de € 728,00 x 14 meses. Não aceita, porém, pagar qualquer quantia, porquanto, não só o acidente ocorreu devido a negligência grosseira do seu segurado, mas também porque a atividade exercida aquando do acidente não se encontrava segura.

Proferido o despacho saneador e selecionados os factos assentes e os controvertidos, realizou-se o julgamento e foi proferida a sentença, com o seguinte dispositivo:

“…decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho que AA, na qualidade de viúva e mãe, respectivamente, dos sinistrados GG e HH, move contra os aqui demandados “BB, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”; CC; DD; EE e “FF, S.A.” e, em consequência, absolve-se os demandados de todos os pedidos formulados pela autora”.

Inconformada, a A. apelou impugnando, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto.

A Relação escusou-se de apreciar o recurso no que tange à reapreciação da matéria de facto por considerar não terem sido cabalmente cumpridos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, tendo sido proferida a seguinte deliberação:

«Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso confirmando a sentença.

Custas pela recorrente.»

Desta deliberação recorre a A. de revista para este Supremo Tribunal impetrando que, na procedência do recurso, “…os autos baixem ao Tribunal da Relação de Guimarães para prolação de acórdão que decida a impugnação da decisão da matéria de facto vertida na Apelação, com conhecimento da valoração ou não valoração do meio de prova documental "livro de expediente" oportunamente impugnado, condenando-se os Recorridos nas custas legais.”

Apenas o R EE contra-alegou, embora sem formular conclusões, invocando a inadmissibilidade do recurso por se tratar de uma situação de dupla conforme, pugnando ainda pela manutenção do acórdão no caso do recurso ser admitido.

Recebido o recurso e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”A) Não conformada com a decisão absolutória exarada em primeira instância nos presentes autos de Acidente de Trabalho-Morte, nos quais a Recorrente, para além de ver os seus pedidos julgados improcedentes, ainda foi condenada em custas, veio da mesma interpor Apelação, impugnando a decisão da matéria de facto e da matéria de direito.

B) Quanto à decisão da matéria de facto, em obediência ao disposto no art.º 640.º/1 e 2 do CPC e observado o ónus de impugnação, a Recorrente nas conclusões de recurso impugnou a matéria dada por provada a pontos 12, 13, 19, 20, 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 40, 41, 42, 43, 44, 45,46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 68, 69, 72 e 73, a matéria dada por não provada a pontos a), b) c), d) e), f), g), h), i), j), k), I), m), n), o), p), q) e t) e a matéria em contradição no ponto 19 com os pontos 59 e 60 da matéria de facto provada, o que fez inicialmente transcrevendo cada um e, após, agrupando-os em blocos numéricos e de letras;

C) Indicou os concretos meios de prova, nomeadamente quanto à documentação dos depoimentos em acta com concretização de hora, minuto e segundo, em que eram susceptíveis de abalar os pontos concretos impugnados e sobre os mesmos impor decisão diferente, e;

D) Também indicou a decisão, que no seu entender, se impunha ao bloco de factos inicialmente transcritos separadamente perante os meios de prova indicados.

 E) Verificou-se que, no exercício do contraditório, os Recorridos identificaram o objecto do recurso e exerceram-no quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito, revelando nomeadamente quanto à primeira matéria impugnada, inteira compreensão das alegações e conclusões do recurso, sendo-lhes inteligível, bem como, o Ministério Público, manifestou-se pela observância do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º/1 e 2 do CPC, tendo pugnado pelo conhecimento da impugnação da matéria de facto deduzida.

F) Porém, o Tribunal da Relação decidiu julgar improcedente a Apelação, confirmando a sentença recorrida e, condenar a Recorrente em custas, nomeadamente, rejeitando apreciar/decidir as pretensões recursivas de impugnação da decisão da matéria de facto, por alegado incumprimento do ónus de impugnação que dimana do disposto nos artºs 64.º, 65.º e 72.º do CPT e 640.º/1, al. b) e 2, al. a) do CPC.

G) Para tanto, decidiu que tais normas obrigam que nas conclusões de recurso, os factos impugnados sejam identificados isoladamente e não em bloco, que sejam indicados os meios de prova, nomeadamente a documentada em acta, reportada a cada facto impugnado em concreto, sob pena de se condicionar a actuação das demais partes processuais e a descoberta da verdade material, o que, determina uma correspondência parcial dos meios de prova ao factos impugnados e a indicação inexacta das passagens da gravação dos depoimentos valoradas de forma errada.

H) Consequentemente, sufragando que não foram cumpridas as formalidades legais que dimanam do disposto no art.º 640.º do CPC e rejeitada a apreciação da impugnação da matéria de facto da decisão recorrida, mais não conheceu da valoração ou não valoração do meio de prova documental “livro de expediente” e da sua relação com o depoimento de testemunha(s), oportunamente impugnado.

I) Entende a Recorrente que nos termos do disposto no art.º 674.º/1, al. b) do CPC, o Tribunal da Relação violou ou aplicou erradamente o art.º 640.º/1 e 2 do CPC, porquanto, contrariamente ao invocado na decisão que rejeitou apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto alegadamente apresentada em bloco, a Apelação deduzida, nomeadamente as suas conclusões, por um lado, foi inteligível para as demais partes processuais, que sobre a mesma não deixaram de identificar e exercer o contraditório e, o Ministério Público pugnou que tal impugnação da decisão da matéria de fosse conhecida.

J) E, por outro lado, dada a extensão da matéria de facto impugnada, impondo a Relação à Recorrente o não agrupamento dos factos impugnados, devendo apresentá-los individualizadamente, individualizando para cada um os meios probatórios susceptíveis de os abalar e a decisão que cada facto e cada meio de prova impugnados impunham, isto para efeitos de preenchimento dos pressupostos que dimanam do art.º 640.º/1 e 2 do CPC, obrigou, forçosamente, que fosse violado o dever que dimana do disposto no art.º 639.º/1 do CPC de elaboração de conclusões sintetizadas.

K) A decisão de rejeição da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto por referência, grosso modo à agregação em blocos de factos da matéria impugnada com correspondência alegadamente parcial de meios de prova aos mesmos - todavia perceptível e identificável pelos demais sujeitos processuais e pelo MP - violou ou aplicou erradamente o disposto no art.º 640.º/1 e 2 do CPC, na medida em que, a Apelação intentada, no mínimo sempre corresponde aos critérios definidos para a sua aceitação devidamente elencados no douto acórdão STJ proferido em 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S e acessível in www.dgsi.pt.

 

L) A extensa matéria de facto impugnada da decisão recorrida, inicialmente transcrita para as conclusões separadamente, impunha que à Recorrente a sua agregação em bloco quanto à numeração dos factos provados e às letras dos factos não provados, mas todos impugnados, pelo que, a imposição pelo Tribunal da Relação que nas conclusões, cada um dos pontos de facto impugnados o tivesse sido feito um a um por referência aos meios de prova e a decisão que cada um impunha, o douto Tribunal ad quem, desta feita na égide do disposto no artº 639.º/1 do CPC, continuaria a rejeitar o recurso intentado por falta de sintetização das conclusões. [sic]

M) O que em última análise se traduz em coartar em absoluto as pretensões recursivas da Recorrente quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, negando-‑se-lhe justiça, pela forma como foi aplicado/interpretado o disposto no art.º 640.º/1 e 2 do CPC e colisão com o disposto no art.º 639.º/1 do CPC, uma vez que de uma forma ou outra as suas pretensões recursivas nem sequer analisadas. [sic]

N) A errada aplicação feita pelo Tribunal da Relação do disposto no art.º 640.º/1 e 2 do CPC de forma a rejeitar a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto recorrida e, consequentemente, decidindo julgar improcedente a Apelação, traduz-‑se na violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, que encontra expressão maior no princípio do Estado de Direito expressamente consagrado no art.º 2.º da CRP, na medida em que, deixa de implicar um mínimo de segurança e certeza no direito ao recurso da decisão da matéria de facto que a cada Recorrente assiste, gorando-lhe as expectativas juridicamente criadas de ver julgado de forma procedente ou improcedente as suas pretensões recursivas.

O) Por último, pese embora o Tribunal da Relação tenha decidido julgar improcedente a Apelação e, consequentemente tendo confirmado a decisão recorrida exarada pelo Tribunal a quo, a presente Revista é admissível, em virtude da rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto não dar azo à aplicação do disposto no art.º 671.º/3 do CPC por verificação de dupla forme, conforme já decidido no douto acórdão STJ proferido em 28-01-2016, no processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S.

P) A decisão recorrida da qual ora se intenta Revista violou o art.º 639.º/1 e o art.º 640.º/1 e 2 do CPC e, o art.º 2.º da CRP.

Q) As normas que dimanam do disposto art.º 640.º/1 e 2 do CPC nos termos da interpretação dada pela decisão recorrida são passíveis de serem declaradas inconstitucionais por violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, que encontra expressão maior no princípio do Estado de Direito expressamente consagrado no art.º 2.º da CRP.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a especial emergente de acidente de trabalho participada em 14.06.2013.

- O acórdão recorrido foi proferido em 1.06.2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 - Se no recurso de apelação e no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto foram cabalmente cumpridos pela recorrente os ónus impostos pelo art. 640º do CPC;

2 – Se o art. 640º do CPC na interpretação dada no acórdão recorrido é inconstitucional por violação do princípio da certeza e segurança jurídicas.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

Vejamos então a referida questão que constitui o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

Considerando o objeto do recurso não se consiga a matéria de facto julgada provada.

4.1 - Se no recurso de apelação e no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto foram cabalmente cumpridos pela recorrente os ónus impostos pelo art. 640º do CPC.

A Relação escusou-se de conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto pelas seguintes razões:

«A recorrente distingue por “blocos” as respostas que pretende da matéria aludida, a saber: elementos próprios caracterizadores da relação jurídica entre os sinistrados e os Réus pessoas singulares, onde inclui os pontos 12, 13, 19, 20, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60 e as alíneas a), b), c), d), q); circunstâncias referentes à caracterização/descaracterização do sinistro relativamente aos pontos 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 40, 61, 62, 63 e às alíneas e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p); e as concernentes a condições familiares e socioeconómicas entre os sinistrados e a recorrente circunscritas aos pontos 46 e 68 e à alínea t).

Quanto ao conteúdo das alªs n) e q) conforme sugere, recorde-se que a matéria desta segunda corresponde à das bases 71 e 72 e foi invocada por parte contrária. Independentemente da importância da alteração para a descoberta da verdade e boa decisão de mérito não se nos afigura que se esteja perante facto instrumental ou complementar e nem a recorrente o invocou enquanto tal. A parte que a invocou não requereu a sua alteração. Logo a sua modificação nos termos sugeridos patentemente viola o princípio do dispositivo (artº 5º do CPC), impedindo o seu conhecimento.

Para impugnar em face de documentação a que apela na motivação, a recorrente refere-a sem estabelecer, de forma irremediável como se verá, qualquer nexo definitivo entre os comentários que tece a propósito, criticando até as ilações que o tribunal a quo deles tira e sugerindo resultados conclusivos diversos dessa prova (exemplo: “motivos pelos quais, pese embora tal como foi dado por provado que aquando da celebração do contrato de seguro em 13/03/2009 a quinta de .. não constava da apólice, o Tribunal a quo ao invés de dar por provado que se verificou transferência da responsabilidade de acidente de trabalho de outra propriedade para esta, deveria ter dado por provado que aquando da renovação anual automática da apólice em 13/03/2011, em virtude do seguro se tratar de seguro genérico de âmbito territorial de Portugal, a quinta de .. onde se verificou o sinistro objecto dos autos, ficou abrangida pela apólice”) e a prova oral de que também se socorre, comentando-a, e ambos os meios de prova com os pontos ou alíneas de que diverge das respostas proferidas pelo tribunal a quo.

No que respeita estritamente à prova oral para além do que se acabou de referir a recorrente reporta-se a depoimentos com uma ou outra transcrição, mais uma vez e de forma irremediável, sem associá-los, com excepção de quatro casos, aos pontos ou alíneas de que diverge das respostas proferidas pelo tribunal a quo, ou tão pouco aos chamados blocos.

As excepções são as que se referem às bases 67, 73, 76 e 79, a primeira e terceira cujas respostas nem foram impugnadas, e essa associação mesmo assim é devido a comentários sobre o modo como foi avaliado o depoimento pelo tribunal a quo ou a apreciações e conclusões não definitivas sobre o mesmo.

E quando associa um depoimento a um sortido de respostas mantém a vacuidade em medida suficiente para não se compreender como é que se impõe essa decisão contrária à do tribunal a quo.

Ademais respostas correspondentes a matéria de alíneas pertencentes a dois dos “blocos” que caracterizou, continuando sem fazer corresponder a parte que enaltece em detrimento de outro depoimento e sendo esse o fim último com que faz a associação.

Vacuidade igualmente porque com uma ou outra transcrição e todos comentando, a recorrente foca os depoimentos indicando apenas os seus limites globais (princípio e fim do depoimento: testemunhas JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR).

Neste registo termina as motivações referido que “pelo que, após análise crítica da prova, o Tribunal a quo quanto ao referido primeiro “bloco” de factos caracterizadores da relação jurídica entre os sinistrados e os Recorridos pessoas singulares deveria ter dado por provado que os sinistrados HH e GG eram trabalhadores rurais jornaleiros/jeireiros não permanentes na égide do contrato de trabalho daqueles sujeitos e deveria ter decidido como não provado os factos de pontos 12, 13, 19, 20, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60 da matéria de facto que deu por provada e ter decidido como provado os factos de pontos a), b), c), d), q) que deu por não provados.

E, quanto ao segundo “bloco” de factos referente à caracterização/descaracterização do sinistro que vitimou mortalmente o marido e o filho da Recorrente como acidente de trabalho – factos de pontos 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 40, 61, 62, 63 dos factos dados por provados e pontos e), f), g), h), i), j), k), l), m),n), o), p) dos factos dados por não provados – deveria ter dado por não provados os primeiros e por provados os segundos devendo ter decidido pela classificação do sinistro como acidente de trabalho.

Quanto ao terceiro “bloco” de factos referentes a condições familiares e socioeconómicas entre os sinistrados e a Recorrente susceptíveis, conjuntamente com os “blocos” supra referidos, de integrarem as pretensões indemnizatórias desta última – factos de pontos 46, 68 dos factos dados como provados e factos de pontos t) dos factos dados como não provados – deveria ter dado como provado que o sinistrado HH, pese embora já não habitasse a tempo inteiro na habitação da Recorrida, supria com o seu trabalho e os seus rendimentos as necessidades da mãe sempre que esta necessitava”.

Já na parte da motivação que intitula como impugnação da matéria e direito, fazendo disso eco nas conclusões, quando refere que da matéria de facto deverá passar a constar a factualidade que entende resultar da prova, redesenha a sua configuração fazendo nela constar factualidade que não consta da matéria das bases e nem foi alegada: (…)

Nas conclusões reproduz a mesma factualidade e num exercício inútil, porque para além de referir matéria não alegada como predito, por isso menos ainda acrescentando em termos de dilucidação da adequação ou desadequação da prova às respostas da matéria de facto a que procedeu o tribunal a quo, vai-lhe associando meios de prova documental ou oral e desta quanto às testemunhas que acima se destacaram continuando a citar os seus depoimentos sem qualquer delimitação temporal dos trechos dos seus depoimentos que poderiam interessar.

Ora a impugnação da decisão relativa à matéria de facto tem regras, as advenientes dos termos conjugados dos artºs 635º, nº 4 e 640º do CPC.

Nos seus diversos requisitos a impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação da prova deve resultar nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

Segundo Amâncio Ferreira “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed, 172 e 173).

Elas desempenham, pois, um papel fundamental, não apenas porque sintetizam as razões que estão subjacentes à sua interposição, mas porque definem o objeto do recurso.

Tudo isto sob pena de estar vedado o conhecimento ao tribunal ad quem.

Para além disso estamos perante omissão múltipla atento ao artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC.

E não há lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento para o efeito (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 127).

Com a impugnação da matéria de facto não se visa a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova. Tem apenas por fim um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que ao recorrente se impõe assinalar.

O artº 640º do CPC. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

De harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 640º do CPC no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) …”.

A criação de um tal ónus de alegação a cargo do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.

Como conclui Abrantes Geraldes (ob citada) “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Por seu turno é sobre a resposta dada a tal matéria que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado. É relativamente aos pontos de facto articulados ou quesitados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada.

Deste modo, a decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas, é a decisão de provado ou não provado relativamente à matéria articulada ou quesitada.

A recorrente em sede de impugnação teria que indicar as bases que tinha por incorrectamente julgados, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento. E é a decisão que tais pontos de facto mereceram que pode ser impugnada.

Assim, também, na impugnação da matéria de facto não se fazendo por referência aos pontos de facto articulados pelas partes e antes a quesitos de uma base instrutória devidamente e oportunamente organizada, deveria ter-se conciliado cada ponto que entendia-se merecer essa impugnação à prova que se quisesse por bem salientar.

E mesmo que tivesse havido a enunciação de temas de prova (artº 569º do CPC) a solução sempre passaria por fazer a correspondência directa de cada factualidade posta em crise que foi devidamente alegada pelas partes com cada um dos meios de prova.

É que a enunciação dos temas da prova e o Questionário/Base Instrutória são realidades processuais qualitativa e quantitativamente diferentes, pois aqueles são apenas categorias típicas e factuais que se mostram controvertidas.

De resto, face ao estatuído nos artigos 64º, 65º e 72º do CPT impõem-se que a prova oral a produzir em audiência de julgamento se faça em torno de factos concretos e não sobre grandes categorias caraterizadores de factos, reconduzindo a diversas condutas, cenários, ocorrências e eventos, sob pena de condicionamento da legítima atuação das partes e da descoberta da verdade material.

Por tudo isto deve-se concluir que no caso sub judice a impugnação da decisão da matéria de facto viola o disposto na alª b) do nº 1 e a na alª a) do nº 2 desse preceito ao optar-se apenas por agregar em “blocos” a matéria de facto e, ainda assim, só parcialmente fazendo corresponder os meios de prova aos mesmos; e ao não se indicar com exactidão passagens da gravação pretensamente valoradas de forma errada, sendo que mesmo transcrevendo continua a exigir-se a indicação a concreta delimitação do excerto.

Assim sendo está este Tribunal impedido de reponderar a prova produzida na medida em que o recurso é nesta parte rejeitado por incumprimento de tais ónus de particularizar, individualizar ou determinar ponto por ponto quer a factualidade que se considera incorretamente julgada quer o modo como se pretende que seja fixada dentro da que foi alegada pelas partes, indicando-se os pontos de facto dados como provados ou não provados e os que se devem considerar provados ou não provados associados à devida prova.

O sempre seria em nome da unidade da prova: a censura exerce-se sobre um juízo do tribunal a quo baseado em diversidade da prova e não se pode quedar num juízo baseado apenas em parte da mesma.

As especificações consagradas no mesmo artº 640º relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Igualmente com o facilitar, à outra parte e ao tribunal da localização precisa dos problemas a resolver no meio de um processo que pode ter centenas de factos e dezenas de documentos e depoimentos, por um lado só assim também se garantindo o exercício do contraditório de quem tem interesse no desfecho do recurso e, por outro lado, evitando-se que o tribunal viole o seu dever de independência e equidistância, assim como, a relatividade do decidido face à idealizada pretensão do impugnante.

A sua observância não surge, pois, desproporcionada.

Em nada diminui o grau de violação da norma, em abstracto, a circunstância dos recorridos contra-alegarem.

Não será seguramente por esta argumentação que se deve nortear o rigor da interpretação da lei face à realidade concreta sob pena da subjectividade imperar de tal modo que praticamente neutralizaria a eficácia da norma.  

Em conclusão ainda a prevalência da substância sobre a forma não poderá consistir na negação das regras do processo que não deixa de garantir instrumentalmente o exercício de direitos substantivos.

Nem que não fosse pela magnitude da matéria de facto não se diga ainda que da confrontação do alegado com as questões e a matéria considerada provada e não provada na sentença seria fácil descortinar qual é a colocada em causa e o sentido que se pretende para a mesma, assim como a prova que se devia destacar para o efeito.

É um exercício em vão e ainda sempre susceptível de colocar em crise os princípios do contraditório, do dispositivo e da igualdade de armas entre as partes.

Com efeito estamos perante matéria em que em cada ponto se conjuga factualidade e o seu desmembramento não é isento de produzir sentidos dúplices ou ambivalentes.

Do que se acaba de decidir encontra-se prejudicado o conhecimento da questão sobre o modo como foi valorado documento (livro de expediente) e da sua relação com depoimento de testemunha, considerando a sua impugnação aquando a junção.

Com efeito a mesma não adquire relevância autónoma relativamente ao âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Apesar da recorrente nessa oportunidade ter atribuído ao documento falta de genuinidade tal não adquiriu relevo incidental autónomo (artº 444º e 445º do CPC), nem sequer foi proferido qualquer despacho nesse sentido e nem o recurso foi interposto por eventual irregularidade nesse âmbito. E como se refere no acórdão citado pela (da RL de 10.05.2017), mesmo que não fosse estabelecida a genuinidade do documento particular, “porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador…”.

Por sua vez, ficando incólume a factualidade assente o conhecimento da matéria do recurso relativamente à discordância acerca da caracterização da relação jurídica entre os sinistrados e os recorridos, à caracterização do sinistro e às condições familiares e socioeconómicas entre os sinistrados e a recorrente encontra-se prejudicada.

É que na sua motivação e conclusões a recorrente não prescinde da alteração da factualidade em resultado da impugnação para concluir pela condenação dos recorridos nos termos peticionados na petição inicial.»

Vejamos.

A recorrente formulou na apelação as seguintes conclusões que, como se sabe e já atrás o dissemos, delimitavam o objeto daquele recurso e o âmbito do conhecimento do tribunal da Relação (reproduzem-se apenas na parte que aqui releva):

-D-

CONCLUSÕES

A)…

B)…

C)Da Douta Sentença, ora em recurso, foi decidido dar como provado a matéria de facto seguinte:

«12. No dia 8/09/2012, o EE combinou com o HH para proceder à apanha das batatas.

13. Sendo da responsabilidade do HH a roga do pessoal que entendesse necessário para a apanha de batatas.»(...)

«19. Por volta das 15H30, o EE aconselhou o HH a arrumar todo o material e ir-se embora, juntamente com as demais pessoas que aí se encontravam, uma vez que trovejava e ameaçava chover.

20. Logo após esta conversa, o EE abandonou a propriedade.»(...)

«23. No dia 8 de Setembro de 2012, em hora não concretamente apurada, da parte da tarde, o sinistrado GG e SS, dirigiram-se a uma mina cujo acesso é feito pelo interior de um poço, de onde é retirada água e conduzida para um tanque para irrigação.»(...)

«25. Após ter identificado a situação de falta de água no tanque de rega o GG pediu ao SS que o auxiliasse a desentupir a conduta que levava a água desde a mina existente no fundo do poço de água até ao tanque de rega.

26. Por ordem e instrução do GG, o SS desceu ao fundo do poço de água com a intenção de desentupir a conduta.»(...)

«28. Foi então que o GG se deslocou à sua própria residência, em ..., de onde trouxe uma motobomba, de que era proprietário.

29. Regressado ao poço, o GG colocou o motor em cima da placa exterior do poço.

30. Contudo, como o tubo não chegava à água, o GG decidiu transportar o motor para dentro do poço e iniciar a extracção da água.

31. Na sequência, o GG colocou o motor a trabalhar dentro do poço.»(...)

«40. Tudo isto aconteceu, na ausência do EE, que abandonara a propriedade por volta das 15H30.

41. O HH realizava ocasionalmente serviços na propriedade dos réus II e DD de natureza agrícola ou atinente jardinagem, quando podia, a qualquer hora e sem obrigação de cumprir horários, com total autonomia e sem qualquer autoridade, ordens ou direcção.

42. O EE, irmão do réu CC pagava ao HH a quantia que este lhe solicitava.

43. O HH prestava também serviços para outras pessoas a título de biscates essencialmente no âmbito da jardinagem.

44. Os réus II e DD, por si ou por intermédio do réu EE, nunca forneceram ao HH e às pessoas que o acompanhavam na realização dessas tarefas, quaisquer utensílios utilizados por estes, nem quaisquer instrumentos de trabalho.

45. Sendo o HH quem pagava às pessoas que o acompanhavam e lhes fornecia os instrumentos de trabalho para execução dos serviços contratados.

46. O HH vivia em união de facto com a sua companheira TT e não contribuía para as despesas, sustento e vestuário da sua mãe AA.

47. O réu EE não exerce nem nunca exerceu qualquer actividade agrícola.»

48. ... apenas auxilia o seu irmão II, proprietário da quinta sita no lugar de .., ..., que se encontra emigrado e que com frequência se desloca a Portugal, nas diversas tarefas necessárias à manutenção e na prossecução de trabalhos agrícolas na referida propriedade.

49. Por ordem e interesse do seu irmão II, o EE procedeu à contratação de empreiteiros agrícolas para que estes procedessem à realização de serviços agrícolas.

50. Foi nessa conformidade que celebrou com o HH um contrato de empreitada agrícola, através do qual este se comprometeu, sempre que necessário, a efectuar diversos trabalhos agrícolas.

51. ... utilizando este na realização desses serviços as suas próprias máquinas.

52. ... e contratando terceiros para a execução dessas tarefas.

53. Era o HH quem decidia, mediante os trabalhos a executar, os dias, horas e número de trabalhadores necessários à tarefa a executar.

54. O pagamento dos serviços prestados era efectuado ao HH, mediante a apresentação das respectivas facturas, nas quais eram discriminados, entre outros elementos, o número de homens por ele contratados e o tempo gasto.

55. Era o HH que pagava aos trabalhadores por si contratados.

56. O HH utilizava este procedimento em todas as empreitadas, de idêntica natureza, que celebrava com diversas outras pessoas.

57. Foi no âmbito do contrato celebrado com o HH que o GG, o UU, o VV e o SS se encontravam na quinta no dia 08/09/20121, em tarefas agrícolas de recolha de cebola, batata e limpeza de ervas, aquando da ocorrência do evento aqui em questão.

58. ... todos sob as ordens, direcção e fiscalização do HH.

59. A tarefa agrícola de recolha de batatas, cebolas e limpeza de ervas que aqueles se encontravam a executar no dia 08/09/2012, ficou concluído cerca das 13H30.

60. ... hora sensivelmente a que o EE se ausentou do local.

61. O poço referido no ponto 23º, mostrava-se sinalizado, encerrado e vedado.

62. Todos os frequentadores da quinta e ele modo especial o HH tinham ordens expressas para não mexer nem aceder ao referido poço.

63. Um dos profissionais dos bombeiros, que ocorreu juntamente com o INEM ao local para socorrer os trabalhadores, sentiu dificuldades e te[ve] de ser assistido, quando se introduziu inicialmente no interior do poço sem máscaras próprias, devido aos gases tóxicos libertados e acumulados no interior do poço.»(...)

«68. A autora despendeu em transportes por conta da deslocação até ao Tribunal no montante de € 80,00 (€ 40,00x2).

69. O motor de rega utilizado pelo GG era sua propriedade e já o havia utilizado noutras circunstâncias.»(...)

«72. Aquando da celebração do contrato de seguro, CC, transferiu a responsabilidade decorrente de acidente de trabalho ocorrido numa sua outra propriedade, sita em ..., ....

73. O toma[dor] do seguro, CC, não indicou à "BB", em documento anexo ou complementar, uma relação do pessoal permanente por tipo de função principal e respectivas retribuições.»

D) E, foi decidido dar como não provada a matéria de facto seguinte:

«a) Que no dia 8 de Setembro de 2012, os falecidos GG e HH(respectivamente pai e filho) haviam sido contratados à jeira/jorna por II e esposa DD, por intermédio do seu representante e seu irmão/cunhado EE, para nesse dia 08 de Setembro ele 2012 (sábado), trabalharem na quinta em .., comarca ele ..., com outros sujeitos também contratados para o mesmo fim.

b) Que os falecidos GG e HH, já noutras ocasiões haviam sido contratados, nas mesmas circunstâncias, para realizarem, na referida quinta em ..., trabalhos agrícolas e conexos com a agricultura, tais como sachar, arrancar e apanhar batata, lavrar, jardinar, arrancar ervas, limpar o roseiral, abrir buracas em volta dos pés das árvores de fruto, arranjar muros e limpar poços e minas, entre outras tarefas de acordo com o que lhe era mandado fazer pelos contrates, mediante a retribuição, ele cada um, ele € 50,00 diários, a que acrescia o pequeno-almoço e o almoço e que, no caso do falecido GG, acrescia o transporte desde a sua residência ao referido local de trabalho.

c) Que os falecidos cumpriam um horário de 8 horas, com início às 08:00 e termo às 18:00, com um interregno para almoço das 12:00 às 14:00.

d) Que os falecidos GG e HH, bem como os restantes trabalhadores que no dia 8/09/2012 se encontravam na quinta em .., encontravam-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização de II e esposa, fazendo por intermédio do seu representante (irmão/cunhado) EE.

e) Que nesse dia 08 de Setembro de 2012, cerca das 15:00, ao GG e a outro trabalhador de nome SS foi ordenado por EE que desentupissem um tubo que se situa numa mina cujo acesso é feito pelo interior de um poço, de onde é retirada água e conduzida para um tanque para irrigação da quinta agrícola, onde desceram cerca de 5m ao fundo de um poço, para facilitar a entrada no poço e realizarem os trabalhos de limpeza da mina, a fim de, a essa profundidade, localizarem o tubo de transporte de água para o tanque, fazendo-se o GG acompanhar de uma lanterna e o SS de uma sachola.

f) Que o EE permaneceu na superfície do terreno, junto à tampa de entrada do poço.

g) Que já no interior do poço e no acesso à mina, dado que GG e SS não localizaram o tubo de transporte de água, regressaram ao exterior para junto de EE.

h) Que na sequência disso, o EE determinou que os cerca de 20cm de altura de água que existia no fundo do poço/mina fossem despejados.

i) Que EE tenha determinando ao GG e ao SS que fossem buscar uma bomba de água/motor de rega, de modo a retirarem a água que ainda restava no fundo do poço/mina.

j) Que por volta da 17:00 desse dia, o SS colocou um motor de rega em cima da tampa do poço, junto à abertura do mesmo, mas dado que a manga de arranque não chegava à água do fundo do poço e entrada da mina, este, com a ajuda de GG, desceram o motor/bomba.

k) Que, em seguida, colocaram o motor em funcionamento, mas porque a manga se desengatou do motor/bomba, os trabalhadores UU e XX, que se encontravam no local, desceram ao poço para ajudarem a segurar na mangueira desengatada.

l) Que no seguimento destes factos, os trabalhadores UU e XX ficaram a segurar na manga que ligava ao escoamento do motor, o SS verificava se o chupão do motor se encontrava no interior da mina e o GG colocava o motor/bomba de novo a trabalhar.

m) Que entretanto o falecido HH deslocou-se ao interior do poço e disse ao GG e aos outros trabalhadores para cessarem o trabalho de limpeza da mina e para removerem do interior do poço os instrumentos de trabalho (motor/bomba e mangas), dado que estava a ficar tarde e começara a chover.

n) Que tudo isto, foi feito de acordo com as ordens que foram transmitidas pelo EE ao HH,

o) Que os gases libertados pelo motor/bomba de água e o monóxido de carbono que se acumularam no fundo do poço que dá acesso à mina, não foram notados pelos trabalhadores, por se tratar de gases mais densos e pesados do que o oxigénio.

p) Que todos os trabalhadores que se encontravam no interior do poço cumpriam ordens e instruções no âmbito da contratação laboral efectuada por EE em representação do seu irmão e proprietário da quinta II;

q) Que o SS, quando chegou à quinta, recebeu instruções do HH e do GG que, juntamente com o VV e UU, foram executar outras tarefas, mormente cortar mato, tendo, para o efeito, utilizados duas roçadeiras a gasolina fornecidas pelo SS, numa sua propriedade e a outra que lhe havia sido emprestada por um tio.»(...)

«t) Que o falecido filho HH, também contribuía com parte dos seus rendimentos para pagamento das despesas do agregado familiar, nomeadamente, para despesas com as refeições que tomava junto dos seus pais;».

E) Pelos motivos expendidos nos itens 9 até 63 das alegações do presente recurso, a Recorrente impugna os concretos pontos indicados nas conclusões c) e d), e impõe-se, proceder à reapreciação da matéria de facto dada como provada e não provada, uma vez que a prova produzida durante a audiência de discussão e julgamento, implica que se dê como não provados tais factos julgados provados pelo Tribunal a quo e, como provados tais factos que pelo órgão jurisdicional foram dados como não provados, em função dos elementos de prova seguintes:

- Certidão do auto de notícia dos autos de inquérito de natureza criminal que correram termos sob o processo n.º 396/12.1GBCHB, dos então Serviços do Ministério Público de ..., junta sob Doc. n.º 2 das participações na fase conciliatória e dada por reproduzida na P.I. na fase contenciosa dos autos, não impugnada;

- Certidão do requerimento de junção de "Apólice de Seguro n.º ... - BB Seguros, para trabalhos agrícolas nas propriedades de ZZ aos autos de inquérito que correram termos sob o processo n.º 396/12.1GBCHB, dos então Serviços do Ministério Público de ... e junta pela Recorrente aos presentes autos sob Doc. 5 das participações da Fase Conciliatória e que se deu por reproduzida na Petição Inicial (P.I.) da Fase Contenciosa, não impugnada;

- Certidão da Proposta de Decisão / Decisão Administrativa e Depoimento prestado da/na Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT) extraída dos Autos de Recurso de Contraordenação n.º 399/13.9TTVRL e notificada à Recorrente nos presentes autos de Acidente de Trabalho sob ref.ª 27906803, datada de 07/05/2015;

- Anexo ao Relatório de Ocorrência de fls. 710 a 712, elaborado pelos Bombeiros Voluntários de Salvação Pública de ...;

- Proposta de Seguro/Apólice de Seguro/Condições Gerais e Especiais do Contrato de Seguro n.º ... celebrado entre o Recorrido CC e a Recorrida BB;

- O "Livro de Expediente" de fls. 235 a 280, 304 a 349, 369 a 415;

- O depoimento de parte do Recorrido EE, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início às 10:09:48 e termo às 11:24:17;

- O depoimento da testemunha SS, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 13:58:50 e termo às 16:16:09;

- O depoimento da testemunha JJ, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 16:19:31 e termo às 16:36:37;

- O depoimento da testemunha KK, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 16:37:33 e termo às 16:52:59;

- O depoimento da testemunha LL, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 16:54:06 e termo às 17:01 :25;

- O depoimento da testemunha MM, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 10:08:12 e termo às 10:36:28;

- O depoimento da testemunha NN, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 10:37:20 e termo às 11:02:54;

- O depoimento da testemunha TT, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 11:03:53 e termo 13:05:10;

- O depoimento da testemunha OO, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 14:26:27 e termo 14:35:41;

- O depoimento da testemunha PP, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 14:49:03 e termo 15:18:15;

- O depoimento da testemunha QQ, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 15:25:00 e termo 16:08:38;

- O depoimento da testemunha RR, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 16:16:18 e termo 16:39:52.

F) E, da matéria de facto provada passar a constar os factos seguintes:

1. O sinistrado HH era trabalhador dependente da empresa ..., de Segunda a Sexta-feira. - cfr. depoimento da testemunha KK e testemunha TT a 00:30:00 até 00:34:00 da gravação.

2. O sinistrado HH partilhava apartamento há cerca de ano e meio com TT, eram independentes.- cfr. depoimento de JJ e TT a 00:41:41 da gravação.

3. Porém, em virtude de a entidade patronal de TT não lhe pagar o ordenado durante 6 (seis) meses, o sinistrado HH, teve necessidade de arranjar outros rendimentos para além dos que auferia como trabalhador dependente da .... - cfr. depoimento TT de 00:30:00 a 00:34:00 e a 00:41:41 da gravação.

4. HH ainda ajudava com o seu trabalho braçal e com os seus rendimentos os seus pais - nomeadamente a Recorrente sua mãe - sempre que estes necessitavam. - cfr. depoimento LL e TT a 00:41:41 da gravação.

5. Para suprir as necessidades dos que lhe eram próximos, o sinistrado HH, aos fins-de-semana, ao Sábado, passou a cuidar dos jardins de casas/vivendas na localidade de ..., aparando a relva, cuidando das plantas, nomeadamente, tratava dos jardins das casas de habitação dos Recorridos EE e II e do cunhado destes a testemunha RR. - cfr. depoimento TT a 00:41:41 da gravação.

6. O Recorrido II e a sua esposa DD adquiriram em Novembro de 2010 uma quinta na localidade de .., sendo seus proprietários, prédio que se encontrava em estado de abandono e, como se encontram desde longa data emigrado no ..., na sua ausência era o seu irmão/cunhado EE quem os representava nos trabalhos a agrícolas a desenvolver na quinta. - cfr. depoimento parte de EE.

7. O Recorrido EE, bancário de profissão e investigador académico, com conhecimentos de agricultura em virtude de na juventude o seu pai obrigar os filhos a trabalhar no campo, chamou o sinistrado HH para na quinta de .. trabalhar à jorna/jeira para cortar as ervas da quinta que estava abandonada, realizar a plantação de árvores (na sequência da contratação pelos Recorridos de uma empresa de ... para implantar na quinta um projecto agrícola cujos trabalhos foram monitorizados/dirigidos/orientadas pelo agrónomo da empresa), após a plantação das árvores fazer-lhes as buracas nos pés, cortar as ervas da propriedade rural, plantar, tratar e colher os legumes da horta, realizar plantação e colheita de batata. - cfr. depoimento parte de EE, depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11:00 da gravação, depoimento de JJ, depoimento de KK, depoimento de OO, depoimento de QQ.

8. Para tanto, sendo o Recorrido EE bancário e vivendo na cidade de ... e o sinistrado HH trabalhador braçal, o primeiro contactava ao segundo indicando-lhe com alguns dias de antecedência quando era necessário trabalhar na agricultura da quinta de .., pedindo-lhe que arranjasse e levasse outros trabalhadores rurais para trabalharem na quinta mediante as necessidades do trabalho agrícola a desenvolver. - cfr. depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11:00 da gravação, depoimento de JJ, depoimento de KK, depoimento de TT a 01 :04:06 da gravação.

9.Para a quinta .. foram trabalhar à jorna/jeira HH, GG, SS, KK, UU, VV, entre outros sujeitos e quando iam levavam as suas alfaias agrícolas. - cfr. depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11:00 da gravação, JJ, depoimento de KK, depoimento de TT.

10. Os referidos jornaleiros/jeireiros iniciavam os trabalhos agrícolas pelas 08:00 da manhã e cerca das 08:30 faziam uma pequena pausa sendo que o Recorrido EE dava-lhes o pequeno-almoço (mata bicho). - cfr. depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11:00 da gravação, depoimento de KK.

11. Os jornaleiros/jeireiros voltavam a interromper os trabalhos agrícolas cerca das 12:30 até às 13:30/14:00 para realizar a refeição do almoço que lhes era dado pelo Recorrido EE, sendo que iam tomar café ao café da aldeia. - cfr. depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11:00 da gravação, depoimento de KK.

12. Os jornaleiros/jeireiros na quinta de .. cortavam ervas, abriram buracas e tratavam dos pés das árvores, plantavam e colhiam batatas, feijão, milho, sendo que era o Recorrido EE quem designava os trabalhos que cada jornaleiro/jeireiro tinham que realizar, encontrando-se presente na quinta a acompanhar os trabalhos, indo excepcionalmente embora da quinta mais cedo da quinta por alguma razão pessoal. - cfr. depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11 :00 e após 00:11:20 da gravação, depoimento de KK.

13. Os sinistrados HH e GG, tal como os demais jornaleiros/jeireiros cumpriam as orientações e realizavam os trabalhos que o Recorrido EE lhes determinava que realizasse. - cfr. depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11:00 da gravação, depoimento de JJ, depoimento de KK, depoimento de TT a 01:04:06 da gravação.

14. Pelo dia de jorna/jeira o Recorrido EE havia indicado aos jornaleiros/jeireiros que pagaria € 45,00/dia, com pequeno-almoço e almoço incluído, porém realizada a jorna/jeira pagava € 50,OO e as aludidas refeições. - cfr. depoimento de SS de 00:00:00 a 00:11:00 e após 00:11:20 e ainda a 01:33:05 da gravação, depoimento de KK.

15. Das 5 (cinco) ou seis vezes que a testemunha SS foi trabalhar para a quinta e das 2 (duas) ou 3 (três) vezes que a testemunha KK também foi para lá trabalhar, foi sempre o Recorrido quem no final do dia lhes pagou a jorna/jeira. Excepcionando uma única vez em que o Recorrido EE teve que se ausentar mais cedo e, entregou o dinheiro da jorna/jeira ao sinistrado HH para que, no fim do dia a jorna/jeira fosse paga. - cfr. depoimento de SS após 00:11:20 da gravação, depoimento de KK.

16. No dia 07/09/2012, o Recorrido HH recebeu o telefonema do Recorrido EE para no dia seguinte - 08/09/2012 - se apresentar na quinta para arrancar e apanhar batata, apanhar e debulhar feijão, fazer os pés das árvores e arranjar/limpar um poço, mais ficando combinado entre ambos que EE transportaria o pai do sinistrado HH (o sinistrado GG) e os demais trabalhadores seriam transportados pelo sinistrado HH. - cfr. depoimento de SS após 00:13:15 e depoimento de JJ.

17. No dia 08/09/2012, cerca das 07:00 da manhã, compareceram na quinta de .. o Recorrido EE e o sinistrado GG, o segundo transportado pelo primeiro. Mais compareceu na quinta a essa hora OO, tractorista que conhece os Recorridos desde a infância/juventude e com quem o Recorrido EE tinha combinado dias antes que com o tractor fosse fazer o arranque da batata, o que fez, gratuitamente. - cfr. depoimento de parte EE a 00:14:00 da gravação e depoimento de OO.

18. Nesse mesmo dia 08/09/2012 compareceram na quinta em .., pelas 08:30 da manhã, HH, TT, UU e VV e realizaram a apanha da batata. - cfr. depoimento de parte EE a 00:19:00 da gravação, depoimentos de TT e OO.

19. Entre as 9:30/10:30 da manhã o tractorista OO foi-se embora da quinta. - cfr. depoimento de parte EE a 00:23:50 da gravação, depoimento de OO e TT a 00:05:20 da gravação.

20. Cerca das 10:30 da manhã chegou à quinta em .. SS. Chegou mais tarde do que os demais trabalhadores dado que tinha ido realizar um carregamento para o patrão para quem durante a semana trabalhava. - cfr. depoimento de SS a 00:13:15 da gravação, TT.

21. Quando SS chegou à quinta dirigiu-se junto do Recorrido EE que com o sinistrado GG se encontravam na horta junto dos feijões e tomates, sendo que EE mandou SS ir cortar a erva, tratar dos pés das árvores tal como já os demais jornaleiros/jeireiros se encontravam a fazer. - cfr. depoimento de parte EE 00:29:30, depoimento de SS a 00:19:10, depoimento de TT a 00:03:20, a 00:05:20, a 00:06:30, a 00:08:00, a 00:12:30, a 01:20:10 da gravação.

22. Às 10:30 já aí se encontrava o engenheiro PP, que tentava desentupir o tubo que permite a passagem de água entre da mina para o poço e, o Recorrido EE foi para junto do poço para ao pé deste engenheiro. O engenheiro PP permaneceu na quinta até à hora de almoço, até cerca do meio-dia, porém o problema do entupimento não ficou resolvido, pelo que o engenheiro saiu do interior do poço e foi para a beira do Recorrido EE e depois foi embora da quinta. - cfr. depoimento de parte EE 00:21:37, depoimento de SS a 00:21:37 e TT a 00:08:00 da gravação e depoimento de PP.

23. Sensivelmente entre as 12:30 e as 13:30 foi servido o almoço num armazém à entrada da quinta, que tem um lagar e todos tomaram a refeição junto. Foi a esposa do Recorrido EE quem veio à quinta trazer a refeição e almoçaram todos num armazém à entrada da quinta. - cfr. depoimento de SS a 00:24:05 da gravação.

24. Enquanto decorria o almoço, o Recorrido EE pediu ao sinistrado GG e à testemunha SS para que desentupissem "o poço". - cfr. depoimento de SS a 00:24:05 da gravação.

25. Terminado o almoço, os jornaleiros foram tomar café a um Café da aldeia e quando regressaram (certa das 14:00) o Recorrido EE disse ao sinistrado GG e à testemunha SS para irem à mina para tentarem resolver o problema de entupimento e aos sinistrados HH e VV para irem cortar o resto da erva. - cfr. depoimento de SS a 00:24:05 da gravação.

26. Cerca das 14:30 o sinistrado GG e a testemunha SS desceram ao poço, tentaram chegar ao tubo por onde circulava a água entre o poço e a mina, mas não conseguiram por existir muita água. - cfr. depoimento de SS a 00:26:14 da gravação.

27. Ambos saíram do poço e dirigiram-se ao Recorrido EE transmitindo-­lhe que a única solução para chegar ao tubo entupido era retirar a água da mina, sendo que nesse momento o Recorrido EE pediu-lhes se tinham um motor para despejar a água e, tendo o sinistrado GG um motor em sua casa, ambos os trabalhadores foram a ... buscar o motor na carrinha da testemunha SS. - cfr. depoimento de SS a 00:26:14 da gravação.

28. Quando regressaram, o sinistrado GG e a testemunha SS colocaram o motor em cima do poço, esticaram a mangueira, mas como a mangueira não tinha tamanho suficiente para chegar à mina para extrair a água, o sinistrado GG foi falar com EE se tinha alguma mangueira para conseguirem chegar á água da mina. - cfr. depoimento de SS a 00:28:20 da gravação.

29. Após, o sinistrado GG regressou ao poço para junto da testemunha SS e, para que a mangueira que tinham chegasse à mina, foi retirada a tampa do posso, que não se encontrava vedada, e desceram o motor para o interior do poço, colocando-o a trabalhar. - cfr. depoimento de SS a 00:37:36 da gravação.

30. Ambos saíram do poço, ficando o motor a trabalhar cerca de 15 minutos. - cfr. depoimento de SS a 00:37:36 da gravação.

31. Ao Recorrido EE foi dado conhecimento por GG e SS de como estavam a executar o desentupimento da mina, das dificuldades que estavam a ter, dos instrumentos que precisavam para executar o desentupimento e que este não lhe foram disponibilizados e que não foram proibidos por este de entrar no poço o qual não estava vedado (e se tinha aloquete que abriu). - cfr. depoimento de parte EE a 00:32:00 e 00:42:00, depoimento de SS a 00:26:14, 00:28:20, 00:37:36, depoimento de TT a 00:43:46 , a 01:31:21 da gravação.

32. Ambos estiveram ao pé do Recorrido EE e, cerca das 15:30 este disse-lhes que se teria que ausentar da quinta e foi-se embora nesse momento. - cfr. depoimento de parte EE, depoimento de SS a 00:29:52, depoimento de TT a 00:03:20 da gravação.

33. GG e SS voltaram para junto do poço/mina e como uma mangueira se soltou, tiveram que descer. - cfr. depoimento de parte EE, depoimento de SS a 00:29:52 da gravação.

33. Já no interior pararam o motor, pegaram nas mangueiras e voltaram a colocar o motor a trabalhar. - cfr. depoimento de SS a 00:29:52 da gravação.

34. Porém, como a braçadeira de ligação da mangueira se soltava, tiveram que chamar o HH, o UU e o VV para os ajudar no trabalho de extração da água da mina necessário para acederem ao tubo entupido, sendo que consoante iam executando este trabalho, entravam e saiam. - cfr. depoimento de SS a 00:29:52 da gravação.

35. Não foi sentido pelos jornaleiros/jeireiros fumo ou cheiro a gases no interior do poço mina, nem tiveram consciência da perigosidade de colocar o motor no interior do poço. - cfr. depoimento de SS a 00:32:02 e 00:37:48, depoimento de MM e de NN.

36. Á medida que foram entrando no poço os jornaleiros foram perdendo os sentidos e ficaram inanimados e, em virtude dos gases que no interior se encontravam acumulados e do monóxido de carbono que inalaram, os jornaleiros GG, HH, VV e UU faleceram. - cfr. depoimento de SS a 00:32:02 e 00:37:48, depoimento de MM e de NN, TT de 00:16:00 até 00:28:00 e documental auto de notícia do inquérito de natureza criminal e relatórios de autópsia.

37. Aos pedidos de socorro da testemunha TT acorreram ao local a população da aldeia de .., nomeadamente, AAA, BBB e CCC, sendo que estes dois últimos se introduziram no poço para socorrer os demais. - cfr. depoimento de TT de 00:16:00 até 00:28:00 e documental auto de notícia do inquérito de natureza criminal e relatórios de autópsia.

38. SS e BBB ficaram inanimados/inconsciente, mas sobreviveram tendo sido transportados para o Hospital Pedro Hispano de Matosinhos - Porto. E, DDD faleceu. - cfr. depoimento de SS a 00:32:02 e 00:37:48, depoimento de MM e de NN, TT de 00:16:00 até 00:28:00 e documental auto de notícia do inquérito de natureza criminal e relatórios de autópsia.

39. Ao local acorreram o INEM-VMER e GNR, sendo que uma enfermeira do INEM se introduziu no poço sem máscara/equipamento respiratório para prestar socorro às vítimas. - cfr. depoimento de MM e de NN, TT de 00:16:00 até 00:28:00 e documental auto de notícia do inquérito de natureza criminal e anexo ao relatório de ocorrência realizado pelo Comandante dos Bombeiros de Salvação de ....

40. Quando os Bombeiros acorreram ao local, o Comandante dos Bombeiros foi informado pelo médico do INEM e pela população que estava no local em pânico que no interior do poço tinha estado a funcionar um motor com combustível e que as vítimas apresentavam sintomas de envenenamento por inalação de monóxido de carbono. - cfr. depoimento de MM e de NN, TT de 00:16:00 até 00:28:00 e documental auto de notícia do inquérito de natureza criminal e anexo ao relatório de ocorrência realizado pelo Comandante dos Bombeiros de Salvação de ....

41. Era visível a mangueira verde do motor no exterior do poço e os bombeiros visualizaram-na, sendo que um primeiro bombeiro - MM - se introduziu no poço sem máscara, para socorrer a enfermeira do INEM, tendo sentido ao descer o cheiro a combustível e gases tóxicos, mas sentindo-se "tonto" saiu, foi assistido no local e conduzido ao hospital de .... - cfr. depoimento de MM e de NN, TT de 00:16:00 até 00:28:00 e documental auto de notícia do inquérito de natureza criminal e anexo ao relatório de ocorrência realizado pelo Comandante dos Bombeiros de Salvação de ....

42. Seguidamente introduziu-se no poço um segundo bombeiro - NN - já com equipamento respiratório - e as vítimas foram socorridas/retiradas do interior do poço. - cfr. depoimento de MM e de NN, TT de 00:16:00 até 00:28:00 e documental auto de notícia do inquérito de natureza criminal e anexo ao relatório de ocorrência realizado pelo Comandante dos Bombeiros de Salvação de ....

G) Pelo que, os factos que o Tribunal a quo deu por provados a pontos 12, 13, 19, 20, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60 e os factos que deu por não provados pontos a), b), c), d), q) da decisão da matéria de facto que exarou e que afastaram a caracterizar a relação jurídica entre os sinistrados HH e GG e os Recorridos pessoas singulares como trabalhadores rurais jornaleiros/jeireiros sob as ordens e orientação e supervisão daqueles, deverão os primeiros ser considerados não provados e os segundos provados.

H) E, os factos de pontos 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 40, 61, 62, 63 dos factos dados por provados e pontos e), f), g), h), i), j), k), I), m), n), o), p) dos factos dados por não provados, referentes à caracterização/descaracterização do sinistro que vitimou mortalmente o marido e o filho da Recorrente como acidente de trabalho, deveriam os primeiros ter sido julgado como não provados e os segundos como provados.

I) Bem como os factos de pontos 46, 68 dos factos dados como provados e factos de pontos t) dos factos dados como não provados referentes a condições familiares e socioeconómicas entre os sinistrados e a Recorrente susceptíveis, conjuntamente com os "blocos" supra referidos, de integrarem as pretensões indemnizatórias desta última, deveriam os primeiros ter sido julgados não provados e o segundo provado.

J) A douta decisão recorrida, mais labora num manifesto erro de interpretação das normas que em sede das questões controvertidas que apreciou invocou para exarar a decisão absolutória dado que da factualidade provada nos autos e elencada supra resulta a realização de trabalhos agrícolas/rurais, em propriedade de exploração agrícola/rural, por parte dos sinistrados HH e GG, em benefício, proveito e sob a orientação, supervisão dos proprietário do prédio e/ou seu representante os Recorridos pessoas singulares.

K) Ora aos acidentes ocorridos na realização de "prestação de serviços" eventuais ou ocasionais, de curta duração, que assumam a natureza de trabalhos agrícolas/rurais não ficam excluídos do âmbito de protecção da legislação referente ao Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho, dado que os serviço/tarefa/trabalho que tratar/cultivar uma propriedade agrícola/rural, se tratarem de serviços requeridos em determinadas épocas do ano, integrados na exploração normal da propriedade, são periódicos e não são imprevistos, acidentais ou eventuais e ainda que o pagamento seja efectuado no fim do dia "à jorna", "à jeira", não significa que o trabalhador foi admitido só nesse dia. - cfr, Ac. STJ de 26-05-1999, disponível in Revista n.º 82/99 - 4.ª Secção, Ac. STJ de 19/06/2002, exarado no processo n.º 2773/2001 e acessível in http://www.verbojuridico.net/jurispslj/integral/2002/stj012773s.html. Ac. TRP de 20/10/2008, exarado no processo n.º 844516 e acessível in www.dgsi.pt. etc, etc, etc ...

L) Bem como, o trabalho/serviço/tarefa de numa propriedade agrícola de desentupir um tubo que, serve de ligação entre uma mina que abastece de água um poço e realizado no interior da mina/poço como aquele sobre que versam os presentes autos, é, pelos meios/utensílios ferramentas que tem que se usar para se executar é uma actividade perigosa para efeitos do disposto no art.º 493.º/2 do CC, cabendo no caso dos presentes autos aos Recorridos ter feito prova que empregaram todas as providência exigidas a fim de prevenir danos, o que não lograram conseguir. Bem pelo contrário. Não ilidiram a presunção de culpa dos danos morte de HH e GG, como resulta da explanação de itens 126 a 133 das alegações de recurso -cfr. douto Ac. TRG de 05/12/2013, exarado no processo n.º 2121/11.5TBVCT.G1 e acessivel in www.dgsi.pt.

M) Pelo que, tendo afastado a aplicabilidade Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais - Lei 98/2009 - ao objecto dos autos que ora nos ocupa, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 493.º/2 do CC, bem como os art.ºs 1.º, 2.º e 79.º da LAT, nos termos dos quais deveria ter exarado a decisão condenatória dos Recorridos EE, II, DD e BB de reparação dos danos morte de HH e GG decorrentes do acidente que ocorreu na quinta de ...

N) O que se está em crer que, apenas não se verificou a condenação dos aludidos Recorridos dado que o Tribunal a quo valorou como meio de prova «O "Livro de Expediente" de fls. 235 a 280; 304 a 349; 369 a 415" conjugado com o depoimento da testemunha TT, quando legalmente estava vedada a valoração, na medida em que tendo sido impugnado nos termos do disposto no art.º 444.º do CPC, nos termos do art.º 362.º do CC mais não se trata de um mero documento particular, uma mera declaração unilateral sustentada no elemento volitivo de quem o junta que sem outra prova cabal não terá valor.

O) Tendo sido impugnada a genuinidade do documento, quanto à assinatura que consta na capa e à letra das demais páginas, a autenticidade deste documento particular, só poderia ser aceite pelo Tribunal a quo mediante o reconhecimento tácito ou expresso do alegado signatário do documento ou através de reconhecimento judicial, o que manifestamente é impossível dado que faleceu, recaindo sobre os Recorridos EE e CC e DD que ofereceram o documento aos autos, fazer prova da veracidade da subscrição do documento pelo falecido HH, o que não lograram fazer. - cfr Acs. TRL de 10/05/2007 e de 17/09/2009 e Ac. STJ de 23/11/2005 todos acessíveis in www.dgsi.pt.

P) Competindo assim ao julgador apreciar livremente o meio de prova, o que fez em conjugação com o depoimento da testemunha TT, depoimento que se revelou selectivo, opinativo, conclusivo, contraditório do documento não se extrair a força probatória que o Tribunal a quo lhe atribuiu.

Q) Porém, na mera eventualidade de não ser dado provimento à matéria de facto e de direito impugnadas, mantendo o Tribunal ad quem a decisão absolutória quanto aos Recorridos EE, CC e DD e BB, o que só por mera hipótese se admite, sempre deverá a decisão recorrida ser modificada e condenar-se a Recorrida FF, nos termos peticionados em virtude da apólice de seguro com o sinistrado GG celebrada e em vigor à data do sinistro.

-E-

NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:

- art.s 362.º e 493.º/2 do CC;

- art.s 444.º, 667.º/3 e 615.º/1 b) e d) do CPC;

- art.ºs 1.º, 2.º, 79.º da LAT;

- Decreto-Lei n.º 197/2014, de 24 de Agosto.

-F-

MEIOS DE PROVA QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA:

- Certidão do auto de notícia dos autos de inquérito de natureza criminal que correram termos sob o processo n.º 396/12.1GBCHB, dos então Serviços do Ministério Público de ..., junta sob Doc. n.º 2 das participações na fase conciliatória e dada por reproduzida na P.I. na fase contenciosa dos autos, não impugnada;

- Certidão do requerimento de junção de "Apólice de Seguro n.º ... - BB Seguros, para trabalhos agrícolas nas propriedades de ZZ aos autos de inquérito que correram termos sob o processo n.º 396/12.1 GBCHB, dos então Serviços do Ministério Público de ... e junta pela Recorrente aos presentes autos sob Doc. 5 das participações da Fase Conciliatória e que se deu por reproduzida na Petição Inicial (P.I.) da Fase Contenciosa, não impugnada;

- Certidão da Proposta de Decisão / Decisão Administrativa e Depoimento prestado da/na Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT) extraída dos Autos de Recurso de Contraordenação n.º 399/13.9TTVRL e notificada à Recorrente nos presentes autos de Acidente de Trabalho sob ref.ª …, datada de 07/05/2015;

- Anexo ao Relatório de Ocorrência de tis. 710 a 712, elaborado pelos Bombeiros Voluntários de Salvação Pública de ...;

- Proposta de Seguro/Apólice de Seguro/Condições Gerais e Especiais do Contrato de Seguro n.º ... celebrado entre o Recorrido CC e a Recorrida BB;

- O "Livro de Expediente" de fls. 235 a 280, 304 a 349, 369 a 415;

- O depoimento de parte do Recorrido EE, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início às 10:09:48 e termo às 11:24:17;

- O depoimento da testemunha SS, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 13:58:50 e termo às 16:16:09;

- O depoimento da testemunha JJ, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 16:19:31 e termo às 16:36:37;

- O depoimento da testemunha KK, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 16:37:33 e termo às 16:52:59;

- O depoimento da testemunha LL, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início de gravação às 16:54:06 e termo às 17:01:25;

- O depoimento da testemunha MM, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 10:08:12 e termo às 10:36:28;

- O depoimento da testemunha NN, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 10:37:20 e termo às 11:02:54;

- O depoimento da testemunha TT, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 11:03:53 e termo 13:05:10;

- O depoimento da testemunha OO, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 14:26:27 e termo 14:35:41;

- O depoimento da testemunha PP, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 14:49:03 e termo 15:18:15;

- O depoimento da testemunha QQ, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 15:25:00 e termo 16:08:38;

- O depoimento da testemunha RR, documentado em acta na sessão da audiência de julgamento do dia 19/02/2016, com início de gravação às 16:16:18 e termo 16:39:52.“

No processo, em cumprimento do estipulado no art. 131º nº 1, als. c) e d) do CPT, procedeu-se à consignação dos factos assentes e à seleção dos factos controvertidos, com elaboração da base instrutória na qual cada um dos factos foi referenciado por número.

Constata-se, todavia que, pese embora esta numeração constante da base instrutória, na sentença o tribunal limitou-se a consignar os factos provados e não provados sem qualquer referência àqueles números.

É referido no acórdão revidendo: «Por seu turno é sobre a resposta dada a tal matéria que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado. É relativamente aos pontos de facto articulados ou quesitados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada.

Deste modo, a decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas, é a decisão de provado ou não provado relativamente à matéria articulada ou quesitada.

A recorrente em sede de impugnação teria que indicar as bases que tinha por incorrectamente julgadas, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento. E é a decisão que tais pontos de facto mereceram que pode ser impugnada.

Assim, também, na impugnação da matéria de facto não se fazendo por referência aos pontos de facto articulados pelas partes e antes a quesitos de uma base instrutória devidamente e oportunamente organizada, deveria ter-se conciliado cada ponto que entendia-se merecer essa impugnação à prova que se quisesse por bem salientar.»

Se bem que pertinentes, não podemos, no caso, subscrever estas considerações.

É que, não tendo o tribunal consignado a factualidade que resultou provada da discussão da causa, por referência aos respetivos números da base instrutória, entendemos que também não era exigível que a apelante a fizesse em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece o art. 640º do CPC:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

(…)”

Vejamos se a recorrente cumpriu suficientemente os ónus impostos por este preceito.

Consignou a recorrente nas conclusões da apelação, tal qual como havia procedido no corpo das alegações:

“I) Pelo que, os factos que o Tribunal a quo deu por provados a pontos 12, 13, 19, 20, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60 e os factos que deu por não provados pontos a), b), c), d), q) da decisão da matéria de facto que exarou e que afastaram a caracterizar a relação jurídica entre os sinistrados HH e GG e os Recorridos pessoas singulares como trabalhadores rurais jornaleiros/jeireiros sob as ordens e orientação e supervisão daqueles, deverão os primeiros ser considerados não provados e os segundos provados.

J) E, os factos de pontos 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 40, 61, 62, 63 dos factos dados por provados e pontos e), f), g), h), i), j), k), I), m), n), o), p) dos factos dados por não provados, referentes à caracterização/descaracterização do sinistro que vitimou mortalmente o marido e o filho da Recorrente como acidente de trabalho, deveriam os primeiros ter sido julgado como não provados e os segundos como provados.

L) Bem como os factos de pontos 46, 68 dos factos dados como provados e factos de pontos t) dos factos dados como não provados referentes a condições familiares e socioeconómicas entre os sinistrados e a Recorrente susceptíveis, conjuntamente com os "blocos" supra referidos, de integrarem as pretensões indemnizatórias desta última, deveriam os primeiros ter sido julgados não provados e o segundo provado.”

Como se vê, a recorrente, por alusão aos factos consignados na sentença e à referenciação aí feita pelo tribunal, não só concretizou os factos que impugnava como indicou qual a decisão que deveria ter sido proferida.

Não oferece, por isso, qualquer dúvida de que a recorrente cumpriu o ónus estabelecido nas alíneas a) e c) do transcrito preceito.

Mas será que observou o estabelecido na alínea b) e no nº 2, alínea a)?

Como referido, a alínea a) exige que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e a alínea c) que indique a decisão que, a seu ver, deve ser proferida sobre cada um desses factos. Por conseguinte, quando na alínea b) se exige que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos documentos, sendo caso disso, e das respetivas passagens de cada um dos depoimentos.

É que, pese embora o reforço dos “poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada” referido na “exposição dos motivos” consignados na proposta da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, no sentido de “[p]ara além de manter os poderes cassatórios” terem sido “substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”, a verdade é que a reapreciação da prova pela 2ª instância não constitui, nem pode constituir, um segundo e integral julgamento. Como é referido no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15 de fevereiro “[a] garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.

Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta...”

Ora, a recorrente nas alegações que produziu na apelação e nas respetivas conclusões, dividiu a matéria de facto provada em três partes, que denominou de “blocos distintos de factos”, nos seguintes termos:

- «Um primeiro “bloco” de factos referente aos elementos próprios caracterizadores da relação jurídica… factos de pontos 12, 13, 19, 20, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60 da matéria de facto provada e factos de pontos a), b), c), d), q) dos factos dados por não provados»;

- «Um segundo “bloco” de factos referente à caracterização/ descaracterização do sinistro… como acidente de trabalho – factos de pontos 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 40, 61, 62, 63 dos factos dados por provados e pontos e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p) dos factos dados por não provados»;

- «Um terceiro “bloco” de factos referentes a condições familiares e socioeconómicas entre os sinistrados e a recorrente… factos de pontos 46, 68 dos factos dados como provados e factos de pontos t) dos factos dados como não provados».

E relativamente a todos os “bloco[s], para além dos seis documentos que identifica, indicou o depoimento de parte de EE e as suas “contradições” com o depoimento da testemunha TT, e os depoimentos das testemunhas SS, JJ, KK, LL, MM, NN, TT, OO, PP, QQ e RR, mas sem que  indicasse os concretos meios de prova, ou seja, os documentos e as passagens de cada um dos depoimentos que impunham a pretendida alteração, por referência a cada um dos factos concretos cuja decisão impugnou.

Nas alegações (fls. 766 a 768, verso) relativamente ao depoimento da testemunha SS, para além de referenciar o dia em que foi prestado, indica o início e o termo da gravação (“na sessão da audiência de julgamento do dia 19/11/2015, com início da gravação às 13:58:50 e termo às 16:16:09”) e as diversas passagens que pretende ver reapreciadas e que, entende, impunham decisão diversa [“logo após sua identificação de 00:00:00 até 00:11:00 (zero horas, onze minutos, zero segundos) começa por declarar… sensivelmente a 00:11:20 (zero horas, onze minutos e vinte segundos da gravação refere que… sensivelmente a 00:13:15 (zero horas, treze minutos e quinze segundos) da gravação do seu depoimento a testemunha, referindo-se… sensivelmente a 00:19:10 (zero horas, dezanove minutos e segundos) da gravação refere… sensivelmente a 00:21:37 (zero horas, vinte e um minutos e trinta e sete segundos) da gravação a testemunha refere… sensivelmente a 00:24:05 (zero horas, vinte e seis minutos e catorze segundos) da gravação declara que… sensivelmente a 00:26:14 (zero horas, vinte e seis minutos e catorze segundos) da gravação mais declara que… sensivelmente a 00:28:20 (zero horas, vinte e oito minutos e segundos) da gravação continua a declarar que… sensivelmente a 00:29:52 (zero horas, vinte e nove minutos e cinquenta e dois segundos) declara… sensivelmente a 00:32:02 (zero horas, tinta e dois minutos e dois segundos) da gravação instado… respondeu…”].

E termina nos seguintes termos: «…as declarações desta testemunha impunham que a aludida matéria tivesse sido julgada como provada, especialmente os pontos a), b), c), d), e), g), h), i), j), k), l), n) excepcionando “ao HH”, o), p), q) substituindo “recebeu instruções do HH e do GG” por “recebeu instruções do EE”.»

Pese embora estas referências, também omitiu, relativamente a cada um dos factos, as concretas passagens da gravação que impunham a pretendida alteração.

Acresce que, com exceção do depoimento das testemunhas SS, QQ e TT, limitou-se a indicar o início e o termo da gravação sem concretizar e sem ao menos transcrever os excertos do depoimento cuja reapreciação pretendia.

A fórmula adotada pela recorrente, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, consistiu, na prática, em “atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”, meio processual de impugnação que o legislador quis afastar, como expressamente referiu no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15 de fevereiro, atrás parcialmente transcrito.

As conclusões são a súmula das alegações e delas fazem parte integrante.

É certo que este Supremo Tribunal vem aceitando, nomeadamente no aresto que a recorrente invoca e em outros desta Secção que poderíamos referenciar, alguma maleabilidade relativamente ao cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC. Porém, essa menor exigência reporta-se às conclusões e aos casos em que as alegações permitem, de alguma forma, suprir o incumprimento dos referidos ónus nas conclusões.

É, por conseguinte, evidente que a recorrente não cumpriu o ónus imposto na alínea b), do nº 1, do art. 640º, do CPC.

4.2 – Se o art. 640º do CPC na interpretação dada no acórdão recorrido é inconstitucional por violação do princípio da certeza e segurança jurídicas.

Invoca ainda a recorrente que “[a] errada aplicação feita pelo Tribunal da Relação do disposto no art.º 640.º/1 e 2 do CPC de forma a rejeitar a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto recorrida e, consequentemente, decidindo julgar improcedente a Apelação, traduz-se na violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, que encontra expressão maior no princípio do Estado de Direito expressamente consagrado no art.º 2.º da CRP, na medida em que, deixa de implicar um mínimo de segurança e certeza no direito ao recurso da decisão da matéria de facto que a cada Recorrente assiste, gorando-lhe as expectativas juridicamente criadas de ver julgado de forma procedente ou improcedente as suas pretensões recursivas.”

É unânime o entendimento da doutrina de que o princípio da proteção da confiança e da segurança e certeza jurídica decorre do princípio geral do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da CRP.

Dispõe este preceito: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.“

O princípio da tutela da confiança na vertente da segurança jurídica, que é o aqui questionado, conexiona-se com a previsibilidade do direito e a tutela das legítimas expetativas, e tem “…por finalidade proteger expectativas de confiança legítima nos atos de criação ou de aplicação de normas mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento e confiabilidade na efectividade de direitos e liberdades assegurada como direito público fundamental” ([5]).

Ora, não se descortina em que medida é que o art. 640º do CPC na interpretação levada a cabo pela Relação, e que aqui se avaliza, colide com o princípio da certeza e segurança jurídica.

Para que a recorrente lograsse atingir o seu objetivo de ver reapreciada pela Relação a matéria de facto, bastar-lhe-ia ter observado os requisitos de impugnação, expressa e claramente estabelecidos no preceito e sobre os quais existe já vasta jurisprudência.

Donde concluímos que não se verifica a invocada inconstitucionalidade.

6 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 20.12.2017

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

__________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] Heleno Taveira Torres, DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO E SEGURANÇA JURÍDICA – METÓDICA DA SEGURANÇA JURÍDICA DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO, Editora Revista dos Tribunais, 2011, págs. 187 e 188.