Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27885/17.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: DIREITO A FÉRIAS
ÓNUS DA PROVA
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
COMISSÕES
Data do Acordão: 05/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O direito a férias remuneradas nasce com a celebração do contrato de trabalho e não com a sua violação, pelo que o trabalhador tem apenas de provar que é trabalhador subordinado para exigir a retribuição correspondente ao período de férias.
II. As comissões são contrapartida do trabalho, mas não contrapartida do modo específico da prestação de trabalho, não integrando, por conseguinte, o subsídio de férias.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 27885/17.9T8LSB.L1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

I. Relatório

AA na ação declarativa emergente de contrato de trabalho, com processo comum, que instaurou contra as sociedades FRK - SERVIÇOS DEMARKETING NA INTERNET, S.A., ACTUALSALES GROUP, SGPS, S.A., PHT PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA. e BB, veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos conjugados dos artigos 671.º, n.º 1 e 3, e 672.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi n.º 6 do art.º 81.º do Código de Processo do Trabalho, com as seguintes Conclusões:

a) Vem o Recorrente interpor Recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça relativamente à absolvição da Recorrida no pagamento de férias não gozadas, tendo-se considerado que o ónus de prova nesta matéria pertence ao trabalhador, sendo a este que cabe provar a falta do gozo das férias (€ 19.365,79).

b) Tal decisão foi proferida com voto do vencido da Exma. Senhora Juiz Desembargadora CC e está em contradição com outros acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação de Évora e do Porto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, mais concretamente os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 09-06-2016 (P. 377/13.8TTFAR.E1) e do TRP de 27-10-2003 (P. 0313004), ambos acessíveis em www.dgsi.pt., pelo que é admissível recurso de revista nos termos conjugados dos artigos 671.º, n.º 1 e 3, e 672.º, n.º 1, alínea c), todos do CPC, aplicáveis ex vi n.º 6 do art. 81.º do CPT.

c) Vem o Recorrente também interpor revista da absolvição da Recorrida no pagamento dos diferenciais de subsídio de férias, tendo-se considerado que as comissões não integram a base de cálculo do subsídio de férias (€ 18.334,54), o que está em contradição com (pelo menos) outro acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, mais concretamente o Acórdão do TRP de 07-07-2016 (P. 2201/15.8T8VNG.P1, in www.dgsi.pt), pelo que é admissível revista nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi n.º 6 do art. 81.º do CPT.

d) A posição seguida no aresto sub judice quanto ao ónus de prova em matéria de direito a férias não pode ser acolhida, porque como lapidarmente refere a Exma. Senhora Desembargadora, Dra. CC, no seu voto de vencida, "em matéria de incumprimento, compete ao devedor alegar e provar que cumpriu".

e) É particularmente infundada e reveladora do vício de raciocínio que subjaz à posição em crise a comparação traçada entre o direito a férias e ao trabalho suplementar: no que tange ao trabalho suplementar, é efetivamente ao trabalhador que compete alegar e provar que (i) prestou trabalho fora do horário determinado e que (ii) fê-lo por determinação da entidade empregadora ou em circunstâncias em que era previsível a não oposição desta.

f) Na verdade, o direito ao pagamento de trabalho suplementar não é algo que “nasce” por mero efeito da vigência do contrato de trabalho, mas sim por efeito das já referidas vicissitudes que transcendem essa vigência, as quais obviamente compete ao trabalhador provar (cfr. artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil), enquanto manifestos factos constitutivos do direito em questão.

g) É algo que simplesmente não tem comparação com o direito a férias: este “nasce” por mero efeito da vigência do contrato de trabalho, vencendo-se no dia 1 de janeiro de cada ano (salvo no ano de admissão, em que se vencem 2 dias por cada mês de contrato, com o limite de 20 dias), nos termos previstos nos artigos 237.º e seguintes do Código do Trabalho.

h) Por outro lado, é indubitável que é sobre o empregador que recai a obrigação de assegurar o gozo das férias, procedendo para o efeito à marcação, elaboração e afixação do mapa de férias, ano após ano (cfr. artigo 241.º do Código do Trabalho), pelo que o cumprimento dessa obrigação constitui claramente facto extintivo do direito do trabalhador, do mesmo modo que o pagamento do salário e/ou subsídios correspondem a factos extintivos desses direitos (os quais, à semelhança das férias, “nascem” por mero efeito da lei e da vigência do contrato de trabalho), pelo que o ónus de prova nessa matéria pertence inquestionavelmente ao empregador, nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil: “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”;

i) E a Recorrida não só não cumpriu esse ónus, como inclusive confessou abertamente o total incumprimento das suas obrigações legais (o que, incompreensivelmente, não mereceu sequer uma palavra no aresto sub judice): a sua defesa foi que (vide artigos 68.º e 70.º da contestação) o Recorrente “…tinha prerrogativas de autoridade dentro do Grupo “ActualSales”, o que, em termos decisórios, lhe conferia a possibilidade de nem sequer ter de marcar as férias com o Departamento de Recursos Humanos da empresa…”, e que “o Autor gozava as férias que bem queria e quando lhe apetecia, nunca lhe tendo sido recusado qualquer gozo parcial ou da totalidade das suas férias por quem quer que fosse, dentro do Grupo “ActualSales”.

j) Tais alegações não têm o mais pequeno fundamento legal: era a Recorrida FRK, enquanto entidade empregadora do Recorrente, que tinha a obrigação legal de, todos os anos, proceder à marcação de férias e elaborar o respetivo mapa (cfr. artigo 241.º do Código Civil) e, do mesmo modo, era a Recorrida FRK que tinha o ónus de provar os factos extintivos do direito em questão, ou seja, que as férias na verdade foram gozadas na íntegra ou, pelo menos, que foram dadas a gozar, nomeadamente através da atempada marcação nos termos legais.

k) A Recorrente nem sequer tentou demonstrar tal cumprimento porque sabe perfeitamente a verdade, ou seja, durante toda a vigência do contrato de trabalho descurou por completo os seus deveres legais enquanto entidade empregadora (como aliás confessa) e o Recorrente nunca gozou a totalidade das férias vencidas ao longo da relação.

l) E não tendo a Recorrida FRK cumprido minimamente o ónus que sobre si impendia (antes pelo contrário), deve ser condenada no pagamento dos 75 dias de férias vencidos e não gozados ao longo da relação, sendo que esse pagamento deve atender não apenas à retribuição base, mas também à média das comissões, num total nunca inferior a € 19.365,79. Por outro lado:

m) Também merece reparo a decisão de manter a absolvição da Recorrida no pagamento das diferenças a título de subsídio de férias, por se entender que as comissões não integram a base de cálculo desse subsídio, pois supostamente não configuram “contrapartida do modo específico da execução do trabalho” (cfr. artigo 264.º, n.º 2 do CT2009 e artigo 255.º, n.º 2 do CT2003), mas tão-só “modo específico de retribuir o trabalho”.

n) Parece-nos desacertado tal argumento, o qual confunde realidades distintas: o que configura apenas “um modo específico de retribuir o trabalho” seria, por exemplo, um prémio de desempenho, o qual não está minimamente ligado às funções que o trabalhador exerce, mas tão-só ao seu desempenho, o mesmo se aplicando, por exemplo, a um bónus extraordinário, atribuído à generalidade dos trabalhadores devido aos bons resultados da empresa.

o) Porém, as comissões não podem ser colocadas neste mesmo plano, pois apenas são praticadas no caso de trabalhadores que têm com funções angariar negócio para a sua entidade empregadora, sendo remunerados em função disso.

p) Portanto, s.m.o. as comissões não se tratam de um simples “modo específico de retribuir o trabalho” (isso seria o caso de um simples prémio de desempenho), mas sim de uma verdade “contrapartida do modo específico da execução do trabalho”, na medida em que faz parte das funções do trabalhador angariar negócio e é essa a ratio das comissões.

q) Desta forma, é devido ao Recorrente a título de diferencial do subsídio de férias pago ao longo da relação (integração no respetivo cálculo dos valores médios das quantias auferidas a título de comissões) um montante total não inferior a € 18.334,54, impondo-se tal condenação.

E concluía pedindo que fosse dado provimento ao recurso, “revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se a sua substituição por outra que declare que condene a Recorrida no pagamento das férias vencidas e não gozadas (nunca menos de € 19.365,79) e das diferenças de subsídio de férias (nunca menos de € 18.334,54), devendo ainda esta ser condenada no pagamento de custas, procuradoria condigna”.

O Relator proferiu despacho a remeter para a Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, junto desta Secção Social a decisão sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade quanto ao segmento do recurso em que este foi interposto como revista excecional, a saber, da inclusão, ou não, das comissões no cálculo do subsídio de férias.

O Relator nesse mesmo despacho não admitiu o recurso interposto pelo Réu BB.

Por Acórdão da Formação de 13 de janeiro de 2021 foi admitida a revista excecional.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPC o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo Autor.


II. Fundamentação


a) De Facto

Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:
1. A Ré FRK, S.A. dedica-se essencialmente à prestação de serviços e consultadoria nas áreas das tecnologias de informação, informática, marketing, publicidade e design e tem como administrador único o R, BB.
2. A Ré ActualSales, SGPS, S.A. é a acionista maioritária da Ré FRK, detendo 92,5 % do capital social desta última.
3. O Réu BB detém o capital social e é o beneficiário efetivo da Ré ActualSales 0 SGPS, S.A.
4. A Ré PHT Portugal, Unipessoal Ld.a tem como sócio único uma sociedade com sede em Malta, denominada Proprietary Holding Technology Limited.
5. O Réu BB detém o capital social e é o beneficiário efetivo da sociedade Proprietary Holding Technology Limited.
6. Por acordo escrito, datado de 12.01.2009 e denominado 'contrato de trabalho sem termo', o A. foi admitido ao serviço da sociedade por quotas de responsabilidade limitada ActualSales - Serviços de Marketing na Internet, Ld.a, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de ..., com o horário de 40 horas semanais, de acordo com o horário em vigor no departamento ou secção em que estivesse colocado.
7. Como contrapartida da atividade prestada pelo A., a sociedade ActualSales, Ld.a obrigou-se a entregar ao A. a quantia mensal ilíquida de € 2.250,00.
8. A sociedade ActualSales, Ld.a, obrigou-se ainda a entregar ao A. as seguintes quantias:
8.1 O reembolso dos custos razoavelmente incorridos em representação do empregador, até ao montante de € 700,00 e mediante apresentação dos respetivos comprovativos, de acordo com as normas internas do empregador;
8.2 Uma comissão conforme definida no Anexo I ao acordo escrito indicado em 6), com o valor mínimo anual de € 15.000,00;
8.3 Subsídio de alimentação diário, no valor de € 6,17 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, o qual será pago mensalmente e em conjunto com a retribuição mensal indicada em 7.
9. O acordo indicado em 6) foi celebrado por tempo indeterminado, produzindo efeitos a partir do dia 12 de janeiro de 2009.
10.  As partes acordaram ainda que quaisquer alterações ou aditamentos ao acordo indicado em 6), seus anexos, 'side letters', promessas, permissões, renúncias e acordos, a existirem, seriam exclusivamente acordadas por escrito, não sendo válidos quaisquer acordos verbais.
11.  Do anexo I ao acordo escrito indicado em 6) constam, entre outros, os seguintes dizeres: 'Cálculo das Comissões
1. O Trabalhador receberá mensalmente uma comissão relativa ao sucesso dos seus projetos conforme descrita neste anexo.
2. A comissão será aplicável após o período de formação.
3. A comissão será calculada por projeto com base no tipo de projeto e recursos envolvidos. Os projetos podem ter mais ou menos intervenção de vários colaboradores e assim a comissão será repartida pelos diferentes elementos da equipa.
4. O valor da comissão a repartir será até 5,5% da margem bruta de cada campanha e até 10% de projetos de webdesign angariados e desenvolvidos, calculado a partir da margem bruta de cada campanha e a margem bruta da campanha é igual a receita cobrada ao cliente menos os custos diretos da campanha com Publicidade, serviços de posicionamento, redes de afiliados e outros custos com fornecedores com impacto direto no sucesso da campanha.
5. A comissão devida ao trabalhador resultará da divisão da comissão decidida mensalmente pelo Administrador responsável pelo pelouro da área comercial.
6. As comissões relativas a um mês serão pagas no mês seguinte.
7. Este esquema de comissões será revisto trimestralmente e anexo ao contrato de trabalho.'
12.  Por acordo escrito, datado de 1 de Novembro de 2010, a sociedade ActualSales - Serviços de Marketing na Internet, Ld.a, entretanto convertida em sociedade anónima, cedeu à sociedade FRK - Serviços de Marketing na Internet, S.A., a posição contratual por si assumida no acordo indicado em 6), com todos os direitos e obrigações dali decorrentes.
13. - No escrito indicado em 12) o A. declarou ter tomado conhecimento da cessão, que aceitou e autorizou, passando a reconhecer a sociedade FRK, S.A. como sua entidade patronal.
14.  A cessão de posição contratual indicada em 12) foi feita com expressa salvaguarda da antiguidade, categoria profissional e direitos adquiridos pelo Autor à data de 12.01.2009.
15.  No final do ano de 2016 o A., por sua iniciativa, decidiu por termo ao acordo indicado em 6), tendo tal acordo cessado em 31.12.2016.
16.  À data de 31.12.2016 o A. auferia como contrapartida da sua atividade, o valor base mensal ilíquido de € 3.300,00.
17. O subsídio de férias foi sempre pago ao Autor atendendo apenas ao valor base mensal ilíquido por si auferido.
18. O Autor usufruía de uma viatura automóvel para uso total, da marca …, modelo TT, com a matrícula …-LF-…, sendo o respetivo renting, no valor de € 821,16 mensais, suportado pela Ré FRK, S.A.
19.  O Autor sempre usou irrestritamente tal viatura na sua vida pessoal, nas deslocações da residência para o local de trabalho, nas deslocações pessoais que fazia antes ou depois da jornada de trabalho, aos fins de semana, nos feriados e nas férias.
20. A partir de agosto de 2015 (inclusive) a R. FRK, Ld.a deixou de suportar o renting da viatura automóvel indicada em 18), atribuída ao Autor para uso total, em virtude do A. ter exercido a opção de compra da referida viatura.
21. - Após o Autor ter adquirido a viatura …, a Ré FRK, Ld.a adquiriu em substituição uma outra viatura automóvel da marca …, modelo Classe … para uso profissional e pessoal dele (exceto uma a duas horas por semana) (alterado pelo Tribunal da Relação).
22. - A partir de julho de 2012 o A. passou a assumir tarefas de supervisão da sociedade comercial com a firma Content Ignition - CIG.
23. - A sociedade comercial Content Ignition faz parte do grupo de empresas ActualSales.
24. - Com data de 9 de janeiro de 2014, o A. enviou mensagem de correio eletrónico ao R. BB, contendo, entre outros, os seguintes dizeres: '´BB, para clarificar, à remuneração atual (vencimento + comissões FRK e CIG), acresce-se 5% do EBITDA das sociedades do ASGROUP SGPS exceto FRK porque já faz parte da remuneração como acionista (ASPT, ASPR2, , CIG, NA, D2S, ADROI). (...) É isto?'.
25.  Com data de 9 de janeiro de 2014 o R. BB enviou mensagem de correio eletrónico ao A., contendo os seguintes dizeres: 'Será já pago assumindo que não há expurga de Outros Custos Acionistas que serão compensados após o seu apuramento que levará algum tempo, sim.'.
26.  O valor global das comissões devidas ao A., pela atividade que prestou para a sociedade FRK, S.A. no período temporal compreendido entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2016 e CIG no período temporal compreendido entre 09-01-2014 e o final do ano de 2016 ascende a quantia não concretamente apurada (alterado pelo Tribunal da Relação).
27.  Em data não concretamente apurada, mas posterior a 24 de agosto de 2012, o R. BB, na qualidade de representante da sociedade FRK, S.A. apôs a sua assinatura no escrito denominado 'contrato de prestação de serviços', com data manuscrita de 24 de agosto de 2012, pelo qual a sociedade FRK, manifestando interesse em desenvolver a sua atividade com recurso a soluções de outsourcing acordou com a sociedade Proprietary Trading Technology Limited, com sede em Malta e aí constituída e matriculada, na prestação por esta última sociedade à FRK, por si ou através dos seus fornecedores, serviços nas áreas de informação tecnológica, informática serviços de conceção de marketing e da internet, nomeadamente rastreio de tráfego de internet, gestão de contactos, gestão do processo CRM e análise de funil, reconhecendo que o software e a tecnologia utilizados na prestação dos serviços, bem como a sua estrutura, organização e códigos fonte constituíam e continham segredos comerciais da sociedade Proprietary Trading Technology Limited, mediante a contrapartida de comissões detalhadas no Anexo 2 ao acordo.
28.  Os serviços indicados em 27) consistiam no desenvolvimento da plataforma de monitorização proprietária para otimização em tempo real das campanhas online; no desenvolvimento da componente CRM da plataforma de monitorização proprietária; no desenvolvimento de outros serviços paralelos à plataforma de monitorização proprietária, incluindo, sem limitação, serviços como: filtros de conteúdo, base de dados de contactos, gerador de campanhas.
29.  Nos termos do Anexo 2 ao acordo indicado no artigo anterior, o preço dos serviços prestados pela Proprietary Trading Technology Limited à FRK seria determinado mensalmente, baseado na atividade real medida na Plataforma de Monitorização Proprietária. As comissões corresponderiam a 7,5% das vendas geradas através da plataforma de monitorização e seriam apresentadas por fatura.
30.  A sociedade Proprietary Trading Technology Limited foi constituída pela sociedade Amicorp Services, Limited, e foi representada na celebração do acordo indicado em 27), por DD, na qualidade de gerente da Amicorp Services, Limited, tendo como beneficiário efetivo o R. BB.
31.  A sociedade Proprietary Trading Technology Limited teve a sua sede registada na sede da empresa Amicorp Limited e apenas tinha uma funcionária que prestava serviços administrativos à sociedade.
32.  A plataforma de monitorização proprietária indicada em 28) era designada como 'Actual Trade' e foi criada e desenvolvida em 2007 pelo R. BB e por EE, sendo detida pela FRK, desde a sua constituição até à data da celebração do acordo indicado em 27).
33.  Até à data de celebração do acordo indicado em 27) os serviços no mesmo contemplados eram realizados pelos funcionários da sociedade FRK., e continuaram por estes a ser realizados após tal data.
34.  Foram criados sítios na internet para a sociedade Proprietary Trading Technology Limited.
35.  No período temporal compreendido entre 12-10-2012 e 12-04-2016, a sociedade Proprietary Trading Technology Limited, faturou à sociedade FRK, S.A. a quantia de € 2.060.095,89.
36.  A sociedade Proprietary Trading Technology Limited faturou serviços prestados pela FRK, S.A. a clientes desta última sociedade, pela quantia de € 1.184.905,38.

38.  A sociedade Ad Roi não presta serviços à FRK, S.A. e é também utilizada para acertos de contas entre empresas do Grupo.
39.  A Ad Roi faturou à FRK, em 2015 a quantia de € 139.976,74 e em 2016, a quantia de € 46.613,79-fls. 1130.
39-A. Foram desviados da Ré FRK para a Ad Roi, pelo menos, € 431.604,51 (aditado pelo Tribunal da Relação)
40.  A sociedade Actual Sales, SL, é uma sociedade que teve sede em Madrid e no presente tem sede em Barcelona e que tem como sócios ActualSales Group S.A. e ActualSales - Serviços de Marketing na Internet, S.A.
41.  A sociedade Actual Sales SL faturava aos clientes da FRK, sediados na Argentina, em virtude de Espanha ter acordos com a Argentina para evitar a dupla tributação.
42.  A sociedade Actual Sales, SL dedicava-se à geração de 'Leads', com área de atuação em sobreposição com a sociedade Content Ignition, e não prestava serviços à sociedade FRK.
43.  A sociedade Actual Sales SL faturou à sociedade Total Tim, com sede em Portugal e cliente da FRK, a quantia de € 46.187,21, em agosto de 2017, a quantia de € 19.442,90 em outubro de 2017.
44.  A sociedade Actual Sales SL faturou a clientes da RFK, a quantia global de € 483.843,00.
45.  A sociedade FRK entregou a Actual Sales, SL, as seguintes quantias: 45.1  € 68.108,00 em fevereiro de 2017.
45.2. € 52.784,00 em março de 2017.
45.3. € 143.651,00 em maio de 2017.
45.4. € 51.329,00 em junho de 2017.
45.5. 6 144,00 em julho de 2017.
46. Está descrita na CRP de …, sob o n.º …, a fração autónoma do prédio urbano, sito na Rua …, freguesia da …, constituída por habitação - '…' no piso … - T…- com entrada pela Rua … n.° …, inscrita a favor de PHT Portugal, Unipessoal, Ld.a, por compra, pela Ap. … de 15 de Março de 2017.
47. A R. PHT Portugal adquiriu o imóvel indicado em 46) com dinheiro proveniente de um empréstimo da sociedade PHT Malta que foi registado na contabilidade desta última empresa como suprimento e mais tarde foi convertido em prestações suplementares.
48. Por procuração autenticada no dia 2 de novembro de 2016, o Réu BB, em representação da sociedade FRK, S.A., constituiu seu mandatário o A., a quem conferiu os poderes necessários para representar e vincular em seu nome a sociedade mandante nos poderes necessários para representar e vincular em seu nome a sociedade mandante nos atos descritos a fls. 541, que aqui se dão por reproduzidos.
49. O Autor passou, a partir de 2012, a ser acionista minoritário da Ré FRK, primeiro com uma participação social de 5%, que foi aumentando até aos 7,5%.
50. A Ré FRK, S.A. entregou ao A. a quantia de € 144.352,14 a título de dividendos do ano de 2014.
51. A Ré FRK não entregou ao A. a quantia devida a título de proporcionais de férias e subsídio de férias atinentes ao serviço prestado no ano de cessação do acordo celebrado entre as partes.
52. A R. FRK não entregou ao A. as quantias atinentes a essas comissões (alterado pelo Tribunal da Relação; a versão originária era: A Ré FRK não entregou ao A. as quantias atinentes às comissões FRK e CIG por referência ao período temporal compreendido entre janeiro de 2011 e dezembro de 2016 para a FRK e julho de 2012 e dezembro de 2016 para a CIG).

b) De Direito

São apenas duas as questões que se suscitam no presente recurso, a saber:
- como se distribui o ónus da prova quando o trabalhador invoca o seu direito a férias?
- devem as comissões integrar o subsídio de férias, contando para o cálculo deste?

Quanto à primeira questão importa, desde logo, ter presente que o que o trabalhador veio pedir foi que lhe fosse paga a retribuição singela correspondente às férias a que tinha direito e não o direito à compensação no valor do triplo da retribuição previsto no n.º 1 do artigo 246.º do CT para os casos em que o empregador obsta injustificadamente ao gozo das férias do trabalhador.
Foi face a este pedido que o Acórdão recorrido, por maioria, afirmou que “face às regras de distribuição do ónus da prova citadas [as constantes do artigo 242.º do Código Civil], dúvidas não existem de que alegando o A. o não pagamento de férias vencidas e não gozadas (o segundo dos factos essenciais de que depende a verificação do seu direito de crédito), o ónus da prova do correspondente facto extintivo, i.e., de que o pagamento ocorreu, pertence aos RR  (…) só se irá equacionar o pagamento das férias vencidas caso as mesmas não tenham sido gozadas (…) o ónus da prova da falta de gozo das férias é do A., porquanto consubstancia facto constitutivo do direito invocado (o direito ao pagamento das mesmas)”. O Acórdão recorrido traça a este propósito um paralelo com o que sucede em matéria de trabalho suplementar nestes termos: “a situação é similar à da prestação de trabalho fora do horário, pois que também aí se aceita pacificamente que o contrato de trabalho confere ao trabalhador o direito a estar disponível para prestar trabalho dentro de um certo horário e à consequente retribuição do trabalho suplementar (prestado além dele), mas também que correm por sua conta os ónus da alegação e da prova de que o prestou”.
Já a declaração de voto de vencido sustenta que cabe ao empregador o ónus de alegar e provar que deu as férias a gozar ao trabalhador.
A solução deve hoje ser procurada, como se dirá, não apenas nos quadros do direito interno, mas também do direito da União.
Começando pelo direito interno, há, no entanto, que sublinhar que a decisão sobre qual é o facto constitutivo do direito invocado pelo trabalhador tem que partir da premissa de que, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 237.º do CT, “o trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de janeiro”. Ou seja, a aquisição do direito a férias, que implica necessariamente a sua retribuição (férias retribuídas, na expressão legal), decorre da qualidade de trabalhador subordinado, sendo que o direito a férias (e à respetiva retribuição) não resulta da violação do contrato de trabalho, como pretende o Acórdão recorrido. Embora a lei já não diga expressamente, como no passado, que o direito a férias se adquire com a celebração do contrato de trabalho, pode afirmar-se, com LUIS MIGUEL MONTEIRO[1] que essa regra da aquisição das férias pela celebração do contrato “pode considerar-se implícita na natureza laboral do direito”.
Para pedir a retribuição a que tem direito durante as férias – não está em jogo, repete-se qualquer compensação pelo seu não gozo – o trabalhador tem apenas que invocar a sua qualidade de trabalhador subordinado, cabendo ao empregador alegar e provar que cumpriu o seu dever de proporcionar o gozo das férias retribuídas ao trabalhador.
Mas, como já referimos, importa ter ainda em atenção que o direito a férias está hoje também consagrado no artigo 7.º da Diretiva 2003/28, bem como no artigo 31.º, n.º 2 da Carta[2], pelo que “o direito a férias anuais remuneradas de cada trabalhador deve ser considerado um princípio do direito social da União”[3] (n.º 19). Acresce que “o direito a férias anuais remuneradas não só se reveste de particular importância enquanto princípio do direito social da União, como está expressamente consagrado no artigo 31.º, n.º  2, da Carta, à qual o artigo 6.º, n.º1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que os Tratados”[4]. Em conformidade, “a entidade patronal deve, nomeadamente, tendo em conta o caráter imperativo do direito a férias anuais remuneradas e a fim de garantir o efeito útil do artigo 7.º da Diretiva 2003/88, garantir de forma concreta e com total transparência que o trabalhador esteja efetivamente em condições de gozar as suas férias anuais remuneradas, incentivando‑o, se necessário formalmente, a fazê‑lo, e informando‑o, de forma precisa e em tempo útil para garantir que as referidas férias sejam adequadas para assegurar ao interessado o repouso e descontração que devem permitir, de que, se não as gozar, serão perdidas no termo do período de referência ou de um período de reporte autorizado”[5] (n.º 45) e “o ónus da prova nesta matéria cabe à entidade patronal”[6]
Assim, não é o trabalhador quem tem de juntar ao processo os mapas de férias, como defende o Acórdão recorrido, mas o empregador quem tem de provar que cumpriu o seu dever de proporcionar o gozo das férias, devendo proceder, quanto a esta questão, o presente recurso.

Relativamente à segunda questão importa ter presente que o n.º 2 do artigo 264.º do CT confere ao trabalhador, além da retribuição durante as férias, a que se refere o n.º 1 do mesmo preceito, um subsídio de férias, “compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho correspondentes à duração mínima das férias”.
Resulta da lei que o legislador quis manter a solução, aliás já consagrada no Código de 2003, no seu artigo 255.º, que distingue entre o montante da retribuição das férias e o montante do respetivo subsídio. Este último montante não coincide necessariamente com aquele, podendo ser-lhe inferior porquanto apenas abrange a retribuição base e as prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho. A utilização desta fórmula implica que nem toda a retribuição, ou seja, nem toda a contrapartida do trabalho a que o trabalhador tem direito nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos (artigo 258.º, n.º 1 do CT) é, ao mesmo tempo, contrapartida do modo específico da execução do trabalho. As comissões são contrapartida do trabalho (e integram por isso a retribuição devida durante as férias). Pode, até, afirmar-se que só podem ter lugar em certos modos de execução do trabalho que permitem a individualização do resultado da prestação do trabalhador, mesmo quando inserido em um grupo ou equipa, como sucedia no caso vertente. O seu escopo é o de incentivar o trabalhador a uma maior produtividade, como sucede em geral com as retribuições dependentes do resultado. Mas não se pode afirmar que sejam a contrapartida do modo específico da execução da prestação – a expressão utilizada pelo legislador não se basta com uma prestação paga por ocasião de um certo modo de execução do trabalho, mas exige que a mesma seja contrapartida, ou seja, como refere JOANA VASCONCELOS, correspetivo[7] deste modo específico da execução do trabalho. Assim, só deverão ser abrangidas no cálculo do subsídio de férias as prestações que, além de serem retributivas (contrapartida do resultado do trabalho), sejam também uma compensação específica por aquele modo de execução do trabalho, o qual pode revelar-se, por exemplo, mais penoso ou mais arriscado. As comissões não satisfazem este último requisito não devendo, por conseguinte, contar para o cálculo do subsídio de férias. Neste aspeto há, pois, que confirmar o Acórdão recorrido.

III. Decisão

Concedida parcialmente a revista, procedendo o pedido relativamente ao pagamento das férias vencidas, a liquidar na fase da execução, mas improcedendo o pedido respeitante à contagem das comissões para efeitos de subsídio de férias.
Custas do recurso pelo Recorrente e pelo Recorrido na proporção do decaimento.

19 de maio de 2021

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros adjuntos Joaquim António Chambel Mourisco e Maria Paula Moreira Sá Fernandes votaram em conformidade.

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)

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[1] LUIS MIGUEL MONTEIRO, Anotação ao artigo 237.º do CT, in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, Coimbra, 13.ª ed., 2020, p. p. 602.
[2] Sobre o tema cfr. MILENA ROUXINOL, A violação do direito a férias – contributo para a leitura do artigo 246.º do Código do Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho 2020, tomo I, pp. 253 e ss.
[3] Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de novembro de 2018, processo C-684/16, Max-Planck-Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaft e.V. contra Tetsuji-Shimizu, n.º 19.
[4] Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de novembro de 2018, cit., n.º 20.
[5] N.ª 45.
[6] N.º 46.
[7] JOANA VASCONCELOS, Anotação ao artigo 264.º do CT, in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, Coimbra, 13.ª ed., 2020, p. 657. Cfr., igualmente, MILENA ROUXINOL, O Direito a Férias, in Direito do Trabalho – Relação Individual, João Leal Amado e Outros, Almedina, Coimbra, 2019, p.735, que exprime reservas quanto à possibilidade de incluir as comissões no cálculo do subsídio de férias.


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