Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21127-A/1980.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRIVAÇÃO DE CAPITAL FINANCEIRO
JUROS REMUNERATÓRIOS
INFLAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO DO CAPITAL
OBRIGAÇÕES FISCAIS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO DEVEDOR / JUROS DE MORA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DELIMITAÇÃO DO RECURSO / JULGAMENTO DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 805.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º5, 682.º, N.º3, 683.º, N.º1.
Sumário :
1. Decidido que a indemnização pelo lucro cessante, decorrente da ilícita ocupação de um imóvel durante certo período temporal, corresponde aos rendimentos (juros) que poderiam ter sido proporcionados ao lesado pelo activo financeiro, correspondente ao valor fixado nos autos para o prédio, se aplicado financeiramente em depósitos bancários, não pode quantificar-se a indemnização devida através da cumulação real entre a correcção monetária do capital inicial, feita em função dos índices de inflação verificados, e do simultâneo vencimento de juros remuneratórios às elevadas taxas então praticadas pela banca, por tal envolver duplicação do efeito da desvalorização monetária na quantificação do montante indemnizatório arbitrado.

2. Só existe dano do lesado na medida em que este tenha ficado efectivamente privado, no seu património, dos valores remuneratórios normalmente auferíveis com o capital financeiro que esteve impossibilitada de dispor durante o período temporal da ocupação – não traduzindo lucro cessante os valores pecuniários que, a ter ocorrido a referida rentabilização na banca, devessem necessariamente reverter (nomeadamente através dos mecanismos de retenção na fonte) para a administração tributária, a título de imposto devido pelos rendimentos de certo capital financeiro.

3. Não existindo nos autos elementos factuais suficientes para quantificar a indemnização, segundo o critério normativo tido por adequado, e implicando a aquisição processual dos mesmos preferencialmente a realização de perícia contabilístico-financeira, insusceptível de se realizar no âmbito de um recurso de revista, cumpre fixar desde logo tal critério normativo, determinando-se a remessa dos autos às instâncias para, mediante tal diligência probatória, se definir cabalmente o quadro factual essencial à justa composição da lide.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. A Sociedade AA, S.A., instaurou, em 26/05/1998, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, contra o Município de Almada, execução de sentença, com dedução de liquidação preliminar articulada, a pedir o pagamento de uma indemnização no valor 1.233.793.506$00, equivalente a € 6.154.163,00, acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da sentença exequenda, decorrente da ocupação ilícita de um prédio - propriedade da exequente - desde 1977.

O Município executado contestou aquela liquidação, sustentando, em resumo, que não existe nexo de causalidade entre a ocupação e parte dos danos alegados, impugnando ainda tanto a existência como o valor dos prejuízos alegados, que considera não deverem ultrapassar o montante de 283.350$00, equivalente a € 1.413,34.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a liquidação, fixando-se a indemnização global no montante de € 1.533.288,53, correspondente à soma de € 1.283.889,59, a título de danos emergentes, e de € 249.398,94, relativos a lucros cessantes, ao que fez acrescer juros de mora, à taxa supletiva para as obrigações civis, desde a citação do executado.

2. Inconformadas com tal decisão, dela apelaram ambas as partes, tendo a Relação julgado parcialmente procedentes as apelações, decidindo alterar a sentença recorrida e condenar o executado no pagamento à exequente da indemnização de € 2.261.180,00 (dois milhões, duzentos e sessenta e um mil, cento e oitenta euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal supletiva para as obrigações civis, desde a data da citação do executado para a execução em 07/07/1998.

As instâncias fizeram assentar a solução do pleito na seguinte matéria de facto:

1.1. O teor do documento junto a fls. 98 a 101 dos autos principais, e que aqui se dá por integralmente reproduzido - alínea A) dos Factos Assentes;

1.2. O teor dos documentos juntos a fls. 14 a l6 e 18 a 21 dos autos principais e que aqui se dão por integralmente reproduzidos - alínea B) dos Factos Assentes;

1.3. O teor do documento junto de fls. 13 a 23 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido - alínea C) dos Factos Assentes;

1.4. Foi aprovado pela Câmara Municipal de Almada o estudo de utilização e o projecto de loteamento para a construção de um bairro de casas económicas - Bairro do BB -, estudo esse que, contudo, não autorizava a construção de 162 fogos nem uma área de construção, ao nível do solo de 3.284,45, distribuídos por 21 lotes, com 6 ou 7 pisos, mas sim um número de fogos muito inferior, área de construção inferior, e três pisos provação do estudo de utilização - alínea D) dos Factos Assentes;

1.5. Apesar do projecto de loteamento ter sido aprovado pela CMA, o terreno em causa nunca possuiu alvará de loteamento, pois encontrava-se condicionado pela servidão militar, tendo obtido parecer desfavorável da Direcção do Serviço de Fortificação e Obras Militares, pelo que, até à data da ocupação ou posteriormente a exequente nunca adquiriu o direito de construir o Bairro e apenas em Outubro de 1976 veio a ser autorizado pelos militares uma ocupação que não excedesse o nível do rés-do-chão - alínea E) dos Factos Assentes;         

1.6. O terreno ocupado pelo executado era um activo financeiro da exequente destinado a proporcionar lucro ou a servir de garantia de financiamentos bancários - resposta conjunta aos artigos 1° e 2º da base instrutória;

1.7. O financiamento a obter pela exequente seria menos oneroso se fosse obtido à custa do seu próprio património do que por recurso ao crédito alheio - resposta ao art. ° 3° da base instrutória;

1.8. A ocupação do terreno impediria a exequente de o vender - resposta conjunta aos artigos 4.° e 5.° da base instrutória;

1.9. A ocupação do terreno agravou a situação de dificuldade económica e financeira da exequente - resposta ao art.° 6.°da base instrutória;

1.10. Devido a essa situação económico-financeira, a exequente veio a beneficiar de um contrato de viabilização, assinado em 23/10/78 e revisto em 29/05/85 e 30/06/86 - resposta ao art. °7.° da base instrutória;

1.11. Em parte por causa da impossibilidade de rentabilizar este activo financeiro a exequente teve de recorrer por diversas vezes ao crédito bancário, com taxas de juros médias superiores a 20% ao ano;

1.12. Os lotes em 1972 poderiam ser vendidos pelo valor de 2.100$00 por metro quadrado - resposta ao art. ° 12. ° da base instrutória;

1.13. O valor provável da venda, a preços de 1972, daquele terreno era de 6.885.900$00 - resposta ao art.° 13.°da base instrutória;

1.14. A exequente já havia promovido as obras de infra-estruturas necessárias, cujos custos foram superiores a 754.417$00 — resposta ao art. ° 14° da base instrutória;

1.15. As taxas de juro simples praticadas pelos bancos, em média, em cada ano, foram as seguintes: em 1977, 16,5%; em 1978, 20%; em 1979, 20%; em 1980, 20%; em 1981, 22%; em 1982, 24%; em 1983, 26%; em 1984, 29,5%; em 1985, 25%; em 1986, 20,5,5%; em 1987, 16,5%; em 1988, 15,5%; em 1989, 16%; em 1990, 16%; em 1991, 16%; em 1992, 21,86%; em 1993, 19,26%; em 1994, 16,94%; em 1995, 16,45%; em 1996, 14%; em 1997, 14% em 1998, 14% - resposta ao art. °15.° da base instrutória;

1.16. O Plano Director de Almada veio a integrar o terreno em zona qualificada como "espaço não urbano - espaço verde para protecção e enquadramento" - resposta ao art. ° 16º da base instrutória;

1.17. O valor médio actualmente praticado na zona para os fogos urbanos com infra-estruturas realizadas é de 4.500.000$00 e o valor potencial da construção, actualmente, atendendo a um n.° de 162 fogos, seria de 729.000.000$00 - resposta conjunta aos artº 17.° e 18ª da base instrutória;

1.18. O valor actual do terreno com rústico, com base no valor médio praticado na zona de 1.000$00 por metro quadrado, é de 10.000.000$00 -resposta ao art. ° 19° da base instrutória;

1.19. A construção licenciada para o terreno adquirido destinava-se a casas de função para alojamento de trabalhadores da anterior propriedade, a sociedade têxtil CC, Ldª. - resposta conjunta aos artigos 22. ° e 23.° da base instrutória;

1.20. O projecto foi aprovado apenas por razões de cariz social e para essa finalidade — resposta ao art. ° 24° da base instrutória.

Em desenvolvimento do ponto 1.1, considera-se plenamente provado que:

1.21. Na sentença exequenda, proferida em 16/04/1993, inteiramente confirmada por acórdão desta Relação, de 03/10/1996, foram dados como provados os seguintes factos:

a) - Por escritura pública lavrada no 16.° Cartório Notarial de Lisboa em 09-08-60, a A. adquiriu à Sociedade têxtil CC, Ldª., por compra e venda, um terreno com a área de 10.000 metros quadrados, sito na …, freguesia da Trafaria, concelho de Almada, confrontando ao norte com Estrada Militar, ao sul com o ribeiro das Enxurradas, a nascente com Mata do Ribeiro e ao poente com terreno afecto ao Ministério do Exército, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.° …., a fls. 59 do Livro B-31 e inscrito na matriz sob o art.° 166.°;

b) - Por escritura celebrada em 08-03-63 na Secretaria Notarial da Covilhã, uma parcela de terreno referido em a), com a área de 4.136 metros quadrados, foi permutada com uma parcela de igual área pertencente ao Estado Português;

c) - Sobre este terreno foi elaborado um "estudo de utilização", que recebeu o n.° E/508, o qual foi deferido pela R. em reunião de 05-07-61 e confirmado em reunião de 17-01-62;

d) - Este projecto de urbanização mereceu mesmo aprovação por despacho ministerial de 16-03-73;

e) - Perante esta aprovação, a A., mediante contrato celebrado com os senhores DD e seu irmão, procedeu à terraplanagem, abertura de arruamentos, instalações da rede de saneamento e outras infra-estruturas, no que foram gastos centenas de milhares de escudos;

f) - Em meados de 1977, a Câmara R., sem qualquer autorização da A. e com total desconhecimento desta, ocupou este terreno e nele permitiu várias construções;

g) - Debalde, a A. e DD reclamaram contra esta ocupação abusiva;

h) - A R. reconhece a ocupação do imóvel da A. e bem assim os protestos da mesma quanto a tal ocupação;

i) - A ocupação do imóvel da A. está-lhe a causar prejuízos;

j) - As construções que foram implantadas no terreno da A. são do Fundo de Fomento da Habitação que as deu de empreitadas à sociedade "EE, Ldª.", sendo a R. completamente alheia a essa empreitada, tendo sido a R. quem autorizou a que, no imóvel em apreço, se procedesse às construções referidas;

k) - Em 04-04-77, deflagrou um incêndio de grandes proporções na freguesia da Trafaria, junto aos cais da NATO, do qual resultou a perda de habitações de várias dezenas de famílias das mais carenciadas do concelho;

1) - A gravidade do evento levou à comparência no local do Presidente da República e de outras entidades, designadamente membros do Governo, tendo sido imediatamente decidido que, face à extrema pobreza dos atingidos, estes beneficiariam de um subsídio do Estado, cabendo ao F.F.H. promover ao seu realojamento em terreno que a R. indicaria;

m) - A R. indicou, efectivamente, ao Fundo de Fomento da Habitação o terreno dos autos, por ser o único existente no concelho com infra-estruturas;

n) - Na emergência, as autoridades militares que têm jurisdição sobre o terreno, situado na zona de protecção do Quartel do Batalhão de Reconhecimento de Transmissões, autorizaram a instalação, a título precário, pelo F.F.H., de habitações com piso térreo;

o) - A R. encetou diligências junto do F.F.H. no sentido do imóvel em causa vir a ser expropriado;

p) - Sempre a R. reconheceu a A. ou a sua antecessora "Sociedade Têxtil CC" como donas do terreno e, nessa qualidade, a R. aprovou-lhes os sucessivos estudos e projectos a ele referentes;

q) - Estava em vigor a licença de loteamento;

r) - A A. apresentou várias exposições à R. relativamente à ocupação do imóvel;

s) - No terreno em apreço foram implantadas 80 casas pré-fabricadas pelo F.F.H. com autorização da R.;

1.22. Com base nos factos descritos no ponto precedente, na mesma sentença se concluiu pela ocupação indevida do imóvel por parte da ali R. e pela sua responsabilidade pelo prejuízos causados à A. referidos em i) a concretizar em termos de execução de sentença, decidindo-se julgar a acção procedente e, por virtude disso:

a)- reconhecer a A. como dona e legítima proprietária do identificado imóvel;

b) - condenar a ali R. a restituir à A. o referido imóvel, e bem assim a pagar-lhe uma indemnização a liquidar em execução de sentença, relativa aos prejuízos sofridos pela demandante em consequência da ocupação pela R. do mesmo imóvel.

3. Passando a apreciar o mérito dos recursos, no que se refere à quantificação dos danos invocados pela A., considerou, nomeadamente, o acórdão recorrido:

A exequente veio pedir a indemnização global de 1.233.793.506$00, equivalente a € 6.154.163,00, acrescida de juros de mora, desde a data do trânsito em julgado da sentença exequenda, em 18/10/1996, compreendendo dois vectores:

a) - Por um lado, a título de danos emergentes, o valor estimado de 514.793.506$00, relativo aos prejuízos decorrentes da imobilização não lucrativa do activo financeiro representado pelo imóvel em referência, em resultado da sua ilícita ocupação por parte do executado, entre 1977 e 1998, e da consequente necessidade de a exequente ter recorrido a financiamento bancário mais oneroso, suportando o pagamento dos respectivos juros;

b) - Por outro lado, a título de lucros cessantes, o valor de 719.000.000$00, relativo à expectativa de acréscimo patrimonial frustrada pela ocupação ilícita do executado, atendendo ao valor comercial do prédio valorizado com a licença de loteamento, à data da ocupação, deduzido o valor do terreno, em virtude de a exequente ter ficado privada da possibilidade de o comercializar a seguir à aprovação do PDM de Almada, que lhe atribuiu uma classificação não edificativa.

Para determinação da primeira daquelas quantias, a exequente tomou por base o valor provável da venda do terreno, por metro quadrado, caso esta se tivesse concretizado na altura prevista, tendo em conta as áreas dos lotes, encontrando assim o valor estimado de 6.885.900$00, a preços de 1972, e ainda o valor de obras de infra-estruturas nele promovidas, em 1970, no montante de 754.417$00.

A partir desses valores, tidos como activo financeiro imobilizado, procedeu então às sucessivas actualizações desse capital desde 1977 a 1998, aplicando-lhes as sucessivas taxas de juros simples, conforme documento de fls. 52 e 53, com o que encontrou, respectivamente, os montantes parcelares de 453.325.892$00 e de 61.467.614$00, perfazendo o total de 514.793.506$00 e que peticionou como dano emergente.

Para o cálculo do valor pedido a título de lucros cessantes, a exequente atendeu ao número de fogos previsto na licença de loteamento em vigor à data da ocupação e ao valor médio do preço do mercado praticado na zona para fogos urbanos infra-estruturados, situando assim o valor potencial de construção em 729.000.000$00, ao que deduziu o valor de 10.000.000$00 correspondente ao valor actual do terreno com os novos condicionamentos urbanísticos, chegando assim ao referido valor peticionado de 719.000.000$00.

Ora, face à factualidade provada, em sede dos ditos danos emergentes, o tribunal a quo considerou que, muito embora se tenha provado que, em 1972, o imóvel valia 6.885.900$00, não se provou que a exequente tivesse ficado totalmente privada da possibilidade de o dar como garantia de crédito, nem que, alguma vez, tivesse sido impedida de o vender por causa da ocupação do R., ou que a privação do mesmo fosse causa exclusiva das suas dificuldades na obtenção de crédito e do respectivo pagamento dos juros.

Assim, perante a dificuldade de contabilizar aquele prejuízo por via de aplicação das taxas de juros bancário ao referido valor do imóvel, o tribunal recorreu ao critério da equidade, ao abrigo do n.° 3 do art.° 563.° do CC, considerou que:

"o acto ilícito do executado foi muito grave e prolongado no tempo, não se vendo qualquer razoabilidade no prolongamento do litígio judicial sem que tivesse procurado compensar a ofensa ou terminar com ela; a executada em nada contribuiu para a violação do seu direito e se bem que se possam compreender as razões de urgência para a ocupação elas não justificaram que demorasse cerca de duas décadas nem tão pouco a lei permite que se sacrifiquem direitos privados por razões de interesse público sem compensação; não está demonstrada uma causalidade completa e exclusiva entre a ocupação e as dificuldades da autora que determinaram a necessidade de recurso ao crédito e, consequentemente, de pagamento de juros; também não há uma certeza total sobre o valor do prédio à data da ocupação, em 1977, até por causa das suas condicionantes relacionadas com as finalidades da licença e das previsíveis dificuldades que a exequente teria para comercializar as casas; a autora foi proprietária do prédio mais bem mais de uma década e não lhe deu qualquer dos destinos em que agora baseia a alegação do prejuízo: dar como garantia ou vender. Estes elementos de ponderação conduzem à conclusão de que o cálculo da indemnização está muito inflacionado e que por isso dever haver uma redução substancial, que equitativamente, fixamos em metade dos juros bancários correspondentes ao custo da imobilização do capital.

Nessa base, julgou equitativa a indemnização de 257.396.753$00 actualmente equivalente a € 1.283.889,59.

Quanto aos alegados lucros cessantes, o tribunal a quo considerou que, embora se prove que o prédio licenciado valia 729.000.000$00 e sem tal licença 10.000.000$00, tal prova não permitirá fixar o valor no montante peticionado.

Nessa linha, por várias razões expostas, concluiu o tribunal recorrido não ocorrer nexo de causalidade entre o acto de ocupação ilícita imputável à executada e o prejuízo alegado consistente na impossibilidade de comercializar o prédio como loteamento devido à mudança do enquadramento legal.

Não obstante isso, considerou que a simples privação do uso implica, em regra, um prejuízo, mas que o critério do valor da locação não poderá aqui ser aplicado por não se ter provado qual seja, devendo antes lançar-se mão, também aqui, do critério da equidade.

Para tal efeito, ponderou o seguinte:

Impressiona-nos muito o facto de a executada ter dado origem a uma ocupação que durou mais de duas décadas. No entanto, é também relevante verificar e considerar que a exequente tinha ou o direito de requerer a renovação da licença de construção ou o direito a uma indemnização no caso de isso não ser possível, e não os exerceu. Isso faz com que também lhe seja imputável em parte o prejuízo.

Nessa base, considerando verificada uma ocupação ao longo de 20 anos e o valor de 2.500.000$00 por cada ano de ocupação, arbitrou, a título de privação de uso, a indemnização de 50.000.000$00 equivalente a € 249.398,94,

Fixou assim a indemnização total em € 1.533.288,53 correspondente à soma de € 1.283.889,59 + € 249.398,94, a que fez acrescer juros de mora, desde o trânsito em julgado da sentença exequenda.

De seguida – e após passar em revista o conteúdo das normas aplicáveis em sede de obrigação de indemnizar – prossegue o acórdão recorrido:

No caso vertente, não sofre dúvida que o executado, ao ocupar o terreno da exequente acima identificado, tem privado esta do respectivo uso e fruição, durante o período compreendido entre 1977 e 1998. Encontra-se igualmente provado que de tal ocupação resultaram prejuízos para a mesma exequente.

Ora, os prejuízos invocados nestes autos respeitam precisamente à privação do uso do imóvel, seja a título de danos emergentes, derivados da imobilização daquele bem como activo financeiro e das respectivas incidências negativas no património da exequente, seja em sede de lucros cessantes pela frustração de rendimentos que poderia ter obtido com o desfrute do bem.

A este propósito, convém recordar que, no tocante aos danos emergentes, a exequente alegou que:

-por não poder dispor do terreno como activo financeiro, em, virtude da ocupação feita pelo executado, de 1977 a 1998, ficou impossibilitada de amortizar e/ou rentabilizar em tempo útil o capital investido na aquisição do terreno e no seu loteamento, do que decorreu uma gravíssima situação económico-financeira;

-em consequência disso, a exequente teve de lançar mão, por diversas vezes, de empréstimos bancários em condições mais onerosas, pagando taxas de juro médias superiores a 20%, fazendo acordos leoninos com as instituições de crédito" e até dando em cumprimento, uma central hidroeléctrica pelo valor de 2.000.000.000$00, quando valia 4.000.000.000$00;

-assim, sem entrar em linha de conta com outros encargos financeiros, haverá que fazer incidir sobre o capital não realizado com o terreno e sobre os custos suportados com a sua infra-estruturação o valor das taxas de juro aplicadas às operações de crédito activas para as instituições bancárias, no período considerado.

Nessa óptica, o que interessava apurar, relativamente ao período em foco, seria:

- por um lado, os custos financeiros efectivamente suportados pela exequente com os alegados empréstimos bancários e outras operações financeiras, bem como a consequente repercussão no seus sucessivos níveis de endividamento;

- por outro lado, o valor do terreno ocupado, como activo financeiro, de que poderia dispor, se não fosse a ocupação ilícita do executado.

Assim, com base nesses dois parâmetros, poder-se-ia então determinar ou, pelo menos, perspectivar qual o valor do agravamento da situação financeira da exequente resultante da circunstância de não ter podido dispor daquele activo financeiro.

Ora, da factualidade provada colhe-se o seguinte:

- O terreno ocupado pelo executado era um activo financeiro da exequente destinado a proporcionar lucro ou a servir de garantia de financiamentos bancários:

- O valor provável da venda, a preços de 1972, daquele terreno era de 6.885.900$00;             

- A exequente já havia promovido as obras de infra-estruturas necessárias, cujos custos foram superiores a 754.417$00;

- O financiamento a obter pela exequente seria menos oneroso se fosse obtido à custa do seu próprio património do que por recurso ao crédito alheio;

- A ocupação do terreno impediria a exequente de o vender e, além disso, agravou a situação de dificuldade económica e financeira da exequente;

- Devido a essa situação económico-financeira, a exequente veio a beneficiar de um contrato de viabilização, assinado em 23/10/78 e revisto em 29/05/85 e 30/06/86;

- Em parte por causa da impossibilidade de rentabilizar este activo financeiro, a exequente teve de recorrer por diversas vezes ao crédito bancário, com taxas de juros médias superiores a 20% ao ano.

Em suma, deste quadro decorre que a ocupação do uso do terreno, imputada ao R. privou a exequente daquele activo financeiro, no valor de 6.885.900$00, em termos de impedir a sua venda e de agravar a situação económica da mesma, fazendo com que a exequente tivesse de recorrer por diversas vezes ao crédito bancário com taxas de juro médias superiores a 20% ao ano. Apesar disso, o R. veio a beneficiar de um contrato de viabilização em 1978, revisto em 1985 e 1986.

Ora, sendo a ocupação do prédio impeditiva, em termos práticos de mercado, da sua venda, também seria susceptível de dificultar a constituição sobre ele de garantias reais.

Por outro lado, não se pode ignorar que, se a exequente tivesse oportunamente promovido a conversão do imóvel em capital financeiro, ficaria prejudicada a questão da sua depreciação enquanto bem de raiz.

Sucede que dos factos provados não se extraem quaisquer dados concretos que habilitem a determinar qual o nível de agravamento da situação económico-financeira da exequente ocorrida entre 1977 e 1998, nomeadamente por via de empréstimos bancários, e, muito menos, em que medida é que esse agravamento fora resultado da indisponibilidade do activo financeiro representado pelo terreno ocupado pelo executado, sabendo-se apenas que agravou tal situação, constituindo em parte, a causa de ter recorrido, por diversas vezes, ao crédito bancário, com taxas de juros médias superiores a 20% ano, o que própria exequente reconhece nas suas alegações recursórias.

Acresce que a exequente nada de concreto alegou quanto aos genericamente aludidos empréstimos bancários nem tão pouco retratou, minimamente, os sucessivos níveis de endividamento da sua estrutura económico-financeira. Limitou-se antes a calcular os pretensos danos emergentes na base exclusiva do rendimento que teria deixado de auferir com a imobilização daquele capital financeiro mediante a aplicação sobre esse capital das taxas de juro em média então praticadas.

Significa isto que o referido cálculo representaria, quando muito, o lucro cessante reportado à imobilização daquele capital e não o pretenso dano emergente traduzido no agravamento da sua situação económico-financeira resultante da indisponibilidade desse capital.

Não obstante isso, o tribunal recorrido, embora reconhecendo não se ter provado que a exequente tivesse ficado totalmente privada da possibilidade de dar prédio como garantia de crédito, nem que, alguma vez, tivesse sido impedida de o vender por causa da ocupação do R., ou que a privação do mesmo fosse causa exclusiva das suas dificuldades na obtenção de crédito e do respectivo pagamento dos juros, ainda assim considerou que se justificava uma indemnização equitativa, atendendo a que o acto ilícito do executado fora muito grave e prolongado no tempo, não se vendo qualquer razoabilidade no prolongamento do litígio judicial sem que tivesse procurado compensar a ofensa ou terminar com ela.

Nessa linha, julgou equitativa a indemnização de 257.396.753$00 equivalente a € 1.283.889,59 e que corresponderá a metade dos juros bancários relativos ao custo de imobilização do capital.

Ora o recurso à equidade não pode ser jogado como um dado de lotaria, como expressão de sensibilidades ou intuições meramente subjectivas. Terá antes de ser balizado por um quadro de referência ou por padrões sedimentados na experiência comum, que confiram ao juízo equitativo um esteio mínimo de racionalidade susceptível de discussão.

Todavia, salvo o devido respeito, não se descortinam quais as balizas objectivas em que assenta o referido juízo de equidade, porquanto quer dos factos alegados quer dos factos provados não decorre qualquer parâmetro quer permita esboçar sequer o nível de endividamento da exequente, sendo que, como já ficou dito, do valor do activo financeiro representado pelo terreno ocupado e pelas infra-estruturas ali promovidas, quando muito se poderia concluir pela perda do rendimento que proporcionaria, como lucro cessante que é, e não pelo dano emergente do agravamento da situação económico-financeira da exequente resultante da indisponibilidade desse capital.

Sustenta, porém, a exequente que, não se tendo provado a parte concreta de responsabilidade imputável à impossibilidade de vender e/ou onerar o referido prédio, deve o valor indemnizatório ser calculado em 2/3 do montante de juros pagos pela exequente, que foi no valor de 514.793.506$00, ou seja, na cifra de 343.195.670$00, equivalente a € 1.711.850,00.

Só que também aqui o montante indicado não se refere aos juros pagos pela exequente no âmbito dos aludidos empréstimos bancários, mas sim aos juros que seriam proporcionados pela disponibilidade do activo financeiro representado pelo terreno ocupado pelo executado e infra-estruturas nele promovidas, o mesmo é dizer, o lucro cessante decorrente da disponibilização desse capital.

Com efeito, os juros potencialmente deixados de auferir pela imobilização do referido capital financeiro, quando muito, traduzem os recursos com que a exequente poderia contar para evitar ou debelar as suas dificuldades financeiras, mas, por si só, não reflectem nem fazem sequer presumir o nível de agravamento causado pela falta de disponibilização desse capital, para que possam representar um dano emergente.

Em síntese, a exequente não alegou nem muito menos provou a ocorrência de danos emergentes derivados da ocupação ilícita do terreno por parte do executado.

Termos em que, nesta parte, improcedem as razões da exequente apelante e procedem as razões do executado apelante.

Importa agora apreciar a questão dos lucros cessantes. No que respeita aos lucros cessantes, releva o seguinte quadro factual:

- Sobre este terreno foi elaborado um "estudo de utilização", que recebeu o n.° E/508, o qual foi deferido pela Câmara de Almada, em reunião de 05-07-61 e confirmado em reunião de 17-01-62;

- Este projecto de urbanização mereceu mesmo aprovação por despacho ministerial de 16-03-73;

- Face a esta aprovação, a ora exequente, mediante contrato celebrado com DD e seu irmão, procedeu à terraplanagem, abertura de arruamentos, instalações da rede de saneamento e outras infra-estruturas, no que foram gastos centenas de milhares de escudos;

- O valor provável da venda, a preços de 1972, daquele terreno era de 6.885.900$00;

- Em meados de 1977, o ora executado, sem qualquer autorização da ora exequente, e com total desconhecimento desta, ocupou este terreno e nele permitiu várias construções, contra o que, debalde, a exequente reclamou, tendo o executado reconhecido a ocupação do imóvel daquela e bem assim os protestos da mesma quanto a tal ocupação;

- As construções que foram implantadas no terreno da exequente são do Fundo de Fomento da Habitação que as deu de empreitadas à sociedade "EE, Ldª.", sendo a R. completamente alheia a essa empreitada, tendo sido o executado quem autorizou a que, no imóvel em apreço, se procedesse às construções referidas;

- Em 04-04-77, deflagrou um incêndio de grandes proporções na freguesia da Trafaria, junto aos cais da NATO, do qual resultou a perda de habitações de várias dezenas de famílias das mais carenciadas do concelho, tendo sido então decidido que, face à extrema pobreza dos atingidos, estes beneficiariam de um subsídio do Estado, cabendo ao F.F.H. promover ao seu realojamento em terreno que o executado indicaria, face aos que este indicou ao Fundo de Fomento da Habitação o terreno dos autos, por ser o único existente no concelho com infra-estruturas;

- Na emergência, as autoridades militares que têm jurisdição sobre o terreno, situado na zona de protecção do Quartel do Batalhão de Reconhecimento de Transmissões, autorizaram a instalação, a título precário, pelo F.F.H., de habitações com piso térreo;

- O executado encetou diligências junto do F.F.H. no sentido do imóvel em causa vir a ser expropriado;

- Sempre o executado reconheceu a exequente ou a sua antecessora "Sociedade Têxtil Aliança" como donas do terreno e, nessa qualidade, o executado aprovou-lhes os sucessivos estudos e projectos a ele referentes;

- Estava em vigor a licença de loteamento;

- A exequente apresentou várias exposições ao executado relativamente à ocupação do imóvel;

- No terreno em apreço, foram implantadas 80 casas pré-fabricadas pelo F.F.H. com autorização do executado;

- Foi aprovado pela Câmara Municipal de Almada o estudo de utilização e o projecto de loteamento para a construção de um bairro de casas económicas -Bairro do BB -, estudo esse que, contudo, não autorizava a construção de 162 fogos nem uma área de construção, ao nível do solo de 3.284,45, distribuídos por 21 lotes, com 6 ou 7 pisos, mas sim um número de fogos muito inferior, área de construção inferior, e três pisos provação do estudo de utilização;

- Apesar de o projecto de loteamento ter sido aprovado pela CMA, o terreno em causa nunca possuiu alvará de loteamento, pois encontrava-se condicionado pela servidão militar, tendo obtido parecer desfavorável da Direcção do Serviço de Fortificação e Obras Militares, pelo que, até à data da ocupação ou posteriormente a exequente nunca adquiriu o direito de construir o Bairro e apenas em Outubro de 1976 veio a ser autorizado pelos militares uma ocupação que não excedesse o nível do rés-do-chão;

- O valor médio actualmente praticado na zona para os fogos urbanos com infra-estruturas realizadas é de 4.500.000$00 e o valor potencial da construção, actualmente, atendendo a um número de 162 fogos, seria de 729.000.000$00

- O valor actual do terreno como rústico, com base no valor médio praticado na zona de 1.000$00 por metro quadrado, é de 10.000.000$00;

- A construção licenciada para o terreno adquirido destinava-se a casas de função para alojamento de trabalhadores da anterior propriedade, a sociedade têxtil CC, Ldª.;

- O projecto foi aprovado apenas por razões de cariz social e para essa finalidade.

Em suma, prova-se que o prédio licenciado, atendendo a um número de 162 fogos, teria actualmente o valor de 729.000.000$00 e que o seu valor actual, como prédio rústico é de 10.000.000$00.

 

Todavia, verifica-se que, em 16-03-73, e portanto muito antes do início da ocupação pelo executado, o terreno em causa dispunha de um projecto de urbanização, sendo que, a preços de 1972, o valor provável da sua venda era de 6.885.900$00.

Depois da ocupação pelo executado, verificaram-se as vicissitudes acima descritas, sendo que nele foram implantadas 80 casas pré-fabricadas pelo F.F.H. com autorização do executado.

Apesar do estudo de utilização e do projecto de loteamento para a construção de um bairro de casas económicas, aprovado pela Câmara de Almada, esse estudo não autorizava a construção de 162 fogos nem uma área de construção, ao nível do solo de 3.284,45, distribuídos por 21 lotes, com 6 ou 7 pisos, mas sim um número de fogos muito inferior, área de construção inferior, e três pisos provação do estudo de utilização.

E, apesar de o projecto de loteamento ter sido aprovado pela CMA, o terreno em causa nunca possuiu alvará de loteamento, porquanto se encontrava condicionado pela servidão militar, tendo obtido parecer desfavorável da Direcção do Serviço de Fortificação e Obras Militares, pelo que, até à data da ocupação ou posteriormente a exequente nunca adquiriu o direito de construir o Bairro e apenas em Outubro de 1976 veio a ser autorizado pelos militares uma ocupação que não excedesse o nível do rés-do-chão.

A construção licenciada para o terreno adquirido destinava-se a casas de função para alojamento de trabalhadores da anterior propriedade, a sociedade têxtil CC, Ldª., tendo o projecto sido aprovado apenas por razões de cariz social e para essa finalidade.

Ponto é saber em que medida é que a ocupação mantida pelo executado privou a exequente de comercializar o imóvel com o valor acrescido da urbanização.

Como se refere na sentença recorrida, o Dec.- Lei n.° 289/73, de 06-06, passou a exigir a emissão de alvará e, segundo o seu art.° 34.°, fez caducar as licenças de loteamento anteriormente aprovadas, se as obras de loteamento se não tivesse iniciado num ano ou não fossem concluídos em dois.

Nessa conformidade, não tendo a exequente provado que tenha cumprido os requisitos que obstavam à caducidade das licenças dos loteamentos anteriores, fica por demonstrar que a ocupação iniciada pelo executado em 1977 tenha frustrado a potencialidade edificativa precedente, afigurando-se, desde logo, desnecessário entrar em considerações com os posteriores obstáculos emergentes da aprovação do PDM.

Todavia, como se frisa na sentença recorrida, tal não significa que a privação do uso ocorrida não represente a frustração do rendimento económico que o prédio proporcionaria à exequente e que, em princípio, seria - aferível pelo seu valor locativo. Só que também aqui não se encontram elementos que permitam indiciar tal valor de base.

Por isso, mais uma vez, a sentença recorrida, apelando à equidade, considerando verificada uma ocupação ao longo de 20 anos e o valor de 2.500.000$00 por cada ano de ocupação, arbitrou, a título de privação de uso, a indemnização de 50.000.000$00 equivalente a € 249.398,94,00.

Ora, na falta de prova sobre os valores edificativo e/ou locativo do prédio ocupado pelo executado, afigura-se agora curial lançar mão, nesta sede, da perda do rendimento que o prédio proporcionaria à exequente enquanto activo financeiro, dentro do limite máximo do pedido formulado pela apelante, no presente recurso, que é de € 2.778.480,00, independentemente das vertentes por que vem qualificado pela exequente.

De resto, sempre se dirá que a consideração dos lucros cessantes pela não disponibilização do terreno enquanto activo financeiro seria incompatível com o simultâneo atendimento dos lucros cessantes por frustração da expectativa de edificação do mesmo terreno, já que a conversão deste em capital financeiro prejudicaria o seu aproveitamento edificativo pelo beneficiário dessa conversão.

Para tanto, na falta de uma averiguação exacta do valor do rendimento que poderia ser proporcionado pelo activo financeiro em causa, resta-nos seguir o critério estabelecido no n.° 3 do art.° 566.° do CC, segundo o qual "o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados".

Mas, como já foi dito, tal juízo de equidade dever ser sustentado dentro de parâmetros objectivos traçados no quadro das circunstâncias do caso, à luz das regras da experiência, sob pena de se cair em arbitrariedade.

A sentença recorrida tomou como parâmetros o valor do activo financeiro em referência e o período de 20 anos de duração da ocupação do imóvel pelo executado para, nessa base, ter como equitativo arbitrar:

a) - a título de danos emergentes, o valor de 257.396.753$00, equivalente a € 1.283.889,59 e que corresponderia a metade dos juros bancários relativos ao custo de imobilização do capital.

b) - a título de lucros cessantes, o valor de 2.500.000$00 por cada ano de ocupação, por privação de uso, no total de 50.000.000$00 equivalente a € 249.398,94;

 

Todavia, como foi referido acima, salvo o devido respeito, não se alcança, minimamente, qual a racionalidade da fixação daquele dano emergente, já que nem se provou nem tão pouco a exequente alegou factos concretos que permitissem delinear o horizonte do agravamento do seu endividamento resultante da falta de disponibilidade do referido activo financeiro. Além disso, se o montante a esse título arbitrado se inscreve nos limites do peticionado nessa modalidade, não se afigura sequer que se trate de um dano emergente, mas sim dos lucros cessantes referentes aos juros deixados de auferir em virtude da imobilização do indicado activo financeiro, tal como fora calculado pela exequente.

Por sua vez, em sede de lucros cessantes, também não se percebe bem quais as balizas de fixação do valor indicado para cada ano de ocupação.

Aqui chegados, diversamente do decidido, perante a factualidade provada, tem-se como único ponto de apoio a privação do terreno, como activo financeiro, resultante da ocupação por parte do executado, entre 1977 e 1998, e a consequente frustração dos juros que o mesmo poderia proporcionar à exequente, traduzida, pois, em lucros cessantes causados por essa ocupação ilícita e culposa.

Dos factos provados colhe-se que:

- O valor provável da venda, a preços de 1972, daquele terreno era de 6.885.900$00 - resposta ao art.° 13.°da base instrutória correspondente ao ponto 1.13;

- A exequente já havia promovido as obras de infra-estruturas necessárias, cujos custos foram superiores a 754.417$00 - resposta ao art. ° 14.° da base instrutória correspondente ao ponto 1.14.

Nesse contexto, afigura-se que o valor destas infra-estruturas já se encontrava incorporado no, valor provável da venda daquele terreno, reportado a preços de 1972. Aliás, foi a própria exequente quem alegou, no art.º 13.° da petição inicial, que o valor dessas infra-estruturas respeitava a 1970.

Sucede que o referido valor de 6.885.900$00, a preços de 1972, deve ser actualizado, anualmente, de 1977 a 1998, e sobre as parcelas de capital assim encontradas serem então calculados os juros que este capital poderia proporcionar, às taxas sucessivamente praticadas pela banca, perspectivado como foi enquanto activo financeiro.

Para tal efeito, tem-se por adequado o cálculo de actualização constante de fls. 52, que aqui se dá por reproduzido, que não vem especificamente posto em causa pelo exequente, sendo que as taxas de juro consideradas são as constantes do ponto 1.15 da factualidade provada.

Nessa base, o total apurado é de 453.325.892$00, o que, à razão de 200,482 escudos por um euro, correspondente à cifra de € 2.261.180,00. v Tendo em conta que a ocupação do terreno perdurou por um longo período de mais de 20 anos e que a posse ilegítima do exequente foi tida como sendo de má-fé, salvo melhor entendimento, não se divisam circunstâncias nem razões de equidade que, em função da culpa, justifiquem a redução desse valor.

Em face do que fica dito, conclui-se pela fixação da quantia de € 2.261.180,00, a título de indemnização do prejuízo da exequente, na modalidade de lucros cessantes, decorrentes da ocupação do terreno em referência, por parte do executado.



4. Inconformado com tal decisão, interpôs o Município de Almada a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

I. O douto acórdão, ignorou que:

- A Câmara Municipal agiu em estado de necessidade;

- O ato de expropriação não dependia única e exclusivamente da vontade do município. No caso concreto a declaração de utilidade pública era da competência do Governo;

- A câmara Municipal efetuou diligências no sentido de promover a expropriação do terreno;

- Que o terreno objeto dos autos englobava garantias dadas pela autora no contrato de viabilidade financeira de que veio a beneficiar em 1978, revisto em 1985 e 1986, uma vez que foi dado em garantia todo o património pelos financiamentos concedidos;

- A empresa proprietária do terreno, encontrava-se intervencionado desde 1975.

II. O douto acórdão recorrido enferma cie erro de julgamento ao concluir que ".... Estando, como estamos, perante a mera liquidação da obrigação exequenda já definida em sede de sentença transitada em julgado, não cabe aqui discutir nem a ilicitude nem a culpa ali imputada ã R. restando apenas concretizar o prejuízo dado como genericamente provado naquela e fixar o respetivo valor."

III. O Município atuou em estado de necessidade e da situação gerada não tem a culpa exclusiva, haverá que aplicar a cláusula da equidade estabelecida no artigo 339° do C. Civil e condenar igualmente os que tiveram proveito com a ocupação (Fundo de Fomento de Habitação);

IV. Pelo que ao decidir não aplicar a cláusula de equidade o douto acórdão violou o disposto no artigo 339°, do C.C., bem como o n° 2 do artigo 9º do DL 48051.

V. Está em causa é a aplicação da regra estabelecida no art° 494° do C. Civil, às pessoas coletivas públicas e ao Estado, em situação de igualdade perante o direito à indemnização;

VI. A Câmara Municipal ao diligenciar pela expropriação do terreno, como se encontra provado, não pode deixar de considerar-se que a mesma diminui a sua culpa, atuando com culpa leve, pelo que o douto acórdão recorrido ao decidir em contrário, violou o disposto nos art° 487° e 494° do Código Civil.

VII. Na presente ação apenas está em causa a indemnização pelo dano privação do uso do prédio;

VIII. Quanto à fixação do valor da indemnização importa ter presente que apenas resultou provado que o valor provável de venda, a preços de 1972 daquele terreno era de 6.885.900$00, desconhece-se o valor do terreno na data da desocupação;

IX. Não se provou consequentemente que a exequente tivesse ficado totalmente privada cie o ciar como garantia de crédito, nem que alguma vez, tivesse sido impedida de o vender por causa da ocupação da R.. Aliás, provou que o terreno foi dado como garantia no contrato de viabilização outorgado em 23.10.78 e revisto em 29.05.85 e 30.06.86.

X. Não obstante o decidido em sede de ação principal quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, haverá que ter em atenção, para a fixação do valor da indemnização, como já se disse à culpa, nos termos supra referidos, mas também ao nexo de causalidade.

XI. Não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo, produzidos (artigo 563°). O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e medida da obrigação de indemnizar.

XII. No caso vertente o no que se refere à solução encontrada pelo douto acórdão recorrido, a mesma, ignora, salvo o devido respeito, que é muito, o nexo de causalidade. Aliás, o douto acórdão recorrido, ignora, desde logo, que não se provou que o terreno não tenha sido vendido devido à ocupação do réu.

XIII. Na ausência de qualquer prova sobre o valor que a autora deixou efetivamente de auferir em consequência da ocupação ilícita do seu prédio, considera-se que o valor da indemnização a atribuir pela privação de uso não pode ultrapassar o valor que aqueles receberiam caso tivessem perdido a titularidade do direito, como sucederia caso o prédio tivesse sido expropriado.

XIV. Para efeitos de indemnização não se pode deixar de distinguir entre a privação temporária, ainda que por período muito longo, do uso do bem e a perda definitiva desse bem;

XV. É manifestamente inadmissível a solução encontrada pelo douto acórdão recorrido para fixar o valor da indemnização, o valor dos lucros cessantes nunca poderia corresponder ao valor arbitrado pelo douto acórdão recorrido;

XVI. Admitindo-se, sem conceder, que a autora não vendeu o terreno devido à ocupação da ré, e também, sem conceder, que valor do terreno em 1977 era de 14.017.126$00, este seria o capital imobilizado, e sobre o qual seriam calculados o juros que a autora deixou de receber, por não ter vendido o terreno.

XVII. É inadmissível forma como o douto acórdão atualiza o capital supostamente imobilizado e faz incidir dobre essa atualização juros que a autora também supostamente teria deixado de receber;

XVIII. Admitindo-se, sem conceder, a solução do douto acórdão, a autora apenas teria direito a título de lucros cessantes aos juros calculados sobre o valor que teria recebido se tivesse vendido o terreno ocupado pela autora.

XIX. Como a autora apenas logrou provar o valor de vencia do terreno a preços de 1972, os juros a que teria direito a título de indemnização seriam calculados sobre aquele valor, isto é de 6.885.900$00.

XX. Os coeficientes de atualização da moeda a que se reporta o douto acórdão recorrido não correspondem aos coeficientes de atualização da moeda fixados na Portaria 280/98, de 6 de maio;

XXI. Os factos alegados no referido artigo 15° do requerimento executivo se encontram provados, nem consequentemente os valores constantes do documento de fls. 52, e que contrariamente ao referido no douto acórdão recorrido, foram impugnados pelo Réu.

XXII. Pelo que não poderiam ser utilizados pelo douto acórdão para fixar o montante da indemnização;

 

XXIII. É manifesta a oposição entre os fundamentos e o decidido no douto acórdão recorrido, o que importa a sua nulidade nos termos cio disposto no artigo 615°, n° 1, alínea c) do CPC.

XXIV. Não se encontrando provados factos alguns que permitam balizar os danos de modo mais preciso, será possível ao tribunal estabelecer uma quantia por previsão baseada em critérios de conhecimento comum, de razoabilidade e de moderação, aplicando à situação concreta como resultado da matéria provada.

XXV. No caso vertente a solução encontrada pelo douto acórdão recorrido, deu origem a uma decisão injusta, desproporcional, sem adesão à realidade, sem razoabilidade ou moderação, e sem atender às características do caso concreto;

XXVI. O douto acórdão recorrido, não fez apelo às regras da equidade, que demandam que o valor da indemnização não seja de tal modo elevado que se aproxime do valor de venda ou expropriação cio terreno, uma vez que o terreno foi restituído à autora, estando em causa apenas a privação do uso e também não teve em conta o grau de censura da conduta cio réu, considerando as circunstancias que determinaram a ocupação do terreno, bem como a sua manutenção.

XXVII. A condenação em juros constitui uma dupla condenação, pois os juros a fixar deveriam reportar-se à data cia sentença, e não da citação para a execução, por conseguinte, decidindo em sentido contrário, a douta sentença violou nesta parte os art.º 566º, 804°, n° 3 e 806º, n° 1, todos do código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogada a douta sentença recorrida,

Justiça


        A recorrida contra alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.



5 - Distribuídos os autos no STJ, foi, pelo relator, proferido o seguinte despacho:

Face ao teor do acórdão proferido nos autos pela Relação acerca da pretensão indemnizatória formulada pela A. contra a autarquia /R.- julgando improcedente o pedido formulado com base nos danos emergentes alegadamente sofridos e apenas procedendo a pretensão referente ao ressarcimento dos lucros cessantes, decorrentes da privação, durante quase 20 anos, do imóvel ilegitimamente ocupado pela R., calculados com base no rendimento financeiro que teria sido possível obter com a aplicação, entre 1997 e 1998, do valor do imóvel em litígio (6.885.900$00) e do qual apenas recorreu a autarquia /R.– assume importância decisiva para  a aplicação da teoria da diferença o documento constante de fls. 52, com base no qual se calculou, afinal, o valor actualizado da indemnização arbitrada.

Tal documento, junto com a petição inicial para prova dos factos alegados no art. 15 da petição inicial, tem de se considerar impugnado pela R., na medida em que esta impugnou precisamente a matéria constante de tal artigo, nos termos do art. 1. da contestação ( fls. 66).

Ora, face à absoluta relevância de tal documento e do cálculo financeiro nele contido para o julgamento da lide, consideram-se insuficientemente clarificados e discutidos nos autos os critérios que estão materialmente subjacentes ao cômputo actualizado do montante indemnizatório, nele efectuado – convidando-se, por isso, a A., apresentante do referido documento, a prestar os esclarecimentos que entenda pertinentes acerca dos critérios financeiros seguidos na actualização e correcção monetária que subjazem ao cálculo efectuado no dito documento, ouvindo-se sobre tal matéria a parte contrária.

Por outro lado – e tendo em conta a interpretação que, numa primeira leitura, se realizou acerca de tais prováveis critérios - desde já se suscitam, ao abrigo da regra do contraditório e da proibição de prolação de decisões surpresa, três possíveis objecções, com relevância decisiva para a aplicação da teoria da diferença ao cômputo da indemnização em dinheiro.

Assim :

a) A primeira delas, prende-se com a correcção monetária que a A. terá logo efectivado referentemente ao valor do terreno, entre as datas de 1972 e 1977 (ou seja, num período em que a plena fruição e disposição do imóvel não puderam de nenhum modo ser afectadas pela actuação da R.) : na verdade, no período temporal compreendido entre aquelas datas o referido montante de 6.885.900$00 não representava qualquer valor pecuniário existente no património da A. que pudesse ter sofrido erosão monetária, traduzindo apenas o valor venal do prédio loteado – não se vendo qualquer razão que permita concluir que tal valor venal acompanhou automaticamente as taxas de inflação verificadas entre 1972 e 1977: na realidade, se o valor do empreendimento imobiliário em desenvolvimento se alterou efectivamente entre tais datas, deveria a A. ter feito prova de tal facto, não podendo inferir-se uma valorização do valor venal de certo empreendimento imobiliário mecanicamente, apenas em função do índice de preços do consumidor.

b) A segunda objecção relaciona-se com o facto de, no referido e decisivo documento, a A. aparentemente ter cumulado a actualização ou correcção monetária do capital inicial com a aplicação de juros bancários sobre o montante já actualizado desse capital: ora, precisamente pela mesma razão que a jurisprudência não tem admitido a actualização monetária do capital indemnizatório e o simultâneo vencimento de juros de mora sobre aquele valor pecuniário monetariamente corrigido, também não parece possível operar tal cumulação quando estão em causa juros que remuneram certa aplicação financeira – precisamente pelo facto de a taxa de juro vigente em determinado período temporal já incorporar o valor da inflação ocorrida nessa altura: note-se que a circunstância de, nos anos 80, as taxas de juro praticadas pela banca se situarem em valores compreendidos na casa dos 20% a 30% se explica precisamente pelas elevadas taxas de inflação então verificadas – não parecendo conciliável com a justa aplicação da teoria da diferença duplicar o efeito do fenómeno da erosão monetária, fazendo incidir elevadas taxas de juro sobre o valor do capital já previamente actualizado, em função da taxa de inflação verificada.

E, nesta perspectiva, convida-se a A.- para além de prestar esclarecimento sobre este aspecto e se pronunciar sobre a objecção agora suscitada - a apresentar cálculos separados, tendo autonomamente em conta o montante dos juros alcançáveis sem actualização do capital inicial e os valores que decorreriam da mera correcção monetária deste, esclarecendo por qual das vias pretenderá, em última análise , optar.

c) Finalmente, convida-se a A. a explicitar se, no referido documento, foram tidas de algum modo em conta os encargos fiscais que, em condições reais e normais, incidiriam sobre os juros percebidos da entidade bancária em que hipoteticamente tivesse sido feita a aplicação financeira do capital que traduzia o valor venal do prédio – já que se afigura, mais uma vez em aplicação da teoria da diferença, que tais encargos, associados a todos os rendimentos de capital, sempre teriam de ser deduzidos ao montante bruto do rendimento alcançável com tal aplicação financeira.


Nestes termos e ao abrigo do preceituado no art. 3º, nº3, do CPC, convido as partes a pronunciarem-se sobre as questões suscitadas, prestando a A. esclarecimentos sobre os critérios subjacentes ao cálculo financeiro subjacente ao doc. de fls 52 , discriminando nomeadamente os valores que traduzem correcção monetária do capital originário e os resultantes do vencimento de juros remuneratórios líquidos do mesmo .



6. Ambas as partes se pronunciaram sobre as questões suscitadas, sustentando a A. , a fls. 1188/1198, que seria justificada a correcção do valor monetário do imóvel mesmo no período temporal anterior à respectiva ocupação, em função da aplicação dos coeficientes de inflação verificados entre 1972 e 1977, invocando as tabelas de correcção praticadas pelo fisco em sede de mais valias, constantes da Portaria 161/77; por outro lado, seria necessário, para efectiva reparação do dano causado, a cumulação da actualização monetária do capital inicial com a aplicação da taxa de juros bancários praticada, notando que tais juros são simples, e não compostos, salientando ainda o montante elevado dos juros que a A. efectivamente teve de suportar nos empréstimos que teve de contrair como consequência da privação do imóvel; e, finalmente, sustenta ainda que não seria devido, durante todo o período temporal em questão, o pagamento de quaisquer impostos, face às isenções e aos resultados negativos que acumulou.

    Por sua vez, a autarquia R., na sua resposta de fls. 1201/1206, adere ao entendimento de que seria ficcional a pretendida correcção monetária do valor do imóvel, obtida através das taxas de inflação verificadas entre 1972 e 1977, cabendo à A. o ónus de provar qual era o efectivo valor do imóvel ocupado precisamente à data da ocupação, o que não fez; insurge-se também contra a pretendida cumulação real entre a correcção monetária do capital inicial e o vencimento de juros às taxas praticadas pela banca, entendendo que a indemnização devida não poderia ser calculada senão através da aplicação da taxa de juros simples, de acordo com o que efectivamente pagou nos empréstimos, reduzida pelo valor da utilidade que retirou do prédio durante a ocupação, ao menos poe ele ter servido de garantia. Finalmente, considera que os benefícios fiscais concedidos à A. pelo contrato de viabilização financeira não abrangiam a contribuição predial e o imposto de capitais, pelo que, não revertendo tais quantias devidas no plano tributário para o património da A., teriam as mesmas de ser deduzidas no valor da indemnização a fixar.



7. Como dá nota o acórdão recorrido, estamos no domínio de uma pretensão indemnizatória por danos decorrentes da violação do direito de propriedade da A. sobre o prédio identificado nos autos, a qual se traduz na ocupação ilícita por parte da R. , desde 1997 a 1998 (sendo, deste modo, manifestamente improcedente o argumento esgrimido pela A., na sua resposta de fls. 1194, segundo o qual no caso concreto não estamos perante o pagamento de uma indemnização mas perante o pagamento dos custos efectivos que a empresa suportou).

E é precisamente essa natureza indemnizatória da pretensão, situada no domínio da responsabilidade civil extracontratual, que plenamente legitima o vencimento de juros moratórios desde a data da citação do executado para contestar a presente liquidação, decretada pelo acórdão recorrido a fls. 1136 e assente no regime estabelecido no art. 805º, nº3, do CC – nenhuma censura merecendo tal segmento decisório.

Assente a natureza indemnizatória da pretensão em litígio nos presentes autos, importa realçar que , na construção feita pela A., ela compreendia fundamentalmente dois vectores, como salienta, a fls. 1120, o acórdão recorrido:

- o relativo aos danos emergentes, consubstanciados nos prejuízos decorrentes da imobilização não lucrativa do activo financeiro representado pelo imóvel , em resultado da sua ilícita ocupação por parte do executado, entre 1977 e 1998, e da consequente necessidade de a exequente ter recorrido a financiamento bancário mais oneroso, suportando o pagamento dos respectivos juros;

- o referente a lucros cessantes, decorrentes da expectativa de acréscimo patrimonial frustrada pela ocupação ilícita do executado, atendendo ao valor comercial do prédio valorizado com a licença de loteamento, à data da ocupação, deduzido o valor do terreno, em virtude de a exequente ter ficado privada da possibilidade de o comercializar a seguir à aprovação do PDM de Almada, que lhe atribuiu uma classificação não edificativa.

Ora, interpretando adequadamente os termos do acórdão recorrido, qual foi a sorte de tais pretensões indemnizatórias?

- por um lado, considerou o acórdão recorrido que a exequente não alegou nem muito menos provou a ocorrência de danos emergentes derivados da ocupação ilícita do terreno por parte do executado - nada de concreto se provando  quanto, nomeadamente, aos genericamente aludidos empréstimos bancários , nem quanto aos níveis de endividamento da sua estrutura económico financeira, ou que a privação da disponibilidade do terreno tivesse sido causa exclusiva das invocadas dificuldades na obtenção de crédito e pagamento de juros;

- por outro lado, que a exequente não logrou provar que tenha cumprido os requisitos que obstavam à caducidade das licenças dos loteamentos anteriores, ficando por demonstrar que a ocupação iniciada pelo executado em 1997 tenha frustrado a potencialidade edificativa precedente, nada de concreto e consistente  se tendo também demonstrado  em sede de privação do normal valor locativo do imóvel;

- daí que o acórdão recorrido tenha estribado a parcial procedência da pretensão indemnizatória deduzida exclusivamente em sede de privação do valor do terreno como activo financeiro, afirmando: perante a factualidade provada, tem-se como único ponto de apoio a privação do terreno, como activo financeiro, resultante da ocupação por parte do executado, entre 1977 e 1998, e a consequente frustração dos juros que o mesmo poderia proporcionar à exequente, traduzida, pois, em lucros cessantes causados por essa ocupação ilícita e culposa; e daí que , em aplicação deste critério normativo de cálculo da indemnização, se conclua: o referido valor de 6.885.900$00, a preços de 1972, deve ser actualizado, anualmente, de 1997 a 1998, e sobre as parcelas de capital assim encontradas serem então calculados os juros que este capital poderia proporcionar, às taxas sucessivamente praticadas pela banca, perspectivado como foi enquanto activo financeiro.

É, pois, a esta luz que tem obviamente de interpretar-se o decidido no acórdão recorrido: a via jurídica utilizada para ressarcir a A. não foi, deste modo, a resultante dos invocados danos emergentes resultantes da ocupação ilícita do terreno (nada tendo a ver, nomeadamente, com a compensação pelos invocados encargos acrescidos com empréstimos bancários contraídos para enfrentar dificuldades de gestão financeira pretensamente ligadas à privação do imóvel), nem a decorrente de alegados lucros cessantes , ligados à frustração de potencialidades edificativas ou do aproveitamento locativo do terreno: o único lucro cessante tido por ressarcível, perante a factualidade provada, foi o decorrente da privação do activo financeiro - representado pelo valor pecuniário do terreno durante o período da ocupação ilícita – no património da A., consubstanciando-se nos juros que. às taxas bancárias sucessivamente praticadas, tal capital financeiro poderia ter proporcionado.

Note-se ainda que o decidido no acórdão recorrido, na medida em que haja sido desfavorável aos interesses da A. (ou seja, na parte em que desconsiderou as citadas perspectivas de indemnização fundadas na privação do valor locativo do terreno, na frustração da sua potencialidade edificativa ou na compensação de maiores despesas com empréstimos bancários ditados pelo agravamento da situação financeira da A., enquanto imputável à ilícita ocupação) transitou em julgado, nos termos do disposto no nº5 do art. 635º do CPC, uma vez que a A. não recorreu de tal decisão, na parte em que a mesma lhe foi desfavorável: o recurso de revista foi interposto apenas pela autarquia R., questionando, não propriamente o critério normativo estabelecido no acórdão recorrido para o cálculo da indemnização, mas a sua concretização prática, ou seja, a quantificação de tal dano, tido por exorbitante, enquanto assente na tabela ou cálculo financeiro constante do doc. de fls. 52.

Significa isto que a quantificação pecuniária da indemnização a que a A. terá direito, a título de lucros cessantes pela privação do terreno durante a respectiva ocupação ilícita dependerá fundamentalmente da resposta a dar à seguinte questão: qual o rendimento, efectivo e disponível, que o valor patrimonial do terreno poderia ter proporcionado à A. durante os anos da ocupação, através de aplicação bancária, remunerada às taxas praticadas pela banca durante esse período temporal?

Ora, a operação de cálculo financeiro, feita pela A. no referido documento, traduzirá cômputo adequado e razoável de tal dano a ressarcir – ou , pelo contrário, como sustenta a autarquia recorrente, tal tabela financeira, face aos critérios que lhe estiveram subjacentes, envolveu a atribuição de uma indemnização desproporcionalmente elevada?

Em primeiro lugar, importa realçar que a base de tal tabela de cálculo financeiro do dano assentou, não no valor apurado nos autos para o terreno em litígio, reportada ao ano de 1972 (pontos 1.12 e 1.13 da matéria de facto), mas num valor que – em consequência da aplicação pela A. das tabelas de inflação verificadas entre 1972 e 1977 – representava o dobro daquele valor realmente apurado nos autos para a parcela (14.017,125).

Note-se que, no referido período temporal, anterior à ocupação, o terreno em causa não traduzia um mero capital financeiro no património da A., mas um bem real, por ela plenamente disponível e utilizável: ora, não parece aceitável que se vá suprir o relativo insucesso probatório quanto à matéria do quesito em que se pretendia apurar o valor real do terreno à data precisa da ocupação (apenas resultando provado o respectivo valor em 1972) por uma ficção assente na aplicação automática das tabelas de desvalorização monetária ( sendo evidente que a valorização ou desvalorização, ao longo dos anos, de terrenos urbanizáveis pode perfeitamente depender de factores que nada têm a ver com os índices de inflação verificados).

Ou seja: recaindo sobre a A./lesada o ónus de provar qual era o valor real e efectivo da parcela na data exacta em que ocorreu a respectiva ocupação, geradora dos invocados danos, cabia-lhe produzir prova consistente sobre tal factualidade, mostrando nomeadamente que o terreno se tinha valorizado substancialmente entre a data referida no ponto 1.13 da matéria de facto e 1997 - não podendo suprir-se uma insuficiência probatória quanto a tal matéria de facto essencial através de mera aplicação automática dos índices de inflação entretanto verificados: tal implica que a base de partida para o cômputo dos lucros cessantes proporcionados pelo terreno, perspectivado como capital financeiro de que a A. esteve privada, deva ser a quantia efectivamente apurada nos autos, ou seja, o valor de 6.885.900$00 (como, aliás, parece resultar do acórdão recorrido, a fls. 1134, ao prescrever que o referido valor de 6.885.900$00 deve ser actualizado anualmente de 1977 a 1998) – o que, só por si, obrigaria a refazer inteiramente o cálculo realizado através da tabela financeira junta pela A. a fls. 52.



8. Não é esta, porém, a única objecção que deve ser formulada relativamente ao método utilizado pela A. para a quantificação do dano sofrido com a privação do capital financeiro correspondente ao valor do imóvel que esteve impedida de utilizar e fruir durante os anos por que se prolongou a respectiva ocupação ilegítima.

Assim, verifica-se, face aos esclarecimentos prestados pela A. , na sequência do despacho proferido pelo relator , que a referida tabela, decisiva para alcançar o quantitativo da indemnização arbitrada, assentou numa cumulação real entre a correcção monetária anual do referido capital financeiro inicial, feita através do índice de preços do consumidor, e da aplicação sobre tal valor corrigido das taxas de juro praticadas, ao longo desse período, pela banca, como remuneração dos depósitos.

Ora, será razoável e adequado para alcançar o justo valor do dano efectivamente suportado pela lesada – e que, realça-se, corresponde apenas à privação de um capital financeiro, correspondente ao valor apurado do imóvel - proceder a essa cumulação real, calculando juros remuneratórios sobre o valor do capital já monetariamente corrigido em função das elevadas taxas de inflação verificadas durante todo o período da ocupação do imóvel ?

Note-se que esta questão nada tem que ver com a referente à problemática do vencimento de juros simples ou compostos, referenciada na resposta de fls. 1191 e segs.: ou seja, o problema não se situa no eventual englobamento dos juros vencidos anualmente no próprio capital, passando, no período seguinte, a vencer-se juros sobre a totalidade desse montante pecuniário, mas com a cumulação real entre correcção monetária do capital e vencimento de juros remuneratórios sobre o capital monetariamente corrigido.

Por outro lado – e como resulta das anteriores considerações - não pode a A. invocar, como o faz na resposta apresentada, como fundamento para tal cumulação o valor acrescido de juros que teria tido de pagar nos empréstimos bancários que contraiu para fazer face à sua situação de debilidade económica, alegadamente resultante da ocupação  e consequente privação da disponibilidade da parcela em litigio: é que a pretensão fundada na invocação de tais danos emergentes (maiores despesas com juros) foi, como anteriormente se notou, julgada improcedente, por não provada, no acórdão recorrido, a fls. 1128, tendo tal decisão, nesta parte não impugnada, transitado em julgado.

Como se realçou no despacho de fls. 1185, é outro o problema aqui em causa – e que resulta da circunstância de as taxas remuneratórias praticadas pelos bancos já incorporarem, até certo ponto, o valor da inflação esperada ou verificada nesse período temporal: é isto que permite compreender que tais taxas de juro alcancem, em períodos de elevada inflação (de dois dígitos) ,valores situados entre os 14% e os 29,5% (cfr. ponto 1.15 da matéria de facto). Ora, assim sendo, é manifesto que a via seguida no cálculo financeiro da A. implica uma dupla consideração da inflação – corrigindo-se, em função dela, o valor do capital inicial e, de seguida, calculando juros remuneratórios, às referidas taxas (em certos casos, superiores a 20%, precisamente porque as mesmas já reflectem e incorporam o elevado valor da inflação verificada) – inflacionando, consequentemente em termos desproporcionados, o valor da indemnização arbitrada à lesada, muito superior às expectativas reais de rendimento que o capital financeiro em causa lhe poderia efectivamente proporcionar.

Ora, como obstar a esse injustificado enriquecimento da lesada, traduzido em acabar por lhe ser atribuído um valor pecuniário que, em condições normais, ela nunca poderia ter alcançado com uma normal e prudente rentabilização do capital inicial, colocado em depósitos na banca?

Afiguram-se possíveis duas vias: uma, mais radical, traduzida na proscrição da cumulação real entre correcção monetária do capital e vencimento de juros remuneratórios sobre o montante corrigido; ou outra via metodológica que, sem proscrever em absoluto a possibilidade de o capital inicial ser monetariamente corrigido em função da inflação verificada, opere uma destrinça, nas referidas taxas de juro praticadas pela banca, entre o que nelas representa efectiva e real remuneração da aplicação financeira realizada e o que traduz mera compensação do depositante contra a erosão monetária verificada necessariamente em períodos de elevada inflação: o que consideramos seguramente inadmissível, por traduzir injustificado enriquecimento do lesado, é proceder a uma dupla ponderação do efeito ou peso da inflação, repercutindo-a, logo à partida, na correcção monetária do montante do capital e, de seguida, voltando a considerá-la integralmente  aquando da aplicação de taxas de juros remuneratórios vizinhas ( ou superiores) aos 20%.

E, assim sendo, não poderá subsistir o decidido na parte final do acórdão recorrido, a fls. 1134/1135, na estrita medida em que quantificou o dano sofrido pela lesada através da integral adesão ao cálculo financeiro realizado no doc. de fls. 52.



9. Por último, cumpre ainda realçar que, como é evidente, só existe dano da lesada na medida em que esta tenha ficado efectivamente privada, no seu património, dos valores remuneratórios normalmente auferíveis com o capital financeiro que esteve impossibilitada de dispor durante o período temporal da ocupação – não traduzindo lucro cessante os valores que, a ter ocorrido a referida rentabilização na banca, devessem necessariamente reverter (nomeadamente através dos mecanismos de retenção na fonte) para a administração tributária, a título de imposto devido pelos rendimentos de certo capital financeiro.

Sustenta a A. que, no caso dos autos, nenhum imposto seria devido sobre os juros correspondentes à aplicação do referido montante do capital em depósitos bancários, invocando, não apenas os benefícios fiscais/ isenções subjectivas contempladas no contrato de viabilização financeira referenciado nos autos, mas também a circunstância de, ao longo dos anos, ter acumulado resultados económicos negativos para efeitos fiscais, que absorveriam inteiramente os proveitos decorrentes do hipotético vencimento de juros.

Note-se que o período temporal em questão abrange regimes fiscais perfeitamente diversos – o dos impostos cedulares, até 1989, e o do actual imposto global sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC): ora, os elementos factuais constantes dos autos revelam-se manifestamente insuficientes para tomar posição segura sobre esta questão, desde logo por não constar minimamente da matéria de facto quais foram os resultados da exploração económica da A. no período em causa e a sua possível repercussão no pagamento do imposto de capitais que corresponderia normalmente à aplicação financeira do capital indemnizatório, remunerado às taxas bancárias correntes.



10. Aqui chegados, tem de reconhecer-se que se considera inviável, no âmbito da presente revista, calcular o exacto montante indemnizatório devido à lesada, em consequência do critério normativo fundamentalmente definido no acórdão recorrido para o cálculo de tal indemnização, substituindo a tabela financeira apresentada a fls. 52 pelo cálculo adequado: na verdade, tal operação técnico-contabilística transcende o plano das questões de direito que cumpre solucionar no âmbito de um recurso de revista, envolvendo juízos técnicos, a solicitarem preferencialmente uma perícia contabilístico financeira, que não é processualmente possível mandar realizar na fase de julgamento de um recurso de revista.

Resta, deste modo, fixar, nos termos do art. 683º, nº1, do CPC, o critério normativo de que irá depender o concreto juízo de contabilização do dano sofrido pela lesada, determinando-se, ao abrigo do disposto no nº3 do art. 682º, a ampliação da base factual indispensável a uma ponderada e justa quantificação do dano, a realizar preferencialmente, atenta a sua especificidade técnico-financeira, através de perícia contabilístico-financeira, que supra as imprecisões, insuficiências e deficiências atrás notadas quanto à tabela apresentada pela A. a fls.52.

E, assim sendo, pelos fundamentos apontados:

a) Revoga-se o acórdão recorrido, na estrita medida em que teve por adequado ao cálculo do montante da indemnização devida à lesada o cálculo de actualização constante do doc. de fls. 52., a ele aderindo inteiramente, de modo a alcançar o valor indemnizatório de €2.261.180,00, confirmando-o em tudo o que mais nele se decidiu, procedendo assim a revista da R.

b) Fixa-se o seguinte critério normativo para obter a quantificação da indemnização devida à A.: o lucro cessante por ela sofrido com a privação do terreno, ocupado entre 1977 e 1998, deve corresponder ao rendimento (juros) que, num juízo de prognose, poderia ter-lhe facultado, nesse período, o capital financeiro de 6.885.900$00, se aplicado em depósitos bancários, descontando-se o montante do imposto que – perante o quadro legal vigente e face aos resultados financeiros da A. – seria devido pelos rendimentos provenientes da aplicação desse capital, não devendo valorar-se duplamente o efeito da inflação, através da correcção monetária do capital inicial e do simultâneo vencimento de juros remuneratórios, às taxas mencionadas no ponto 1.15. da matéria de facto ( e que já incorporam o valor da inflação ocorrida no período da respectiva vigência), sobre os valores do capital já monetariamente corrigido.

c) Determina-se a ampliação do quadro factual subjacente ao litígio, indispensável à concretização e quantificação do critério normativo enunciado, a realizar preferencialmente através de perícia contabilístico-financeira, em que se apure quais eram os rendimentos expectáveis da aplicação bancária do referido capital, durante o período temporal da ocupação, e se – face nomeadamente aos resultados financeiros da gestão da A. nesse período - seria devido imposto sobre a aplicação de capitais – convidando-se, desde já as partes a requererem nas instâncias a produção de tal prova pericial, sem prejuízo de o Tribunal poder determinar a sua realização, no uso dos poderes de investigação oficiosa, decorrentes do preceituado nos arts. 411º e 467º do CPC.

d) Custas da revista a cargo da A., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.


Lisboa, 08 de Outubro de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor