Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
401/13.4T2AND.P1.S3
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: BENFEITORIAS ÚTEIS
POSSE PRECÁRIA
LEVANTAMENTO DE BENFEITORIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
COISA MÓVEL
DANO
INDEMNIZAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
VALOR DE MERCADO
Data do Acordão: 11/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – DIREITO DAS COISAS / POSSE / EFEITOS DA POSSE.
Doutrina:
- Adriano Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ 16/7/1974, in RLJ/108 (1975-1976), p. 253-255e 265-267;
- Durval Ferreira, Posse e Usucapião, Almedina, 2002, p. 423-425;
- José Alberto Vieira, Direitos Reais, p. 604;
- Júlio Gomes, O Conceito de Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas no Enriquecimento Sem Causa, Univ. Católica, Porto, 1998, p. 311 e ss.;
- Manuel Rodrigues, A Posse, p. 312;
- Menezes Cordeiro, Direitos Reais, p. 516-517;
- Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, 2019, 8ª Edição, p. 218 e ss.; Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2017, p. 435-437 ; O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Centro de Estudos Fiscais, 1996, p. 838 e ss.;
- Pais de Vasconcelos, Pedro, Teoria Geral do Direito Civil, 2015, 8ª edição, p. 215-216;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, p. 412 ; Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 1984, p. 44 ; Código Civil Anotado, vol II, 4ª ed., p. 757 ; Código Civil Anotado, Vol. III, p. 163.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 473.º, 479.º, N.ºS 1 E 2 E 1273.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27-09-2012, PROCESSO N.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O disposto no art. 1273º, do CC é aplicável a possuidores precários, nos termos previstos na lei, e a outros negócios jurídicos (híbridos, atípicos ou inominados), desde que a similitude do caso o justifique;

II. Para efeitos do disposto no art. 1273º, do CC, o detrimento há-de reportar-se à coisa em si mesma e deve constituir um dano significativo;

III. A obrigação de restituir a que se referem os arts. 473º e ss. não visa reparar o dano do lesado – esse é o fim da responsabilidade civil -, mas suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem;

IV. Nos termos do art. 479º nº1 e 2 CC, não sendo possível a restituição em espécie, a obrigação de restituir compreende o valor correspondente a tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido mas sem exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para restituição ou do conhecimento da falta de causa do enriquecimento;

V. O valor correspondente a que alude o art. 479º nº1 é o valor objetivo ou de mercado, sem consideração do seu valor subjetivo para o adquirente;

VI. Nos termos do artigo 479º, nº1, a indemnização há-de corresponder ao valor daquilo que o titular tiver obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição encontra-se sujeita a dois limites: o do custo, que consistirá em regra no empobrecimento do possuidor, e o do enriquecimento do titular do direito (valor atual).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. "AA - Indústria de Turismo e Hotelaria, Lda." intentou a presente ação declarativa contra o Município de …, pedindo que:

a) - Seja declarado que a A. adquiriu, por acessão industrial, o prédio no qual se encontra instalado o Kartódromo de …, identificado no artigo 4º da p.i., fixando-se um prazo não inferior a 60 dias para a A. proceder ao pagamento de uma indemnização à ré, correspondente ao valor pelo terreno, à data da incorporação, no montante de EUR 93.091,14;

Caso quando assim não se entenda:

b) – Seja o réu condenado a pagar à autora uma quantia, a título de indemnização, por benfeitorias úteis realizadas no imóvel identificado no artigo 4º da p.i., no valor de EUR 606.827,50, acrescida de juros de mora, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

A autora vem explorando, com fins lucrativos, o denominado “Kartódromo de …", sito na Zona Industrial de …, Lote ED, freguesia de …, concelho de …, instalado em prédio pertencente ao réu, e no qual a autora construiu diversas instalações e equipamentos, entre 1995 e 2008, à vista e com conhecimento geral, sem oposição de quem quer que seja, fazendo a A. uso do imóvel como se de coisa sua se tratasse.


O réu deliberou ceder à autora o direito de superfície sobre o imóvel, o que nunca formalizou.


As obras realizadas pela autora têm um valor superior ao do terreno, sendo que não se podem separar do imóvel.

2. Na contestação, o réu impugnou a factualidade alegada na petição inicial, concluindo que não se encontram verificados os pressupostos integrantes do instituto da acessão, nem da obrigação de indemnização por benfeitorias.

Mais alegou, em todo o caso, que a autora vem utilizando o imóvel sem pagar ao réu qualquer contrapartida, que algumas das obras podem ser separadas sem afetação da substância do imóvel e que a pretendida aquisição do imóvel, por acessão, e/ou o pagamento de indemnização por benfeitorias, configuram abuso de direito.


3. A final, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação totalmente procedente, declarou que “a A. adquiriu o direito de propriedade sobre o lote identificado em 3 dos factos provados, por acessão, sob a condição de, em trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença, depositar a favor do réu a quantia de € 88.281,28 (oitenta e oito mil duzentos e oitenta e um euros e vinte e oito cêntimos), sob pena de caducidade do direito.”.

4. Desta decisão apelou o réu, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão em que, julgando parcialmente procedente a apelação, fixou em EUR 93.091,14, o valor a depositar pela autora, confirmando, no mais, a sentença.

5. De novo irresignado, o réu interpôs recurso de revista excecional, admitida pela Formação a que se alude no art. 672º, nº3, do CPC, tendo sido proferido acórdão em que, revogando o acórdão recorrido, absolveu o réu do pedido principal e ordenou a remessa dos autos à Relação, a fim de ser apreciado o pedido subsidiário deduzido pela autora.

6. Pelo Tribunal da Relação do Porto foi, então, proferido acórdão a julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário formulado pela A. e, consequentemente, a condenar o R. a pagar à A. a quantia de EUR 605.835,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.

7. Mais uma vez inconformado, o R. interpôs a presente revista, dizendo, em conclusão:

1. Entre 1995 e 2008 a sociedade comercial AA, Lda realizou várias edificações no âmbito da concretização de um projecto de construção e exploração de um kartódromo num prédio rústico pertencente ao Município de …;

2. A sociedade apresentou este projeto ao Município como proporcionando “todo um conjunto de vantagens para o mesmo, nomeadamente a criação de uma pista de Kart Internacional; o embelezamento do local, com benefício para o turismo e indústria hoteleira da região; divulgação da terra nos meios de comunicação, entre outras”;

3. Com base no projeto, o AA construiu o “Kartódromo de …” através de obras realizadas à vista, com conhecimento geral, e sem oposição, “ fazendo uso do imóvel como se de coisa sua se tratasse”;

4. A construção e exploração assentam numa autorização concedida pelo Município de … para o efeito, visando “atingir os objetivos propostos” no projeto. Para além desta autorização, nenhuma concreta posição jurídica foi estabelecida a favor do AA, em relação ao imóvel do Município;

5. O ano de realização das várias obras de construção levadas a cabo pelo AA não foram concretamente apurados, determinando-se apenas terem ocorrido entre os referidos anos de 1995 e de 2008. As obras viriam a ser avaliadas em 5 de Fevereiro de 2014. Já o valor do terreno foi apurado por referência ao ano de 1995;

6. Amparado neste quadro factual, o AA pedira em primeira instância, a título principal, que fosse declarado como tendo adquirido “por via de acessão industrial, o prédio no qual se encontra instalado o Kartódromo de … (...), fixando-se um prazo não inferior a 60 dias para [o AA]. proceder ao pagamento da indemnização [ao Município], correspondente ao valor pelo terreno, à data da incorporação, no montante de €93.091,14.”;

7. A Sentença do Tribunal Judicial da Comarca de … de 13 de Dezembro de 2016 julgou o pedido procedente, declarando a aquisição pelo AA do direito de propriedade sobre o terreno do Município de …, sob condição de, a favor deste, o AA depositar a quantia de €88.281,28. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Novembro de 2017 confirmou a Sentença da primeira instância, apenas modificando o valor do montante a depositar pelo AA para os €93.091,14;

8. Ambas as instâncias judiciais fundamentaram as suas decisões no regime da acessão industrial imobiliária, mais concretamente no artigo 1340.º, que regula as obras feitas de boa fé em terreno alheio;

9. No âmbito destas obras, o n.º 4 do artigo 1340.º considera de boa fé o seu autor se ele ignorar estar a incorporá-las em terreno que não lhe pertence. O conhecimento da natureza alheia do terreno não implica a má fé do interventor, desde que a incorporação haja sido autorizada pelo proprietário do terreno;

10. É manifesto que o AA sabia estar a fazer obras de construção num terreno que não é seu, tendo inclusivamente apresentado ao seu proprietário um projeto, antes de as começar. Porém, com a apresentação deste projeto - associado pela AA a múltiplas vantagens para o Concelho e o Município -, foi-lhe concedida autorização para a construção e exploração do kartódromo;

11. A autorização do Município não é incondicionada, não é um cheque em branco: é contextualizada. É dada para determinados objetivos propostos no projeto do AA: objetivos de interesse público;

12. Valendo-nos das palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2012, “tendo a incorporação sido precedida e dependente da autorização do dominus, a aferição da boa fé do interventor terá que ser aferida e balizada pelo exato conteúdo e alcance que modelou a autorização”;

13. O autor das obras que aja fora do conteúdo e alcance modeladores da autorização que o proprietário do terreno lhe conferiu age sem autorização - age de má fé;

14. E fora dos limites da autorização concedida pelo Município de … situou-se, precisamente, o comportamento do AA, que construiu o “Kartódromo de …” através de obras realizadas à vista, com conhecimento geral, e sem oposição, “fazendo uso do imóvel como se de coisa sua se tratasse”;[1]

15. Não foi para atuar no terreno como se este fosse seu que o Município de … nele autorizou os atos de construção e de exploração do AA, mas antes para a concretização das numerosas vantagens de interesse público que aquele interventor lhe apresentara com o projeto do Kartódromo;

16. Se “a autorização foi dada para uma certa finalidade, incompatível com a aquisição da propriedade, vedada está a aquisição por acessão industrial imobiliária”[2], em virtude da falta de boa fé, que exclui a possibilidade de aplicação do n.º 1 do artigo 1340.º, em que o AA fundara o seu pedido principal;

17. Portanto, errou ao aplicar o artigo 1340.º o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Novembro de 2017, que confirmara a procedência do pedido principal do AA, e foi por isso revogado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2018;

18. A norma aplicável é o artigo 1341.º, relativo às obras feitas de má fé em terreno alheio, que vedam ao seu autor a faculdade de adquirir o terreno em que as incorporara;

19. Porque pressupõe a má fé do interventor, o artigo 1341.º só ao proprietário do terreno atribui o poder de fazer sua a coisa alheia - no seu caso, as obras incorporadas. Mas se não tiver interesse na sua aquisição, o legislador confere-lhe, em alternativa, o direito a exigir a sua demolição, à custa do respectivo autor, de modo a repor o terreno no seu primitivo estado;

20. Se o proprietário do terreno optar pelo direito de fazer suas as obras que nele foram incorporadas bastar-lhe-á pagar o “valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa ”, nos termos da parte final do artigo 1341;

21. Para a doutrina maioritária este enriquecimento é apreciado em termos patrimoniais (a forma como se repercutiu no património do enriquecido a vantagem que nele entrou), subjetivos (confronto entre a situação real do enriquecido e a situação hipotética em que se encontraria esse mesmo sujeito específico se não tivesse ocorrido o facto que atribui a vantagem ao enriquecido) e atuais (referente ao momento em que se procede à operação de cotejo entre a situação real e a hipotética);

22. Paralelamente, a proposta delineada por Luís Menezes Leitão parte da autonomização de várias categorias de “enriquecimento”, diferenciadas pela causa e pelas soluções para o problema da determinação do objeto da obrigação de restituição;

23. O enriquecimento de quem exerce o direito de aquisição das obras incorporadas, de má fé, no seu terreno, atribuído pelo artigo 1341.º, constitui um caso de enriquecimento por despesas de que outrem tira proveito;

24. In casu, as despesas que o interventor de má fé suportou com as obras - escolhidas por si - estão a ser transferidas para um terceiro (o proprietário do terreno) que não as solicitou, que não esteve envolvido na sua aplicação, que, em suma, não as deseja, e que agora se vê na situação de ter de as reembolsar a quem as fez de má fé;

25. Nestes casos de “imposição forçada do enriquecimento”, a obrigação daquele que enriqueceu sem o desejar tem por objeto a “restituição da poupança de despesas ou do valor subjetivo da aquisição”;

26. O enriquecido só tem de restituir o valor correspondente às despesas que ele efetivamente poupou; as despesas que ele teria efetuado se os atos praticados pelo interventor empobrecido não houvessem tido lugar - se é que teria efetuado quaisquer despesas. É o valor subjetivo das obras, a sua utilidade para o sujeito que as adquire, que releva para a determinação do que deverá ser restituído ao interventor de má fé;

27. O Município de … é uma pessoa coletiva de direito público, cuja atuação é norteada pelo serviço ao interesse público, e não uma sociedade comercial movida por um escopo lucrativo, como o AA. Esta diferença fundamental não pode deixar de se repercutir em poupança de despesas e valores de aquisição;

28. Pelo que certamente não teria aceitado vários tipos de despesas que o AA fez; por exemplo, teria porventura evitado realizar certas obras - como as que constam da al. h) do facto provado 18, correspondentes a arruamentos que custaram mais de €150.000 -, ao passo que não teria deixado de fazer outras, mas por valores quantitativos diversos, muito inferiores - vejam-se, a este propósito, as obras constantes da al. c) do facto provado 18, que se reportam ao montante de €203.500, expendido na construção de um bar/restaurante com 370m2. Uma coisa é construir para explorar com intuito lucrativo - como fez o AA -, outra, muito diversa, é a construção e exploração para o benefício público;

29. Dado o interesse público que pauta a atuação do Município de … em relação ao terreno em questão, as despesas e aquisições que este estaria disposto a efetuar não podem deixar de ser largamente inferiores - quantitativamente - às efetuadas pelo AA, enquanto sociedade comercial que é; e/ou, mesmo, radicalmente diversas -qualitativamente -, por serem destinadas (as despesas) a algo completamente diferente do kartódromo que a sociedade AA ali havia construído;

30. Em qualquer dos casos, o valor que as obras incorporadas pelo AA representem para o Município de … está quantitativamente limitado, quanto à obrigação de o restituir, pelo valor da deslocação patrimonial, isto é, das próprias obras;

31. Este limite é calculado nos termos do n.º 3 do artigo 1340.º, que prevê que, nos casos em que as obras são incorporadas de boa fé, o dono do terreno as possa adquirir, pagando ao autor das obras uma “indemnização” correspondente ao valor delas ao tempo da incorporação. Não faria sentido, e iria contra a teleologia destes preceitos, obrigar o proprietário do terreno que adquire as obras com base no 1341.º - que pressupõe um comportamento de má fé do seu autor - a pagar mais do que se as houvesse adquirido pelo mecanismo do n.º 3 do artigo 1340.º, que requer que o interventor tenha atuado de boa fé;

32. Como o critério do n.º 3 do artigo 1340.º é o do valor da coisa - das obras -, mais precisamente, o “valor que tinham ao tempo da incorporação”, torna-se necessário determinar o momento em que esta teve lugar. As datas das várias obras que compõem o “Kartódromo de …” não foram concretamente apuradas, determinando-se apenas terem ocorrido entre os anos de 1995 e de 2008;

33. Porém, o valor do terreno ao momento da incorporação foi avaliado por referência ao ano de 1995. Se se determina que o valor do terreno antes da incorporação das obras é o daquele ano - o ano do início das obras do kartódromo -, então também terá de ser reportado a 1995 o valor das obras determinado pelo n.º 3 do artigo 1340.º, uma vez que também este usa o critério cronológico do momento da incorporação;

34. A planificação e valorização subjetivas do regime do enriquecimento sem causa aplicável ao caso pode revelar um valor nulo do enriquecimento, por as obras não terem qualquer utilidade para o proprietário do terreno. Por isso atribui o artigo 1341.º ao proprietário do terreno - em alternativa à aquisição das obras - o direito de exigir a demolição, à custa do respectivo autor, de forma a restituir o terreno à sua condição primitiva;

35. Para uma parte da doutrina, o exercício discricionário deste direito conflitua com as regras do abuso do direito, por poder implicar prejuízos grandemente desproporcionais ao benefício, por poder ser instrumentalizado na forma de exercício danoso inútil, e por ser contrário ao próprio princípio da função social da propriedade;

36. Para a outra corrente doutrinal, mais persuasiva na sua argumentação, será, por vezes, muito mais gravoso e socialmente prejudicial permitir que a violação de um direito alheio, realizada conscientemente e de má fé, comporte um lucro para o agente a aquisição de propriedade. Como o interventor atua neste caso de má fé, inserindo-se conscientemente na esfera jurídica alheia, sem para tal estar autorizado, então, face à lei, deve assumir os riscos da reação do titular do direito, mesmo que esta seja desconforme com os seus interesses e se reconduza a exigir a restituição do prédio no estado anterior;

37. Ao exercício do direito à remoção das obras acresce, ainda, um direito a uma indemnização a favor do proprietário do terreno em que foram incorporadas de má fé, nos termos gerais da responsabilidade civil delitual;

38. Revogado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Novembro de 2017, que confirmara o pedido principal formulado pelo AA, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2018 remeteu o processo àquela ilustre instância para que nela fosse “apreciado o pedido subsidiário deduzido pela autora”, consistindo este no reconhecimento do direito a ser indemnizada pelo Município, por benfeitorias úteis realizados no imóvel no valor de €606.827,50;

39. Foi sobre o seu mérito, então, que o Tribunal da Relação do Porto se debruçou, agora num novo Acórdão, de 8 de Março de 2019, que julgou o pedido procedente, condenando o Município de … ao pagamento da quantia de €605.835,00;

40. Este douto Acórdão parte da (re)qualificação jurídica das obras enquanto benfeitorias úteis, a cujo valor o AA teria direito, enquanto possuidor, nos termos do artigo 1273.º;

41. Esta metamorfose jurídica das obras não é possível porque o AA não é possuidor, por dois motivos;

42. Primeiro, não é possuidor porque o terreno em que o AA praticou os atos materiais correspondentes às obras é do domínio público do Município. É pacífico - tanto na doutrina como na jurisprudência - que as coisas de domínio público não são susceptíveis de posse;

43. Não é oponível o argumento da possibilidade de extinção do estatuto de dominialidade através da desafectação tácita, com a consequente transição do bem do domínio público para o domínio privado da entidade pública. Tal desafectação “exige que tenha ocorrido o abandono da função pública do bem, aferido por comportamentos inequívocos da administração”;[3]

44.a - A desafectação tácita de um terreno municipal do domínio público tem como causa - exclusiva - um comportamento do Município - ou melhor, da Administração, em geral - “que vinque claramente o abandono intencional da coisa, sendo que tal abandono há-de resultar inequivocamente de atos praticados pela mesma”;[4]

45. Por um lado, não basta a simples constatação duma ausência, ainda que longa, de construção por parte da edilidade; exige-se mais do que uma simples e mera inércia atribuível à edilidade; e, por outro lado, a desafetação tácita não poderá derivar ou resultar de ato ou de atuação praticada por um particular;

46. Assim é, e assim teria sempre de ser porque, caso contrário, “as coisas públicas perderiam os seus caracteres da inalienabilidade e da imprescritibilidade e seriam suscetíveis de posse, o que, como vimos, não é admissível”;[5]

47. E, em segundo lugar, o AA não pode ter posse pois é simples detentor. É-o porque a sua atuação foi meramente tolerada pelo Município de …, que o autorizou, de forma condicionada, a praticar os atos materiais que edificaram as obras;

48. Também aqui doutrina e jurisprudência caminham no mesmo sentido: o de considerar uma autorização para a prática de atos materiais em coisa própria, como a concedida pelo Município de … ao AA, reveladora de uma tolerância do titular do direito em relação aos atos materiais do autorizado, que, nos termos da al. b) do artigo 1253.º, são, por esse motivo, de simples detentor, e não de possuidor;

49. Outros autores vêem o sujeito autorizado como possuidor em nome de outrem - o sujeito autorizante -, que, de acordo com o preceituado pela al. c) do artigo 1253.º, é mais uma forma de simples detenção. E há ainda quem veja nos atos que alguém pratica em coisa alheia, mediante favor do titular que, a qualquer momento, assume a faculdade de os suster ou proibir - podendo tal favor contemplar uma autorização expressa, livremente revogável -, matéria subsumível, tanto à al. b), como à al. c), do artigo 1253.º, dependendo do caso;

50. Parece-nos, por isso, e salvo o devido respeito, incorreta a afirmação do Acórdão da Relação do Porto de 8 de Março de 2019 de que se encontra “demonstrado que [o AA] detinha a posse do prédio no início e durante a realização das obras que nele levou a cabo”.[6]

51. O artigo 1273.º atribui a indemnização ao possuidor. Não se satisfaz com a simples detenção. Ora, como o AA não é possuidor do terreno do Município não pode ser indemnizado por “benfeitorias úteis”. Nunca o seu pedido subsidiário poderia proceder;

52. Uma mesma obra, enquanto incremento de valor patrimonial, ou é qualificada como benfeitoria, ou é subsumida à acessão. A intervenção material em terreno alheio só possa ser vista a uma, ou a outra, luz;

53. O critério mais difundido, e dominante na jurisprudência, é o de Pires de Lima e de Antunes Varela, segundo o qual “[a]s benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule à pessoa a coisa determinada”;[7]

54. Uma benfeitoria é, por isso, um melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico. São assim benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo antigo enfiteuta, pelo possuidor (arts. 1273.º-1275.º), pelo locatário (arts. 1046, 1074.º e 1082.º), pelo comodatário (art. 1138.º) e pelo usufrutuário (art. 1450.º);

55. Como tivemos a oportunidade de concluir, a autorização do Município não confere ao autor das obras qualquer direito sobre o terreno; mais, até, constitui um dos argumentos que demonstra a ausência de posse. Não beneficiando o AA da condição de possuidor - e tendo sido provado que, para além daquela autorização limitada, nenhuma outra concreta posição jurídica foi estabelecida a seu favor sobre o imóvel do Município -,[8] nunca o critério destes ilustres Civilistas poderia ter na conta de benfeitorias as obras que fez;

56. Já a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com a coisa; por essa razão, “são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa”, podendo ele ser um simples detentor. E é este, incontornavelmente, o caso das obras feitas no terreno do Município de …, e, portanto, é à acessão que voltamos a chegar;

57. Perentoriamente excluída a hipótese de os incrementos incorporados serem benfeitorias - para efeitos da apreciação do pedido subsidiário do AA - deveria o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 8 de Março de 2019, ter aplicado às obras o regime da acessão - como, de resto, o havia feito ao apreciar o mérito do pedido principal daquela sociedade comercial;

58. Pelo que este último Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Março de 2019, viola lei substantiva, ao determinar erradamente a norma aplicável (e o instituto) - que deve ser o artigo 1341.º -, o que só por si constitui fundamento de revista, nos termos da al. a) do n.° 1 do artigo 674.° do Código de Processo Civil e, não fosse o mais, sempre imporia a admissão da presente revista ao abrigo da al. a) do n.° 1 do art. 672.° do CPC e, em consequência, a revogação do Aresto recorrido.

59. Apesar de o mais recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto ser um novo julgamento, relativo a um pedido que não havia sido apreciado por ter sido prejudicado pela procedência do pedido principal naquela instância, ele está, no entanto, limitado, quanto ao Direito, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro, uma vez que “[a] os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado” (n.° 1 do artigo 682.º do Código de Processo Civil);

60. O que fez o novo Acórdão da Relação do Porto, de 8 de Março de 2019, foi ladear o Direito fixado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para alcançar - através da aplicação do regime das benfeitorias, quando a solução deveria ter sido encontrada no âmbito da acessão industrial imobiliária - um resultado a que não poderia ter chegado;

61. Parece-nos assim violar o n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “[o]s juízes têm o dever de administrar justiça (...), cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores”. O que, só por si, torna este Acórdão do Tribunal da Relação do Porto passível de novo recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da al. b) do n.° 1 do artigo 674.° do Código de Processo Civil, e, não fosse o mais, sempre imporia a admissão da presente revista ao abrigo da al. a) do n.° 1 do art. 672.° do CPC e, em consequência, a revogação do Aresto recorrido;

62. Se a matéria de facto e de Direito fosse outra - e muito diferente - e nessa realidade jurídico-factual alternativa as obras do AA pudessem ser consideradas benfeitorias úteis, ainda assim não haveria lugar ao pagamento do seu valor, nos termos do preceituado pelo n.º 2 do artigo 1273.º;

63. As obras feitas pelo AA não podem ser levantadas sem detrimento do terreno municipal em que foram implantadas, isto é, sem que esta coisa ficasse com isso prejudicada na sua substância ou desvalorizada;

64. No entanto, a finalidade do n.º 2 do artigo 1273.º é a proteção do proprietário do terreno em que as benfeitorias foram incorporadas, na medida em que o exercício do ius tollendi cause prejuízo à sua coisa; ao mesmo tempo, e como contrapartida dessa proteção, o legislador impõe-lhe o pagamento do valor das benfeitorias (a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa) que, para não causar detrimento ao seu terreno, não vão poder ser levantadas por quem as fez;

65. Mas esta proteção não é uma imposição ao proprietário, nem como tal pode ser presumida. Não se vê por que não há-de o titular do direito - neste caso, o proprietário do terreno, o Município de Oliveira do Bairro - poder optar por aceitar o levantamento das benfeitorias úteis, conformando-se com o detrimento que daí advenha. Trata-se do seu direito de propriedade, de que ele “goza de modo pleno e exclusivo”, nos termos do artigo 1305.°;

66. Ao renunciar à proteção que o n.º 2 do artigo 1273.º lhe concede, passa o autor das benfeitorias a poder exercer o ius tollendi, sem ter de indemnizar o proprietário por danos que esse levantamento possa causar, em virtude do consentimento deste;

67. Em tal caso, é evidente não fazer sentido que o proprietário da coisa continuasse a ter de pagar o valor das benfeitorias, uma vez que essa obrigação tinha por finalidade evitar que ele ficasse enriquecido com as benfeitorias - ao não consentir no seu levantamento em virtude do detrimento daí resultante - à custa do património do seu autor;

68. Por seu turno, se o proprietário do terreno prescindir da proteção conferida pelo n.º 2 do artigo 1273.º, mas o autor das benfeitorias não as quiser levantar, não pode depois este exigir do proprietário o valor delas, com base nas regras de um enriquecimento que, aqui, estaria a ser por ele imposto ao proprietário. Não pode o autor das benfeitorias invocar o empobrecimento de que ele próprio é causa;

69. Apesar de esta análise se ter concentrado no n.º 2 do artigo 1273.º, não podemos olvidar a norma limítrofe, o artigo 1274.º, que permite ao proprietário da coisa, caso tivesse a obrigação de indemnizar benfeitorias, compensá-la com as deteriorações entretanto ocorridas (e que, in casu, necessariamente terão ocorrido, tendo em conta os anos em que se estima terem sido feitas as obras do AA), uma vez que, caso fosse possuidor, o AA sempre seria possuidor de má fé (nos termos do n.º 1 do artigo 1260.º); e o possuidor de má fá responde sempre pelos riscos de perda ou deterioração da coisa, independentemente de culpa sua (artigo 1269.º a contrario sensu);

70. Em suma: fosse como fosse, o Acórdão recorrido sempre incorreria e incorre em erro de julgamento por violação do art. 1273.º, o qual, para além de tudo o mais, porque implica a condenação de uma Entidade Pública no pagamento de (muito) mais de meio milhão de euros a um privado, indevidamente, a onerar o erário público que somos todos nós, sempre imporia, se necessário fosse, a admissão da revista ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. b) do CPC e, consequentemente, a revogação do Aresto.

8. Nas contra alegações, pugnou-se pela improcedência da revista.

9. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.[9]

Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo.

Sendo assim, a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se o tribunal recorrido violou o disposto no art. 152º, do CPC e se estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar a autora, a título de benfeitorias, pelas «obras» realizadas no prédio do réu.



***


II – Fundamentação de facto


10. Está provado que:[10]

1. A A. é uma sociedade comercial por quotas que tem como principal objeto a exploração de campo de corrida e outros desportos, nomeadamente de um Kartódromo. (cf. certidão permanente com o código 8423-8106-6401, doc. 1).

2. No âmbito desta sua atividade vem explorando, com fins lucrativos, o estabelecimento designado "Kartódromo de …", sito em Zona Industrial de …., Lote ED, no concelho de …, freguesia de … .

3. O imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento é propriedade do R., e encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de … como lote C32, situado em Zona Industrial de …, Rua do …, concelho de … e freguesia de …, sendo a sua composição de terreno destinado a construção urbana, confrontando a Norte com "Cerâmica …" e Rua do …; a nascente com "BB - Indústria de Mobiliário, Lda."; a sul com "CC" e "DD"; e a poente com "Banco EE", "FF" e "GG Imopredial", com a área de 18.693m2, sob a descrição o nº 9…0/200…2, e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 5120.

5. O estabelecimento designado "Kartódromo de …" é composto de uma pista de Kart e de edifícios que lhe servem de apoio como: um edifício destinado a questões administrativas, uma oficina, armazém e um bar/restaurante para receção e atendimento dos utentes que frequentam o kartódromo.

6. Foi a A. quem construiu no imóvel as seguintes instalações/equipamentos:

- Pista e arruamentos em alcatrão e betão numa área de 7.698m2;

- Edifício destinado a oficina, numa área de 153 m2;

- Edifício destinado a boxes, numa área de 144 m2;

- Edifício destinado a Bar/restaurante, numa área de 370,00 m2;

- Edifício destinado a serviços administrativos, numa área de 208,00 m2;

- Torres de iluminação;

- Vedação parcial do imóvel.

7. Todos os atos materiais praticados pela A. no imóvel eram realizados à vista e com conhecimento geral.

8. Sem oposição de quem quer que seja.

9. Fazendo a A. uso do imóvel como se de coisa sua se tratasse.

10. Estando a A. autorizada pelo R. para construir e depois explorar as construções realizadas no imóvel.

11. O projeto do Kartódromo foi apresentado ao Município, ora R., com todo um conjunto de vantagens para o mesmo, nomeadamente a criação de uma pista de Kart Internacional, o embelezamento do local, com benefício para o turismo e indústria hoteleira da região e divulgação da terra nos meios de comunicação, entre outras.

12. O Réu havia deliberado ceder o direito de superfície sobre o imóvel.

13. Tal cedência de direito de superfície nunca foi formalizada.

14. Não obstante a A., ao longo dos anos, ter possibilitado ao Município Réu todas as vantagens que lhe propôs oferecer.

15. E, ao longo dos anos, várias foram as tentativas de estabelecimento de uma concreta posição jurídica da A. relativamente ao imóvel, porém, tal nunca se mostrou possível.

16. Todas as obras foram feitas na convicção, por parte da A., de que o referido lote oportunamente seria legalizado a seu favor.

17. Tendo sido realizadas ao abrigo do projetado inicialmente e com vista a atingir os objetivos propostos, tudo com a anuência do R.

18. As edificações realizadas pela A. no imóvel ocorreram entre 1995 e 2008, em anos não concretamente apurados, mas sucessivos no tempo:

- Movimentação de terras, abertura de caixa e pavimentação da PISTA, bem como instalação de contentores marítimos destinados a oficinas e escritórios;

- Edificação da OFICINA e BOXES;

- Edificação de edifício BAR/RESTAURANTE, onde passou também a funcionar, de forma provisória, uma loja e um pequeno escritório;

- Edificação do ARMAZÉM DE KARTS e realizadas vedações provisórias;

- Conclusão da instalação do sistema de ILUMINAÇÃO DA PISTA;

- Edificação do EDIFÍCIO ADMINISTRATIVO, com loja, escritório, armazém de peças e um pequeno balneário;

- Beneficiação da PISTA ao nível de corretores de segurança;

- Profundas alterações no edifício BAR/RESTAURANTE, bem como pavimentação de arruamentos ao nível de Parque de Estacionamento e beneficiação da PISTA ao nível do número de traçados possíveis tendo em vista o evento para o Guiness World Record "80 Horas de Karting".

19. Tendo os competentes processos de obra sido submetidos aos serviços do R., que sempre os recebeu e os despachou em conformidade.

20. À data de 1995 (data de início das construções) o valor do lote de terreno referido em 3, e com a área de ocupação de 17.452 m2 valia €87.085.48, considerando-se um valor de 1.000$ (€ 4.98), por metro 2.

21.     As obras realizadas no imóvel, com a incorporação de materiais, foram integralmente suportadas pela A.

22.     A A. suportou tais obras de valor de valor não concretamente apurado, aquando da sua realização, mas avaliado em 5.02.2014 pelos seguintes valores:

- ARMAZÉM DE KARTS 192,27m2: 38.400 €;

- OFICINA 153,00 m2: 38.250 €;

- BOXES 144,00 m2: 10.800 €;

- BAR/RESTAURANTE 370,19 m2: 203500 €;

- EDIFÍCIO ADMINISTRATIVO 208,34 m2: 124800 €;

- ILUMINAÇÃO PISTA: 17.500,00 €;

- VEDAÇÕES: 18.625 €;

- PISTA/ARRUAMENTOS: 7.857,00/153960 €;

23. As obras realizadas pela A. trouxeram à totalidade do prédio um maior valor do que o valor do prédio antes da realização das mesmas.

24. Sendo o valor acrescentado, avaliado em 6.02.2014, no valor de pelo menos € 615.835, mas nunca inferior a 606.827,50 €.

25. As obras realizadas pela A. tinham, como ainda têm hoje, um valor superior ao valor estipulado para o lote.

26. As obras realizadas modificaram o imóvel que, quando chegou ao domínio da A., se encontrava devoluto e, neste momento, tem um conjunto de construções que nele permitem funcionar como um Kartódromo.

27. Porém, até ao momento, não foi possível concluir qualquer negócio.

28. O prédio e a utilização que dele é feita é reconhecido pelo próprio Município Réu que na toponímia atribuiu à rua que confina com o mesmo: "Rua …".

29. Em 2011, a A. aceitou adquirir o imóvel pelo valor de €445.000, valor fixado pelo Município, mediante a garantia de obtenção de financiamento de longo prazo.

30. A A., desde 1994/1995, nunca fez qualquer pagamento monetário pela utilização do imóvel.

31. A A. desde 1995 não informou o R. dos valores despendidos no prédio nem dos rendimentos que a sua utilização lhe vem permitindo.


***


III – Fundamentação de direito

11. Da violação de lei adjetiva

Nas alegações da revista, o recorrente veio alegar que o Tribunal recorrido não respeitou o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal, proferido nesta ação, o que configura violação do disposto no n.º 1, do art. 152º do CPC.

Sem qualquer razão.

Com efeito:

Nesta ação, a autora, a título principal, pediu que se declarasse que adquiriu, por acessão industrial imobiliária, o prédio no qual se encontra instalado o Kartódromo de …, identificado no artigo 4º da p.i..

Por sua vez, subsidiariamente, pediu a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de EUR 606.827,50, acrescida de juros de mora, a título de indemnização por benfeitorias úteis realizadas no referido imóvel.

As instâncias, em sintonia, julgando procedente o pedido principal, declararam que a autora adquiriu por acessão industrial imobiliária o direito de propriedade sobre o imóvel onde se encontra(va) instalado o “Kartódromo de …”, sem chegar a apreciar o pedido subsidiário, por ter ficado prejudicado pela solução dada ao litígio.

Não foi esse, porém, o entendimento deste Supremo Tribunal que, por acórdão de 8.11.2018, absolveu o réu do pedido principal e ordenou a remessa do processo à Relação para que, nesta instância, fosse apreciado o pedido subsidiário, uma vez que o STJ, por força do disposto no art. 679º, do CPC, não pode, nesta sede, substituir-se à Relação.

O Tribunal da Relação do Porto proferiu, então, acórdão a condenar o réu a pagar à autora, a título de indemnização por benfeitorias úteis, a quantia de EUR 605.835,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Para alicerçar o assim decidido, e em síntese, o acórdão agora impugnado, convocando o disposto nos arts. 1273º, 216º e 479º, todos do Código Civil, considerou que a A., detendo a posse do imóvel, tinha direito a receber o valor das obras que ali realizou, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Analisando a sua fundamentação, bem como o respectivo segmento decisório, não oferece qualquer dúvida que a Relação deu cabal cumprimento à decisão proferida por este Tribunal Superior.

Não se vislumbra, por conseguinte, qualquer desvio ao disposto no art. 152º, nº1, última parte, do CPC.


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12. Da obrigação de indemnizar a autora pelas «obras» realizadas no prédio do réu

Embora na acessão como nas benfeitorias exista a atribuição de um incremento de valor patrimonial em bens alheios, o campo de incidência dos dois institutos é distinto.


Fazendo uma resenha sobre os critérios utilizados pela doutrina para estabelecer essa distinção diz-nos Menezes Leitão:[11]

Para Manuel Rodrigues, na acessão "há, como nas benfeitorias, a valorização do objeto possuído, mas os atos de acessão distinguem-se daquelas, porque alteram a substância do objeto da posse, porque inovam."[12].

Já para Pires de Lima e Antunes Varela, "a benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. A aquisição por acessão é sempre subordinada (...) à falta (...) de um título que dê, de per si, a origem e a disciplina da situação criada. São assim benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo antigo enfiteuta, pelo possuidor (arts. 1273º-1275º), pelo locatário (arts. 1046º,1074º e 1082º), pelo comodatário (art. 1138º) e pelo usufrutuário (art. 1450º); são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional". Assim, "as benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada".[13]

Pelo contrário, Vaz Serra sustentou que a distinção entre acessões e benfeitorias "deve fundar-se na finalidade e no regime jurídico de ambas as figuras: no caso de simples benfeitorias, atribui a lei ao autor delas um direito de levantamento (ius tollendi) ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada (Cód. Civil, art. 1273º), não, porém, um direito de propriedade sobre a coisa, pois a benfeitoria não se destina senão a conservar ou melhorar a coisa; no caso de acessão, diversamente, não se trata apenas de conservar ou melhorar uma coisa de outrem, mas de construir uma coisa nova, mediante alteração da substância daquele em que a obra, etc, é feita, atribuindo, assim, a lei, em certas condições, ao autor da acessão a propriedade da coisa"[14].

Diferentemente, Menezes Cordeiro sustentou que a regra geral é a da acessão, sendo esta aplicável sempre que a coisa incorporada não seja qualificável como benfeitoria, designadamente quando valha mais do que a outra coisa, quando modifique o destino económico do conjunto, ou quando não conserve ou melhore a coisa, nem sirva para recreio do benfeitorizante, antes correspondendo ao normal exercício do direito acedido. Já as benfeitorias seriam aplicáveis quando a lei expressamente o disser, como sucede na locação (art. 1046º), no comodato (art. 1138°) e no usufruto (art. 1450º). Já no caso melindroso da mera posse, que tenderá a surgir em qualquer situação de acessão, a solução deverá ser ponderada em face de cada caso concreto.”[15]

Já para José Alberto Vieira, o regime das benfeitorias será aplicável sempre que a lei estabeleça essa solução, como sucede nos casos acima referidos, mas tal não deverá acontecer na posse, efetuando-se assim uma restrição ao alcance literal dos arts. 1273º e 1275º.[16]

E, concluindo, diz Menezes Leitão: “a nosso ver, o regime das benfeitorias, independentemente de a lei para ele remeter, deve ceder sempre que esteja em causa uma situação de acessão, podendo esta assim ocorrer nos casos em que exista uma relação prévia com a coisa, a menos que esta exclua a aplicação do seu regime. (…) As benfeitorias correspondem apenas a despesas para conservar ou melhorar a coisa (art. 216º, nº1), havendo assim apenas uma manutenção ou um desenvolvimento do seu valor económico, que gera apenas obrigações de restituição das despesas ou um ius tollendi, não criando um conflito de direitos. Já na acessão, vai-se mais longe, efetuando-se uma incorporação de um valor económico novo naquele bem, através da união com outra coisa ou da sua transformação por aplicação de trabalho, o que gera um direito novo sobre a coisa, que entra em conflito com o do proprietário primitivo. (…).”.

Pela nossa parte, tal como já havíamos sublinhado no acórdão de 8.11.2018 proferido nestes autos e que julgou improcedente o pedido atinente à aquisição do direito de propriedade sobre o prédio dos autos, “o regime da acessão só será chamado à colação quando o interventor seja juridicamente estranho ao terreno, isto é, sempre que, a ele, não esteja ligado em consequência de qualquer relação jurídica.

Desta forma, se o interventor possuir a coisa, a coberto de um qualquer título legítimo, a relação jurídica bilateral que, por essa via contratual, se estabeleceu entre aquele e o dono da coisa, estando sujeita a uma disciplina própria, afasta, em princípio, a convocação do regime da acessão.”.

Por conseguinte, inverificados, no caso concreto, os pressupostos da acessão, importa, agora, ponderar, à luz do regime das benfeitorias, se a autora tem direito a receber a indemnização peticionada, pelas «obras» realizadas no imóvel do réu.


Pois bem.


Na definição legal (art. 216º, do CC), benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.


Como resulta do art. 216º, nº3, do mesmo Código, as benfeitorias classificam-se em necessárias (as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa); úteis (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor) e voluptuárias (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante).


A qualificação das benfeitorias tem consequências importantes no regime de outros institutos, como veremos de seguida.


Segundo dispõe o art. 1273º, nº1, do CC tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.


Por sua vez, estabelece o nº2, do mesmo artigo que, quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Tem sido entendido que o disposto naquele preceito legal “só se aplica, de modo direto, à posse propriamente dita, e não à mera detenção ou posse precária. É de notar, porém, que os seus preceitos são mandados aplicar em vários destes casos.”.[17]

Estão, designadamente, nesta situação o locatário, o usufrutuário, o comodatário e o donatário, a quem a lei confere direitos equiparados ao possuidor em nome próprio (cf. arts. 1046º, 1138º, 1450º e 2177º, todos do CC).

Afigura-se-nos, ainda, que o regime legal que confere direitos aos possuidores precários, é extensível a outros negócios jurídicos (híbridos, atípicos ou inominados), desde que a similitude do caso o justifique.[18]

Parece ser esta, precisamente, a situação em discussão nesta ação, atendendo a que ficou provado que a detenção do terreno pela autora ocorreu no âmbito de uma relação jurídica bilateral estabelecida com o dono do terreno, o ora réu, tendo em vista uma finalidade limitada e predefinida: a construção e exploração de um kartódromo pela autora, sem qualquer contrapartida financeira, e sem prazo. Há, portanto, aqui elementos de um comodato que, do nosso ponto de vista, conduzem à mesma solução ditada pelo art. 1338º, CC.

De todo o modo, mesmo que assim não fosse, o direito do detentor no que respeita a «obras» realizadas na coisa, suportadas pelo seu património, poderia ancorar-se em redor da disciplina subsidiária do enriquecimento sem causa (arts. 473º e ss., do CC), de que nos ocuparemos adiante.

Dito isto.

As «obras» realizadas no prédio do réu pela autora, descritas nos pontos 6 e 18 da factualidade provada, não podem deixar, à luz do critério legal plasmado no art. 216º, de ser qualificadas como benfeitorias úteis, pois configuram despesas que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentam o valor objetivo do bem[19] (cf. pontos 23 e 24, da matéria de facto).

Já vimos que no caso de benfeitorias úteis feitas em determinada coisa, de que resulte a aquisição de um benefício por outrem, o possuidor (art. 1273º, do CC) ou o titular de um direito menor sobre a coisa têm direito a levantá-las, desde que o possam fazer sem detrimento dela.


E quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, deve o titular do direito satisfazer o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Aproximamo-nos, então, do denominado «enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias».

Como refere Menezes Leitão, “em se tratando de benfeitorias úteis o enriquecimento não consiste na poupança da despesa pelo proprietário (pois este poderia não a realizar), mas antes no correspondente incremento de valor da coisa, que pode ser restituído através do ius tollendi (que corresponde à restituição em espécie, nos termos do art. 479º, nº1) ou através da restituição do valor correspondente, em caso de impossibilidade (art. 1273º, nº 2 e art. 479º).”.[20]

Há, porém, que ter presente que, quem efetua um incremento de valor numa coisa alheia, só tem direito à restituição se as despesas tiverem sido suportadas pelo seu património, situação que, in casu, os factos provados permitem comprovar (cf. pontos 21, 22 e 30, da matéria provada).

É, portanto, “esse sacrifício económico que determina a restituição do enriquecimento (…), sendo por esse motivo que se considera enriquecimento «à custa de outrem».”.[21]

Pode ainda colocar-se a questão de saber se pode configurar-se uma obrigação de restituição, quando o enriquecimento for imposto, isto é, quando ocorrer sem o concurso da vontade do enriquecido, ou mesmo com a sua oposição.

O nosso legislador, não sendo indiferente a tal problemática, denota, porém, não conceder particular proteção ao enriquecimento não desejado, como decorre do disposto no art. 468º, nº2, CC, em sede de gestão de negócios e no reembolso por benfeitorias necessárias e úteis feitas em coisa alheia (art. 1273º, CC, disposição extensiva a outras situações similares, como já se referiu. [22]

De todo o modo, esta dificuldade não se coloca no caso que analisamos, pois resulta da factualidade provada que o réu deu anuência expressa à autora no que toca à realização das «obras» no seu terreno (cf. factos provados nºs 8, 10,11, 17 e 19).

Prosseguindo.


É sabido que a separação e o levantamento das benfeitorias podem causar dano à coisa benfeitorizada e à própria benfeitoria em si.


Ora, para efeitos do disposto no art. 1273º, do CC, o detrimento ali mencionado há-de reportar-se à coisa em si mesma. Além disso, como se salientou no ac. do STJ de 27.9.2012, revista nº 1696/08.0TBFAR.E1.S2, disponível em www.dgsi.pt, deve constituir um dano significativo, elevado ou de difícil reparação que, in extremis, pode levar à própria destruição da coisa.


No caso em apreço, não se provou que a autora pudesse levantar as benfeitorias, sem detrimento do prédio, onde foram implantadas (cf. resposta negativa à matéria alegada no art. 18º, da contestação).

Está, assim, aberto o caminho para a autora obter o valor correspondente calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

De todo o modo, não poderia deixar de ser ponderado que, relativamente a algumas delas (construção de pista, arruamentos em betão e alcatrão, movimentação de terras) se está perante uma impossibilidade material de levantamento e que, quanto a outras (construção de edifícios afetos a finalidades diversas), o seu levantamento conduziria à sua própria destruição. Nesta perspetiva, seriam igualmente insusceptíveis de levantamento.

Assim, continuando a integrar o imóvel do réu, impunha-se a adoção da mesma solução, ainda que com fundamento no princípio geral de direito que veda o enriquecimento injusto à custa de outrem (cf., neste sentido, o ac. deste STJ de 27.9.2012, proc. nº 1696/08.0TBFAR.E1.S2).

A autora tem, portanto, direito a receber uma indemnização pelas benfeitorias realizadas no imóvel, a tal não obstando o facto de o imóvel pertencer ao Município de …, pois, ao contrário do que alega o recorrente, a facticidade que as instâncias deram como provada, mormente o que consta da descrição do registo predial (cf. ponto 3, dos factos provados), de modo algum permite comprovar que o imóvel integra o domínio público municipal.

Vejamos, agora, como se determina o valor a restituir.

Nos termos do art. 479º nº1 e 2 CC, não sendo possível a restituição em espécie, a obrigação de restituir compreende o valor correspondente a tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido mas sem exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para restituição ou do conhecimento da falta de causa do enriquecimento.

Observe-se, antes de mais, que o valor correspondente a que alude o art. 479º nº1 é o valor objetivo ou de mercado, sem consideração do seu valor subjetivo para o adquirente.

Por seu turno, o enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias decorrente de despesas realizadas por outrem não se confunde, todavia, com o reembolso das respectivas despesas (cfr. Pires de Lima - A. Varela, Código Civil Anotado, vol II, 4ª ed., p. 757).

Repare-se que “a obrigação de restituir a que se referem os arts. 473º e ss. não visa reparar o dando do lesado – esse é o fim da responsabilidade civil -, mas suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem.”.[23]

Interpretando o art. 479º, do CC, o Prof. Almeida Costa escreve que “o objeto da obrigação de restituição se encontra submetido a um duplo limite: o do enriquecimento e o do empobrecimento. Por outras palavras, o beneficiado deve entregar, em princípio, na medida do respectivo locupletamento, isto é, atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efetivo e não real; nunca mais, todavia, do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior àquele. De contrário, a obrigação de restituir determinaria, por seu turno, um enriquecimento injustificado”.[24]

Também Pires de Lima e Antunes Varela referem, a propósito, que: “Pelo Código de 1867 esse valor (o da indemnização) era calculado pelo custo das benfeitorias, se este não excedesse o valor do benefício ao tempo da entrega. Caso contrário, a indemnização correspondia ao valor delas (minus inter  expensum et melioratum). Fixavam-se, portanto, dois limites à indemnização: o valor das benfeitorias ao tempo da entrega e o seu custo.”.

E acrescentam aqueles Ilustres Mestres:

Não difere desta solução a que se encontra no novo Código, salvo no que respeita ao tempo da avaliação. Nos termos do artigo 479º, nº1, a indemnização há-de corresponder ao valor daquilo que o titular tiver obtido à custa do empobrecido. A medida da restituição continua, pois, sujeita àqueles dois limites – o do custo, que neste caso consistirá em regra no empobrecimento do possuidor, e o do enriquecimento do titular do direito (valor atual).”.

Como também se considerou no acórdão deste Supremo, proferido em 27.9.2012, e a que acima fizemos referência, “o crédito indemnizatório não deve ser calculado mediante a diferença entre o valor que coisa tinha quando chegou às mãos da pessoa obrigada a restituí-la e o que tem quando é devolvida, mas sim através da diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias e o que tem com elas no momento da restituição.”.

Interessa, pois, apurar (em liquidação posterior) o valor real do prédio sem as benfeitorias (situação hipotética) à data da citação judicial para a presente ação (cf. arts. 479º, nº2 e 480º, CC) e o valor real do prédio com as ditas benfeitorias (situação atual) nessa mesma data, bem como o custo destas, correspondendo a medida do locupletamento a restituir, ao da diferença entre aqueles valores ou ao do custo das benfeitorias, consoante aquele seja inferior a este ou este seja inferior àquele.

Procede, pois, parcialmente a revista.


***


IV – Decisão

13. Nestes termos, concedendo parcial provimento ao recurso, acorda-se em condenar o réu a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o valor do prédio sem quaisquer benfeitorias, à data da citação judicial para a ação, e o valor do prédio com as mesmas benfeitorias, reportado à mesma data, se for inferior ao custo das referidas benfeitorias e, no caso contrário, ao valor de custo destas.

Custas a fixar a final, em função do decaimento que resultar da liquidação.


Lisboa, 20/11/2019


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

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[1] Cfr. Ac. Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2019, p. 7 (factos provados 7 a 9).
[2] HENRIQUE SOUSA ANTUNES, Direitos Reais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017 p. 254, nota 403. Assim acontece com a aquiescência das obras para que os beneficiários habitem, gratuitamente, nas construções. Cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 1999 (FRANCISCO LOURENÇO).
[3] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2018 (Maria da Graça Trigo).
[4] Ac. Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Junho de 2014.       

[5] Ac. Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Junho de 2014.

[6] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2019, p. 10.

[7] Código Civil Anotado, vol, 3, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 163.

[8] Cfr. Ac. Tribunal da Relação do Porto de 8 de Março de 2019, pág. 7 (facto provado nº 14).

[9] Para além daquelas que devam ser conhecidas oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), o STJ conhece de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra ou outras (arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, do mesmo diploma), sendo de ter presente que, para este efeito, as «questões» a conhecer não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, aos quais o tribunal o tribunal não se encontra sujeito (art. 5.º, n.º 3, também do CPC).
[10] Mantém-se a numeração constante do acórdão recorrido, não obstante, por mero lapso, se ter excluído do elenco dos factos provados o número 4.
[11] Direitos Reais, Almedina, 2019, 8ª Edição, págs. 218 e ss.
[12] Cfr. Manuel Rodrigues, A Posse, p. 312.
[13] Cfr. Pires de Lima /Antunes Varela, CC anotado, Vol. III, pág. 163.
[14] Cfr. Adriano Vaz Serra, Anotação ao Ac. STJ 16/7/1974", em RLJ/108 (1975-1976), pp. 253-255
e 265-267 (266).
[15] Cfr. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pp. 516-517.
[16] Cfr. José Alberto Vieira, Direitos Reais, p. 604.
[17] Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 1984,pág. 44.
[18] V., a propósito, Durval Ferreira, Posse e Usucapião, Almedina, 2002, págs. 423-425.
[19] Cfr. Pais de Vasconcelos, Pedro, Teoria Geral do Direito Civil, 2015, 8ª ed., págs. 215-216.
[20] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2017, págs. 435-437.
[21] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, pág. 436-437.
[22] Cf., detalhadamente, Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Centro de Estudos Fiscais, 1996, págs. 838 e ss. e Júlio Gomes, O Conceito de Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas no Enriquecimento Sem Causa, Univ. Católica, Porto, 1998, págs. 311 e ss.
[23] Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol. I, 2ª edição revista, pág. 412.
[24]  Direito das Obrigações, 10ª ed., pág. 512.