Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4592/06.2TBVFR.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
PRAZO JUDICIAL
CITIUS
JUSTO IMPEDIMENTO
PROGRAMA INFORMÁTICO
DEVER DE CUIDADO
ERRO
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º-A, 145.º, N.º5, 146.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26/5/2009 (PROCESSO 09AOS13).
Sumário :
I - Para além da invocação e verificação de situações de justo impedimento, conforme o art. 146.º do CPC as define, e das situações de validação previstas no n.º 5 do art. 145.º do mesmo Código, não é consentida por outros meios a admissão da prática de acto processual decorrido o prazo fixado na lei.

II - Um deficiente manuseamento informático do programa CITIUS, em consequência do qual foram enviadas (embora dentro de prazo de recurso) peças processuais que nada tinham a ver com a acção a que se destinavam, não corresponde a qualquer situação totalmente imprevisível e completamente obstaculizadora da prática correcta do envio das alegações de recurso pertinentes.

III - Ocorre, nesse caso, um erro da total responsabilidade dos recorrentes (ou de quem por si manuseou deficientemente o programa informático), sobre quem impendia o dever de cuidado traduzido na prévia verificação da conformidade dos documentos enviados, de forma a prevenir qualquer anomalia, como aquela que se registou, que não pode enquadrar-se no conceito de justo impedimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O presente recurso de agravo em 2ª Instância vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou deserto o recurso de apelação interposto pela R AA e decidiu não conhecer do objecto do recurso de agravo interposto pelos RR.

Diz o acórdão recorrido:
"Em primeiro lugar e reiterando
o já consignado no despacho reclamado, importa referir que atenta a data em que foi proposta ,a acção em apreço ao presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais que decorrem do regime anterior à entrada em vigor do D.L. nº303/2007 de 24 de Agosto.
Assim sendo cabe recordar
o que dispõe o n.º l do art.º 701º do Código de Processo Civil, na sua anterior redacção:
"Distribuído
o processo, o relator aprecia se o recurso é o próprio, se deve manter o efeito que lhe foi atribuído, se alguma circunstância obsta ao conhecimento do seu objecto, ou se as partes devem ser convidadas a aperfeiçoar as conclusões das alegações apresentadas./J
Como também
se tinha feito constar no despacho reclamado, dos elementos constantes do processo resulta evidente que os recursos de Agravo e de Apelação aqui interpostos são os próprios e os válidos, sendo ainda claro que os mesmos foram ambos tempestivamente interpostos (cf. artigos 676, 677.º, 678.º, nº 1, 680.º, n.º 1, 685.º, 687.º, 691.º, n.º 1 e 733.º e seguintes, todos do CPC).
Consideramos
no entanto, que existem circunstâncias que obstam a que se conheça do seu objecto.

Entendemos igualmente que não se justificava o cumprimento do disposto no art. 704º do CPC- porque a questão agora aludida já há muito foi suscitada nos autos pela Apelada, (cf. requerimento de fls.506 e seguintes), permitindo aos Apelantes que a seu propósito se viessem oportunamente pronunciar.

Vejamos pois.
Como expressa
e directamente decorre do n.º2 do art. 698.º do CPC, na Apelação o recorrente alega por escrito no prazo de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso.
Por outro lado,
o n.º6 do mesmo artigo determina que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores.

Ora como se verifica de fls.377 dos autos, em 7.12.2010 foi proferido o despacho que admitiu o recurso de Apelação interposto pela Ré AA Lda.
Tal despacho foi notificado via CITIUS à ilustre advogada da mesma Ré na mesma data de 7.12.2010.

A ser assim
e atento que decorre da norma antes citada, resulta evidente que o prazo para a apresentação das respectivas alegações terminaria para a Ré/Apelante e com a prorrogação concedida pelo nº 5 do art.º145º, no dia 4.02.2011.

Já de fls.416 e seguintes resulta que aquela procedeu à liquidação atempada da multa prevista no citado artigo e no último dia do prazo legalmente fixado, veio juntar ao processo a peca processual que dos autos melhor consta.
Por via do exposto, seria
em princípio de concluir que as alegações em apreço teriam sido juntas atempadamente.
Só que como melhor se verifica da leitura atenta de tal peça
e é aceite pela própria Recorrente (cf. requerimento de fls.454), tal articulado não dizia respeito ao presente processo.
Ora salvo melhor opinião, consideramos
que as razões invocadas pela mesma para tal junção incorrecta e que foram como alega no aludido requerimento, resultado de um lapso na inserção informática do ficheiro, não são por si só suficientes para se defender que as mesmas alegações foram atem poda e correctamente juntas ao processo no supra citado dia 4.02.2011.

Deste modo é pois de entender que tal junção teve lugar no dia 7.02.2001, data na qual, a mesma Apelante veio então juntar ao processo a versão integral e correcta das mesmas (cf. fls. 15.453 e seguintes)
E a ser assim, resulta
em nosso parecer evidente a extemporaneidade de tal junção, razão pela qual se mostra obstaculizada a apreciação do objecto do presente recurso de Apelação.
Estamos pois perante uma verdadeira falta de alegação à qual
o legislador atribui o específico efeito de deserção do recurso (cf. artigos 690.º, nº3 e 291º, nº2 do CPC).
Sendo este
o resultado encontrado para a Apelação, importa agora verificar se deve ou não ser apreciado o Agravo antes interposto por todos os Réus a fls.319.
Como
o respeito que é devido a opinião diversa, o facto de se vir a considerar deserto o recurso de Apelação antes melhor apreciado, implica por si a inutilidade de conhecimento do Agravo antes interposto.
E isto porque recorde-se, apenas a Ré AA, foi condenada na decisão final
e por isso dela veio interpor recurso.
Por outro lado
é importante verificar que este recurso e entre o mais, foi admitido para subir com o primeiro que depois dele viesse a ser interposto e houvesse de subir imediatamente (cf. despacho proferido a fls.344).
A ser assim, ao mesmo
e no que toca à sua subida, são pois e além de outras, aplicáveis as regras dos artigos 747.º e 748.º do CPC.
Deste modo
e atento o disposto nos dois números da última das normas acabadas de referir, cabia obrigatoriamente à identificado Ré e nas conclusões das alegações apresentadas e correspondentes ao seu recurso de Apelação o qual e em principio motivaria a subida do Agravo, especificar se mantinha interesse na apreciação deste último recurso.
Ora como melhor
se mostra dos autos, designada mente da peça processual que fez juntar, a mesma Ré única que é em simultâneo Apelante e Agravante, não cumpriu tal imposição legal.
Perante tal omissão, seria em princípio de defender que se justificava a sua notificação nos termos
e para os efeitos do disposto no n.º 2 do citado art. 748.º

Só que em nosso modesto entender, assim não deve acontecer.
Na verdade e como ;a vimos, a dita Ré não apresentou atempadamente as alegações correspondentes ao recurso de Apelação que interpôs.
E a ser assim
e não podendo tal peça porque extemporânea, ter qualquer efeito processual, não se compreenderia que por tal facto lhe fosse á ela enquanto Agravante, permitido agora e por iniciativa do Tribunal, suprir a omissão da especificação, tudo ao abrigo do já atrás citado n.º 1 do art.748º do CPC.
E isto sabendo-se como se sabe, que tal obrigação tem por base
o princípio da cooperação, o qual impõe a qualquer recorrente o ónus de obrigatoriamente especificar nas alegações de recurso que motivam a subida dos agravos retidos quais, os que, para si, conservam interesse.
Tudo porque recorde-se, ninguém melhor do que
o próprio recorrente estará em condições de ajuizar quais os recursos que efectivamente interpôs e motivou e qual a utilidade na sua apreciação a final.
Sendo deste modo, parece-nos que no caso
e tendo a Ré omitido tal referência nas alegações de recurso que se vieram a ter como extemporâneas, também não se justifica de todo a notificação autónoma dos restantes Réus nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do aludido artigo.
Isto porque como já antes deixamos dito, resulta manifesta a perda de autonomia do Agravo
em relação à Apelação, esta agora tido por deserta.
Perante
o acabado de expor e sem mais, resulta por isso evidente que também o objecto deste recurso de Agravo, não pode ser por nós conhecido",

Nas conclusões da alegação relativa ao presente recurso de agravo mantêm os recorrentes, no essencial, a mesma posição anteriormente assumida ou seja a de que as alegações foram entregues em prazo (4.2.2011) acontecendo que por lapso na inserção ou por deficiente manuseamento informático do programa CITIUS foi junta peça processual respeitante a outro processo (lapso na inserção informática de dados), lapso que foi corrigido com o envio da versão integral e correcta das alegações em 7.2.2011.

Vem este Supremo Tribunal mantido entendimento no sentido de que para além da invocação e verificação de situações de justo impedimento, conforme artigo 146.o CPC, e das situações de validação previstas no n 5 do artigo 145.º não é consentida por outros meios a admissão da prática de acto processual decorrido o prazo fixado na lei.1
Não estando aqui em causa qualquer situação prevista no n
5 do artigo 145.º a questão resume-se a saber se as circunstancias invocadas pela recorrente configuram justo impedimento, compreendido como qualquer evento totalmente imprevisível que tenha ocorrido e que tenha tornado absolutamente impossível a prática atempada do acto.
Invocou a recorrente como justificação para o ocorrido um deficiente manuseamento informático do programa ClTIUS em consequência do qual foram enviadas (reconhece-se que dentro de prazo) peças processuais que nada tinham a ver com a acção em causa.
Salvo o devido respeito esta situação ao colocar-se exclusivamente no campo da responsabilidade dos recorrentes ou de quem por si manuseou deficientemente o programa informático não pode enquadrar o conceito de justo impedimento.
Não ocorreu, como dos factos se pode e deve concluir, qualquer situação totalmente imprevisível e completamente obstaculizadora da prática correcta do envio das alegações pertinentes, antes ocorrendo um erro da total responsabilidade dos recorrentes sobre quem impendia um dever de cuidado traduzido na prévia verificação da conformidade dos documentos enviados de forma a prevenir qualquer anomalia como aquela que se verificou.
Com todo o respeito pela posição aqui exposta, não se encontram razões que permitam, dentro do quadro legal ao tempo em vigor, a formulação de um juízo de desculpabilidade do comportamento dos agravantes, tanto mais que nos encontramos perante normas de direito absoluto reguladoras do desenvolvimento da relação jurídica processual civil que se estabelece entre as Partes e os Tribunais.

Tais normas impõem acima de tudo ao Juiz o imperativo de assegurar o princípio da proibição de arbítrio, nomeadamente quanto ao princípio da igualdade na concretização vertida no artigo 3.º A, de assegurar, enfim, “a igualdade substancial das partes, designadamente no exercício das faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações”.

Decisão - pelas razões expostas acorda-se em negar provimento ao agravo mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 17 de Março de 2012

Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

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[1] Por todos o acórdão desta Secção de 26/5/2009 (processo 09AOS13) de que é relator o Conselheiro Alves Velho.