Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
585/13.1TTVFR.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: BANCÁRIO
RETRIBUIÇÃO
REGULAMENTO INTERNO
Data do Acordão: 06/01/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DEVERES E GARANTIAS DO TRABALHADOR.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 129.º, N.º 1, AL. D), 258.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 02/04/2008, PROCESSO N.º 08S011, EM WWW.DGSI.PT
-DE 20/06/2012, PROCESSO N.º 19/07.0TTLSB.L1.S1, CITANDO O ACÓRDÃO DO MESMO TRIBUNAL PROFERIDO EM 12/10/2011, PROCESSO N.º 3074/06.
Sumário :
1. As circulares e ordens de serviço, quando constituam um instrumento regulador, de aplicabilidade genérica no âmbito da empresa e com reflexos diretos na relação contratual, devem qualificar-se como regulamentos internos.

2. Estes instrumentos emitidos pelo empregador configuram uma proposta contratual que, uma vez aceites por adesão expressa ou tácita dos trabalhadores, passam a obrigar ambas as partes em termos contratuais e a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho celebrados.

3. Está vedado ao empregador reduzir a retribuição auferida pelo trabalhador, sendo certo que a mesma corresponde àquilo que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas destinadas a remunerar a prestação laboral.

4. O complemento de mérito previsto no art.º 44.º, do Estatuto dos Trabalhadores da Caixa Económica BB, acresce à retribuição fixada no respetivo ACTV e é atribuído, de forma precária, a título de mérito, ou seja corresponde a um prémio atribuído pelo empregador que vai para além do que é devido ao trabalhador como contraprestação pelo trabalho por ele desenvolvido.

5. Não integrando o referido complemento a retribuição do trabalhador, o seu não pagamento, no âmbito do estrito circunstancialismo estabelecido no aludido Estatuto, não consubstancia qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição por o mesmo não assumir essa natureza.

6. A aplicação de sanção disciplinar superior a repreensão verbal é umas das circunstâncias, previstas no Estatuo, suscetíveis de determinar a cessação da atribuição do complemento de mérito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

  1. AA (A.) propôs a presente ação emergente de contrato de trabalho contra Caixa BB (R.), pedindo:

- A anulação da sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela R. de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade por vinte e quatro dias;

- A condenação da R. a pagar-lhe o montante pecuniário correspondente à perda de retribuição resultante da sanção que lhe foi aplicada;

- A condenação da R. a repor a parte da retribuição que lhe deixou de pagar, a partir do processamento do vencimento do mês de agosto de 2012 e nos demais valores e retribuições mensais subsequentes, a título de complemento de mérito, com o alegado fundamento de lhe ter aplicado a referida sanção.

Para o efeito, alegou o seguinte:

Foi admitido ao serviço da R. em 06/12/1995, desempenhando atualmente as funções de subgerente;

Em 08/08/2012 foi notificado de que, na sequência de instauração de procedimento disciplinar, foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade graduada em 24 dias;

A R. retirou-lhe o complemento de mérito por ele auferido, invocando a aplicação da referida sanção disciplinar e o disposto no artigo 44.º, números 1, 2 e 3, al. b) do Estatuto dos Trabalhadores da Caixa BB;

Sempre auferiu esse complemento até julho de 2007, sem qualquer autonomização, e após essa data de forma autónoma;

Este complemento de mérito é pago de forma geral e abstrata pela R. a todos os trabalhadores, quer no ativo quer na reforma, sendo que este complemento não se confunde com os «benefícios de mérito» previsto no artigo 47.º do Estatuto dos Trabalhadores da Caixa BB;

A sanção que lhe foi aplicada não tem qualquer fundamento, devendo ser anulada, e declarar-se que a retirada do complemento de mérito consubstancia uma redução da retribuição, proibida pelo artigo 129.º do Código do Trabalho, que se traduz numa dupla sanção disciplinar.

 2. A R. contestou defendendo, em síntese, a licitude da aplicação ao A. da referida sanção disciplinar, acrescentando que à remuneração do A. acresce o complemento de mérito, conforme artigo 44.º da Circular n.º ..., sendo que a atribuição do mesmo depende de deliberação do Conselho de Administração da Ré, a título casuístico e precário, podendo ser suprimido nas situações especiais previstas no n.º 3 do referido artigo, sendo que uma dessas situações é precisamente a aplicação de sanção disciplinar superior a repreensão verbal.

3. Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a R. a pagar ao A. o complemento de mérito que retirou, a partir do processamento do vencimento do mês de agosto de 2012 e nos demais valores e retribuições mensais subsequentes, a título de complemento de mérito, nos montantes mensais devidos e objeto de atualizações que se tenham verificado, absolvendo a R. do demais peticionado.

4. A R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação, que decidiu, por maioria, julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

 

5. Inconformada com esta decisão, a R. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O douto Acórdão recorrido, sustentado em factos similares, está em oposição com a Jurisprudência firmada já no Supremo Tribunal de Justiça, como, em concreto é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2012 (Acórdão fundamento), no processo n.º 19/07.0TTLSB.L1.S1, de que foi Relator o Exmo. Senhor Conselheiro Doutor Sampaio Gomes, cuja certidão do trânsito em julgado se junta, podendo ler-se no sumário:

“ I - As ordens de serviço e as circulares internas, por partilharem da mesma natureza dos Regulamentos Internos, configuram uma proposta contratual da entidade empregadora que, uma vez aceites por adesão expressa ou tácita dos trabalhadores, passam a obrigar ambas as partes em termos contratuais e integram os contratos individuais de trabalho celebrados.

II - Dispondo o Estatuto do empregador, anexo a uma Circular Interna, que os complementos de mérito seriam suprimidos nos casos em que ao trabalhador fosse movido processo disciplinar e aplicada sanção disciplinar superior a repreensão verbal, não afronta o princípio da irredutibilidade da retribuição a retirada desses complementos ao autor por a este ter sido, pela ré, movido procedimento disciplinar e, a final, aplicada sanção superior a repreensão verbal.”

Cfr. Certidão que se junta como Doc. 1.

2. Vai no mesmo sentido, no processo 08S011, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.04.2008, de que foi Relator o Exmo. Senhor Conselheiro Doutor Pinto Hespanhol, disponível in www.dgsi.pt.

3. Também neste sentido, entre outros Acórdãos dos Tribunais da Relação, foi proferido o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 906/16.5T8BRG.G1, de que foi Relator o Exmo. Senhor Desembargador Eduardo José Oliveira Azevedo.

4. Ainda neste sentido, foi o também recente Acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 14912/14.0T8LSB.L1, de que foi Relator a Exma. Senhora Desembargadora Doutora Paula de Jesus Jorge dos Santos.

5. O douto Acórdão recorrido, embora com voto de vencido, contrariou, frontalmente, a posição que vem sendo acolhida na Jurisprudência, quer do Supremo Tribunal de Justiça (designadamente no douto Acórdão fundamento) quer nas outras Relações.

6. Salvo o devido respeito, a fundamentação do douto Acórdão merece forte censura.

7. Efetivamente, a remuneração do Recorrido, tal como sucede com a generalidade dos trabalhadores da Recorrente não proveniente do ex-CC, está sujeita às normas da Circular n.º ..., nomeadamente ao previsto no seu artigo 44.º, que dispõe que: “1. A retribuição do trabalhador consta do Anexo V e é passível de atualização anual, sendo composta pela remuneração fixada por cada nível no ACTV para o Sector Bancário, acrescida de um complemento, atribuído a título de mérito, de montante variável em função do correspondente nível.".

8. O Recorrido tinha direito a uma remuneração base, à qual acrescia um montante a título de complemento de mérito, expressamente previsto e referido no artigo 44.º da Circular n.º ..., aqui atrás referido, e na respetiva tabela do seu Anexo V.

9. A retribuição do Recorrido, em agosto de 2012, era composta pela retribuição base (nível 12 do ACT do Sector Bancário), à qual acrescia uma segunda parcela-expressamente delimitada - que dizia respeito ao Complemento de Mérito.

10. Esta segunda parcela era, segundo o disposto no artigo 44.º, n.º 2 da Circular n.º ..., atribuída segundo deliberação pelo C.A, de forma casuística e precária, podendo por isso mesmo ser suprimida nas situações previstas no número 3 do mesmo artigo.

11. Esta parcela que nada mais consubstanciava que um complemento, uma prestação de carácter suplementar, revestida de acessoriedade, ou seja, era um complemento auferido pelo mérito dos trabalhadores da ora Recorrente, demonstrado na sua atividade laboral exercida, e que seria suprimido caso fosse aplicada uma sanção disciplinar superior a uma repreensão verbal.

12. Benefício que está também expressamente referido no artigo 54.º da Circular n.º ..., relativo às regras gerais de aplicação de benefícios, que dispõe o seguinte:

“ 1- Todos os benefícios de mérito previstos neste estatuto serão atribuídos a título precário, podendo ser retirados logo que cessem os motivos que determinam a sua atribuição.

(…)

6- Serão imediatamente suspensos todos os benefícios atribuídos a qualquer trabalhador a quem a instituição mova ação disciplinar.

(…)

8- Cessam todos os benefícios que estejam atribuídos ao trabalhador a quem tenha sido aplicada sanção disciplinar superior a repreensão verbal.

(…)

13. A ora Recorrente não procedeu a qualquer diminuição da retribuição do Recorrido, apenas suprimiu uma prestação complementar, nos termos do estatuto aplicável ao mesmo, porque a real veracidade dos factos apenas pode ser a de considerar tal prestação como um benefício complementar.

14. Já antes da Circular ... a designada “tabela salarial interna” constituía um benefício de mérito, atribuído a título precário, que cessava, tal como sucede na Circular ..., com a aplicação de sanção disciplinar superior a repreensão verbal.

 15. Isso mesmo decorre, de forma muito clara, das Ordens de Serviço números 12 e 14, juntas aos autos na sessão da Audiência de Julgamento de 22.05.2015.

16. Em qualquer daquelas O.S. a “tabela salarial interna” consta como um “Incentivo de Aplicação Generalizada” constando das alíneas h) dos Capítulos “Regras Gerais de Aplicação” que: "h) Cessam imediatamente, com efeitos à data de instauração do processo disciplinar, todos os incentivos que estejam a ser atribuídos a qualquer trabalhador a quem seja aplicada sanção disciplinar superior a repreensão verbal, sem prejuízo do mesmo poder vir a ser reabilitado decorrido um ano sobre o cumprimento daquela medida disciplinar, mediante proposta do Diretor da respetiva Direção/Departamento e parecer do Diretor do Departamento dos Recursos Humanos, para posterior deliberação em Conselho de Administração."

17. Não havia, assim, quaisquer dúvidas que pudessem levar o douto Acórdão recorrido a entender que se tratava de uma prestação integrada na retribuição do Recorrido.

18. No douto Acórdão recorrido se assume, como pressuposto, que a cessação do pagamento do complemento de mérito, é uma segunda sanção disciplinar.

19. Tal asserção, que é, obviamente, meramente conclusiva, não tem qualquer sustentação no regime normativo daquele complemento de mérito.

20. Como foi já reconhecido na Jurisprudência acima citada, o pagamento do complemento de mérito, tratando-se de uma prestação atribuída a título precário, poderia licitamente cessar nas condições previstas no título constitutivo daquele direito.

21.Tratando-se de uma prestação atribuída com sujeição a determinadas condições - não sancionamento com sanção disciplinar superior a repreensão verbal - verificada a condição, é lícito à Recorrente fazer cessar o pagamento.

22. Foi isso o que a Recorrente fez, sendo manifestamente insubsistente a afirmação segundo a qual a cessação do pagamento do complemento de mérito constitui uma segunda sanção disciplinar.

23. O complemento de mérito é atribuído a todos os trabalhadores enquanto os mesmos -não sendo sancionados com sanção disciplinar superior a repreensão registada - demonstrem que merecem o referido complemento.

24. A supressão do complemento de mérito não é vitalícia pois o mesmo poderá ser reposto, também por decisão casuística e precária, conforme constava do n.º 4 do artigo 44.º da Circular n.º ....

25. Mão se trata, pois, de qualquer sanção disciplinar atípica e desproporcional, mas antes, e tão só, da aplicação das condições determinadas no título de atribuição daquela prestação, as quais são a razão autónoma que justifica a supressão do complemento de mérito não se tratando, por isso, de qualquer dupla sanção.

26. A ora Recorrente, ao aplicar o disposto no artigo 44.º, n.º 3, alínea b) da Circular n.º ..., e ao suprimir o pagamento ao Recorrido do Complemento de Mérito, fê-lo no quadro legal e contratual aplicável, e, por isso, de forma absolutamente lícita e legítima.

27. O douto Acórdão recorrido, ao condenar a Recorrente na reposição e ao pagamento dos mensais devidos e objeto de atualizações que se tenham verificado, violou, por errónea interpretação e aplicação, o disposto no artigo 7.º, n.º 2 da LCT (então em vigor), as O.S. números 9 12 e 14, juntas aos autos, o artigo 44.º da Circular ... e, também, os artigos 104.º, números 1 e 2, 270.º e 276.º, n.º 3, todos do Código do Trabalho.

28. Deve revogar-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se por decisão que absolva a Recorrente de todos os pedidos.

6. O A. contra-alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

7. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

8. O Autor e a Ré responderam ao parecer, o primeiro no sentido de ser negada a revista e a segunda no sentido do provimento da mesma.

9. A questão suscitada na presente revista consiste em saber se o montante que a Ré pagava mensalmente ao Autor, a título de complemento de mérito, constituía uma mera prestação complementar, que podia ou não ser retirada quando se verificassem as condições previstas no título constitutivo da mesma.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II

1. O Tribunal da Relação considerou os seguintes factos, com relevo para a decisão do recurso:

1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, sob a sua autoridade e direção, em regime de contrato individual de trabalho, em 06/12/1995.

2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de administrativo, com uma retribuição, em 06/12/1995, correspondente ao montante de € 565,19 mensais.

3. O Autor desempenha atualmente ao serviço da Ré as funções correspondentes à categoria profissional de subgerente.

4. O Autor é associado do Sindicato dos Bancários do Norte, tendo o número de sócio ....

5. Através de carta de 28/03/2012, a Ré instaurou contra o Autor processo disciplinar com intenção de despedimento, tendo o Autor ficado suspenso preventivamente sem perda de retribuição.

6. A Ré sancionou o Autor com aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade graduada em 24 dias.

7. A Ré, a partir de agosto de 2012, retirou e suprimiu ao Autor o por si denominado complemento de mérito, com fundamento na aplicação ao Autor de uma sanção disciplinar superior a repreensão verbal, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, números 1, 2 e 3, al. b) do Estatuto dos Trabalhadores da Caixa BB.

8. Desde a data da admissão do Autor ao serviço da Ré, até ao mês de julho de 2007, foi sempre processado a favor do Autor a retribuição mensal, sem qualquer autonomização do por si denominado complemento de mérito, ou seja, sem qualquer autonomização de nomenclatura na composição do valor pago mensalmente.

9. A partir do mês de julho a Ré autonomizou o por si denominado complemento de mérito, passando a estar separado e cindido em duas rubricas a composição do valor pago pela Ré mensalmente.

10. O processamento do valor pago mensalmente pela Ré em duas rubricas manteve-se até ao processamento e pagamento da retribuição do mês de agosto de 2012.

11. No processamento do salário do mês de agosto, a Ré retirou e suprimiu parcialmente, sem qualquer explicação, o pagamento ao Autor do denominado complemento de mérito, a pretexto da aplicação da sanção disciplinar de perda de retribuição e de antiguidade graduada em 24 dias objeto da carta e comunicação da Ré ao Autor de 08/08/2012 (ao abrigo do artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil o Tribunal da Relação declarou não escrita a frase assinalada a itálico referindo que o seu teor é conclusivo e de algum modo contraria o que se refere a seguir a essa mesma expressão).

12. A partir do mês de setembro de 2012, a Ré, unilateralmente, suprimiu e retirou totalmente, sem qualquer explicação, o pagamento ao Autor do por si denominado complemento de mérito a favor do Autor (pelos motivos referidos em 11 o Tribunal da Relação deu por não escrita a frase assinalada a itálico).

13. O denominado complemento de mérito foi sempre pago pela Ré ao Autor, de forma periódica, regular e habitual, no momento do processamento e pagamento do seu vencimento, desde a data da sua admissão em 06/12/1995 até ao mês de julho de 2012.

14. Numa primeira fase, sem qualquer autonomia de nomenclatura e separação, integrando-se o denominado complemento de mérito numa única rubrica, a título de retribuição ou remuneração.

15. Numa segunda fase, mais concretamente a partir do mês de julho de 2007, tendo criado a Ré, unilateralmente, uma autonomia e cisão em duas rubricas em relação ao pagamento mensal efetuado (remuneração e complemento de mérito).

16. O Estatuto dos Trabalhadores da Caixa BB foi elaborado pela Ré e divulgado no final do ano de 1997 em papel junto dos trabalhadores da Ré.

17. Aquele Estatuto dos Trabalhadores da Caixa BB entrou em vigor em 01/10/1997.

18. Aquele Estatuto nunca foi registado nem depositado pela Ré junto da Inspeção Geral do Trabalho ou junto da Autoridade das Condições de Trabalho.

19. Segundo a Ré, o Estatuto dos Trabalhadores da Caixa BB «visa sistematizar, reformular e atualizar o quadro de normas aplicáveis aos trabalhadores da Instituição, complementando, harmonicamente, o Acordo Coletivo de Trabalho, em vigor para o Sector Bancário, adiante designado por ACTV».

20. Segundo a Ré, «este Estatuto constitui um fator de identidade interna e visa uma política de recursos humanos racional, aberta, criativa e participada, que privilegie a dimensão humana, social e cultural dos trabalhadores da CEBB, tendo em vista contribuir para a prossecução dos objetivos estratégicos da Instituição».

21. Aquele valor que a Ré designa e denomina de «complemento de mérito» é pago regular e periodicamente, mensalmente, em 14 prestações, aos trabalhadores da Ré.

22. Por razões que se prendiam com o arrastar das negociações salariais no Sector Bancário e com o facto de a Ré não pretender esperar anualmente pelo encerramento das negociações entre a Associação Portuguesa de Bancos e os Sindicatos do Sector Bancário, em meados dos anos 80 do século passado, a Ré criou uma tabela interna.

23. Esta tabela salarial interna era em média superior em 23%, nos diferentes níveis, à tabela salarial em vigor no Sector Bancário.

24. Em data posterior – ano de 1997 – a Ré fez publicar a Circular n.º ... (Estatuto dos Trabalhadores da Caixa Económica BB).

25. A regra prevista no artigo 44.º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Caixa BB refere que «a retribuição do trabalhador consta do Anexo V e é passível de atualização anual, sendo composta pela remuneração fixada por cada nível no ACTV para o sector bancário, acrescida de um complemento, atribuído a título de mérito, de montante variável em função do correspondente nível».

26. A alusão ao nível reporta-se aos níveis de retribuição previstos no ACT do Sector Bancário.

27. O denominado «complemento de mérito» é pago de forma geral e abstrata pela Ré a todos os trabalhadores da Ré no ativo e reformados, consistindo na aplicação de uma percentagem sobre os níveis de retribuição previstos na tabela salarial do ACT do Sector Bancário, que leva à tabela interna da Ré (O Tribunal da Relação considerou que a expressão «de forma geral e abstrata» traduz apenas um juízo de valor pelo que ao abrigo do artigo 607.º, n.º 4 do CPC a declarou não escrita).

28. No referido artigo 44.º, n.º 3, al. b) prevê-se que após um ano sobre o cumprimento da sanção disciplinar superior à repreensão verbal a situação pudesse vir a ser reapreciada pela Ré, o que deixou de suceder e foi abandonado pela Ré.

29. O denominado «complemento de mérito» esteve sempre presente nos pagamentos mensais do Autor como trabalhador da Ré desde a data da sua admissão.

30. Em agosto de 2012, o Autor auferia a remuneração ACT de € 1.600,84 e o complemento de mérito de € 307,80.

31. Pela Ré foi comunicado a todos os trabalhadores através da Comunicação do Conselho de Administração designada COMCA – 37/2007, sob o título «Comunicado Conselho de Administração: Novo Formato do Recibo de Vencimento» que refere que «Não houve qualquer intenção de alterar o conteúdo do “conceito de retribuição”, rematando «Com efeito, a parcela reportada ao denominado “complemento de mérito” sempre foi e vai continuar a ser considerada para cálculo da pensão de reforma, nos termos em que o tem sido até à data».

32. A Ré suprimiu o pagamento ao Autor do complemento de mérito, fazendo aplicação do artigo 44.º, n.º 3, al. b) e 54.º, n.º 8, da Circular ....

33. A retribuição de base do Autor, no ano de 2007, correspondia ao nível 11 da tabela salarial do ACT do Sector Bancário então em vigor.

34. A retribuição do Autor compreende a remuneração fixada para cada nível no ACT para o Sector Bancário, no caso do Autor, em 2012, correspondente ao nível 12, acrescida de um complemento de mérito de montante variável em função do correspondente nível que, em 2007, era de € 304,80.

35. Dos recibos de vencimentos do Autor a folhas 46 e 48 consta, no que respeita à verba de € 1.706,80, a identificação de «RETRIB – ART 44 CIRCULAR ..., correspondendo aquela verba à soma das duas parcelas: retribuição de base (nível 11 do ACTV) - € 1.402,00 complemento de mérito € 304,80 total € 1.706,80.

36. A Comissão de Trabalhadores emitiu Parecer em 11/03/1998, a propósito da problemática da interpretação do artigo 44.º do Estatuto nas situações de impedimento prolongado dos trabalhadores.

37. Naquele Parecer, a Comissão de Trabalhadores faz saber no ponto 7:10 que «A partir do décimo sexto conjunto de normas, datado de --/09/97, até ao final do processo que deu lugar aos Estatuto dos Trabalhadores da CEMG, chegou-se a consenso quanto à redação dos referidos artigos 44.º e 54.º, que são as que constam neste documento».

38. E acrescentou no ponto 11 uma proposta de alteração do artigo 44.º nos seguintes termos: «Finalmente, caso se entenda que uma deliberação do Conselho de Administração que fosse no sentido defendido neste parecer não seria suficiente, dada a falta de publicação da mesma, o artigo 44.º do Estatuto deve ser alterado, eventualmente, no seguinte sentido: Art.º 44.º (REMUNERAÇÃO e COMPLEMENTO) 1. (Igual) 2. (Igual) 3. (Igual) 4. (Igual) 5. A partir da cessação do impedimento prolongado, os trabalhadores passam a auferir o complemento referido no n.º 1, sem prejuízo de apreciação casuística em sentido diverso, desencadeada nos termos do n.º 5 do artigo 54.º».

39. O complemento de mérito encontra-se previsto na Circular .... 

           

2. Os presentes autos respeitam a ação declarativa comum instaurada em 25/07/2013.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão atual;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

3. Como já se referiu, a questão que se discute neste recurso de revista consiste em saber se o montante que a R. pagava mensalmente ao Autor, a título de complemento de mérito, constituía uma mera prestação complementar, que podia ser retirada quando se verificassem as condições previstas no título constitutivo da mesma.

Na linha da decisão do Tribunal da Primeira Instância o Tribunal da Relação considerou que o referido complemento faz parte da retribuição e como tal está abrangido pelo princípio da irredutibilidade, sendo ilícita a sua retirada pela Ré.

            No acórdão recorrido, após o confronto das normas internas da R. referentes à remuneração dos seus trabalhadores, contidas na circular interna n.º ... e no Estatuto dos Trabalhadores da Caixa Económica BB, com as disposições legais atinentes à retribuição, e com a matéria de facto provada, consignou-se o seguinte:

«Da matéria de facto descrita – em especial a que deixamos sublinhada – decorre que o dito complemento sempre foi pago ao Autor, desde a data da sua admissão, durante 14 meses/ano, a significar que o mesmo faz parte da sua retribuição, quanto mais não seja tendo em conta a presunção a que alude os artigos 82.º, n.º 3 da LCT, 249.º, n.º 3 do CT/2003 e 258.º, n.º 3 do CT/2009.

Ora, a Ré não logrou ilidir a referida presunção. Com efeito, não basta “apelar” ao teor do estabelecido nos Estatutos para se concluir em sentido contrário do aqui defendido, na medida em que a “prática” da Ré, aqui provada, foi bem diferente daquela que estabeleceu nos Estatutos a tal respeito.

Na verdade, e tendo o Autor sempre auferido esse complemento – de forma regular e periódica – não logrou a Ré provar que essa atribuição foi objeto de análise anual (ou com outra periodicidade) por parte do Conselho de Administração e, por isso, os trabalhadores não poderiam ter qualquer expectativa quanto ao recebimento desse complemento em todos os anos de vigência do contrato de trabalho. Aliás, e ressalvando sempre melhor opinião, da matéria de facto provada resulta que a Ré sempre considerou o dito complemento como fazendo parte da retribuição dos seus trabalhadores ao não ter, durante cerca de 11 anos, diferenciado esse complemento no pagamento da retribuição, a significar que o dito complemento nada tem a ver com a “avaliação do mérito” dos seus trabalhadores.

Com efeito, “complemento de mérito”, como a frase indica, é a recompensa pelo bom desempenho de funções e só poderá ser avaliado (o mérito) depois, e enquanto forem exercidas, e não logo a partir do primeiro dia de trabalho e até ao último dia da reforma. O que a Ré qualificou de “casuístico e precário” nos Estatutos foi permanente e regular no caso do Autor (em face da factualidade provada). E se tal “prestação” é paga aos trabalhadores reformados é porque ela nada tem a ver com o bom desempenho/mérito desses mesmos reformados.

Por isso, tal complemento faz parte da retribuição do Autor e como tal está abrangido pelo princípio da irredutibilidade – artigos 129.º, n.º 1, al. d) e 258.º, n.º 4, do CT/2009 – sendo ilícita a sua retirada pela Ré.

E se o dito complemento não tem a ver com qualquer avaliação periódica do trabalho executado pelos trabalhadores então, a Ré, instituiu outra sanção disciplinar ao considerar – como parece ter considerado nos Estatutos – que a aplicação de sanção disciplinar superior a repreensão verbal determina, também, a perda desse completo remuneratório, o que viola o princípio da tipicidade das sanções disciplinares previsto no artigo 27º da LCT (vigente na data da vigência da Circular que instituiu o complemento de mérito) e na cláusula 117ª do ACT do sector Bancário.

A decisão do Tribunal da Relação foi tomada por maioria, tendo o relator a quem o processo foi distribuído votado vencido, deixando consignado:

«Vencido, como relator, por entender que, pelos fundamentos que aduzi no projeto que elaborei e que não obteve vencimento, acolhendo o entendimento sufragado nos Acórdãos STJ de 2 de Abril de 2008 e 20 de Junho de 2012 e da RL de 15 de Dezembro de 2011, prevendo o Estatuto da Ré, anexo a uma circular interna - que se configuram como uma proposta contratual da entidade empregadora que, uma vez aceites por adesão expressa ou tácita dos trabalhadores, passam a obrigar ambas as partes em termos contratuais e integram os contratos individuais de trabalho celebrados - que o complemento de mérito, como decorre expressamente do artigo 44.°, n.º 1, 47.° e 54.° do Estatuto do Ré, acresce à retribuição do Autor, fixada no respetivo ACTV, não afrontando os princípios da irredutibilidade da retribuição e da tipicidade das sanções disciplinares a retirada desse complemento ao trabalhador, como previsto nesse Estatuto, no caso de lhe ser aplicada sanção disciplinar superior a repreensão verbal. Daí que tivesse sustentado a revogação da sentença e a declaração de improcedência da ação.»

Como se refere no voto de vencido e também nas conclusões da recorrente o Supremo Tribunal de Justiça já tomou posição sobre a questão suscitada na presente revista em casos similares.

No acórdão proferido em 02/04/2008[1], relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Pinto Hespanhol, foi efetuada uma análise das regras de atribuição dos suplementos remuneratórios fixados no Estatuto dos Trabalhadores da Caixa Económica BB.

Nesse aresto consignou o seguinte:

«O sobredito Estatuto é de qualificar como um regulamento interno de empresa, relevando nos termos do disposto no artigo 153.º do Código do Trabalho e, anteriormente, no artigo 39.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT).

Segundo o artigo 44.º daquele Estatuto, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, “a retribuição do trabalhador consta do Anexo V e é passível de atualização anual, sendo composta pela remuneração fixada por cada nível no ACTV para o sector Bancário, acrescida de um complemento, atribuído a título de mérito, de montante variável em função do correspondente nível” (n.º 1), sendo a atribuição do dito complemento “deliberada pelo C. A., a título casuístico e precário, podendo ser suprimida nas situações especiais previstas no número seguinte” (n.º 2).

E, no que aqui importa, a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo 44.º dispõe que, “sem prejuízo de uma apreciação casuística, será suprimida a atribuição do correspondente complemento de mérito previsto neste artigo”, “aos trabalhadores em situação de impedimento prolongado subsumível no regime de suspensão do contrato de trabalho, que não seja motivado por faltas previstas no n.º 4 do artigo 54.º, passando estes a auferir de acordo com a valoração percentual atualmente fixada no Anexo V do ACTV, com incidência sobre a respetiva remuneração”.

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 47.º refere que são considerados benefícios de mérito, “cuja atribuição depende da avaliação profissional, do nível de responsabilidade de função, da participação nos objetivos globais e da dedicação à Instituição”, entre outros, a gratificação de balanço [alínea a)] e a remuneração complementar [alínea e)], e o artigo 48.º estipula que “aos trabalhadores da CEBB será atribuída uma gratificação de balanço em função dos resultados anuais obtidos, quando estes atinjam, pelo menos, os valores orçamentados”.

Em derradeiro termo, o artigo 54.º apresenta a seguinte redação:

“Artigo 54.º

(Regras gerais de aplicação de benefícios)

1 – Todos os benefícios de mérito previstos neste Estatuto serão atribuídos a título precário, podendo ser retirados logo que cessem os motivos que determinaram a sua atribuição.

2 – Os benefícios atribuídos a trabalhadores em razão da sua categoria profissional ou função só se aplicam se e enquanto o trabalhador se encontrar no exercício efetivo das correspondentes funções.

3 – A atribuição de benefícios decorrentes da função para que o trabalhador tenha sido nomeado será feita à data do início na função.

4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, os benefícios fixados em quantitativos anuais apenas serão pagos proporcionalmente ao número de meses prestados na função, situação que se aplica igualmente nos casos de cessação do contrato de trabalho. Para o efeito não se consideram as faltas dadas por motivos de:

a) Acidentes de trabalho;

b) Maternidade / Paternidade;

c) Internamento hospitalar, bem como os períodos anteriores e posteriores diretamente correlacionados com o mesmo;

d) Exercício de funções sindicais, nos SAMS, na CT ou nos Serviços Sociais;

e) Estudo e exames de trabalhadores, nos termos do ACTV.

5 – O acesso aos benefícios previstos nos termos deste Estatuto depende de proposta final subscrita pelo respetivo Diretor, sobre proposta dos dois superiores hierárquicos imediatamente diretos do trabalhador e parecer dos responsáveis hierárquicos intermédios, ou pelo Administrador do Pelouro, nos casos de trabalhadores sob sua imediata e direta dependência hierárquica.

6 – Serão imediatamente suspensos todos os benefícios atribuídos a qualquer trabalhador a quem a Instituição mova ação disciplinar.

7 – Sempre que o C. A. deliberar, sem reservas, o arquivamento de ação disciplinar instaurada contra um trabalhador, ser-lhe-ão repostos os benefícios suspensos por força do disposto no número anterior.

8 – Cessam todos os benefícios que estejam a ser atribuídos ao trabalhador a quem tenha sido aplicada sanção disciplinar superior a repreensão verbal.

9 – O trabalhador sujeito a sanção superior a repreensão verbal, poderá, por deliberação do C. A., nos termos do n.º 5 deste artigo, retomar, no todo ou em parte, o gozo dos benefícios que deixou de usufruir.

10 – Serão suspensos os benefícios quando a ausência da prestação do trabalho for superior a 30 dias seguidos ou 45 dias anuais interpolados, ressalvados os casos em que aquela situação seja motivada por qualquer dos factos enumerados no n.º 4 precedente ou os que o C. A. entenda vir a excecionar na sequência duma apreciação casuística provocada pelo procedimento previsto no n.º 5 anterior.”

Assim, nos termos das disposições conjugadas dos normativos indicados, o complemento de mérito e a gratificação de balanço são atribuídos aos trabalhadores da ré por deliberação do seu conselho de administração, a título casuístico e precário, podendo ser suprimidos nas circunstâncias descritas no n.º 3 do artigo 44.º, entre as quais se conta a de os trabalhadores se encontrarem em situação de impedimento prolongado, salvo se esta situação resultar de faltas dadas pelos motivos previstos no n.º 4 do artigo 54.º, nos quais se inclui o internamento hospitalar, bem como os períodos anteriores e posteriores diretamente correlacionados com o mesmo.

Por outro lado, tais benefícios podem também ser suspensos, nos termos do n.º 10 do artigo 54.º “quando a ausência da prestação do trabalho for superior a 30 dias seguidos ou 45 dias anuais interpolados, ressalvados os casos em que aquela situação seja motivada por qualquer dos factos enumerados no n.º 4 precedente ”.»

Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 20/06/2012[2], relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Sampaio Gomes, se pronuncia sobre esta questão, citando o acórdão do mesmo Tribunal proferido em 12/10/2011[3].

Neste último aresto, a propósito das ordens de serviço, e igualmente aplicável às circulares, por similar ordem de razão, escreveu-se:

«A jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que as ordens de serviço, quando constituam um instrumento regulador, de aplicabilidade genérica no âmbito da empresa e com reflexos diretos na relação contratual, devem qualificar-se como regulamentos internos (Acórdãos deste Supremo Tribunal de 4 de fevereiro de 2004, Revista n.º 2928/03, de 16 de junho de 2004, Revista n.º 1378/04, de 29 de novembro de 2005, Revista n.º 2556/05, de 14 de dezembro de 2005, Revista n.º 4126/04, de 21 de fevereiro de 2006, Revista n.º 3491/05, de 28 de junho de 2006, revista n.º 699/06, todos da 4.ª Secção).

Assim, partilhando da mesma natureza jurídica de Regulamento Interno e face ao seu conteúdo normativo, constituem uma manifestação da vontade negocial e têm natureza contratual (cf. Artigos 7.º e 39.º, números 2 a 5, da LCT e 95.º, 150.º e 153.º do Código do Trabalho de 2003).

(…)

Assim, deve entender-se que as aludidas ordens de serviço emitidas pelo réu configuram uma proposta contratual da entidade empregadora que, uma vez aceites por adesão expressa ou tácita dos trabalhadores, nos termos do então vigente art.º 7.º da LCT, passaram a obrigar ambas as partes em termos contratuais e a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho celebrados.»

O mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2012 sufragou o entendimento de que mantendo a Ré o pagamento ao Autor da retribuição estipulada no ACTV aplicável, poderia suspender, como suspendeu, na decorrência de um procedimento disciplinar contra o Autor, o pagamento dos complementos de mérito, nos termos expressamente previstos e estabelecidos no referido Estatuto da Ré, aplicável ao vínculo laboral que os unia.

A fundamentação aduzida assenta na tese de que a suspensão do pagamento dos referidos complementos remuneratórios, nos termos previstos no aludido Estatuto, não consubstancia uma redução da retribuição, tendo-se consignado:

«Efetivamente, está vedado à entidade empregadora a redução da retribuição auferida pelo trabalhador. Mas, como é consabido, a retribuição corresponde àquilo que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas destinadas a remunerar a prestação laboral.

Conforme dispõe o art.º 82.º da LCT, “ só se considera retribuição àquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho”.

Ora, não é o caso dos complementos remuneratórios reclamados pelo Autor.

Estes complementos, como decorre expressamente do art.º 44.º, n.º 1 do Estatuto da Ré acrescem à retribuição do Autor fixada no respetivo ACTV e são atribuídos, de forma precária, a título de mérito. Ou seja, correspondem a um prémio atribuído pela entidade empregadora que vai para além do que é devido ao trabalhador como contraprestação pelo trabalho por ele desenvolvido (art.º 47.º).

Por outro lado, a manutenção desse “prémio” está condicionada à não aplicação de sanção disciplinar ao trabalhador superior a repreensão escrita, uma vez que pode ser suprimido nessas circunstâncias, como decorre, também expressamente, da alínea b) do n.º 3 do aludido art.º 44.º.

E até se compreende que assim seja porquanto os referidos complementos remuneratórios são atribuídos ao trabalhador para o premiar pelo desempenho meritório das suas funções e dedicação à empresa, pressupostos que não estarão verificados quando o trabalhador é alvo de procedimento disciplinar, com efetiva aplicação de sanção disciplinar mais gravosa que a repreensão escrita.

Não integrando estes complementos a retribuição do trabalhador, nos termos consignados no aludido art.º 82.º da LCT, o seu não pagamento, no âmbito do estrito circunstancialismo estabelecido no aludido Estatuto, não consubstancia qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição por os mesmos não assumirem essa natureza, não se mostrando, assim, violados os preceitos legais invocados pelo recorrente e, por decorrência lógica, os preceitos constitucionais pelo mesmo referidos.»

No caso concreto dos autos, resulta do ponto 24 dos factos provados que a Ré divulgou a circular n.º ... contendo o Estatuto dos Trabalhadores da Caixa Económica BB, que dada a sua natureza constitui um instrumento regulador de aplicação genérica no âmbito da Ré, com reflexos diretos nas relações contratuais.

Este instrumento emitido pela Ré configura uma proposta contratual que ao ter sido aceite, por adesão expressa ou tácita dos trabalhadores, passou a obrigar ambas as partes em termos contratuais e a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho celebrados.

É no art.º 44.º deste Estatuto que está previsto o complemento de mérito que é atribuído, de forma precária, e a título de mérito, aos trabalhadores da Ré.

A forma e as condições da sua atribuição denotam que corresponde a um prémio atribuído pelo empregador, que se diferencia da retribuição.

A retribuição corresponde àquilo que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas destinadas a remunerar a prestação laboral (art.º 258.º do Código do Trabalho).

É proibido ao empregador diminuir a retribuição do trabalhador, salvo nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (art.º 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho).

O complemento de mérito assume uma natureza de prestação suplementar atribuída pelo empregador, que acresce à retribuição fixada no respetivo ACTV e que vai para além do que é devido ao trabalhador como contrapartida pelo trabalho por ele desenvolvido, daí que não possa ser considerado parte integrante da retribuição do trabalhador.

Assumindo este complemento de mérito uma natureza de prestação suplementar, atribuída a título precário, pode ser retirado logo que cessem os motivos que determinaram a sua atribuição, nomeadamente quando tenha sido aplicada ao trabalhador sanção disciplinar superior a repreensão verbal, nos termos do art.º 54.º n.º 1 e 8 do mencionado Estatuto.

No circunstancialismo estabelecido no aludido Estatuto, a retirada do complemento de mérito não consubstancia qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, por o mesmo não assumir essa natureza.

No caso dos autos, o ato de a Ré ter retirado o complemento de mérito ao Autor não configura uma atitude arbitrária, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos previstos no Estatuto para a cessação da atribuição do mesmo, face à aplicação ao Autor da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade graduada em vinte e quatro dias.

           

                                                           III

            Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder a revista, absolvendo-se a Ré do pedido formulado pelo Autor.

Custas nas instâncias e no Supremo Tribunal de Justiça a cargo do Autor.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 1 de junho de 2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

______________
[1] Publicado nas Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça I.P., com o n.º 08S011.
[2] No processo n.º 19/07.0TTLSB.L1.S1.
[3] Revista n.º 3074/06.