Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3696/16.8T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: REVISTA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 01/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / CONFISSÃO / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES / PROVA TESTEMUNHAL.
Doutrina:
- José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, 2.ª Edição, p. 162/163.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), 662.º, N.º 1, 674.º, N.ºS 1 E 3 E 682.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 347.º, 352.º, 358.º, N.º 2, 359.º, N.ºS 1 E 2, 374.º, N.º 1, 376.º, N.ºS 1 E 2, 393.º, N.º 2, 394.º E 351.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-05-2004, RELATOR ARAÚJO DE BARROS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-04-2005, RELATOR SALVADOR DA COSTA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-05-2009, RELATOR SANTOS BERNARDINO, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-02-2010, RELATOR FONSECA RAMOS,
- DE 18-05-2011, RELATOR PEREIRA RODRIGUES, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-11-2011, RELATOR ALVES VELHO,
- DE 23-02-2012, RELATOR TÁVORA VICTOR, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-11-2012, RELATORA ANA PAULA BOULAROT, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-04-2013, RELATOR MOREIRA ALVES,
- DE 24-09-2013, RELATOR AZEVEDO RAMOS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-12-2013, RELATORA ANA PAULA BOULAROT, IN WWW.DGSI.PT.
- DE 24-02-2015, RELATORA ANA PAULA BOULAROT, IN WWW.DGSI.PT.
- DE 09-07-2015, RELATOR JÚLIO GOMES, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 10-12-2015, RELATOR JOSÉ RAINHO, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 19-01-2016, RELATOR PINTO DE ALMEIDA, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 07-06-2016, RELATORA ANA PAULA BOULAROT, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do NCPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

II O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova

III A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 682º, nº3 do CPCivil.

IV Se o segundo grau fundamenta a alteração efectuada à materialidade impugnada fazendo apelo aos elementos de prova indicados pelo impugnate, cumpre desta sorte, de pleno, a função de reponderação que sobre si impende de harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do CPCivil, exercendo as suas plenas competências na reapreciação da materialidade factual posta em causa, através de uma análise crítica dos depoimentos prestados acerca da mesma, conjugados com os elementos documentais.

V A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, sendo incorrecta a asserção de o Tribunal da Relação apenas poder alterar a decisão da matéria de facto, quando esta enferme de erro, erro grosseiro ou manifesto.

VI Se os Recorridos, Recorrentes na Apelação, indicaram naquele seu recurso, para além dos pontos de facto que no seu entender mereceriam resposta diversa,como também quais os elementos de prova que no seu entendimento levariam à alteração proposta, tendo inclusivamente feito transcrever as declarações do Autor, da Ré e das testemunhas, deram cabal cumprimento ao preceituado no artigo 640º, nº1, alíneas a) e b) do CPCivil.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I M e C, instauraram acção de processo comum contra Z, V e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, pedindo, a título principal, a condenação dos Réus: i) a reconhecerem que os Autores são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra A, correspondente a casa número um composta de rés do chão, andar, destinada a habitação correspondente ao lado direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial de Tarouca sob o nº quatrocentos e sessenta e um, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 615; ii) a reconhecerem que receberam a quantia de € 65.000,00 pela venda da referida fração, tendo assumido a obrigação de cancelamento da hipoteca; iii) a restituírem os referidos € 65.000,00 por incumprimento da obrigação assumida quanto ao cancelamento da hipoteca. Subsidiariamente solicitaram ainda os autores a condenação da ré “Caixa Geral de Depósitos”: i) a juntar aos autos a avaliação feita à fração B “do prédio em referência”; ii) a reconhecer que a hipoteca efectuada em 17/12/2004 não corresponde à realidade fáctica, devendo proceder ao seu cancelamento e à constituição de nova hipoteca que incida apenas sobre a referida fracção B.

Para tanto, alegaram que adquiriram adquirido à primeira Ré uma fracção autónoma, pelo preço de € 65.000,00, tendo aquela e o Réu marido assumido a obrigação de procederem ao distrate e cancelamento de hipoteca que sobre a mesma incidia. No entanto, contrariamente à obrigação assumida, os Réus recusam-se a diligenciar pelo cancelamento da referida hipoteca.

Os Réus contestaram, tendo a Ré CGD confirmado a celebração do mútuo bancário invocado, considerando ainda que o pedido subsidiário formulado pelos Autores, pelo qual pretendem alterar a hipoteca constituída sobre o imóvel em discussão nos autos, não é legalmente admissível, visto que a hipoteca constituída sobre um terreno estendesse às edificações posteriormente nele incorporadas. Assim, pugnando pela improcedência da acção, concluindo pela improcedência da acção.

Em sede de pedido reconvencional, os Réus solicitaram a condenação dos Autores no pagamento da quantia de € 65.000,00 estipulada para a aquisição da fracção, acrescida de juros, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores condenados como litigantes de má-fé por usarem a via judicial para obterem a titularidade do imóvel, sem o pagamento do respectivo preço.

Os Autores apresentaram réplica na qual, no essencial, impugnaram a matéria da reconvenção, reiterando que os Réus receberam a quantia de € 65.000,00 mas não cancelaram a hipoteca, embora tenham chegado a constituir mandatário para o efeito, concluindo no mais como na Petição Inicial.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional, tendo absolvido os Réus do pedido e condenado os Autores/Reconvindos a pagarem aos Réus Reconvintes a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4%, desde a data da notificação da contestação.

Inconformados os Autores interpuseram recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado procedente, tendo sido revogada a sentença e julgado improcedente o pedido reconvencional dele se absolvendo os Autores e indeferido o pedido de condenação destes como litigantes de má-fé.

Irresignados com este desfecho, recorrem agora os Réus, de Revista, apresentando o seguinte acervo conclusivo, no que ao thema decidendum diz respeito:

- Os aqui Recorridos por não se conformarem com a Douta decisão, dela vieram interpor recurso de apelação.

- Entenderam os Autores que a Meritíssima Juiz fez uma incorreta interpretação dos factos e do direito, nomeadamente na consubstanciação entre os factos e o direito inerente e na omissão sobre questões que deveria apreciar, apreciando e julgando no sentido oposto às pretensões dos ora apelantes, atuando incorretamente na questão aa interpretação das normas jurídicas relativamente a todos os factos carreados para os autos.

- Pelo que não se conformaram quanto à apreciação da matéria de facto e a sua subsunção ao direito da forma como foi interpretada e, consequentemente pretendiam os Autores apresentar recurso quanto à matéria de direito aplicada aos factos que compõem ou sustentam a presente discórdia.

- Os Autores apresentaram as suas conclusões, pelo que o seu recurso ficou delimitado por essas mesmas conclusões.

- Por sua vez, os aqui Réus pugnaram, em resposta, pela confirmação da decisão, considerando que o Tribunal " a quo" apreciou de forma criteriosa e correta toda a prova carreada para os autos, não merecendo a decisão qualquer censura.

- Com efeito, no recurso interposto, não assiste razão aos Apelantes, desde já, pela falta de fundamento, uma vez que o referido Tribunal procedeu a uma correta aplicação do direito pela interpretação correta dos factos.

- Sucede que, o Tribunal da Relação de Coimbra, entendeu que o Tribunal de primeira instância não estava impedido de valorar livremente todos os meios de prova produzidos relativamente à alegação dos factos que revelavam que os Réus tinham agido em erro ao declararem o recebimento do preço, assim como a alegação de que o preço nunca foi pago, mas também o Tribunal de Recurso não está vedado de reavaliar essa prova, face à impugnação pelos Réus, da matéria de facto.

- O Tribunal da Relação contrariando toda a convicção do Tribunal de Primeira instância considerou que a Ré teve um depoimento muito apaixonado e prestado de uma forma quase dramática, não merecendo qualquer credibilidade, uma vez que ao longo do mesmo é notória a preocupação de manter um discurso de filha vitimizada que não é compatível com a realidade espelhada nomeadamente no facto dos Pais terem sido seus fiadores no empréstimo contraído quando tinha 21 anos de Idade.

- Ora, o Tribunal de primeira instância na motivação da decisão de facto ponderou as declarações de parte produzidas pela Ré Z, as quais, segundo este Tribunal configuraram um relato sincero e coerente, tendo, em grande parte, merecido corroboração nos outros meios de prova, designadamente na documental.

- Mais, o Tribunal de primeira instância também considerou que o depoimento do Réu V foi efetuado de forma sincera.

- Já quanto ao depoimento do Autor, para o Tribunal de Primeira instância, o mesmo não configurou qualquer declaração confessória, mas prestou um depoimento confuso, que, no essencial, não mereceu qualquer corroboração nos demais meios de prova.

- Ora, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que apesar de atabalhoado, este depoimento se mostrou mais conforme com a normalidade das coisas.

- E com base neste fundamento, o Tribunal da Relação de Coimbra, deu como não provados todos os factos impugnados pelos Autores, em sede de recurso, e com isso alterou toda a decisão de primeira instância, ao abrigo do artigo 662° n.º3 do Código do Processo Civil, julgando a apelação procedente e improcedente o pedido reconvencional, indeferindo o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má fé.

- Acontece que o Tribunal da Relação não levou em linha de conta a convicção do Tribunal a quo quanto ao depoimento das restantes testemunhas e fez tábua rasa de toda a motivação da decisão de facto formada pelo Tribunal de primeira instância.

- Assim, e salvo melhor opinião, o Tribunal da Relação de Coimbra violou e errou na aplicação da lei ao processo.

- Desde logo, o Tribunal da Relação de Coimbra violou o artigo 205° da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 607° n.° 4 e 662 n.° 1 do Código do Processo Civil.

- Isto porque, o recurso da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que proceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela verificação do erro de julgamento de facto, não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por parte do Tribuna! de primeira instância, o que claramente não se verificou.

- A apreciação e valoração da prova é uma atividade dotada de alguma margem de variabilidade em função não só do concreto material probatório produzido, mas também por força do sujeito que efetua tal apreciação e valoração.

- O horizonte cognitivo e a experiência da vida de quem assiste à produção da prova têm um papel decisivo na aferição crítica da prova que vai sendo produzida e, além disso, o juiz que preside à audiência de discussão e julgamento, em primeira instância, e assiste à produção de prova perceciona dados relevantes para tal valoração que a gravação da audiência não faculta ao Tribunal da Relação.

- Daí que se imponha uma particular prudência no juízo do Tribunal da Relação sobre a verificação da existência de  um  erro  na  apreciação da  prova determinante da  alteração do julgamento da matéria de facto.

- Não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por

parte do tribunal de primeira instância.

- O Tribunal da Relação de Coimbra, no caso em concreto, não fundamentou qual o erro de apreciação e valoração da prova, apenas referiu ter adquirido uma outra convicção em relação a todos os depoimentos e declarações de parte.

- A impugnação da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que preceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela existência de um erro no julgamento da matéria de facto.

- O recurso da matéria de facto não é um novo julgamento em que o Tribunal da Relação, sem imediação com a prova pessoal em face da prova pessoal gravada, da prova documental e da prova pericial eventualmente produzida, procede a novo julgamento da matéria de facto, fazendo tábua rasa do julgamento efetuado em primeira instância.

- O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exatamente pela falta dos elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

- Salvo melhor opinião, do que se trata em sede de recurso sobre a matéria de facto é de verificar se o julgamento dessa matéria, nos pontos questionados pelo recorrente, enferma ou não de algum erro.

- O Tribunal da Relação de Coimbra não efetuou a verificação acima referida, ou seja não verificou se os pontos impugnados pele Recorrente padeciam de erro manifesto.

- O que fez o Tribunal da Relação de Coimbra, para considerar como não provados todos os factos  impugnados,  foi  simplesmente alterar a  convicção  do tribunal  de primeira    instância    quanto    aos    depoimentos    e    declarações    de    parte,    não fundamentando qual o erro e fazendo tábua rasa da restante prova, quer testemunhal, quer documental.

- O Tribunal da Relação de Coimbra não identificou qualquer erro na matéria impugnada pelos Autores, pelo que a convicção probatória adquirida pelo tribunal de primeira instância em face desta prova pessoal é perfeitamente aceitável e não poderia ser alterada.

- Assim, o Tribunal da Relação de Coimbra violou o artigo 662° do código do processo Civil.

- Já que a lei permite ao Tribunal de segunda instância alterar a matéria de facto, este deve obedecer aos mesmos princípios a que está sujeito o Tribunal de primeira instância, ou seja, sendo que o Tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e fixa matéria de facto em sintonia com a convicção formada acerca de cada facto controvertido, não é menos certo que o legislador lhe impôs não só o dever de analisar criticamente as provas como a de indicar tanto as ilações tiradas dos factos instrumentais, como de especificar os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, o que claramente não foi feito pelo Tribunal de Recurso.

- Sem explicação clara, dessa motivação, é inviável controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento da matéria de facto.

- No caso em questão, não houve qualquer explicação clara, inequívoca por parte do Tribunal da Relação, da motivação adquirida, o que põem em causa não só a razoabilidade da convicção formada como todos os princípios legais do direito.

- O Tribunal da Relação tem que fundamentar a decisão da matéria de facto, estando constitucionalmente consagrado o dever de fundamentação das decisões judiciais - artigo 205° da Constituição da República Portuguesa.

- Aliás, a densificação desse dever consta, no âmbito do processso civil, essencialmente das disposições conjugadas dos artigos 607° n.° 4 e 662 n.° 1 do Código do Processo Civil.

- Se existia dúvida para o Tribunal da Relação quanto à credibilidade da testemunha, no máximo deveria o Tribunal da Relação determinar a renovação do seu depoimento, nunca alterar, sem mais e sem fundamentar a matéria de facto.

- O Tribunal da Relação de Coimbra violou assim igualmente o artigo 205° da Constituição da República Portuguesa e os artigos 607° n.° 4 e 662 n.º1 do Código do Processo Civil.

- Além dos artigos acima mencionados, o Tribunal da Relação de Coimbra também violou o artigo 674° e 640° n.° 1 e 2 alínea a) e b) do Código do Processo Civil.

- O recurso fica delimitado pelas suas conclusões, ora os Autores nas suas conclusões omitiram por completo os pontos de facto que queriam que fossem reapreciados, bem como o enunciado da decisão que, no entender destes, deveria ser proferido sobre as questões de facto impugnadas.

- Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

- Mais, não indicando o recorrente quaisquer passagens dos depoimentos prestados, nas conclusões, em que fundamente a sua pretensão impugnativa, nem procedendo à transcrição de um único excerto de qualquer depoimento prestado para demonstrar que com base neles, não podia o tribunal recorrido dar como não provada a matéria de facto impugnada, importa rejeitar tal impugnação/recurso nessa parte.

- Ao impugnar a decisão de facto, à luz do código do processo civil, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados - exigência nova do reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.

- A indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda, exigida pelo artigo 640° n.° 2 do Código do Processo Civil, concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais passagens tem o seu início, ela não se pode ter por efetuada quando somente se menciona a hora do início e do fim de cada depoimento ou se transcreve parte dos depoimentos.

- As conclusões são proposições sintéticas que contêm a emanação lógica do que se expôs e considerou ao longo das alegações, onde devem constar mais exaustivamente os fundamentos da discordância face ao julgado.

- A impugnação da matéria de facto só ganha relevo e consistência se o apelante indicar porque discorda da decisão do tribunal, indicando os concretos meios de prova que o Tribunal não ponderou, ou ponderou mal, e não quando se limita a indicar os meios de prova que, no seu entender, se deve atender, fazendo tábua rasa dos restantes produzidos e que, de forma conjugada, determinaram a convicção do julgador.

- A impugnação da decisão de facto, feita perante a relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, razão pela qual se impõem ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.

- Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar os documentos, sem fazer a indispensável referência aqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado.

- A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela alínea a) do n.° 2 do artigo 640º.

- A relação ao aceitar um recurso que não cumpre o ónus previsto no artigo 640° n.° 2 alínea a) do código do Processo civil está a aplicar erradamente a lei de processo e por conseguinte poderá a parte recorrer, através de um recurso de Revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 674° n.° 1 alínea a) do Código do Processo Civil.

- Pelo exposto, têm os Réus legitimidade para o presente recurso, pois os Autores, no seu recurso não cumpriram com o ónus previsto no artigo 640° n.° 2 alínea a) e b) do Código do Processo Civil.

- Com efeito, o Tribunal da Relação de Coimbra deveria proceder à rejeição imediata do recurso apresentado pelos Autores, por não cumprir o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 640° do Código do Processo Civil.

Nas contra alegações os Autores pugnam pela manutenção do julgado.

II As instâncias deram como assentes os seguintes factos:

1 – Por escritura pública denominada “Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”, celebrada no dia 17 de dezembro de 2004, no Cartório Notarial de …, a aí identificada como “segunda outorgante”, Z, no estado de solteira, declarou comprar ao “primeiro outorgante” M, nesse ato representado pelo seu procurador A, que, por sua vez declarou vender:

“(…) pelo preço de cinco mil euros, que já recebeu, um prédio urbano de terreno para construção, sito no … (…) com o artigo matricial provisório 599, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número quatrocentos e sessenta e um de vinte e um de março de mil novecentos e noventa e seis (…) (artigo 1º da petição inicial);

5.2 – Por intermédio de tal escritura, a Caixa Geral de Depósitos concedeu à segunda outorgante um empréstimo da quantia de cem mil euros, em garantia do qual foi constituída hipoteca sobre o imóvel identificado no artigo anterior, tendo ainda M e mulher C, representados em tal escritura pela segunda outorgante, assumido a obrigação de, como fiadores e principais pagadores, efetuarem o pagamento “por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado” (artigos 2º e 21º da petição inicial, artigo 6º da contestação da ré CGD, 13º, 17º da réplica);

5.3 - O referido empréstimo destinou-se à construção de prédio urbano destinado a habitação, que, depois de erigido, foi submetido ao regime da propriedade horizontal, constituído pelas frações autónomas A e B, conforme escritura outorgada, em 11/07/2006 no Cartório Notarial de …, frações essas que atualmente se traduzem em habitações independentes, sendo pertença dos réus a fração B com um valor patrimonial que não foi possível apurar (artigos 3º e 22º da petição inicial);

5.4 – Consta da cláusula 2ª do “documento complementar” que “constitui parte integrante do contrato de empréstimo com hipoteca” que: “o empréstimo destina-se à construção do imóvel atrás hipotecado para habitação própria permanente da parte devedora” (artigo 7º da contestação da CGD);

5.5 – Na data de tal escritura foi liberada a primeira tranche do empréstimo, no valor de € 10.000,00, sendo que, após, foram ainda libertadas mais cinco, em 19/1/2005, 15/2/2005, 3/5/2005, 8/8/2005 e 14/7/2006, nos valores de, respetivamente, de € 10.000,00, € 5.000,00, € 25.000,00, € 30.000,00 e € 20.000,00, no valor global dos € 100.000,00 mutuados (artigo 8º da contestação da CGD);

5.6 - De tal empréstimo mantém-se em dívida a quantia de € 82.139,23, encontrando-se o mesmo a ser liquidado pela ré Z e marido, sem qualquer comparticipação dos autores (artigo 9º da contestação da CGD, artigo 6º da contestação dos réus Z e V);

5.7 – A ré Z contraiu tal empréstimo com vista a ficar proprietária de uma das frações que ali viesse a ser construída, pretendendo ali vir a residir (artigo 4º da contestação dos réus Z e V);

5.8 - Por escritura pública celebrada no dia 5 de março de 2009, no Cartório Notarial de …, os réus Z e V, aí identificados como “primeiro” outorgante, declararam vender ao autor M, casado com C, aí identificado como “segundo” outorgante, que, por sua vez, declarou comprar: “(…) a fração autónoma designada pela letra A, correspondente a casa número um composta de rés do chão, andar, destinada a habitação correspondente ao lado direito do prédio (…) de prédio urbano em regime de propriedade horizontal (…) descrito na conservatória do Registo Predial de … sob o nº quatrocentos e sessenta e um (…) inscrito na respetiva matriz sob o artigo 615 (…)”; (artigo 4º da petição inicial);

5.9 – O preço da venda mencionada no artigo anterior foi de € 65.000,00 que os primeiros outorgantes declararam: “(…) que já receberam” (artigo 5º da petição inicial, 15º da réplica);

5.10 – Em tal escritura foi ainda declarado que a referida fração autónoma era vendida “(…) livre de ónus ou encargos”, e ainda que: “(…) sobre a mesma incide uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos SA, pela inscrição Ap. cinco, de catorze de dezembro de dois mil e quatro” (artigos 6º e 7º da petição inicial e 22º da contestação apresentada pelos réus Z e V, 16º da réplica);

5.11 – Com a entrega dos € 65.000,00, os réus diligenciariam pelo cancelamento da hipoteca relativa à fração A (artigo 8º da petição inicial);

5.12 – Os autores contraíram um empréstimo bancário junto do InterBanK com sede na Holanda, país onde se encontram a trabalhar (artigo 9º da petição inicial);

5.13 – Os autores adquiriram a referida fração A na convicção de que os réus Z e V cancelariam a hipoteca, na parte em que incidia sobre a referida fração, quando lhes fosse entregue o referido montante de € 65.000,00 (artigo 10º da petição inicial);

5.14 – Tal cancelamento não foi feito (artigo 11º da petição inicial);

5.15 – Os autores são pais da ré Z (artigo 14º da petição inicial);

5.16 a 5.23 considerados não provados pelo Tribunal da Relação

5.24 – Os réus com data de 6.8.2012 outorgaram a procuração cuja cópia consta de fls 61 v, pela qual declararam constituir seu procurador o Dr. X, conferindo-lhe os poderes aí mencionados, designadamente os necessários para “(…) cancelar a hipoteca existente sobre o prédio atrás identificado e para proceder a qualquer pedido de destaque sobre o mesmo prédio”, procuração essa que foi autenticada em Cartório Notarial onde se deslocara para o efeito (artigos 17º da contestação dos réus Z e V 21º e 22º da réplica).

1. Da alteração da matéria factual efectuada pelo Tribunal da Relação.

Insurgem-se os Réus/Recorrentes quanto à forma como foi reapreciada a matéria de facto pelo Tribunal da Relação e, consequentemente, entram em discórdia com a alteração produzida na mesma.

Vejamos então.

O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do NCPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor), de 15 de Novembro de 2012 e de 24 de Fevereiro de 2015 da ora Relatora, in www.dgsi.pt.

A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 682º, nº3 do CPCivil.

Decorre do disposto no artigo 607º do CPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil.

Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados.

Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.

Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

In casu, os ora Recorrentes insurgem-se contra a alteração da matéria factual efectuada pelo Tribunal da Relação em sede de impugnação recursiva, a respeito, encetada pelos Autores.

O normativo processual a que alude o artigo 640º, nº1, alíneas a) e b) do CPCivil, aqui aplicável, dispõe o seguinte «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impunham decisão sobre pontos de matéria de facto impugnados diversa da ocorrida.».

Conforme deflui do artigo 662º, nº1 do CPCivil a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

No caso sujeito, os Recorridos impugnaram expressamente os factos julgados provados sob os n.º 5.3 e 5.16 a 5.23, defendendo que o valor probatório da escritura de compra e venda e a procuração juntas aos autos, respectivamente a fls 1 e 61 verso, impõem que os mesmos sejam julgados não provados na parte em que contrariam as declarações constantes daqueles.

Os factos em questão têm a seguinte redacção:

«5.3 - O referido empréstimo destinou-se à construção de prédio urbano destinado a habitação, que, depois de erigido, foi submetido ao regime da propriedade horizontal, constituído pelas frações autónomas A e B, conforme escritura outorgada, em 11/07/2006 no Cartório Notarial de …, frações essas que atualmente se traduzem em habitações independentes, sendo pertença dos réus a fração B com um valor patrimonial que não foi possível apurar (artigos 3º e 22º da petição inicial);

5.16 – À data em que foi celebrado o contrato mencionado em 5.1, o autor marido encontrava-se em situação económica difícil, razão pela qual pretendia não possuir quaisquer bens em seu nome (artigo 2º da contestação dos réus Z e V);

5.17 – A ré Z celebrou com os autores, seus pais, a escritura pública de compra e venda de 5 de março de 2009 confiante de que estes lhe pagariam o montante de € 65.000,00 a título de preço pela fração vendida, razão pela qual ali afirmou que já recebera tal quantia (artigos 8º e 10º da contestação dos réus Z e V);

5.18 – Porém, no dia de tal escritura, os autores não entregaram aos réus Z e marido qualquer quantia a título do preço de tal fração, informando-os que o montante ainda não estava disponível mas que nos próximos dias a situação ficaria resolvida e a quantia de € 65.000,00 seria transferida para a conta da Caixa Geral de Depósitos titulada pela ré Z (artigo 9º da contestação dos réus Z e V);

5.19 – O tempo foi passando e a referida quantia de € 65.000,00 não era entregue pelos autores aos réus, tendo a ré começado a exigir aos autores o recebimento da referida quantia, até porque continuava a pagar o empréstimo bancário sem a ajuda dos pais (artigo 11º da contestação dos réus Z e V);

5.20 – Os autores informaram a ré Z que o pagamento dos € 65.000,00 iria ser feito através de um empréstimo concedido pelo Interbank, mas ela apurou que tal empréstimo, embora tivesse sido concedido, se destinava a liquidar outros empréstimos contraídos pelos autores em instituições bancárias Holandesas, designadamente junto do Warrant Group, o Hollandse Disconto e o NVF Voorschotbank (artigos 12º e 13º da contestação da ré Z);

5.21 – Dos € 65.000,00 concedidos pelo Interbank no âmbito do empréstimo supra mencionado, € 399,61 foram depositados na conta do autor, € 3.996,00 foram transferidos para o Warrant Group, € 9.958,00 foram transferidos para o Hollandse Disconto, e € 50.646,39 foram transferidos para o NVF Voorschotbank, que constituem bancos de financiamento (artigos 14º, 32º, 38º, 39º, 40º da contestação dos réu Z e V);

5.22 – À altura dos factos, a ré era titular de uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, na qual não foi creditada a quantia de € 65.000,00 correspondente ao preço da fração adquirida pelos autores (artigo 21º da contestação apresentada pelos réus Z e V)

5.23 – Tal quantia de € 65.000,00 mencionada na escritura de 5 de março de 2009 não foi paga pelos autores (artigos 24º e 36º, 37º da contestação apresentada pelos réus Z e V)».

A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, cfr neste sentido inter alia o Ac STJ de 24 de Setembro de 2013 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.

Com efeito, embora não se tratando de um segundo julgamento, mas antes de uma reponderação, até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não basta que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, mas não limita o segundo grau de sobre tais desconformidades previamente apontadas pelas partes, se pronuncie, enunciando a sua própria convicção, não estando, de todo em todo, limitada por aquela primeira abordagem pois não podemos ignorar que no processo civil impera o principio da livre apreciação da prova, cfr artigo 607º, nº5 do CPCivil (anterior artigo 655º, nº1), cfr Ac STJ de 28 de Maio de 2009 (Relator Santos Bernardino) e de 2 de Dezembro de 2013, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt.

Os Autores, Apelantes, aqui Recorridos, no recurso interposto em segundo grau, atacaram a matéria de facto dada como assente em primeira instância, o que decorre inequivocamente das conclusões que a seguir transcrevemos:

«4 - A Meritíssima Juiz não valorizou os concretos meios probatórios constantes do processo, nomeadamente os documentos autênticos (escritura de compra e venda de 5 de março de 2009 de fls. 10 e ss. e procuração de fls 61) corroborados pelo depoimento de parte do Autor e pelas testemunhas por si arroladas que permitiam auxiliar a descoberta da verdade material e, em sentido inverso deu total credibilidade às declarações de parte dos réus/apelantes e desse modo, originou uma tomada de decisão absolutamente infundada.

5 - A fundamentação da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª Instância, não teve em conta a matéria fáctica deduzida pelos apelantes através da prova documental apresentada pelos mesmos e só se baseou exclusivamente nas declarações de parte dos rr/apelados.

6 - Existe um erro notório na apreciação da prova produzida em audiência, confirmando-se assim a existência de pontos concretos de facto que consideramos incorrectamente julgados e que impunham uma decisão diversa sobre esses pontos da matéria de facto.

7 - O raciocínio do julgador assenta numa lógica absolutamente desconforme à realidade por assentar exclusivamente nas declarações de parte dos rr/apelados apresentadas em sede de audiência de discussão e julgamento que subverteram toda a verdade material e revelaram-se contraditórias, inconsistentes e incongruentes conjugadas com as provas documentais e com os depoimentos de parte e da restante prova testemunhal.

8 - Para o efeito, deve-se proceder a uma nova reanálise ou reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, essencialmente nos pontos: 5.3 (parcialmente); 5.16; 5.17; 5.18; 5.19; 5.20; 5.21; 5.22 e 5.23, uma vez que a actual sentença padece de erro na valoração dos elementos probatórios.

9 - Na verdade, o Juíz podia e devia aplicar o seu prudente arbítrio e as regras da experiência (conforme decorre do nº 5 do art.º 607º do C. P. Civil), obtendo as informações e feito as averiguações convenientes, de forma a decidir justa e adequadamente, tudo isto com vista a que sejam julgadas com base em elementos dotados de um mínimo de consistência.

10 - Aliás, o prudente arbítrio inscreve-se na apreciação das provas pelo juiz, devendo este utilizar dados da experiência comum, às regras da experiência e ao senso comum, numa apreciação sensata e prudente, permitindo-lhe valorar a prova trazida para os autos em termos bastante mais flexíveis do que numa mera análise estrita da prova, segundo os critérios de certeza judicial.

11 - Estando em causa um documento autêntico que se mostra assinado pelo declarante é a mesma tida como verdadeira, nos termos do n.º 1 do art.º 374.º do CC.

12 - Estabelecida a autoria do documento, o seu valor probatório é o que resulta do disposto no art.º 376.º do CC.: nos termos do n.º 1 do preceito faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, encontrando-se deste modo plenamente provado que o aqui apelado declarou ter recebido a totalidade do preço fixado

13 - A confissão extrajudicial, di-lo o n.º 2 do art.º 358.º do CC, em documento autêntico ou particular - cuja autoria e genuinidade estejam estabelecidas - considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos, e se for feita à parte contrária tem força probatória plena. Daqui decorre que tal prova só cede perante a prova do contrário, consoante prescreve o art.º 347.º, vigorando no entanto as restrições que resultam do art.º 394.º do CC..

14 - A confissão, neste caso extrajudicial, está sujeita ao quadro de vícios do negócio jurídico, podendo ser nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade. Tal é a solução expressamente consagrada no n.º 1 e 2 do art.º 359.º.

15 - Em suma, porque a declaração de quitação em relação à totalidade do preço efectuada pelos rr/apelados e constante de documento notarial cuja autoria se encontra reconhecida constitui o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, tem natureza confessória (cf. art.ºs 352.º, 374.º, n.º 1 e 376.º, n.ºs 1 e 2, do CC).

16 - Tendo sido feita à parte contrária, tem força probatória plena (art.º 358.º, n.º 2 do CC), sem embargo de o declarante poder fazer prova, por qualquer meio, da falta ou vícios da vontade, nos termos do art.º 359.º do CC. Fora do âmbito deste preceito, ao apelado era ainda consentido contrariar a prova plena mediante demonstração da inverdade do facto confessado, conforme prevê o art.º 347.º do CC, estando-lhe todavia vedado o recurso à prova por testemunhas ou presunções judiciais (cfr. art.ºs 393.º, n.º 2, 394.º e 351.º do CC).

17 - Conforme se alcança da motivação elaborada pela Mm.ª juíza, a convicção alcançada no que respeita aos factos agora impugnados alicerçou-se na prova por declarações de parte produzida, não tendo sido relevados a propósito os testemunhos prestados pelas testemunhas da contraparte.

18 - Na apreciação do valor probatório do aludido documento importar reter que os RR, sem impugnarem a assinatura do mesmo, antes reconhecendo ter sido por si subscrito, pretendem, no entanto, não corresponder à verdade a declaração que dele consta no sentido de ter recebido que na ocasião declarou vender aos autores.

19 - Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (cf. art.º 352.º).

20 - A confissão extrajudicial, di-lo o n.º 2 do art.º 358.º, em documento autêntico ou particular -cuja autoria e genuinidade estejam estabelecidas - considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária, tem força probatória plena. Daqui decorre que tal prova só cede perante a prova do contrário, consoante prescreve o art.º 347.º, vigorando no entanto as restrições que resultam do art.º 394.º.

21 - Assim as restrições decorrentes do disposto nos art.ºs 393.º/2 e 394.º, interditando o recurso à prova testemunhal e também, por inerência, à prova por presunções judiciárias (cf. art.º 351.º) permitiam credibilizar o depoimento de parte do Autor e os depoimentos das testemunhas por si arroladas que foram no mesmo sentido do Autor.

22 - Sucede que, os rr/apelados. desde 2009 e até à presente data nunca contrariaram o facto confessado (assim plenamente provado) nem os mesmos invocaram, em momento algum a existência de vícios da vontade, peticionando, em via principal, a anulação da declaração confessória efectuada, tendo fracassado os rr/apelados na prova dos factos que nem sequer sustentavam quaisquer vícios nem nunca os invocou.

23 - Assim ser, a Mm.ª juíza não poderia fazer o aproveitamento da prova testemunhal (declarações de parte), admitida para prova dos factos fundantes para contrariar por este meio o facto plenamente provado por confissão.

24 - Assim sendo, a admissibilidade da produção de prova por testemunhas (declarações de parte) - e também por presunções judiciárias - dependia da existência de um princípio de prova escrita que contrariasse aquela declaração confessória, que não existe no processo e os oponentes/apelados também não invocaram. Inexistindo esta última via de abertura à prova testemunhal, a consideração de que a declaração constante do contrato, no sentido do preço ter sido integralmente recebido, constitui uma declaração confessória, obsta a que se dê como provado o contrário com base em prova testemunhal ou declarações de parte.

25 - Atento o exposto, impõe-se concluir que aos rr/apelados estava interditado o recurso à prova testemunhal/declarações de parte para fazer prova de que a quantia relativa ao preço não tinha sido paga, contrariando a sua própria declaração confessória (cf. art.ºs 393.º, n.º 2 e 394.º, n.º 1).

26 - Nesta medida, o beneficiário da declaração confessória é dispensado de provar a veracidade do seu conteúdo e, concretamente, de demonstrar, por outras vias, a efectivação do cumprimento, como forma de extinção da obrigação relativa ao pagamento.

27 - A prova da eventual inveracidade da declaração, ou seja, de que, apesar do teor do que ficou exarado na escritura, o preço pago, poderia ser feita pelo confitente no âmbito de uma acção em que seja invocada a nulidade ou anulabilidade da confissão o que não fez durante cerca de 8 anos.

28 - Em suma, porque a declaração de pagamento em relação à totalidade do preço efectuada pelos rr/apelados e constante de documento autêntico constitui o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, tem natureza confessória (cf. art.ºs 352.º, 374.º, n.º 1 e 376.º, n.ºs 1 e 2).

29 - Tendo sido feita à parte contrária, tem força probatória plena (art.º 358.º, n.º 2), sem embargo de o declarante poder fazer prova, por qualquer meio, da falta ou vícios da vontade, nos termos do art.º 359.º, estando-lhe todavia vedado o recurso à prova por testemunhas ou presunções judiciais (cfr. art.ºs 393.º, n.º 2, 394.º e 351.º).

30 - Resulta que com fundamento na prova por declarações de parte não poderia a Mm.º juíza ter dado por assente quanto consta dos impugnados factos, que nada têm a ver com quaisquer vícios invocados.

31 - Dir-se-á ainda, complementarmente, que da audição da prova produzida, estando em causa as declarações de parte dos apelados, não se vê que as declarações destes dois, credibilizadas pela Mm.ª juíza, tenham assumido consistência bastante para infirmar a declaração vertida no documento.».

Ora, em apreciação da impugnação assim efectuada, o Acórdão recorrido fundou a sua decisão no seguinte raciocínio:

«[E]m contrato de compra e venda de uma fração predial, celebrado pelos Réus Z e V (na posição de vendedores) e pelo Autor M (na posição de comprador), através de escritura pública, consta que os primeiros, nesse acto, declararam que já haviam recebido o preço de € 65.000,00.

A decisão recorrida, no entanto, considerou provado que ré Z celebrou com os autores, seus pais, a escritura pública de compra e venda de 5 de março de 2009 confiante de que estes lhe pagariam o montante de € 65.000,00 a título de preço pela fração vendida, razão pela qual ali afirmou que já recebera tal quantia, mas que no dia de tal escritura, os autores não entregaram aos réus Z e marido qualquer quantia a título do preço de tal fração, informando-os que o montante ainda não estava disponível mas que nos próximos dias a situação ficaria resolvida e a quantia de € 65.000,00 seria transferida para a conta da Caixa Geral de Depósitos titulada pela ré Z.

Os Autores, nas suas alegações de recurso, invocam que a declaração dos Réus em escritura pública que já haviam recebido o preço acordado, constitui uma confissão extrajudicial dirigida à parte contrária, pelo que tem força probatória plena, não podendo a prova do contrário ser obtida através da valoração do depoimento de parte dos próprios Réus, uma vez que é proibida a prova do contrário daquela declaração confessória através de depoimentos testemunhais e presunções.

A escritura pública de compra e venda constitui um documento autêntico – art.º 369º do C. Civil -, cujo valor probatório se encontra fixado pelo art.º 371º do C. Civil, preceito do qual resulta a atribuição de força probatória plena a factos relatados pela autoridade ou agente público com funções de atestação, mas apenas na medida em que sejam percepcionados pela entidade documentadora.

Aplicado tal preceito ao caso concreto, a referida escritura pública faz prova plena de que foi declarado pelos Réus vendedores naquele acto que receberam o preço de € 65.000,00 pela venda da fracção predial em causa.

Isso não significa que a certificação dessa declaração confira força probatória plena à veracidade da aludida declaração, diversamente do que ocorreria se acaso tivesse ficado registado que a compradora efectuara, nessa ocasião, a entrega ao cedente daquela quantia, sendo tal facto directamente percepcionado pelo Notário que presidia ao acto.

Contudo, a força probatória plena emergente de um documento exarado pelo Notário não corresponde apenas aos factos que o mesmo presenciou e que fez constar da escritura, podendo envolver, noutra perspetiva, a valoração de declarações a que seja atribuído valor confessório. Na verdade, uma declaração feita por alguma das partes à contraparte que envolva o reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a parte contrária é qualificada como declaração confessória, nos termos e para os efeitos dos artigos 352º e 358º, nº 2, do C. Civil.

É precisamente o que ocorre com a declaração que foi inserida na escritura de compra e venda reportada ao recebimento do preço, com o significado de quitação, nos termos do art.º 787º do C. Civil. Com essa declaração, os Réus admitiram perante o Autor que o pagamento do preço de aquisição por este havia ocorrido, pelo que reconheceram um facto que, simultaneamente, lhes era desfavorável e favorável aos Autores. Nesta estrita medida, tal declaração, registada em escritura pública, encontra-se revestida de força probatória plena, com o significado e efeito que naturalmente dela emerge, ou seja, implicando o reconhecimento pelos Réus de que receberam a totalidade do preço.

Porém, o valor dessa declaração confessória pode ser posto em causa pelo confitente mediante a prova da verificação de uma situação de falta ou vício da vontade na emissão dessa declaração, nos termos do art.º 359º do C. Civil, o que, conjuntamente com a demonstração da inveracidade do facto declarado, conduzirá ao reconhecimento da nulidade dessa declaração ou à sua anulação.

A correspondente alegação da existência desses vícios e da inveracidade do declarado pode ser feita na própria acção onde essa declaração confessória foi invocada (excepção probatória inominada) , não existindo, salvo no que toca aos vícios da simulação e da reserva mental - artigos 394,º n.º 2, 351º e 244º, n.º 2, todos do C. Civil , limitações à utilização de qualquer meio de prova  .

Note-se que o confitente não pode infirmar a força probatória da confissão com a simples prova que o facto confessado extrajudicialmente não corresponde à verdade, apesar do art.º 347º do C. Civil dispor que a prova legal plena pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. Isto porque a parte final deste preceito salvaguarda a possibilidade de existirem outras restrições especialmente previstas na lei. E uma dessas restrições especialmente previstas é precisamente a prova que resulta de uma declaração confessória. Esta só pode ser derrubada pelo reconhecimento da nulidade ou pela anulação judicial da confissão, por falta ou vícios da vontade, conforme prevê o art.º 359º do C. Civil  , o que inclui, necessariamente, a prova do contrário do que foi declarado  .

Os Réus confitentes, na contestação alegaram os seguintes factos:

- A Ré Z celebrou com os autores, seus pais, a escritura pública de compra e venda de 5 de Março de 2009 confiante de que estes lhe pagariam o montante de € 65.000,00 a título de preço pela fracção vendida, razão pela qual ali afirmou que já recebera tal quantia (artigos 8º e 10º da contestação);

- Porém, no dia de tal escritura, os autores não entregaram aos réus Z e marido qualquer quantia a título do preço de tal fracção, informando-os que o montante ainda não estava disponível mas que nos próximos dias a situação ficaria resolvida e a quantia de € 65.000,00 seria transferida para a conta da Caixa Geral de Depósitos titulada pela ré Z (artigo 9º da contestação);

– O tempo foi passando e a referida quantia de € 65.000,00 não era entregue pelos autores aos réus, tendo a ré começado a exigir aos autores o recebimento da referida quantia, até porque continuava a pagar o empréstimo bancário sem a ajuda dos pais (artigo 11º da contestação);

– Os autores informaram a ré Z que o pagamento dos € 65.000,00 iria ser feito através de um empréstimo concedido pelo Interbank, mas ela apurou que tal empréstimo, embora tivesse sido concedido, se destinava a liquidar outros empréstimos contraídos pelos autores em instituições bancárias Holandesas, designadamente junto do Warrant Group, o Hollandse Disconto e o NVF Voorschotbank (artigos 12º e 13º da contestação);

– Dos € 65.000,00 concedidos pelo Interbank no âmbito do empréstimo supra mencionado, € 399,61 foram depositados na conta do autor, € 3.996,00 foram transferidos para o Warrant Group, € 9.958,00 foram transferidos para o Hollandse Disconto, e € 50.646,39 foram transferidos para o NVF Voorschotbank, que constituem bancos de financiamento (artigos 14º, 32º, 38º, 39º, 40º da contestação);

– À altura dos factos, a ré era titular de uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, na qual não foi creditada a quantia de € 65.000,00 correspondente ao preço da fração adquirida pelos autores (artigo 21º da contestação).

– Tal quantia de € 65.000,00 mencionada na escritura de 5 de março de 2009 não foi paga pelos Autores (artigos 24º e 36º, 37º da contestação).

A alegação de que os Réus, no acto da outorga do contrato de compra e venda, apenas declararam que já haviam recebido o preço acordado porque o comprador (pais e sogro dos Réus), os informou que o montante ainda não estava disponível mas que nos próximos dias a situação ficaria resolvida e a quantia de € 65.000,00 seria transferida para a conta da Caixa Geral de Depósitos titulada pela ré Z, tendo aqueles confiado na veracidade dessa informação, acompanhada da alegação que nunca o Autor lhes pagou tal quantia, configura um caso de erro essencial sobre as bases da declaração de recebimento, o qual determina a anulabilidade desta, nos termos do artigo 252º, n.º 2, do C. Civil, não sendo aqui exigíveis os demais requisitos da relevância deste tipo de erro que remetem para o disposto no artigo 437º do C. Civil, atenta a dispensa pelo artigo 359º, n.º 2, do C. Civil, desses pressupostos.

A alegação pelos Réus na contestação apresentada da falsidade daquela declaração de recebimento do preço, tacitamente, resulta numa manifestação de uma vontade de anulação da mesma, enquanto declaração confessória, pelo que não estava o tribunal impedido de valorar livremente todos os meios de prova produzidos relativamente à alegação dos factos que revelavam que os Réus tinham agido em erro ao declararem o recebimento do preço, assim como à alegação de que o preço nunca foi pago, tal como não está o tribunal de recurso de reavaliar essa prova, face à impugnação pelos Réus, neste recurso do julgamento da matéria de facto, nesse tema, o que vai passar a fazer.

Dos depoimentos prestados pelo Autor e pelos Réus conjugados com o documento que constitui fls. 16 a 20, fls. 61 verso, 64 e 65 não ficamos convencidos da versão dos Réus sobre os factos em causa.

Assim, nada aponta nos aludidos meios de prova que o empréstimo que a Ré contraiu junto da C. G. D. destinou-se à construção de prédio urbano destinado a habitação, que, depois de erigido, foi submetido ao regime da propriedade horizontal, constituído pelas frações autónomas A e B, conforme escritura outorgada, em 11/07/2006 no Cartório Notarial de …, frações essas que atualmente se traduzem em habitações independentes, sendo pertença dos réus a fração B com um valor patrimonial que não foi possível apurar, porquanto nessa data já a fracção B se encontrava em construção, conforme resulta dos depoimentos do Autor e da Ré, bem como das testemunhas M A e M B.

Também nenhuma prova foi produzida que permitisse concluir que na data em que a Ré constituiu o mútuo com a hipoteca o Autor se encontrasse em situação económica difícil, razão pela qual não pretendia possuir quaisquer bens económicos me seu nome. Somente a Ré no seu depoimento que foi muito apaixonado e prestado de uma forma quase dramática aludiu a tal situação, não merecendo, no entanto qualquer credibilidade uma vez que ao longo do mesmo é notória a preocupação de manter um discurso de filha vitimizada que não é compatível com a realidade espelhada nomeadamente no facto dos pais terem sido os seus fiadores no empréstimo contraído quando ainda tinha 21 anos de idade.

Quanto à situação de erro da Ré na declaração de que tinha recebido os € 65.000,00 a prova não permite essa conclusão. A Ré declara que o preço não lhe foi pago nem na data da escritura, resultando, no entanto do depoimento do seu pai, depoimento que apesar de atabalhoado se mostrou mais conforme com a normalidade das coisas, resulta que antes dessa data e ainda na Holanda o pai entregou-lhe € 35.000,00 tendo-lhe dado o resto na data da escritura.

Os Autores, segundo o seu depoimento contraíram um empréstimo na Holanda, junto do Interbank, para o pagamento daquela quantia, versão que é corroborada pelo documento de fls. 64 e 65 do qual se extrai que esse montante lhes foi disponibilizado em 20 de Janeiro de 2009. Não resulta desse documento que o empréstimo contraído pelos Autores junto do Interbank se tenha destinado a outros pagamentos, pois do mesmo só consta que o Cliente autorizou o Mutante a fazer os pagamentos ali mencionados, nada apontando que se trate de pagamentos a credores.

Da procuração outorgada pelos Réus em 6.8.2012 e constante do verso de fls. 61 tudo aponta no sentido de que os Autores nada lhes deviam pois de outro modo não se justificaria que a mesma permitisse, sem qualquer condição o cancelamento da hipoteca e um eventual pedido de destaque da parcela onde se encontra implantada a casa dos Autores.

Assim, face à ausência de prova com a certeza necessária devem ser julgados não provados os factos impugnados.».

Nestas precisas circunstâncias literais, não pode, pois, este Supremo Tribunal de Justiça, exercer qualquer fiscalização sobre aqueles factos, porquanto não se vislumbra que tenha havido a violação do dispositivo legal a que alude o artigo 674º, nº3 do CPCivil, maxime, que o segundo grau tenha preterido alguma disposição expressa da Lei que impusesse um determinado meio de prova, taxado portanto, para algum dos factos controvertidos que ali foram reponderados e alterados se mostram, asserção esta, que nem sequer foi aduzida em sede de alegatório recursivo pelos Réus, os quais se limitaram, neste ponto, a tecer considerações sobre a irregular segunda reapreciação de prova que foi feita, na sua opinião, quando a apontada irregularidade, constitui hoje em dia, mais do que um ónus, um poder/dever imposto pela amplitude do preceituado no artigo 662º, nº1 e 2 do CPCivil, sendo de realçar, neste preciso conspectu, que o nº4 do apontado normativo nem sequer permite recurso autónomo das decisões de segundo grau que alterem a matéria de facto, ordenem a renovação dos meios de prova, ou a fundamentação quanto a eles produzida e/ou anulem a decisão fáctica por deficiência/obscuridade e/ou contradição.

De outra banda, sempre se adianta que o segundo grau fundamentou devidamente a alteração efectuada, cumprindo desta sorte, de pleno, a função de reponderação que sobre si impendia de harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do CPCivil, tendo exercido as suas plenas competências na reapreciação da materialidade factual posta em causa pela Recorrente, através de uma análise crítica dos depoimentos prestados acerca da mesma, conjugados com os elementos documentais, tendo concluído, que se lhe afigurava incorrectamente julgada, tendo-a alterado em consequência de tal apreciação crítica.

Esta conclusão a que se chegou no Aresto recorrido é coisa diversa daquela que os Recorrentes defendem quando apontam que ali se sustenta a interpretação no sentido de que o segundo grau apenas pode alterar a decisão da matéria de facto, quando esta enferme de erro, erro grosseiro ou manifesto, claudicando, desta sorte as conclusões de recurso neste conspectu.

2. Do pretenso conhecimento indevido pelo segundo grau, do recurso de Apelação interposto pelos Autores.

Pretendem ainda os Réus/Recorrentes por em causa a decisão plasmada no Aresto impugnado, porquanto entendem que os Autores, então Apelantes e aqui Recorridos, no recurso de Apelação então interposto não observaram o ónus de identificar os pontos de facto que consideravam mal julgados, limitando-se a indicar os depoimentos prestados e a listar os documentos, sem fazer a indispensável referência aqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado, sendo que a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela alínea a) do nº 2 do artigo 640º, daí que a Relação ao aceitar um recurso que não cumpre o ónus previsto no artigo 640º, nº 2 alínea a) do Código de Processo Civil está a aplicar erradamente a lei de processo e por conseguinte poderá a parte recorrer, através de um recurso de Revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 674° n.° 1 alínea a) do C PCivil, tendo os Réus, ora Recorrentes, legitimidade para o presente recurso, pois os Autores, no seu recurso não cumpriram com o ónus previsto no artigo 640° n.° 2 alínea a) e b) do CPCivil.

Os Recorridos, Recorrentes na Apelação, indicaram naquele seu recurso, para além dos pontos de facto que no seu entender mereceriam resposta diversa como supra se extractou, como também quais os elementos de prova que no seu entendimento levariam à alteração proposta, tendo inclusivamente feito transcrever as declarações do Autor, da Ré Z e das testemunhas J e E, como decorre de fls 175 a 220.

Isto é, o que os Réus, aqui Recorrentes, ora apontam como omissão do integrante do preceituado no artigo 640º, nº1, alíneas a) e b) do CPCivil, por forma a por em causa a reanálise efectuada pelo Tribunal recorrido, mostra-se perfeitamente consonante com os requisitos objectivados por aquele normativo, pois tem sido entendimento deste STJ, neste preciso conspectu, que se deverá ter como cumprida a exigência ali formulada, quando a parte indica o depoimento, identifica a pessoa que o prestou e assinala os pontos de facto que se pretendem ver reapreciados, elementos estes que na espécie foram observados, cfr neste sentido os Ac STJ de 22 de Fevereiro de 2010 (Relator Fonseca Ramos), de 29 de Novembro de 2011 (Relator Alves Velho), de 4 de Abril de 2013 (Relator Moreira Alves), de 2 de Dezembro de 2013 e de 7 de Junho de 2016, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt; de 9 Julho de 2015 (Relator Júlio Gomes), de 10 de Dezembro de 2015 (Relator José Rainho aqui segundo Adjunto), de 19 de Janeiro de 2016 (Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto) in SASTJ, site do STJ.

Acresce ainda a circunstância de os ora Recorrentes em sede de contra alegações no âmbito do recurso de Apelação nunca terem alvitrado a hipótese aqui gizada e delineada de que o recurso não seria admissível e/ou susceptível de ser conhecido por falha na sua interposição, devido a uma eventual violação do preceituado no artigo 640º do CPCivil, o que a ser suscitado agora ex novo, configura uma situação extravagante, já que a matéria em causa não foi abordada naquela sede e destinando-se os recursos a reapreciar as questões concretamente abordadas pela decisão recorrida, que as partes entendam ter sido mal decididas, excedem o seu âmbito o conhecimento de quaisquer outras questões, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.

Soçobram assim todas as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão plasmada no Acórdão impugnado.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2019

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho