Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1146/17.1T8BGC.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: TESTAMENTO
CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA
INCAPACIDADE
DOCUMENTO AUTÊNTICO
ÓNUS DA PROVA
FACTO CONSTITUTIVO
FACTO EXTINTIVO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA / PRESUNÇÕES / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS AUTÊNTICOS / FORÇA PROBATÓRIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Galvão Teles, Revista dos Tribunais, Ano 72, p. 268.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 351.º E 371.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 672.º, N.º 3 E 674.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 377/09.2TBACB.L1.S1;
- DE 08-03-2018, PROCESSO N.º 2170/13.9TVLSB.L1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Na medida em que os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador (art. 371º, nº 1, in fine, do CC), ao dar como provada a incapacidade do testador no momento da outorga de testamento outorgado perante notário, com a consequente anulação do mesmo, não incorreram as instâncias em violação da norma de direito probatório (art. 371º, nº 1, primeira parte, do CC) que atribui força probatória plena aos documentos autênticos.

II. O respeito pelas regras de distribuição do ónus da prova entre a parte que impugna a validade do testamento e a parte que defende essa validade é uma questão de direito que cabe dentro das competências do STJ (cfr. art. 674º, nº 1, do CPC), enquanto o juízo probatório - mediante uso de simples presunções judiciais (cfr. art. 351º do CC) - acerca da situação de incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, constitui matéria de facto não sindicável em sede de revista, nos termos do nº 3 do art. 674º do CPC, salvo nas hipóteses excepcionais previstas na parte final desta norma. Apenas admite a jurisprudência deste Supremo Tribunal, ainda que não unanimemente, que seja sindicável a ilogicidade manifesta no uso das referidas presunções judiciais.

III. No caso dos autos, o juízo probatório acerca da verificação da situação de incapacidade do testador aquando da outorga do testamento não padece de qualquer ilogicidade, manifesta ou não, pelo que não merece censura.

IV. Ao entender que aos autores cabia fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado (a incapacidade do testador no acto de testar) e à ré cabia fazer a prova dos factos extintivos do direito invocado (encontrar-se o testador, no momento da outorga do testamento, num “intervalo lúcido” do seu estado de demência), respeitou a Relação os princípios normativos relativos à distribuição do ónus da prova consagrados no art. 342º, nºs 1 e 2, do CC.

V. Tendo a Formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC considerado verificados os pressupostos de admissibilidade da revista, por via excepcional, não poderá censurar-se a decisão de interposição do recurso para efeitos de condenação da recorrente como litigante de má-fé.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA, BB e CC instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra DD, peticionando, a título principal, a declaração de inexistência do testamento lavrado pelo pai dos demandantes, EE, no dia 10 de Maio de 2017 no Cartório Notarial de …, testamento esse mediante o qual o testador instituiu a demandada como única herdeira da quota disponível; ou, a título subsidiário, a declaração de nulidade do testamento; e subsidiariamente, a sua anulação.

Alegaram para o efeito que, nos últimos anos, a R., outrora contratada para trabalhar como empregada doméstica em casa do falecido pai dos AA. – aproveitando-se da idade avançada do aludido testador, EE, já com 101 anos de idade em Maio de 2017, bem como aproveitando-se da incapacidade do mesmo testador para reger a sua pessoa e do ascendente que, por esse motivo, a R. ganhou sobre ele – começou a gerir o património, não só do referido EE, mas também da falecida esposa deste, fazendo uso da circunstância de o testador se encontrar fisicamente dependente da demandada que o alimentava, vestia e tratava.

Mais alegaram os AA. que tal incapacidade do testador de reger a sua pessoa e bens se verificava desde 2011, uma vez que, desde aquele ano e depois de ter estado internado nos cuidados paliativos do Hospital de … em 2010, o EE não se conseguia locomover, não tinha força física para se levantar da cama pelo seu próprio pé, não se conseguia alimentar pelos próprios meios, nem articular palavras, revelando perda de memória significativa ao ponto de não reconhecer os filhos, tudo circunstâncias que a R. bem conhecia, pois que vivia com o testador e cuidava do mesmo.

Referiram ainda os AA. ter tal condição clínica do testador sido atestada, em Janeiro de 2017, aquando da citação deste no processo de interdição que correu termos sob o nº 87/17.7T8BGC no Juízo Local Cível de …, altura em que a própria R. teria dito à funcionária, responsável por tal acto, que o EE “não tinha condições para tratar dos seus assuntos”, o que não impediu a demandada de, aproveitando-se de uma procuração que logrou obter do testador, proceder ao levantamento de várias quantias pertencentes ao referido EE e à herança da falecida esposa deste, tal como referido nos artigos 60º a 65º da petição inicial, o que inclusivamente conduziu o Juízo Central de … a proceder ao arrolamento dos bens da herança da falecida esposa do testador.

Declararam igualmente os AA. que, também no âmbito do aludido processo de interdição do testador, a incapacidade deste de reger a sua pessoa e bens foi declarada no relatório pericial elaborado pelo perito do Instituto Nacional de Medicina Legal, não existindo pois dúvidas de que a R. estava bem ciente da referida incapacidade por parte do testador e que tal incapacidade era de facto manifesta a partir de 2011 e, ainda mais, no decurso do ano de 2017.

Foi neste contexto que, em 10 de Maio de 2017, a R. conduziu o pai dos AA. ao Cartório Notarial de …, tirando-o de casa à força e obrigando-o a fazer tal deslocação, a fim de outorgar testamento no sentido de deixar à R. a respectiva quota disponível, para o que a demandada, sabendo da incapacidade mental e física do testador, obteve a colaboração de dois médicos psiquiatras contratados pela mandatária daquela, os quais, sem realizarem quaisquer testes ou exames, atestaram de forma fraudulenta a sanidade física e mental do aludido EE, permitindo desta forma a outorga do aludido acto jurídico, o qual, em função do exposto, sempre teria de ser considerado inexistente ou, pelo menos, nulo ou anulável.

Concluíram nesse sentido os AA. que o testamento outorgado pelo seu pai em 10 de Maio de 2017, atenta a demência crónica e irreversível de que o testador padecia aquando da celebração do negócio e consequente incapacidade para formar e manifestar qualquer vontade negocial, seria inexistente nos termos do artigo 246º do Código Civil; ou, pelo menos, nulo nos termos do artigo 2180º e ainda dos artigos 2186º, 2189º e 2190º do mesmo diploma; ou ainda anulável ao abrigo do disposto no artigo 2199º do mesmo Código, devendo ainda ter-se em conta o facto de o testador ter sido interdito de forma provisória antes de falecer (cfr. artigo 149º do CC).

Regularmente citada, veio a R. deduzir contestação, alegando, em síntese, que o testador vivia em união de facto com a R. há pelo menos vinte e cinco anos aquando do casamento celebrado por ambos em 4 de Maio de 2017, situação essa que, atenta a referida relação afectiva entre ambos, também teria justificado a outorga do testamento em causa nos autos em 10 de Maio de 2017.

Mais alegou a R. que, nos últimos anos da sua vida, o testador sempre foi bem tratado e cuidado pela demandada, o que, de resto, se demonstraria pelo facto de nunca os filhos do aludido EE terem tomado quaisquer providências no sentido de o retirar dos cuidados da R., sendo certo que o testamento outorgado correspondeu à última vontade do testador, vontade essa lúcida e adequadamente manifestada como, de resto, atestado pelo médico psiquiatra subscritor de relatório junto como doc. nº 5 da contestação e, sobretudo, pelos médicos psiquiatras que atestaram a sanidade mental daquele aquando da outorga de tal acto.

Finalmente referiu a R. que o facto de ter sido proferida sentença em procedimento cautelar, nos termos da qual se concluiu pela incapacidade física e mental do testador aquando da celebração do casamento com a R. em 4 de Maio de 2017, não tinha qualquer relevância para o caso dos autos, uma vez que tal sentença não produziria qualquer efeito de caso julgado sobre a decisão a proferir neste processo.

Concluiu a R. pela improcedência da acção e, em conformidade, pela absolvição do pedido.

Antes ainda de ser realizada a audiência prévia, vieram os AA. apresentar articulado superveniente (de fls. 129 e segs.), no qual alegaram, em síntese, que, já depois de instaurada a presente acção (em 8 de Setembro de 2017) foi, em 17 de Novembro do mesmo ano, proferida decisão no âmbito do processo de interdição do entretanto falecido testador, decisão essa nos termos da qual se consideraram verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica do EE, interdição essa que, não fora o falecimento deste, seria de decretar, fixando-se o começo da incapacidade do aludido testador em 29/10/2011, ou seja, em data muito anterior à data de outorga do testamento.

Mais alegaram os AA. no referido articulado superveniente que, em função do exposto, o testamento outorgado pelo EE, teria de ser considerado anulável nos termos do artigo 149º do CC.

Depois de admitido liminarmente tal articulado superveniente, respondeu a R. (a fls. 143) alegando, em síntese, que a data relevante para se aferir da capacidade ou incapacidade para testar da parte do falecido EE seria a data do testamento, sendo pois indiferente a data da incapacidade referida na decisão proferida no aludido proc. nº 87/17.7T8BGC.

A fls. 152 foi definitivamente admitido o articulado superveniente.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e, seguidamente, foi proferida sentença com a seguinte decisão:

“Pelo exposto, decide o Tribunal:

I. Absolver a Ré dos pedidos deduzidos pelos Autores sob os nº1 e 2 do Petitório incluído na Petição Inicial a fls. 18v.

II. Julgar procedente o pedido subsidiário deduzido pelos Autores sob o nº3 do Petitório incluído na Petição Inicial a fls. 18v. e, consequentemente, anular o testamento outorgado por EE, falecido pai dos Autores, no dia 10 de Maio de 2017 no Cartório Notarial de …, testamento esse mediante o qual a Ré foi instituída única herdeira da quota disponível do aludido testador.

III. Condenar as partes em custas na proporção do respectivo decaimento, o qual se fixa em 1/3, para os Autores, e 2/3, para a Ré.”

Inconformada, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Os AA. interpuseram recuso subordinado e apresentaram pedido de ampliação do recurso.

Por acórdão de fls. 371 os recursos foram julgados improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida com fundamentação essencialmente idêntica.

2. Interpôs a R. recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por via excepcional, o qual foi admitido por acórdão de fls. 468 da Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do Código de Processo Civil.

3. Quanto ao objecto do recurso formulou a Recorrente as seguintes conclusões:

“A) A Recorrente não se conforma com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que julgando totalmente improcedente a apelação interposta, confirmou a decisão recorrida que anulou o testamento outorgado em 10 de maio de 2017, na medida em que, entre o mais entre o mais, considerou que, “(...) III - Nessas situações, incumbirá a quem argui um desvio a um padrão de normalidade, a demonstração da verificação in casu dos factos atípicos, ou seja, incumbirá a quem pretende manter os efeitos do ato demonstrar a existência de uma “janela de lucidez”.

B) Apelamos à apreciação desse alto Tribunal em três questões basilares, como sejam: a) capacidade testamentária; b) saber se recai sobre a Recorrente o ónus da prova; e c) saber se um testamento outorgado perante um Oficial Público, é presunção legal e suficiente de como aquele ato é dotado de validade e eficácia

C) Para falarmos da questão de fundo somos obrigados a fazer referência à capacidade jurídica, mormente, à capacidade testamentária, e como decorre da letra da lei, o princípio geral sobre capacidade de outorga de testamentos, diz-nos que “Podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer”. Esta é a regra.

D) No caso dos autos não podemos aqui aceitar falar-se de interdição porque o testador não estava interdito aquando da outorga do testamento, vindo, todavia, a ser declarado interdito provisoriamente com data provável.

E) Ora, presume-se que todos os atos serão anuláveis, tendo, contudo, o interessado na anulabilidade do ato em questão o ónus da prova.

F) É jurisprudência dominante que, qualquer pessoa portadora de anomalia psíquica determinante da sua capacidade para gerir a sua pessoa e bens, ainda não declarada interdita, pode testar validamente num intervalo de lucidez.

G) No caso sub judicie, o testador não chegou a ser declarado interdito definitivo, apenas e tão só provisoriamente, o que nos remete para o regime jurídico aplicável aos portadores de anomalia psíquica.

H) Havendo então capacidade testamentária, o testamento só poderá ser anulado, se e quando se verifique a chamada incapacidade acidental, e para que se verifique a falta de capacidade é necessário a falta de entendimento por parte do testador.

I) De acordo com a lei, “A capacidade do testador determina-se pela data do testamento.”, e porque tal premissa é pilar basilar do objeto em questão, não pode o Tribunal a quo, atender a momentos anteriores e posteriores ao da outorga do aludido testamento, até porque é esse o entendimento perfilhado pela nossa doutrina e tribunais superiores.

J) De facto, ambas as instâncias valoraram, momentos que não são atendíveis quando falamos de capacidade testamentária.

K) A capacidade do testador se determina pela data do testamento, pois tratando-se de um negócio unilateral não reptício, fica perfeito no momento da manifestação de vontade. Tal foi a exigência do legislador quando regulamentou tal regime, pois estamos perante um ato que é imperativo que se faça pessoalmente, não podendo por isso ficar dependente do libre arbítrio de outrem.

L) De acordo com um Acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “Para efeito de poder testar, entende-se que esta em perfeito juízo aquele que, embora afetado de deficiência cerebral ou mental, mostre claramente possuir a necessária capacidade para querer e entender o alcance do seu ato.”

M) É jurisprudência maioritária, que "(...) A sentença de interdição (...), que fixou o início da incapacidade em 1.09.1991, apenas constitui um princípio de prova favorável à incapacidade da autoras do testamento na data em que o praticou, (30/07/1992, não dispensado o A. de fazer a completa prova dessa incapacidade em tal data, já que sobre ele impende o respetivo ónus probatório. A declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade constitui apenas uma mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência (...), da incapacidade da interdita na data da celebração da escritura de compra e venda, mas não mais do que isso.”

N) Entendeu-se também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que: "(...) A declaração na sentença da data do começo da incapacidade assume valor meramente indiciário, não de uma presunção judicial (...).

O) Sendo então a sentença de interdição meramente declaratória, ela só projeta os seus efeitos para o futuro, e neste sentido foi já proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães: “ (...) Ainda que o testamento tenha sido outorgado no período que vai desde a data fixada na sentença de interdição como sendo a do começo da incapacidade até à data daquela, tal declaração apenas constitui um princípio de prova (presunção simples ou de experiência) no sentido da incapacidade do testador favorável ao interessado na sua invalidade, não entanto este dispensado de completar a prova da incapacidade real.”

P) Nenhum dos requisitos do nº 1 do artigo 149º do C. Civil está cumprido, de tal forma que se possa anular o testamento.

Q) No que ao ónus da prova respeita, particularizou o legislador que, o ónus da prova dos factos que revelem uma efetiva situação de incapacidade por parte do testador aquando da outorga do testamento recai aqui sobre os interessados na anulação do testamento.

R) Entendeu o Tribunal a quo que, "(...) III - Nessas situações, incumbirá a quem argui um desvio a um padrão de normalidade, a demonstração da verificação in casu dos factos atípicos, ou seja, incumbirá a quem pretende manter os efeitos do ato demonstrar a existência de uma “janela de lucidez”.”

S) Deveria o Tribunal a quo ter partido do princípio de que “A capacidade do testador determina-se pela data do testamento.”

T) Saber se o testador se encontrava ou não capaz de entender o sentido da sua declaração é, em certa medida, uma conclusão jurídica que deve ser extraída dos factos apurados, mas os factos a que se deve atender para se chegar a tal conclusão jurídica são aqueles a que a lei faz referência, mormente, deve atender-se aqui ao momento da outorga do testamento.

U) O raciocínio perfilhado pelo Tribunal a quo seria perfeito se não estivéssemos a tratar de uma matéria tão peculiar e para a qual o legislador foi tão restrito, na medida em que é claro ao dizer a quem incumbe o ónus da prova.

V) Todavia aceitar tal entendimento é quebrar a segurança jurídica, pois que, se assim fosse, segurança nenhuma teria o cidadão perante tal incerteza no que toca ao ónus da prova.

W) Se não se circunscrever o julgador aos factos provados no que respeita às exigências legais, como seja, ao momento da outorga do testamento, entramos no campo do libre arbítrio, e não foi essa a intenção do legislador aquando da criação da norma.

X) Não podemos aceitar falar-se em presunções judiciais, que beneficiam aqueles que têm o ónus da prova, quando é vasta a jurisprudência que diz, e bem, que o ónus da prova, neste tipo de ações, cabe ao interessado na anulação.

Y) Com todo o devido respeito, parece que os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, fizeram uma errada interpretação da norma e consequentemente, fundamentam todo o Acórdão com base numa ideia não só errada, como contrária à lei, à jurisprudência e até mesmo contrária à doutrina.

Z) Refere-se também o douto Acórdão, como tentativa frustrada de alicerçar tal raciocínio "(...) o apelo à regra id quod plerum accidit, segundo a qual “o que é evidente não necessita de demostração, pelo que “incumbirá a quem argui um desvio a um padrão de normalidade, a demonstração da verificação in caso dos factos atípicos (...) o que aponta para a necessidade de produção de prova em contrário”.

AA) Não podíamos estar mais em desacordo, mas se ainda assim quisermos apelar à supra aludida regra, questionamos-mos se não será normal, razoável e humanamente aceitável que o testador quisesse, como quis, deixar a sua quota-disponível a quem dele cuidou por mais de trinta anos.

BB) Trata-se de uma disposição pós-morte, de algo que é pensado por todo e qualquer ser humano que tenha património. Qualquer um de nós, independentemente da idade e do seu estado cognitivo, sabe do que se trata quando de testamentos se fala, logo, se não é natural que o testador quisesse dispor do seu património, nos termos em que o fez, então o que é?

CC) Claro que aqui se trata da questão da prova, mas claramente provou a Recorrente que o testador se encontrava lúcido e com uma vontade livre e esclarecida aquando da outorga do testamento, embora assim o não tivessem entendido as Instância anteriores, com base no princípio da livre apreciação da prova.

DD) Mas será que tal princípio, não deve hoje permitir que se veja mais do que aquilo que os factos demostram? Porque se nos permite fundamentar posições, também nos deveria permitir vestir a pele de um cidadão comum, e analisar a realidade com base naquilo que são os costumes, o bom senso, aquilo que é aceite como prática normal pelo povo.

EE) Que segurança e confiança jurídica se transmite ao cidadão comum quando Acórdãos destes são proferidos?

FF) Onde fica a obrigatoriedade de o julgador fazer cumprir a lei, quando ele próprio inverte a letra e o espírito da lei?

GG) Pois estamos aqui perante uma afronta àquilo que previamente se anuiu, na medida em que, está o julgador a abalar a segurança jurídica e a proteção da confiança dos cidadãos, enquanto direitos constitucionalmente consagrados.

HH) Que se assumem como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas, a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.

II) Tais princípios constitucionais foram claramente violados por parte do Tribunal a quo quando altera o sentido da norma, no que respeita ao ónus da prova, pelo que está o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães em contradição com a lei e com a Constituição da República Portuguesa, e por tal é inconstitucional quanto a esta parte.

JJ) Dizer como se diz no douto Acórdão que não demostrou a Recorrente a existência de janelas de lucidez por parte do testador é querer tirar a “venda para os olhos” à justiça que se quer cega, pois juntou a Recorrente em tempo, procurações e outros documentos que em momento algum foram impugnados, e demostram claramente as aludidas “janelas de lucidez”.

KK) Até porque, nunca o testamento foi impugnado pelos Recorridos, e é grave quando tal não é valorado pelo julgador, e talvez por isso o próprio Acórdão, é, como todo o respeito que é devido, confuso, na medida em que atribui o ónus da prova sobre a capacidade de outorga do testamento à Recorrente.

LL) Em súmula, a questão é apenas uma: a quem incube o ónus da prova?

MM) Porque, parece-nos óbvio que o legislador não criou tal incerteza de interpretação jurídica da norma, antes pelo contrário, a mesma é clara e por isso atribui uma segurança e confianças jurídicas redobradas no seu intérprete.

NN) O Tribunal a quo, inverteu de forma grosseira o sentido e o alcance da norma.

OO) A Recorrente não tinha de fazer prova de qualquer “janela de lucidez”, nem tão pouco de que o testador se encontrava capaz de entender o sentido da sua declaração de vontade, ainda que, diga-se, tivesse a Recorrente feito prova do mesmo aquando dos depoimentos prestados sob juramento em audiência de discussão e julgamentos das pessoas que intervieram e estiveram presentes aquando da outorga do testamento.

PP) Não querer valorar tal prova, é problema de valoração da prova, agora inverter o ónus da prova não pode, de modo algum, admitir-se.

QQ) O Tribunal a quo, termina a sua fundamentação quanto a este ponto dando como certo que: “Na ausência de demonstração de uma “janela de lucidez”, impõe-se afirmar que o testador se encontrava efetivamente incapacitado de entender o sentido da sua declaração e de formar livremente a sua vontade no momento da feitura do testamento.”

RR) O que é isto juridicamente?

SS) O objeto em litígio prende-se com a questão da capacidade, e aquela que releva é apenas e tão só a que existe ao tempo da feitura do testamento, não tendo de atender-se a qualquer momento posterior ou anterior a este.

TT) Todavia, a sentença de interdição provisória do testador parece ter aqui desmedida importância, esquecendo-se o Tribunal a quo de que é o momento da outorga do testamento, o momento crucial para a validade do ato.

UU) A interpretação abusiva da leitra da lei por parte do Tribunal a quo, leva-nos, como todo o respeito que é muito, a indagar da sua imparcialidade, enquanto pressuposto de validade do processo.

VV) Mais ainda se diga que a apreciação feita pelo Tribunal a quo, incorre em manifesto absurdo no uso das presunções judicias de que lançou mão.

WW) Uma última questão prende-se com saber se, e em que medida o facto de o testamento ter sido outorgado por um Oficial Público, como o caso de um Notário, não é garantia bastante da capacidade do testador.

XX) Seguimos a doutrina que entende que “a simples presença do notário, que é um funcionário especializado que goza de fé pública, aditada à das duas testemunhas que, segundo o art. 67º, nºs 1, a) e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o acto, é uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade.”

YY) Assim, tendo o testamento sido exarado perante o Notário, existe, uma forte presunção de que o testador tinha aptidão para entender o que declarava aquando da elaboração e outorga do testamento, até porque, a própria jurisprudência, admite uma presunção da capacidade de querer e entender, no que toca a esta matéria.

ZZ) Claro que “É necessário que o testador demonstre claramente possuir a necessária liberdade para querer e entender as disposições tomadas”, mas tal demonstração foi feita no Cartório Notarial perante, não só Notária, mas também perante os peritos presentes, o que assegura e corrobora a genuinidade e falta de qualquer mácula na declaração de vontade.”

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido na parte em que atribui o ónus da prova à Recorrente – desde logo porque inconstitucional – devendo, em consequência, ser valorada a prova por aquela produzida de modo a que o testamento seja declarado válido.

Os Recorridos contra-alegaram, enunciando conclusões prolixas e excessivamente extensas que, por isso, aqui não se reproduzem. Pugnam pela manutenção do acórdão recorrido e, a final, formulam pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé na interposição do recurso de revista excepcional, em multa e condigna indemnização a favor dos AA., em montante não inferior a € 10.000, assim como peticionam a condenação da mesma Recorrente em taxa sancionatória excepcional, ao abrigo do disposto no art.º 531º do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir.

3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção feitas pelas instâncias):

1. EE nasceu em … - … no dia … de Abril de 1916, sendo filho de FF e de GG, ambos já falecidos.

2. O aludido EE foi casado com HH, matrimónio esse dissolvido por morte desta ocorrida em 12 de Outubro de 1988.

3. Do casamento referido em 2), nasceram os Autores, AA, BB e CC, filhos, pois, do aludido EE e da referida, HH.

4. O aludido EE viria a falecer em 6 de Julho de 2017 quando possuía 101 anos de idade.

5. Ainda em vida da mãe dos Autores, HH, esta contratou a Ré, DD, a fim de a Demandada trabalhar como sua empregada doméstica na casa onde vivia o casal composto por aquela e pelo aludido EE.

6. Na sequência da morte da aludida mãe dos Autores ocorrida, como referido em 12 de Outubro de 1988, a Ré continuou a trabalhar como empregada doméstica agora sob as ordens e instruções do aludido EE.

7. Em 2010, o aludido EE, quando já possuía 94 anos de idade, esteve internado entre 1 de Abril e 5 de Maio desse ano em razão de um quadro de dejecções diarreicas e febre, tendo ainda, durante tal internamento na clínica do …, no …, sofrido uma sépsis grave com ponto de partida pulmonar.

8. Por sua vez, em 29 de Outubro de 2011, quando observado por médico psiquiatra no contexto de consulta, o aludido EE, embora vigil, manifestou-se inquieto e ansioso, demonstrando dificuldade na compreensão do conteúdo das perguntas que lhe foram dirigidas, respondendo com hesitações e expressando-se de modo repetitivo e com noções adquiridas num passado longínquo, revelando dificuldades notórias no reconhecimento adequado do presente, razão pela qual o aludido médico psiquiatra lhe solicitou a realização de um Mini Exame do Estado Mental estandardizado, bem como a realização do TESTE DO RELÓGIO, os quais, segundo tal médico psiquiatra, apoiaram o diagnóstico de um processo demencial com deterioração mental, doença essa que já evoluiria há anos e que seria determinante de uma total incapacidade da parte do aludido EE para ajuizar e valorar correcta e adequadamente, bem como cuidar de si mesmo e dos seus bens.

9. [alterado pela Relação] Desde Outubro de 2011 o estado do aludido EE foi-se agravando e nos últimos anos da sua vida - finda, como referido, em 6 de Julho de 2017 -, bem como, seguramente, nos meses de Abril -Maio de 2017, aquele:

a) Deixou de ter força física para se locomover pelos seus próprios meios;

b) Deixou de conseguir palavras de forma coerente, expressando-se em monossílabos;

c) Passou a não comer e a não beber pelos seus próprios meios, carecendo da ajuda de terceiros para comer e ingerir bebidas, para o que, atentas as referidas dificuldades de fala, não conseguia pedir auxílio;

d) Deixou de conhecer as pessoas, designadamente, os filhos, confundindo estes, por vezes, com outros familiares ou com outras pessoas;

e) Passou a revelar falhas significativas de memória, esquecendo-se, por exemplo, no interrogatório ocorrido em 8/6/2017 no âmbito do proc. nº 598/17.4T8BGC que correu termos neste Tribunal, da data do dia em que foi inquirido, bem como do local onde, dias antes, se havia casado com a Ré e ainda do nome dos filhos ou sequer do nome da Demandada.

f) Deixou de conseguir tomar decisões e de dar instruções aos respectivos empregados, bem como à própria Ré.

g) Passou a ter dificuldades em apreciar o valor do dinheiro, identificando-o, mas confundindo a moeda corrente (euros) com francos.

h) Sofreu, ao longo desse período, de incontinência urinária e fecal.

10. Tendo em conta o aludido em 9) e por residir com o aludido EE, a Ré passou a cuidar em exclusivo daquele, passando o referido pai dos Autores a depender fisicamente da Demandada que o alimentava, vestia, prestando-lhe todos os cuidados de que o pai dos Demandantes necessitava;

11. Passando, por via disso, a Ré a exercer um ascendente sobre o aludido EE em função do estado de dependência física e mental deste.

12. Ainda em virtude do aludido em 9), já em Dezembro de 2015, o aludido EE, não conseguia assinar uma simples notificação, tendo a mesma de ser assinada a rogo pela Ré, conforme atestado por Inspector Tributário nessa data em documento emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

13. Igualmente fruto do aludido em 9) e na medida em que a Ré, aproveitando-se da incapacidade física e mental do aludido EE, se encontrava, nesse período de 2011 a 2017, a gerir o património deste, bem como o património integrante da herança da falecida esposa do referido EE, HH, foi instaurado pelo Autor, CC, procedimento cautelar de arrolamento, o qual correu termos sob o nº 1659/16.2T8BGC e foi julgado procedente, por via da sentença aí proferida, nos termos da qual foi determinado o arrolamento de todos os bens móveis e imóveis integrantes da herança da aludida falecida esposa do referido EE.

14. Ainda em razão do referido em 9), em Janeiro de 2017, o aqui Autor, CC, instaurou acção judicial contra EE, seu pai, que correu termos sob o nº 87/17 7T8BGC, requerendo a interdição deste;

15. Tendo, no âmbito do aludido processo sido tentada a citação pessoal do Requerido, EE, a qual se frustrou, uma vez que este se encontrava à data de 30 de Janeiro de 2017, incapaz de ser citado, conforme certidão negativa junta naqueles autos, na qual se referia que, segundo informação da Ré, “há já muitos anos que o Senhor EE não (tinha) condições para tratar dos “seus assuntos””.

16. Em Janeiro de 2017, foi ainda publicitada a acção de interdição aludida em 10).

17. Na noite de 3 para 4 de Maio de 2017 e sem conhecimento dos Autores, não ouvidos quanto a tal decisão, a Ré levou o aludido EE da casa em …, …, para …, localidade situada a 156 Km, onde, no dia 4 de Maio de 2017, foi celebrado o casamento entre o referido EE e a Demandada.

18. Em razão do referido em 13), a Autora, AA, entretanto nomeada curadora provisória do seu pai, EE, no âmbito do processo de interdição deste supra aludido, instaurou contra a Ré procedimento cautelar que correu termos sob o nº 598/17.4T8BGC, nos termos do qual foi a Demandada proibida de “enquanto pessoa casada com o pai da Requerente, EE, celebrar em nome próprios, negócios de disposição, a seu favor ou a favor de terceiros, dos bens integrantes do património do aludido progenitor da Demandante ou incluídos na herança aberta e indivisa de HH (designadamente, mas não só, os bens objectos do arrolamento no proc. 1659/16 2T8BGC. ”, sendo ainda proibida de “retirar fisicamente do local onde se encontram quaisquer bens móveis integrantes do património do aludido pai da (aí) Requerente. ”

19. Na sequência da oposição da Ré deduzida no procedimento cautelar aludido em 14), o Tribunal, mediante sentença datada de 8/8/2017, manteve as providências cautelares aludidas em 14), apenas julgando o processo parcialmente extinto por inutilidade superveniente quanto aos demais pedidos, o que se determinou em face da morte superveniente do falecido EE.

20. No seguimento do procedimento cautelar aludido em 16) e 17), a aí Autora, AA, instaurou ainda a acção principal de anulação de casamento, acção essa que corre termos sob o nº 718/17.9T8BGC neste Juízo Local Cível (J…) de … .

21. [alterado pela Relação] Por sua vez, em 10 de Maio de 2017, a Ré, DD, sem disso dar conhecimento aos Demandantes, retirou o aludido EE de casa, transportando-o, uma vez que este se não conseguia locomover pelos seus próprios meios, desde …, …, seu local de residência, até ….

22. Tendo o aludido, EE, no Cartório Notarial sito na Rua …, Edifício … II, Loja …, …, para onde assim havia sido deslocado, na referida data de 10 de Maio de 2017, outorgado testamento mediante o qual instituiu “como única herdeira da sua quota disponível a sua identificada mulher, DD, consigo residente. ”

23. No testamento aludido em 22), a Sra. Notária que presidiu à diligência fez constar não ser o documento que intitulava tal negócio assinado pelo testador em razão de este não o poder fazer.

24. Ainda no testamento aludido em 22) e 23), foi feito constar o seguinte pela aludida Sra. Notária: “Intervieram ainda neste acto o Dr. II (…) com a cédula profissional nº 1 …5 emitida pela Ordem dos Médicos e Dr. JJ (…) com a cédula profissional nº 1…2, emitida pela Ordem dos Médicos, pessoas cuja identidade verifiquei por exibição dos seus referidos documentos de identidade, peritos médicos, os que depois de prestarem juramento legal, me garantiram a sanidade mental do testador, por me terem surgido dúvidas a tal respeito. ”

25. O testamento aludido em 22) a 24) foi registado a fls. 27 e 28 do Livro Sete - T de testamentos públicos e de escrituras de revogação de testamentos do Cartório Notarial de … .

26. Os médicos aludidos em 24) intervieram no acto de outorga de testamento a pedido da Ré e contratados pela, na altura, Ilustre Mandatária da Demandada, tendo declarado, conforme vertido no documento aludido em 25), atestarem a sanidade do testador, EE, no momento da outorga do aludido negócio.

27. Os médicos aludidos em 24) apenas observaram o aludido EE por alguns minutos aquando da outorga por este do referido testamento, não tendo submetido aquele, nessa data, a qualquer exame ou teste psiquiátrico.

28. O Dr. II, identificado em 24), havia já observado o aludido EE, na residência deste e a pedido da Ré em 19 de Abril de 2017, tendo então, não obstante não possuir, nem conhecer, qualquer documentação clínica relativa ao examinando, elaborado um relatório médico no qual se pronunciava no sentido de que o pai dos Autores apresentaria as capacidades cognitivas suficientes para poder decidir sobre si, o seu património e sobre a administração dos seus bens;

29. Apesar de, para além do referido em 8) quanto ao resultado exame então conduzido em 2011 em sede de consulta psiquiátrica, também em 25 de Janeiro de 2016, o mesmo médico subscritor do aludido relatório de 2011, Dr. KK, se ter pronunciado no sentido de que, nessa data, o aludido EE, estaria incapacitado de entender e querer, sofrendo de um quadro demencial que o tornava insusceptível de poder ajuizar e valorar correcta e adequadamente a gestão dos seus bens, situação que se mantinha e manteve à data - 10/5/2017 - da outorga do testamento aludido em 21) a 27).

30. Em 31/5/2017, foi decretada a interdição provisória do aí Requerido, EE, no processo de interdição nº 87/17.7T8BGC

31. Na sequência do interrogatório ocorrido no aludido processo de interdição em 8 de Junho de 2017, o perito do INML nomeado nesses autos pronunciou-se sobre a condição clínica do aludido EE e em sede de relatório pericial datado de 10 de Julho de 2017 da seguinte forma: “No seguimento do douto interrogatório e da avaliação clínico-psiquiátrica efectuada, numa perspectiva psiquiátrico-forense, e reunidos os elementos indispensáveis à apreciação do presente caso, incluindo os documentos clínicos a que tivemos acesso, resulta inequívoco que o examinado se encontra num estádio terminal de um quadro Demencial, enquadrável na rubrica F03 da 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial de Saúde (CID-10). Efectivamente, ao corte transversal actual, objectivam-se, entre outros sintomas e incapacidades, graves défices das funções corticais superiores, nomeadamente, da memória, do pensamento, da orientação, da compreensão, do cálculo, da capacidade de aprendizagem, da linguagem e do juízo crítico, justificando, inclusivamente, os cuidados paliativos permanentes (de alimentação e higiene) por parte de terceiros. O examinado foi conduzido em cadeira de rodas, com oxigenoterapia, não interagindo, mostrando-se alheado do entorno, respondendo às vezes após várias insistências com um discurso muito pobre, monossilábico e disártrico, com perseveração nas respostas (diz a data do nascimento e responde reiteradamente, a partir daí, com essa frase a todas as questões que lhe foram sendo colocadas, respondendo (ocasionalmente) com a última palavra emitida pelo entrevistador, tem parafasias (foram mostradas imagens de animais e diz repetidamente “luz”). Diz o seu nome a afirma ter 110 anos de idade, mas está desorientado no tempo, no espaço e na situação, não reconhece a sua filha, nem os filhos presentes na sala de audiências, quando lhe foi solicitado repetidamente pela Doutora Juiz. Nega ter casado com a empregada que lhe presta cuidados. Tem notórias dificuldades de escrita, conseguindo, com muita dificuldade e também após ser pedido repetidamente, gatafunhar com escrita trémula o seu nome, indecifrável. Obedece a algumas ordens e após reiterados pedidos e sem questionar o motivo, acabou por colocar a sua impressão digital num papel. Conhece o valor facial do dinheiro, referindo, contudo, tratar-se de francos, ainda, efectua algum cálculo muito simples, mas é totalmente incapaz de efectuar cálculos algo mais complexos, apresenta um deficit total da memória recente e da evocação. Um tal quadro psico-orgânico, com carácter crónico irreversível, que se tem vindo a instaurar, como é habitual neste tipo de quadros, de forma insidiosa, ao longo dos últimos anos, afecta-lhe de forma permanente o entendimento, o discernimento e a vontade, tornando-o totalmente incapaz de gerir a sua pessoa, de gerir e/ou dispor dos seus bens, facto que deverá relevar, do ponto de vista psiquiátrico-forense, para efeitos da sua interdição por anomalia psíquica. A data provável do início da incapacidade actual poderá ser fixada, à falta de outras informações clínicas credíveis, em 29 de Outubro de 2011, data do Relatório Psiquiátrico (corroborado pelo mesmo clínico em 25 de Janeiro de 2016) em que se concluiu pela presença do quadro de demência. Importa referir que o estado de deterioração cognitiva grave que o examinado evidencia, que não tem uma origem aguda nem subaguda, corresponde a um processo de vários anos de evolução, estando documentada a existência desde 2011. Não parece assim verosímil, em bom rigor clínico-psiquiátrico, que, em datas recentes (como o mês de Abril do corrente ano) pudesse o examinado manifestar um quadro depressivo (reactivo), situação clínica que implica a existência de uma capacidade cognitiva plena, o que não se coaduna com o estado de deterioração mental avançado (crónico) patenteado no Tribunal.

32. Em 17/11/2017, já depois da morte do falecido, EE, e na sequência do prosseguimento do processo de interdição para efeitos do disposto no artigo 904º nº1 do CPC, foi proferida decisão no âmbito do aludido proc. 87/17.7T8BGC, nos termos da qual foram declarados verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica daquele, a qual, não fosse a respectiva morte, teria sido decretada, mais fixando o Tribunal, na referida decisão, o começo da incapacidade na data de 29/10/2011, em conformidade com o teor do relatório pericial aludido em 31).

Foram dados como não provados os seguintes factos:

A. Que, na sequência da morte da mãe dos Demandantes, HH, a Ré, DD, tivesse passado a ser, não só a empregada doméstica do aludido EE, mas também a companheira deste;

B. Adquirindo ambos, com o dinheiro por si ganho enquanto “casal”, bens móveis e imóveis e administrando em conjunto tal património, bem como o património exclusivo do aludido EE e ainda o património incluído na herança da falecida HH.

C. Que, no período de 2011 a 2017, pese embora algumas fragilidades, o aludido EE ainda tivesse capacidade para ler, decidir quanto queria comer e beber;

D. Situando-se, nesse período, as poucas patologias de que padecia somente ao nível dos rins e do foro respiratório.

E. Que, em razão do referido em A) a D), bem como em 10), já há muito que o aludido EE tivesse a intenção de se casar civilmente com a Ré.

F. Que o aludido EE, apenas não tivesse assinado a notificação aludida em 12) por se encontrar adoentado e sonolento na data aí referida, atenta também a época do ano em causa (Inverno) e o frio que se fazia sentir nessa altura.

G. Que, aquando da emissão a favor da Ré de procuração datada de 14 de Abril de 2014 em que conferia a esta poderes, designadamente, para movimentar as contas do mesmo, o aludido EE estivesse perfeitamente capaz de gerir os seus bens, apenas não podendo, devido à respectiva idade, deslocar-se ao Multibanco e pagar as contas normais de água, luz, gás, bem como fazer as compras “da casa”.

H. Que a Ré só tivesse tido conhecimento do processo de interdição do falecido EE em 18 de Abril de 2017

I. Que, aquando da outorga do testamento em 10 de Maio de 2017, o aí testador, EE, se mostrasse lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar;

J. Pretendendo, com tal acto, beneficiar a Ré, única pessoa que dele cuidou e viveu durante mais de 25 anos e a quem ganhou afecto, carinho e amor;

K. Razão pela qual, de resto, se havia casado com a Demandada dias antes.

L. Que o testador, EE, apenas não tivesse assinado o testamento por si outorgado em razão de não saber assinar, facto mencionado no respectivo Cartão de Cidadão.

5. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Capacidade testamentária (concls. C) a P) e concl. TT));

- Saber se recai sobre a Recorrente o ónus de alegar e provar que o testador se encontrava capaz de entender o sentido e alcance da sua declaração de vontade aquando da outorga do testamento (conclusões Q) a SS)); e conexamente, verificar se ocorre ilogicidade no uso de presunções judiciais pela Relação (concl. VV));

- Saber se o facto de o testamento ter sido outorgado perante notário constitui presunção legal e suficiente de como aquele acto é dotado de validade e eficácia.

Assinale-se que a Recorrente invoca ainda que o entendimento relativo à distribuição do ónus da prova entre as partes desrespeita os princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança.

6. Sob a designação de uma pretensa questão relativa à capacidade testamentária, limita-se a Recorrente a tecer considerações de ordem geral sobre a necessidade de a capacidade do testador ser aferida à data da outorga do testamento, alegando que a decisão de anulação do testamento dos autos resultou de uma incorrecta atribuição de eficácia retroactiva à decisão, que, já após o falecimento do testador, veio a ser proferida no processo de interdição Proc. nº 87/17.7T8BGC.

Vejamos.

Efectivamente foi dado como provado o seguinte facto:

32. Em 17/11/2017, já depois da morte do falecido, EE, e na sequência do prosseguimento do processo de interdição para efeitos do disposto no artigo 904º nº1 do CPC, foi proferida decisão no âmbito do aludido proc. 87/17.7T8BGC, nos termos da qual foram declarados verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica daquele, a qual, não fosse a respectiva morte, teria sido decretada, mais fixando o Tribunal, na referida decisão, o começo da incapacidade na data de 29/10/2011, em conformidade com o teor do relatório pericial aludido em 31).

Compulsada, porém, a fundamentação do acórdão recorrido, como aliás a fundamentação da sentença da 1ª instância, constata-se que a decisão de anulação do testamento não vem fundada nos efeitos da referida decisão proferida no processo de interdição, mas antes na prova da incapacidade do testador aquando da outorga do testamento. Diversamente do invocado pela Recorrente (concl. P)), não foi ao abrigo da previsão do nº 1 do art. 149º do Código Civil que o testamento foi anulado, mas antes ao abrigo do regime geral da incapacidade testamentária consagrado no art. 2199º do mesmo Código.

Tanto basta para se afirmar a irrelevância, para a resolução das questões objecto do presente recurso, da problemática doutrinal e jurisprudencial em torno da natureza e âmbito dos efeitos da decisão que põe termo a um processo de interdição.

Conclui-se, assim, que a pretensão da Recorrente não pode ser reequacionada por esta via, mas apenas com fundamento na alegada falta de prova da incapacidade, o que corresponde afinal às demais questões objecto do recurso, das quais se passa, de seguida, a conhecer pela seguinte ordem de precedência:

- Apurar se, ao dar como provada a incapacidade do testador no momento da outorga do testamento com a consequente anulação do mesmo, se desrespeitou ou não a norma de direito probatório (art. 371º, nº 1, do CC) que atribui força probatória plena ao testamento outorgado por notário;

- Apurar se, ao dar como provada a incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, se violaram ou não as regras legais de distribuição do ónus da prova; e/ou se, em alternativa, incorreu a Relação em ilogicidade manifesta no uso de presunções judiciais.

7. A questão de saber se o facto de o testamento ter sido outorgado perante notário constitui presunção legal e suficiente de como aquele acto é dotado de validade e eficácia, na medida em que – segundo alega a Recorrente – “aquele garante em primeira linha a capacidade do testador aquando da outorga do testamento”, tem sido repetidamente apreciada na jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido que encontramos consignado, entre outros, no acórdão de 8 de Março de 2018 (proc. nº 2170/13.9TVLSB.L1.S1), relatado pela relatora do presente acórdão e consultável em www.dgsi.pt:

“Relativamente à questão da alegada força probatória plena do testamento quanto à capacidade da testadora no momento da sua outorga por ter sido lavrado por notária, dispõe o nº 1 do art. 371º do CC: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.

Interpretando esta regra, é entendimento pacífico que “Não é sempre a mesma a força material de um documento autêntico: depende da razão de ciência invocada. Assim, ficam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, autora do documento (que conferiu a identidade das partes, ou que lhes leu o documento…), ou que nele são atestados com base nas suas percepções (por ex., as declarações que ouviu ou os actos que viu serem praticados); mas os meros juízos pessoais do documentador (que a parte se encontrava no pleno uso das faculdades mentais ou semelhante) ficam sujeitos à regra da livre apreciação pelo julgador.” (Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação ao artigo 371º, da autoria de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).” [negritos nossos]

Assim sendo, conclui-se que, ao dar como provada a incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, com a consequente anulação do mesmo, não incorreram as instâncias em violação da norma de direito probatório (art. 371º, nº 1, do CC) que atribui força probatória plena aos documentos autênticos.

8. Consideremos, por fim, a questão nuclear do presente recurso de saber se, ao dar como provada a incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, se violaram ou não as regras legais de distribuição do ónus da prova; e/ou se, em alternativa, incorreu a Relação em ilogicidade manifesta no uso de presunções judiciais.

Vejamos os termos em que o acórdão recorrido apreciou a questão da prova da incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, os quais, pela sua importância para a apreciação do objecto do presente recurso, se transcrevem na íntegra:

O testamento feito por quem se encontrava no ato incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa é anulável - art. 2199º do CC -, cabendo ao interessado na anulabilidade o ónus de alegar e provar os factos de onde se conclua tal incapacidade acidental - artº 342º, nº 1, do CC.

«O sujeito que se dispõe a concretar um acto jurídico deve, no momento em que o materializa, estar na plenitude da sua capacidade de perceber, entender e ditar sobre as consequências, efeitos e alcance do acto que vai realizar.

A verificação ou validação de um estado de incapacidade impeditiva de perceber e entender o alcance de um acto jurídico, em que se expressa e pretende dispor de valores e bens do respectivo património, conleva uma questão de direito a ser extraída e dessumida dos factos que vierem a ser dados como provados.» -Acórdão do STJ de 11.4.2013 (Relator Gabriel Catarino).

Saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é, pois, uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados, sendo inegável que a resposta a esta questão de direito sobre o estado de incapacidade natural tem de focar-se no momento em que o declarante emite a declaração relativa à disposição dos seus bens post mortis, porque tal incapacidade só releva se for contemporânea do ato praticado.

Com efeito, uma pessoa portadora de anomalia psíquica determinante da sua incapacidade para se autogovernar e aos seus bens mas ainda não declarada interdita pode testar validamente num intervalo lúcido.

Não obstante o que se acabou de dizer, deve entender-se que «cabe ao interessado na anulabilidade do acto o ónus de alegar e provar o estado de demência em período dele abrangente, presumindo-se, neste caso, naturalmente, que tal estado se mantinha no respectivo momento. Cabe ao interessado na validade o ónus de alegar e provar que, não obstante aquele estado, o testador estava, no acto de testar, em estado lúcido e capaz (lucidez episódica)» (Relação de Guimarães de 29-06-2017 - Relator - José Amaral).

Vejamos porquê.

Estamos perante um caso em que se trata de apurar da capacidade/incapacidade de um testador no preciso momento em que se realizou o testamento, ocorrendo esse apuramento em fase ulterior à morte daquele.

Em tais casos, a dificuldade da prova direta dos factos demonstrativos da incapacidade remete-nos quase inevitavelmente para o recurso a técnicas de facilitação probatória, ou seja, técnicas que alteram, em benefício daquele que está sujeito ao ónus da prova, a forma de valorar esta.

A mais conhecida e utilizada dessas técnicas é, sem dúvida, a presunção judicial que se funda em regras práticas da experiência, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos, que representa processos mentais de dedução (baseada em juízos de probabilidade) do julgador.

«As presunções funcionam como modo de ultrapassar as dificuldades de prova, por se referirem, por exemplo, a factos que não se objectivam pela sua própria natureza, havendo uma aparência que merece protecção - oponibilidade a terceiro de acção de simulação registada, seja também quando é mais difícil de produzir para quem teria normalmente que suportar o ónus probatório (relevatio ab onere probandi)». STJ 03.04.1991 (Relator Pedro Macedo)

Das presunções judiciais distinguem-se as presunções legais quando a operação lógica de dedução a faz a própria lei.

A presunção judicial é um meio de prova que se insere no seio da prova indireta e está sujeito à livre apreciação, diferenciando-se da presunção legal, cujo afastamento depende da prova em contrário (art. 350º, nº 2, do Cód. Civil).

No que concerne à prova por presunção judicial, a sua força persuasiva pode ser afastada por simples contraprova (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 312), bastando à parte contrária produzir contraprova no sentido de haver razões para, no caso concreto, refutar a suposta regra da experiência comum ou regra técnica que, do facto conhecido, permite extrair o desconhecido, ou alinhar contraindicações probatórias concretas tendentes a afastar o resultado a que a sua aplicação, por regra, conduz, isto é, sendo seu ónus (ónus de contraprova) produzir prova destinada a tornar duvidoso, incerto, o facto presumido (art. 346º do Cód. Civil), o que é diferente de se exigir prova do contrário (STJ 18.12.2003 - Relator Ferreira de Almeida) –, não produzindo, pois, tal presunção a inversão do ónus da prova.

Mas, para além do comum recurso às presunções judiciais, outras técnicas de facilitação probatória existem.

Entre elas, encontramos a dita prova da primeira aparência, que é um mecanismo de aligeiramento do ónus probatório que se extrai de “elementos que apresentam uma força de convencimento inferior ao da prova direta de um facto, um valor cognoscitivo semelhante ao desta porque, provados aqueles elementos, aceita-se em primeira aparência demonstrado o facto controvertido” (Rute Teixeira Pedro, “A Responsabilidade Civil do Médico - Reflexões sobre a Noção de Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado”, Coimbra Editora, 2008, págs. 341/343).

«A contraparte poderá, no entanto, destruir este esboço de imagem de realidade construído num primeiro momento, se provar a verificação de factos que tornem inverosímil aquele raciocínio lógico-conclusivo, pondo a nu o incumprimento do ónus que, a todo o momento, recaiu sobre o demandante», pelo que o referido instrumento atua, também ele, ao nível da valoração da prova e não da distribuição do ónus probatório (cfr. obra, autora e local citados).

«O instituto da prova “prima facie” não determina uma inversão do ónus da prova mas baixa o grau de prova normalmente exigido para a prova de um facto». (Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova por Presunção, pág. 76).

Ainda semelhante à presunção judicial mas já com um peso distinto desta, é o apelo à regra id quod plerum accidit, segundo a qual “o que é evidente não necessita de demonstração”, pelo que “incumbirá a quem argui um desvio a um padrão de normalidade, a demonstração da verificação in casu dos factos atípicos” (obra e autora citadas, págs. 338/339), o que aponta para a necessidade de produção de prova em contrário (e não de mera contraprova), tal como sucede com as presunções legais.

Mediante o recurso à mencionada regra id quod plerum accidit se decidiu, no Acórdão do STJ, de 05.07.2001, relatado por Garcia Marques (CJ, Ano IX, Tomo II, páginas 151 a 164), no sentido de que, sendo certo que «a permanência da situação de incapacidade não é incompatível com a existência de intervalos lúcidos por parte da pessoa demente», cabe «ao interessado na manutenção do acto jurídico em causa a prova dessa lucidez aquando da realização do acordo».

Fê-lo, citando em seu apoio o Prof. Galvão Teles (R.T., ano 72, página 268): «Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez».

A partir deste, em muitos outros acórdãos têm vindo os tribunais superiores a tomar igual posição, como demonstra Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova por Presunção, pág.s 304 e 305.

Assim, a título de exemplo, decidiu-se nesse mesmo sentido no Acórdão do STJ de 11.04.2013 (Relator Gabriel Catarino), cujo sumário, no que para agora importa, reza o seguinte:

«XI - Compete ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico de disposição post mortem, a prova dos factos conducentes à verificação do estado de incapacidade que obnubilaria a sã capacidade de dispor dos seus bens e o discernimento quanto às consequências decorrentes do acto ditado.

XII - Ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente susceptível de afectar a sua capacidade de percepção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer acto de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente.

XIII - Tratando-se de uma doença que, no plano clínico e cientifico, está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de percepção, compreensão, raciocínio, gestão dos actos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstracto e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e factores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um acto jurídico praticado por uma pessoa portadora deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais.»

Igual orientação se encontra no Acórdão do STJ de 24.05.2011 (Relator Marques Pereira), assim sumariado:

«IV - Se, à data do testamento, o testador sofria de esquizofrenia paranóide, em contínua actividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica e irreversível, encontrando-se num verdadeiro estado de demência paranóide, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquele se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;

V - Naquela hipótese, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, apesar da esquizofrenia paranóide de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava.»

E no Acórdão da RC de 30.6.2015 (Relator Jaime Ferreira):

«IV - Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando -testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.

V - Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez.

VI - No entanto, sempre recai sobre o interessado na anulação o ónus de alegar e provar o estado de doença em período que abrange o acto anulado e que essa doença pela sua natureza e características impede o testador de entender o sentido da sua declaração ou o livre exercício da sua vontade.»

Por último, baseando-se em todos os referidos arestos, o Acórdão desta Relação de 04.10.2017 (Relator Pedro Damião da Cunha), onde, perante uma situação em que a testadora padecia de doença de alzheimer com anterioridade ao período abrangente do testamento, se ponderou «bem se poderia afirmar, com recurso à máxima “id quod plerum accidit”, que aquele estado de demência se manteve sem interrupções daí por diante, passando por sua vez à ré ilidir esta presunção natural, demonstrando em juízo que o testamento foi outorgado num intervalo de lucidez”, acabando por, também ali, se concluir que “nestes casos, provando-se a referida situação de demência, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do mesmo, apesar da referida doença de que sofria, a testadora não foi influenciada pelo concreto estado demencial em que se encontrava».

Em conclusão, cremos que esta é a orientação correta não fazendo sentido, numa situação de incapacidade acidental decorrente de um estado clínico demencial ou de doença evolutiva e degenerescente das capacidades de perceção, compreensão e intelecção do mundo circundante e vivencial, «exigir de quem visa a anulação do ato a prova que no exacto momento em que o declarante materializou o acto jurídico ajuizado, o estado de incapacidade acidental se mantinha ou era verificável» (citado Acórdão do STJ de 11.04.2013), porque é próprio de um quadro crónico e irreversível de uma doença mental com tais características que as incapacidades a tal doença associadas se mantenham contínua e permanentemente, não necessitando, pois, os interessados na anulação, de provar o estado de incapacidade no exato momento de feitura do testamento de demonstração (id quod plerum accidit), pelo que, naturalmente, como já se disse, nessas situações, «incumbirá a quem argui um desvio a um padrão de normalidade, a demonstração da verificação in casu dos factos atípicos», o que, no caso de que agora tratamos, significa que incumbirá a quem pretende manter os efeitos do ato (a Ré) demonstrar a existência da referida “janela de lucidez”.

Aplicando estes considerandos à factualidade apurada, importa reter que:

Em 10 de Maio de 2017 por EE foi outorgado testamento mediante o qual instituiu «como única herdeira da sua quota disponível a sua identificada mulher, DD, consigo residente.»

«Em 29 de Outubro de 2011, quando observado por médico psiquiatra no contexto de consulta, o aludido EE, embora vigil, manifestou-se inquieto e ansioso, demonstrando dificuldade na compreensão do conteúdo das perguntas que lhe foram dirigidas, respondendo com hesitações e expressando-se de modo repetitivo e com noções adquiridas num passado longínquo, revelando dificuldades notórias no reconhecimento adequado do presente, razão pela qual o aludido médico psiquiatra lhe solicitou a realização de um Mini Exame do Estado Mental estandardizado, bem como a realização do TESTE DO RELÓGIO, os quais, segundo tal médico psiquiatra, apoiaram o diagnóstico de um processo demencial com deterioração mental, doença essa que já evoluiria há anos e que seria determinante de uma total incapacidade da parte do aludido EE para ajuizar e valorar correcta e adequadamente, bem como cuidar de si mesmo e dos seus bens.»

«Desde Outubro de 2011 o estado do aludido EE foi-se agravando e nos últimos anos da sua vida - finda, como referido, em 6 de Julho de 2017 -, bem como, seguramente, nos meses de Abril - Maio de 2017, aquele:

a) Deixou de ter força física para se locomover pelos seus próprios meios;

b) Deixou de conseguir palavras de forma coerente, expressando-se em monossílabos;

c) Passou a não comer e a não beber pelos seus próprios meios, carecendo da ajuda de terceiros para comer e ingerir bebidas, para o que, atentas as referidas dificuldades de fala, não conseguia pedir auxílio;

d) Deixou de conhecer as pessoas, designadamente, os filhos, confundindo estes, por vezes, com outros familiares ou com outras pessoas;

e) Passou a revelar falhas significativas de memória, esquecendo-se, por exemplo, no interrogatório ocorrido em 8/6/2017 no âmbito do proc. nº 598/17.4T8BGC que correu termos neste Tribunal, da data do dia em que foi inquirido, bem como do local onde, dias antes, se havia casado com a Ré e ainda do nome dos filhos ou sequer do nome da Demandada.

f) Deixou de conseguir tomar decisões e de dar instruções aos respectivos empregados, bem como à própria Ré.

g) Passou a ter dificuldades em apreciar o valor do dinheiro, identificando-o, mas confundindo a moeda corrente (euros) com francos.

h) Sofreu, ao longo desse período, de incontinência urinária e fecal.»

Assim sendo, pelos Autores demonstrado foi que, à data do testamento, o testador padecia de doença - processo demencial com deterioração mental - que se desenvolvia desde pelo menos 2011 e cujos efeitos de degradação, física e psíquica, eram percetíveis no seu dia-a-dia e aos mais diversos níveis, num quadro que se pode caracterizar como crónico e irreversível, doença aquela que, pela sua natureza e características, o impedia de entender o sentido da disposição de última vontade contida no testamento e de livremente exercer a sua vontade em relação a tal ato.

Como se sublinha no Acórdão da Relação de Lisboa de 16.12.2003 (Relator Abrantes Geraldes), «o estado de demência (onde se inclui a demência senil) revela-se através de uma diversidade de sintomas, de que constituem exemplos a alteração profunda da inteligência, afectando a memória, o juízo e o raciocínio, a perda de capacidade de autocrítica ou a alteração da linguagem», ali se enfatizando ainda, com toda a propriedade e em consonância, aliás, com o que nos dizem as regras da experiência, que nos quadros de demência senil que afete o testador no período em que foi exarado o testamento, se situam «os principais focos de aproveitamento do estado psíquico do indivíduo para extrair benefícios» (citando Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, vol. II, pág. 638).

Podemos, pois, concluir que, demonstrando que o testador padecia, em período que abrangia o ato praticado, de doença mental que o tornava incapaz de entender e de querer o testamento, satisfizeram os Autores o ónus que sobre eles recaía.

Assim não sucedeu com a Ré, que não logrou provar aquilo que estava compelida a provar, na medida em que não demonstrou que o testamento tivesse sido realizado num momento excecional e intermitente de lucidez, não tendo demonstrado que, aquando da outorga do testamento em 10 de maio de 2017, o ali testador, EE, se mostrasse lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar, pretendendo com tal acto, beneficiar a Ré (…) (I e J dos Factos não provados).

Na ausência de demonstração de uma “janela de lucidez”, impõe-se afirmar que o testador se encontrava efetivamente incapacitado de entender o sentido da sua declaração e de formar livremente a sua vontade no momento da feitura do testamento.

Esta é, sem dúvida, a conclusão jurídica que se extrai da factualidade apurada.

Face ao exposto, bem andou a sentença recorrida em anular o testamento em crise.” [negritos nossos]

No intuito de resolver as questões suscitadas pela Recorrente, uma relativa à alegada violação das regras legais de distribuição do ónus da prova e a outra relativa à alegada ilocigidade dos juízos presuntivos da Relação, consideremos a metodologia seguida no acórdão recorrido, a qual assenta essencialmente no ensinamento de Galvão Teles, sintetizado na citação deste autor, feita no acórdão, e que aqui se reproduz:

“Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez” (Revista dos Tribunais, Ano 72, pág. 268).

Nas palavras de Galvão Teles, como na fundamentação do acórdão recorrido, há que distinguir entre: (i) por um lado, o juízo probatório acerca da situação de incapacidade do testador na data da outorga do testamento; (ii) e, por outro lado, a afirmação relativa à distribuição do ónus probatório entre a parte que impugna a validade do testamento e a parte que defende essa validade.

Ora, o facto de esta distinção não se encontrar claramente feita nas conclusões recursórias da Recorrente tende a obscurecer tanto a compreensão das questões envolvidas, como a verificação da competência deste Supremo Tribunal para as apreciar.

Vejamos.

O respeito pelas regras de distribuição do ónus da prova entre a parte que impugna a validade do testamento e a parte que defende essa validade é uma questão de direito que, indubitavelmente, cabe dentro das competências deste Supremo Tribunal (cfr. art. 674º, nº 1, do CPC).

Já o juízo probatório acerca da situação de incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, juízo que pode ser feito mediante uso de simples presunções judiciais (cfr. art. 351º do CC), constitui matéria de facto não sindicável em sede de revista, nos termos do nº 3 do art. 674º do CPC (salvo nas hipóteses excepcionais previstas na parte final desta norma, que aqui não estão em causa). Apenas admite a jurisprudência deste Supremo Tribunal, ainda que não unanimemente, que seja sindicável a ilogicidade manifesta no uso das referidas presunções judiciais pela Relação (neste sentido, cfr., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal de 14/07/2016, proc. nº 377/09.2TBACB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt).

Dentro dos limites à intervenção deste Supremo Tribunal que se acabam de enunciar, prossigamos a apreciação das duas questões suscitadas pela Recorrente.

8.1. Constata-se que o juízo probatório acerca da verificação da situação de incapacidade do testador aquando da outorga do testamento assentou na prova (factos 8) e 9)) de que o estado de demência, crescentemente agravada, do testador perdurou por período compreendido desde o ano 2011 e a data da morte do testador (6 de Julho de 2017), período esse que abrange a data da realização do testamento impugnado (10 de Maio de 2017); e que, através do uso da regra da experiência id quod plerum accidit, se deu como provada a situação da incapacidade do testador no momento da outorga do testamento.

Este juízo presuntivo não padece de qualquer ilogicidade, manifesta ou não, pelo que não merece censura.

8.2. Distinta é a questão do respeito pelas regras de distribuição do ónus da prova entre a parte que impugna a validade do testamento e a parte que defende essa validade. Entendeu a Relação que os AA. lograram provar factos essenciais suficientes (factos 8) e 9)) para permitir o juízo presuntivo enunciado no ponto 8.1 e, assim, dar como provada a incapacidade do testador aquando da outorga do testamento. Enquanto a R. não conseguiu fazer prova de “Que, aquando da outorga do testamento em 10 de Maio de 2017, o aí testador, EE, se mostrasse lúcido, consciente, orientado, desperto, localizado no tempo e no espaço, com plena consciência do acto que queria praticar” (ponto I) dos factos dados como não provados).

Deste modo, a distribuição do ónus da prova, tal como entendeu a Relação, respeitou os princípios normativos consagrados no art. 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil: aos AA. cabia fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado (a incapacidade do testador no acto de testar) e à R. cabia fazer prova dos factos extintivos do direito invocado (encontrar-se o testador, no momento da outorga do testamento, num “intervalo lúcido” do seu estado de demência).

Torna-se assim evidente que, diversamente do que alega a Recorrente, o acórdão recorrido não recorreu ao uso da máxima de experiência id quod plerum accidit para alterar as regras de distribuição do ónus da prova, dispensando os AA. de fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado e atribuindo-o à R. em manifesta violação do art. 342º do CC. Na verdade, os AA. fizeram prova dos factos constitutivos essenciais (factos 8) e 9)), a partir dos quais, mediante uso de presunções judiciais, meio probatório admitido pela lei (art. 351º do CC), se deu como provada a situação de incapacidade do testador na data do testamento.

Assim, não padece a decisão da Relação da alegada ilegalidade nem, precisamente porque as regras legais de distribuição do ónus da prova foram respeitadas, se vislumbra que tal decisão desrespeite os princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança.

8.3. A finalizar, sempre se dirá que, conforme resulta das conclusões recursórias CC) a UU)), o que se passa é que a Recorrente não se conforma com a decisão relativa à matéria de facto, em especial com o juízo das instâncias no sentido de os diversos relatórios médicos sobre o estado de demência crescente do testador, a partir do ano 2011 e até à data da sua morte em 2017, terem sido considerados mais fiáveis do que a certificação das capacidades do testador no momento da outorga do testamento, feita por médicos contratados pela R., que “apenas observaram o aludido EE por alguns minutos aquando da outorga por este do referido testamento, não tendo submetido aquele, nessa data, a qualquer exame ou teste psiquiátrico” (facto 27).

Mas este juízo probatório, feito ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, não é, em si mesmo, sindicável por este Supremo Tribunal.

8.4. Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão da Recorrente segundo a qual, ao dar-se como provada a incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, se verificou o desrespeito das normas legais de distribuição do ónus da prova e/ou incorreu a Relação em ilogicidade manifesta no uso de presunções judiciais.

9. Por último, consideremos o pedido, formulado pelos Recorridos, de condenação da R. Recorrente como litigante de má-fé na interposição do recurso de revista excepcional (cfr. concls. 58) e 59) das contra-alegações), em multa e condigna indemnização a favor dos AA., em montante não inferior a € 10.000, assim como o pedido de condenação da mesma Recorrente em taxa sancionatória excepcional, ao abrigo do disposto no art.º 531º do CPC.

Tendo a Formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC considerado verificados os pressupostos de admissibilidade da presente revista, por via excepcional, não poderá censurar-se a decisão de interposição do recurso pela R. Também os termos em que, em sede de conclusões, a mesma R. Recorrente sustenta as suas pretensões recursórias se encontram em conformidade com os parâmetros normais de defesa dos interesses próprios.

Conclui-se assim pela improcedência do pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé.

Pelas mesmas razões, também não se verificam os pressupostos de aplicação do regime do art. 531º do CPC.

10. Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido;

b) Julgar improcedente o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé, absolvendo-a do mesmo pedido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17 de Outubro de 2019

Maria da Graça Trigo (Relatora)




Maria Rosa Tching



Rosa Maria Ribeiro Coelho