Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6617/07.5TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DA REVISTA
REJEIÇÃO DA APELAÇÃO
CONCLUSÕES
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
EFEITOS DO NÃO ACATAMENTO
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE APELAÇÃO / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / ÓNUS DE ALEGAÇÃO DO RECORRENTE / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3.ª ed., 14, anotações aos artigos 640.º e 662.º.
- Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 8.ª ed., 170, nota 331.
- Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II vol., 462.
- J. Aveiro Pereira, “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, em O Direito, ano 141.º, II tomo, 309 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 570.º, N.º 7, 635.º, N.ºS 2 E 3, 639.º, 640.º, 671.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 7-10-2014, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 9-7-2015;
-DE 22-10-2015;
-DE 28-1-2016, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 28-4-2016, NO PROC. Nº 1006/12 (EM WWW.DGSI.PT ), DE 21-4-2016, 18-2-2016, 11-2-2016, DE 19-1-2016, 3-12-2015, 16-11-2015, 29-10-2015, 1-10-2015 OU DE 19-2-2015 (EM WWW.DGSI.PT ).
Sumário :
I. Ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC, é susceptível de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento no incumprimento do ónus de alegação previsto nos arts. 639º e 640º do CPC.

II. O despacho do relator que, ao abrigo do nº 3 do art. 639º do CPC, convida o apelante a sintetizar as conclusões do recurso de apelação constitui um mero despacho preparatório; a impugnação deve incidir sobre o posterior acórdão da Relação que, com fundamento no incumprimento de tal despacho, decida não conhecer do objecto do recurso de apelação.

III. Se o recorrente, na enunciação das conclusões do recurso de apelação, seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto e de direito, nos termos dos arts. 639º e 640º do CPC, é vedado à Relação abster-se de apreciar o mérito do recurso de apelação.

Decisão Texto Integral:

I – A Autora veio recorrer da sentença de 1ª instância que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pelos Réus, tendo apresentado as alegações que constam de fls. 2833 e segs. que culminaram com as conclusões de fls. de 2856 a 2859.

Uma vez na Relação, o Exmº Relator proferiu o despacho de fls. 2922 determinando a notificação da apelante para “sintetizar as suas conclusões, nos termos e sob cominação do disposto no art. 639º, nº 1 e 3 do NCPC”, devendo “ainda a apelante indicar as normas jurídicas violadas – NCPC art. 639º, nº 2, al. a)”.

Tal despacho foi notificado à apelante que respondeu com a peça processual de fls. 2928.

Porém, esta peça, contendo novas conclusões, foi apresentada fora do prazo legal de 5 dias previsto no nº 3 do art. 639º do CC.

Com fundamento no não acatamento tempestivo do despacho de convite ao aperfeiçoamento foi proferido despacho a declarar que não seria apreciado o recurso de apelação (fls. 2961).

A recorrente reclamou para a conferência que confirmou o despacho reclamado nos seguintes termos:

 “Não está em causa, na presente reclamação para a Conferência, o despacho de 23-11-2015, no qual foi ordenada a notificação da apelante “para sintetizar as suas conclusões, nos termos e sob cominação do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 639º do NCPC”.

O prazo para reclamar ou recorrer desse despacho há muito que se encontra ultrapassado, não podendo a apelante, ora reclamante, que aceitou tal despacho, vir agora requerer a revogação do mesmo.

O que está em causa é a decisão singular de 02-02-2016 que põe termo ao processo em virtude da apresentação extemporânea pela apelante das conclusões sintetizadas.

Não pode a apelante pretender atingir a validade do despacho de 23-11-2015 em virtude de ter apresentado as conclusões sintetizadas extemporaneamente.

Atento o exposto, concordantemente com o despacho ora reclamado, julga-se improcedente a reclamação deduzida, confirmando-se o mesmo despacho”.


Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista no qual a recorrente suscita as seguintes questões:

a) Omissão de pronúncia quanto ao facto de no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões não ter sido indicada a respectiva fundamentação, nem ter sido indicado com clareza o vício de que padeciam;

b) O ónus de apresentar conclusões sintéticas, nos termos do nº 3 do art. 639º do CPC, deve ser interpretado com moderação e o convite deve especificar detalhadamente os motivos respectivos;

c) Falta de verificação dos pressupostos de que determinassem a rejeição do recurso, uma vez que das conclusões resulta perceptível o objecto do recurso;

d) A eventual rejeição do recurso deveria atingir apenas a parte afectada, sendo que os recorridos pronunciaram-se, manifestando a suficiência das mesmas.


Houve contra-alegações.


Cumpre decidir.


II – Questão prévia:

Foi suscitada pelos recorridos nas contra-alegações a questão da inadmissibilidade do recurso de revista por falta de integração em alguma das previsões constantes do art. 671º, nºs 1 e 2, do CPC.

Tal objecção não procede.

Com efeito, mediante acórdão em que se absteve de conhecer o mérito do recurso de apelação, a Relação pôs termo ao processo (e ao recurso de apelação), sendo este o resultado relevante para efeitos de admissibilidade do recurso de revista em face do art. 671º, nº 2, do CPC. Ainda que em tal preceito se aluda unicamente à absolvição da instância, esta indicação não pode ser entendida como esgotando os fundamentos da extinção da instância (ou do processo) que poderão despoletar a interposição da revista.

Na realidade, ao abster-se de apreciar o mérito da apelação, a Relação pôs termo ao processo, decisão que, na prática, é susceptível de produzir o mesmo efeito que derivaria de uma absolvição da instância.

Esta questão já foi analisada por este mesmo colectivo no recente Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28-1-16, em www.dgsi.pt, não se mostrando necessário reproduzir a argumentação que nele foi empregue para justificar a interpretação assumida relativamente ao dispositivo do nº 1 do art. 671º do CPC. Para ilustrar esse entendimento que agora se confirma, basta reproduzir o sumário de tal aresto que é o seguinte:

“1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.

2. Esta alteração não teve como objectivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva.

3. É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC e/ou por extemporaneidade do recurso”.


Por conseguinte, rejeita-se a objecção que foi apresentada pelos recorridos, sendo o recurso de revista admissível.


III – Apreciando o recurso de revista:

1. No anterior recurso de apelação, a recorrente suscitou questões em redor de três temas:

a) Arguição de nulidade da sentença;

b) Impugnação da decisão da matéria de facto e

c) Impugnação da decisão de direito.

A recorrente rematou as alegações com a apresentação de conclusões relativas a cada uma dessas temáticas:

- Nas conclusões A) a D) praticamente limitou-se a arguir a nulidade por omissão de pronúncia relativamente a um dos pedidos subsidiários.

- Já nas conclusões E) a BB) insurgiu-se contra diversos pontos da decisão da matéria de facto provada e não provada relativamente aos quais enunciou a resposta alternativa sustentada em meios de prova que identificou (documentos e testemunhas).

- Por fim, no que concerne à impugnação da decisão de direito (conclusões CC) a GG)) a recorrente insurgiu-se contra cada um dos argumentos que na sentença foram usados para justificar o resultado que foi declarado.


2. No despacho de convite ao aperfeiçoamento aludiu-se, em termos genéricos, às “conclusões”, sem distinção entre as conclusões sobre a matéria de facto e as conclusões sobre a matéria de direito.

Não se trata de um pormenor despiciendo. Ainda que se possa asseverar que o ónus de formular conclusões “de forma sintética”, nos termos que constam do nº 1 do art. 639º do CPC, se reporta a ambos os segmentos das alegações susceptíveis de integrar o recurso de apelação, os demais normativos do art. 639º, designadamente o seu nº 3, aplicam-se apenas às conclusões relacionadas com a matéria de direito; quanto às demais conclusões respeitantes à impugnação da decisão da matéria de facto rege o que está prescrito pelo art. 640º do CPC.

A partir desta divisão sistemática pode concluir-se, como conclui a generalidade da doutrina e da jurisprudência, que o despacho de convite ao aperfeiçoamento previsto no nº 3 do art. 639º visa exclusivamente as conclusões respeitantes à decisão de direito e que, quanto às conclusões atinentes à impugnação da decisão da matéria de facto, não está previsto tal despacho.

A comparação entre o nº 3 do art. 639º e o art. 640º parece-nos clara quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 14, Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II vol., pág. 462, e Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 170, nota 331).

Embora não esteja em causa apreciar agora se a amplitude de tal despacho abarca também as conclusões referentes à impugnação da decisão da matéria de facto, teria sido mais curial que, nesse pressuposto, fosse expressamente assinalado o vício da prolixidade relativamente a ambos os campos das conclusões ou, ao menos, mencionado não apenas o art. 639º, nº 3 (sobre as conclusões de direito), mas também o art. 640º (sobre as conclusões de facto).


3. A recorrente apresentou novas conclusões, mas fora do prazo legal. Mantendo-se a falha detectada no despacho de convite ao aperfeiçoamento, o Exmº Relator e, depois, a conferência, concluíram que não poderia tomar-se conhecimento do objecto do recurso na sua totalidade.


3.1. Dir-se-á, em primeiro lugar, que o despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, à semelhança do que expressis verbis se prevê relativamente aos articulados (art. 570º, nº 7, do CPC), constitui uma mera decisão preparatória. O recurso só pode ser interposto da decisão posterior em que se fixem efeitos jurídico-processuais (cfr. Ac. do STJ, de 7-10-14, www.dgsi.pt).

Por isso, independentemente da tempestividade das novas conclusões que foram apresentadas, o recorrente só poderia reagir, como reagiu, contra o acórdão que, com fundamento no incumprimento do convite ao aperfeiçoamento, retirou as consequências, ao abrigo do art. 639º, nº 3, do CPC.

Mas, estabelecido o confronto com as referidas conclusões, não encontra justificação a consequência drástica que foi retirada pela Relação de tal inacção. Ainda que a recorrente não tenha respondido (tempestivamente) ao convite formulado pela Relação, esta não poderia ter deixado de reanalisar o modo como a recorrente preencheu inicialmente o ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC; ao fazê-lo, a solução mais ajustada passava por considerar superado o ónus de alegação, procedendo à apreciação do mérito da apelação em ambas as vertentes da matéria de facto e da matéria de direito.

Ou seja, a consequência prevista no nº 3 do art. 639º do CPC (e que, como se disse, apenas abarca as conclusões referentes à matéria de direito) devem ser reservadas para falhas que, não tendo sido reparadas, justifiquem, pela sua gravidade, tal efeito, o que, como veremos, não ocorria no caso concreto.


3.2. Quanto às conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, não é líquida a amplitude e concretização do ónus do recorrente regulado no art. 640º do CPC, como o comprova a jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr. sobre a matéria J. Aveiro Pereira, O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, em O Direito, ano 141º, II tomo, págs. 309 e segs., e Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, anot. ao art. 640º).

As partes são por vezes confrontadas com soluções de pendor mais rigorista para justificar a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente pelo facto de não serem colocados nas conclusões todos os aspectos referentes à trilogia em que se decompõe o ónus regulado no art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC.

Mas um vasto sector da jurisprudência, com destaque para a deste Supremo Tribunal de Justiça, vem travando alguns excessos que se traduzem na rejeição injustificada de recursos de apelação em que se pretende a reapreciação da decisão da matéria de facto.

Destas divergências e da necessidade de combater tais excessos já se demos conta no recente Ac. do STJ, de 28-4-16, no proc. nº 1006/12 (www.dgsi.pt), deste mesmo colectivo, na mesma linha de outros arestos deste Supremo, com destaque para os Acs. do STJ, de 21-4-16, 18-2-16, 11-2-16, de 19-1-16, 3-12-15, 16-11-15, 29-10-15, 1-10-15 ou de 19-2-15 (cfr. ainda Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo CPC, 3ª ed., em anot. aos arts. 640º e 662º).


3.3. Concretizando, com base na jurisprudência mais recente deste Supremo (em www.dgsi.pt):

- No Ac. de 28-4-16, deste mesmo colectivo, para revogar um acórdão da Relação que seguira adoptara aquela matriz, considerou-se satisfeito o ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciou a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou. Acrescentou-se ainda que na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade;

- No Ac. do STJ, de 21-4-16 (Secção Social), para contrariar juízos diversos que foram expressos pela Relação no acórdão recorrido, explicitou-se que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º do CPC não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado;

- No Ac. do STJ, de 18-2-16 (Secção Social), o Supremo teve de declarar que não se exige ao recorrente, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente nas conclusões da alegação de recurso o alegado no corpo da mesma alegação;

- No Ac. do STJ, de 19-1-16, decidiu-se – contrariando o que afirmara a Relação – que a falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 640º do CPC, não implicava, só por si, a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto;

- No Ac. do STJ, de 22-10-15, observou-se que o sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº 1 do art. 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto;

- Por seu lado, o Ac. do STJ, de 1-10-15, revogou o acórdão recorrido numa situação em que o recorrente identificara os concretos pontos de facto que tem como mal julgados, indicado os meios de prova que deveriam ter conduzido a um resultado probatório diverso e transcrito parte dos depoimentos;

- Já no Ac. do STJ, de 1-10-15 (Secção Social) observou-se que não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados e as respostas alternativas propostas pelo recorrente, foram devidamente expostos na motivação os fundamentos da impugnação e os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1ª instância (solução também adoptado em dois outros Acs. do STJ, ambos datados de 18-2-16 (Secção Social));

- Por seu lado, no Ac. do STJ, de 9-7-15, decidiu-se que, tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos pontos da base instrutória, tendo i) indicado o depoimento das testemunhas que entendeu mal valorados, ii) fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e o início e termo dos mesmos e apresentado a sua transcrição e iii) referido qual o resultado probatório que deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar;

- O Ac. do STJ, de 19-2-15, que, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já o mesmo se não se afigura que a especificação dos meios de prova ou a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações. Considerou ainda o mesmo aresto que, tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ser proferida, e tendo especificado no corpo das alegações os meios de prova convocados e indicado as passagens das gravações dos depoimentos em foco, deveriam considerar-se preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC.


3.4. Ora, em face da divergência entre uma determinada interpretação veiculada por algumas Relações e a interpretação que vem sendo assumida por este Supremo, é perfeitamente compreensível – e legítimo - que os recorrentes, para evitarem eventuais consequências negativas emergentes de interpretações de pendor mais formalista, enunciem conclusões que, em certos casos, vão além do que resulta de um entendimento menos severo, como o que defendemos.

Neste contexto, para além de a norma do art. 639º, nº 3, não visar este segmento das conclusões, sempre seria inadequado extrair da opção da recorrente que, de certo modo, alinhou com exigências que emanam de alguns arestos das Relações, a rejeição do recurso de apelação.

Mais incisivamente: se em múltiplos arestos das Relações (ainda que contrariados por uma jurisprudência consistente deste Supremo) continua a ser veiculado um entendimento que exige dos recorrentes a apresentação de conclusões que respeitem a cada um dos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, do CPC, não se justifica que a Relação, a pretexto da prolixidade das conclusões, penalize o recorrente que na realidade se tenha limitado a corresponder a tais exigências.

Este o primeiro motivo para a recusa da solução encontrada pela Relação quanto ao segmento das conclusões relacionadas com a impugnação da decisão da matéria de facto.


3.5. Mas a revogação do acórdão recorrido encontra motivos mais profundos e atinam com o conteúdo das referidas conclusões, ao ponto de se poder afirmar, contra o que decidiu a Relação, que a exigência da sintetização se mostra razoavelmente cumprida.

Vejamos:

- As conclusões A) a D) reportam-se à nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

- Nas conclusões E) a BB) a recorrente insurge-se contra diversos segmentos da decisão da matéria de facto.

- Na conclusão E) assume uma posição de âmbito mais genérico contra o modo como o tribunal de 1ª instância formou a sua convicção, para logo na conclusão F) e também na conclusão G) concluir que deveriam ter sido considerados provados determinados factos, indicando quais os depoimentos testemunhais que determinariam esse resultado.

- Semelhante metodologia foi utilizada nas conclusões H) a P) quanto a 8 pontos de facto autónomos, não se entendendo de que outro modo poderia ser expressa pela recorrente a sua pretensão de forma a evitar que viesse a ser confrontada com o entendimento precisamente inverso que porventura exigisse para cada ponto de facto a enunciação dos meios de prova que sustentam a pretendida decisão e até, por vezes, a indicação da localização temporal dos depoimentos testemunhais quando é este o meio de prova indicado pelo recorrente.

- Já quanto as conclusões Q) e R) sintetizam a pretensão da recorrente de que se considere não provado um determinado facto, indicando os meios de prova que a isso conduziram. As mesmas seriam dispensáveis, segundo o entendimento que defendemos, mas a recorrente não estaria livre de se defrontar com uma posição diversa assumida na Relação sustentando uma tese diversa no que concerne ao cumprimento do ónus de alegação.


3.6. Em nosso entender não seria necessário formular conclusões contendo a resposta pretendida aos pontos de facto impugnados (conclusões F) a R)), uma vez que essas respostas já constavam da motivação, sendo isto suficiente para preencher o ónus de alegação do art. 640º, nº 1, al. c), do CPC.

Porém, face ao teor de certos acórdãos que emanam de algumas Relações (incluindo da Relação de Lisboa), é injustificado extrair de uma diversa opção da recorrente consequências negativas relativamente ao mérito do recurso que interpôs.

Dispensáveis parecem ser apenas as conclusões S) a BB) que expressam tão só o entendimento da recorrente acerca da valoração de certos depoimentos testemunhais que foi feita pelo tribunal de 1ª instância.

Mas mesmo em relação a tais conclusões se poderá asseverar que estão na linha de um determinado entendimento veiculado por alguns arestos das Relações no que concerne ao preenchimento dos ónus de alegação, não sendo curial extrair da opção do recorrente um efeito tão gravoso quanto o declarado pela Relação e que, como se disse, nem sequer contra com o apoio legal do art. 639º, nº 3.

Por conseguinte, não se justificava, no caso, a rejeição do recurso de apelação no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto.


3.7. Outro tanto acontece quanto às conclusões de direito.

A recorrente em cada uma das conclusões CC) a EE) insurge-se contra cada um dos diversos fundamentos empregues na sentença para afirmar a existência de uma situação de incumprimento por parte da A.:

- Incumprimento decorrente da falta de pagamento de montantes de cobrança duvidosa (CC));

- Incumprimento por falta de liberação dos avales prestados pelos RR. e por falta de distrate da hipoteca, com referência a uma cláusula do contrato-promessa (DD));

- Incumprimento de períodos de dois anos para contratos de trabalho celebrados com os 1º e 2º RR (EE));

- Já nas conclusões FF) e GG) a recorrente tomou posição sobre as conclusões que foram extraídas na sentença quanto à actuação dos RR. que, em sua opinião, revelariam uma situação de incumprimento daquilo a que se obrigaram.


3.8. A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Fundamentos traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito, cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida. As conclusões - em geral - exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, do CPC.

Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no nº 2, tendo sido expressamente adoptada uma solução paliativa que possibilita a sua superação através de despacho de convite ao aperfeiçoamento (art. 639º, nº 3, do CPC).

Porém, o facto de o relator ter assinalado no despacho de convite determinadas irregularidades não implica que deva retirar invariavelmente do incumprimento do despacho a rejeição liminar do recurso (cfr. o já citado Ac. do STJ, de 7-10-14, em www.dgsi.pt).

Na verdade, o despacho de convite não está coberto pela força do caso julgado, nem se esgotam com a sua prolação os poderes do juiz na apreciação da situação e dos efeitos que devem ser determinados. Pelo contrário, o relator deve reanalisar a situação e verificar se efectivamente a concreta situação suporta as consequências que estão genericamente previstas no nº 3 do art. 639º do CPC.


3.9. No caso concreto, como o revela a análise das concretas conclusões respeitantes à matéria de direito, de modo algum se justificava a emissão de um despacho de convite ao aperfeiçoamento.

Nem sequer serve de pretexto a falta de indicação das normas jurídicas violadas que foi assinalada no despacho de convite ao aperfeiçoamento pela simples constatação que o incumprimento que constituiu a razão da divergência entre a recorrente e a sentença recorrida é reportado essencialmente ao que estava previsto no contrato ajuizado, colocando num plano secundário as normas jurídicas relacionadas com essa matéria.

De qualquer modo, in casu, para além de não ser legítima a extracção de efeitos automáticos derivados do não acatamento tempestivo do despacho de convite ao aperfeiçoamento, a rejeição total do recurso de apelação revela-se manifestamente desproporcionada em face do teor das conclusões que foram apresentadas e do contexto processual em que estão integradas.


4. Por conseguinte, além de não se justificar o despacho genérico de convite ao aperfeiçoamento, não se verificavam as condições para rejeitar tanto a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto como da matéria de direito.

Com efeito:

- O facto de a recorrente não ter reagido contra o despacho de convite ao aperfeiçoamento (reacção que a lei nem sequer admitia) e de não ter apresentado novas conclusões tempestivas não eliminava a possibilidade e a necessidade de a Relação atentar de novo no teor das alegações e das conclusões inicialmente apresentadas;

- As conclusões das alegações revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos arts. 639º e 640º do CPC;

- As conclusões nem sofrem do vício da prolixidade que justificasse a prolação de um despacho de convite ao aperfeiçoamento, nem implicam um efeito tão gravoso como aquele que foi extraído pela Relação.


IV – Face ao exposto, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos à Relação para que seja apreciado o mérito da apelação em ambas as vertentes da matéria de facto e da matéria de direito.

Custas da revista a cargo da parte vencida a final.

Notifique.

Lisboa, 9-6-16


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo