Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1037/12.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO
TRABALHO POR TURNOS
Data do Acordão: 10/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / EMPREGADOR E A EMPRESA / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / HORÁRIO DE TRABALHO - DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO.
Doutrina:
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 352, 356.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 97.º, 200.º, N.º1, 212.º, N.ºS 1 E 2, 217.º, N.ºS1 E 4, 478.º, N.º1.
Sumário :
I- O horário de trabalho constitui um esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do seu período normal de trabalho, compreendendo o número de horas diárias e semanais que está contratualmente obrigado a prestar ao longo do dia e da semana, as horas de entrada e de saída, os intervalos de descanso, e o dia de descanso semanal.

II- É ao empregador que cabe estabelecer o horário de trabalho, inscrevendo-se a atribuição deste direito no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho que a lei lhe reconhece no artigo 97º do CT.

III- A lei reconhece ao empregador o poder de alterar, unilateralmente, o horário de trabalho dum seu trabalhador por necessidades organizativas da empresa, conforme decorre do n.º 1 do artigo 217º do CT, apenas não o podendo fazer se este tiver resultado de acordo expresso em sede do contrato individual de trabalho (nº 4).

IV- A alteração do horário de trabalho é susceptível de forçar o trabalhador a reorganizar a sua vida, pelo que a lei rodeia essa possibilidade de cautelas significativas, estabelecendo o artigo 217.º um conjunto de exigências, entre as quais se conta o dever de ressarcimento económico dos trabalhadores que, por força da alteração do horário, tenham que suportar um aumento de despesas.

V- No que respeita às carreiras de condução/ferrovia/tracção, a colocação de um trabalhador numa determinada escala diferente da que vinha praticando não consubstancia uma alteração ao horário de trabalho para os efeitos do artigo 217º do CT, por o trabalho em regime de turnos ser inerente ao exercício de funções das categorias que integram essa carreira, estando, pela sua própria natureza, estes trabalhadores sujeitos à variação de horário decorrente da sua inserção nas escalas de serviço que lhes for fixada.

VI- Tendo a empresa na elaboração desses horários a partir de 1/6/2009, dado integral satisfação ao disposto no nº 1 da cláusula 20ª-A do AE-CP/SMAQ/2003, alterando a hora de entrada ao serviço para as 6h30 de modo a adequá-la aos horários de funcionamento dos transportes públicos da grande área urbana do Porto, nada tem que pagar em virtude do trabalhador ter dificuldade de conciliar o seu horário com os transportes ferroviários disponíveis a partir da sua residência para o seu local de trabalho e vice-versa.
Decisão Texto Integral:

         ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: 

1----

AA instaurou, em 13/3/2012, uma acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra

CP - Caminhos de Portugal, EPE, pedindo a sua condenação a pagar-lhe o seguinte:

- 33.903,36 euros, devidos por aplicação da Cláusula 20ª-A do AE CP/SMAQ;

- ou, subsidiariamente 32.136 euros como compensação económica pelo aumento das despesas resultantes da alteração do horário de trabalho, em conformidade com o CT;

- em qualquer dos casos, pede ainda o pagamento de 15.000 euros, a título de compensação pela violação dos seus direitos de personalidade.

 

Para sustentar estas pretensões alegou, no essencial, o seguinte:

 

- Exerce as funções de Inspector de Tracção no Depósito de Tracção da R de Contumil, Porto, ao qual foi afecto em Setembro de 2005. Em Março de 2007, tendo a unidade de negócios "CP Regional" sido dividida em "CP Regional" e "CP Longo Curso", concorreu e ficou afecto à segunda por lhe permitir manter o seu horário inicial, estando previsto para este posto o horário das 09:00 às 17:00 horas.

- Foi por causa do horário que para ali concorreu, porquanto reside em Viseu desde 2001 e aquele horário era conciliável com os comboios que serviam a estação de ..., próxima da sua residência.

- Porém, em 01/04/2009, a Ré alterou o seu horário para 06:00-14:00 ou 14:00- 22:00, o que passou a impedi-lo de usar diariamente os comboios na sua deslocação para casa, como sempre fizera, por os mesmos não servirem a estação de ... a horas compatíveis.

Desta alteração resultou ter passado a usar a sua viatura própria, tendo que nela percorrer cerca de 260 quilómetros em cada dia de trabalho, tendo a Ré pago, até 1 de Junho de 2009, as despesas que suportou nos dias trabalhados com entrada às 06:00 horas.  

No entanto, a partir desta data e até 15/08/2010, a Ré alterou de novo o horário para 06:30-14:30 ou 14:00-22:00 - o que manteve a necessidade deste se deslocar na sua viatura pessoal entre Viseu e o seu local de trabalho,  mas sem o pagamento de qualquer valor pela Ré.

Reclamou, por isso, o pagamento das deslocações efectuadas em todo aquele período, que computou em € 32.136 referentes aos 87.360 quilómetros percorridos, já deduzidos dos € 7.020 pagos em Abril e Maio de 2009 - a que acrescem € 5,26 por cada um dos 336 dias trabalhados, a título de ajudas de custo, no total de € 1.767,36, sendo o valor somado, de quilómetros e ajudas de custo, de € 33.903,36.

Mais alegou e concretizou prejuízos de natureza não patrimonial sofridos na sequência do comportamento da Ré, pelos quais pediu o respectivo ressarcimento em € l5.000.

Realizada audiência de partes, e não tendo esta derivado na sua conciliação, veio a R contestar, contrapondo, em síntese:

- O Autor sempre trabalhou para a Ré em conformidade com escalas de serviço, estando por isso sujeito às necessidades de rotatividade;

- Entre 01/09/2005 e 31/01/2007, ficou afecto ao Depósito de Tracção de Contumil, lugar a que concorreu para a categoria de Inspector de Tracção e em que existiam 3 turnos que o A. assegurava rotativamente, em conformidade com a escala de serviço;

- Em 2007, na sequência da reestruturação, o A. ficou voluntariamente afecto ao Posto de Tracção de Contumil, com período de laboração contínua e sem promessa de qualquer horário de trabalho, pese embora viesse a ser praticado um turno único das 09:00 às 17:00 horas para a gestão de material motor e de pessoal;

- Em Abril de 2009, reavaliadas as necessidades, foram criados os dois turnos referidos pelo Autor, mantendo-se um terceiro para os acompanhamentos;

- Constatou-se, porém, que à hora de início do primeiro havia falta de transportes públicos que servissem Contumil, razão por que a Ré pagou ao A. a respectiva compensação em todos e apenas nos 28 dias em que o A. entrou às 06:00 horas, e, em conformidade com o AE, alterou esse início para as 06:30.

Com tal alteração, tendo já os trabalhadores acesso a Contumil através da rede de transportes públicos, entende que nada mais tem de pagar (tanto mais que é irrelevante se os transportes públicos servem ou não o local de residência).

Pugna assim pela absolvição dos pedidos. E sustentando que o Autor alterou a verdade dos factos, litiga de má-fé, pedindo a respectiva condenação em indemnização a fixar pelo Tribunal.

Respondeu o A, impugnando a má-fé.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto e a fixação da base instrutória.

E tendo o processo prosseguido com a realização da audiência de discussão e julgamento, foi, subsequentemente, proferida sentença, nos seguintes termos:

“Em face do exposto, e por aplicação das mencionadas normas jurídicas, julgo a acção parcialmente procedente e, em conformidade:

1. Condeno a Ré a pagar ao Autor

a) a título de compensação pelo aumento das despesas sofridas com a alteração do horário de trabalho entre 01/04/2009 e 15/08/2010, o valor vier a ser apurado em posterior liquidação e que corresponderá àquele que foi aprovado para os funcionários do regime geral da Administração Publica pelo uso de viatura própria, multiplicado por 260 quilómetros por cada dia de trabalho prestado em que o Autor tenha usado a sua viatura nas deslocações de e para a sua residência em Viseu, descontado o valor já pago em Abril e Maio de 2009, tudo até ao limite de € 32.136,00; b) € 5.000,00 - como compensação pelos prejuízos não patrimoniais resultantes de a Ré não ter pago, em tempo, a compensação referida na alínea que antecede.

2. Absolvo a Ré do mais peticionado.

3. Declaro não verificada a má-fé do Autor, razão por que a absolvo do respectivo pedido.”

Inconformada com essa decisão apelou a R, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso, e revogando a sentença recorrida, absolveu a R dos pedidos deduzidos pelo Autor.

 

É agora este que, irresignado, nos traz revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões:

            Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no processo nº 1037/12.2TTLSB que considerou parcialmente procedente a acção com processo comum, em que a Ré ora Recorrida foi condenada no pagamento ao A. ora Recorrente de uma compensação pelo aumento das despesas sofridas com a alteração do horário de trabalho entre 1 de Abril de 2009 e 15 de Agosto de 2010, no valor que vier a ser apurado em liquidação de sentença e que corresponderá aquele que for aprovado para os funcionários do regime geral da Administração Pública pelo uso de viatura própria, multiplicado por 260 quilómetros por cada dia de trabalho prestado em que o Recorrente tenha usado a sua viatura nas deslocações de e para a sua residência em Viseu, descontado o valor já pago pela Recorrida em Abril e Maio de 2009, tudo até ao limite de € 32.136, bem como no pagamento de uma compensação pelos prejuízos não patrimoniais resultantes do facto de a Recorrida não ter pago a compensação acima referenciada em tempo, no valor de € 5.000.

A prova testemunhal produzida em audiência foi clara quando se disse que o Recorrente terá pernoitado por duas ou três vezes no seu posto de trabalho que é demonstrativo de que foram raras as vezes em que o Recorrente o fez no período compreendido entre 1 de Abril de 2009 e 15 de Agosto de 2010.

A concretização, nos termos da sentença recorrida, dos dias em que tal aconteceu seria objecto de análise aquando da sua liquidação, pelo que não há que proceder, neste particular, a qualquer ampliação da factualidade, concordando-se nesta parte com o acórdão recorrido.

Resulta dos horários dos comboios indicados pela Recorrida para se verificar que a sua pretensão seria que naquele período o Recorrente não pudesse gozar o tempo de descanso entre jornadas de trabalho a que legalmente tem direito.

Pretendeu a Recorrida que o Recorrente conduzisse cerca de 101 km entre ... e Aveiro, de madrugada, por vezes em difíceis condições de visibilidade e de piso, para ainda ter que fazer uma deslocação em comboio de cerca de 1 hora e 45 minutos, e de seguida efectuar uma jornada de trabalho em condução de comboio, e o inverso no regresso.

A Recorrida, como consta da sentença, ponto 28 da factualidade, pagou ao Recorrente as devidas deslocações até Junho de 2009, pois tinha conhecimento das condições a que o Recorrente estava sujeito nestas deslocações devidas à alteração de horário única e exclusivamente da responsabilidade da Recorrida e não desconhecia esta que com tal alteração de horário o Recorrente deixava de ter transporte compatível com os seus horários desde ....

A Recorrida nada mais tinha a fazer do que pagar nos termos aplicáveis as deslocações ao Recorrente, por frustrar as expectativas que este tinha quanto à possibilidade de acesso a baixo custo ao seu local de trabalho em Contumil, pelo que não pode proceder a ampliação da factualidade pretendida pela Recorrente nesta matéria.

O AE SMAQ/CP tem aplicação no caso em apreço, mas também o têm as normas do CT, e, ao invés do que o acórdão recorrido pretende, o mesmo campo de aplicação.

A sentença recorrida decidiu, e bem, que se aplicam as regras do AE no que toca ao pagamento de abono de transporte desde a residência do trabalhador até ao local onde se deve este iniciar, pois as escalas de serviço devem ser elaboradas de modo a não prever, nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, entradas e saídas que não tenham em consideração os horários de funcionamento desses transportes.

Quando tal não aconteça, na normalidade da fixação de horários pela Recorrida, deve verificar-se o pagamento pela Recorrida de abono de transporte desde a residência do trabalhador até ao local onde a prestação de trabalho se deve iniciar.

Havendo uma alteração da escala, e consequentemente, de horário, aí terá aplicação o número 5 da Cláusula 20º-A do AE SMAQ/CP, sendo nessa exacta medida de compensação do acréscimo de despesas de transporte entre a residência até ao local onde a prestação de trabalho se deve iniciar, por sem a alteração ao horário, tal acréscimo não se verificaria.

O Recorrente não tinha, nos termos da Cláusula 74º do AE SMAQ/CP, que aceitar a pernoita naqueles termos.

Caso a Recorrida continuasse a efectuar o devido abono para deslocações, tal não deixaria o agregado familiar do Recorrente em difícil situação económica, podendo assim este acompanhar a sua família, pelo que claramente a haver acréscimo de despesas é da inteira responsabilidade da Recorrida.

Os trabalhadores da Recorrida que prestem trabalho em horário fixo, por turnos ou por escalas têm, como os demais trabalhadores portugueses, um horário de trabalho que, como o é, está sujeito a alterações que têm o regime e as consequências legalmente previstas, entre elas a do artigo 217º do CT.

Mais ainda, até à entrada em vigor do CT de 2003, a Recorrida poderia ter defendido a aplicabilidade do Decreto nº 381/72, de 9 de Outubro, que previa regras específicas quanto às empresas de transporte ferroviário.

Tendo os seus respectivos diplomas fundamentadores sido expressamente revogados pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto - alíneas a) e b) do número 1 do seu artigo 21°, deixou também de ter aplicação o Decreto, pelo que, porque não respeita à mesma obrigação prevista na Cláusula 20ª-A do AE SMAQ/CP, tem plena aplicação o número 5 do artigo 217º do CT.

Não releva assim para o caso sub judice o tipo de serviço prestado pela Recorrida, nem estamos perante alguma relação de especialidade de normas jurídicas, uma vez que a aplicação do Código de Trabalho decorre da alteração do horário de trabalho imposta unilateralmente ao Recorrente pela Recorrida, que modificou os termos em que este acederia ao e do seu local de trabalho, nem relevando a especificidade da carreira do Recorrente.

Verificou-se efectivamente uma alteração ilegal do horário de trabalho do Recorrente, tendo nesta parte o acórdão ora recorrido errado na aplicação do direito.

Não se pode também furtar a Recorrida ao pagamento de compensação por danos não patrimoniais tentando imputar ao Recorrente a realização do acréscimo de despesas, pois se no início da alteração imposta ao Recorrente chegou efectivamente a efectuar o seu pagamento, não pode mais tarde, fruto de nova alteração, deixar de o fazer.

Pede-se assim a revogação do acórdão recorrido, com a consequente manutenção da condenação da R nos termos constantes da sentença da 1ª instância.

A recorrida CP também alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:

:

I - INDEFERIMENTO DO RECURSO - Alínea b) do n.2 do artigo 641º do CPC, ex vi do n.º 5 do artigo 81º do C PT.

As alegações e respectivas conclusões, apresentadas pelo recorrente, reproduzem “ipsis verbis” - as únicas alterações detectadas têm que ver com a adequação das referências a recorrente e recorrido - as contra-alegações por este apresentadas em resposta ao recurso de apelação da sentença, proferida em primeira instância, interposto pela recorrida.

A coincidência das peças processuais apresentadas pelo recorrente em diferentes momentos - as primeiras como resposta aos fundamentos do recurso pela ora recorrida e as segundas como impugnação do acórdão proferido - não teria qualquer relevância se os fundamentos de um e outro fossem fundamentalmente idênticos, contudo assim não sucede, pois embora a conclusão seja idêntica o enquadramento jurídico é diverso.

Sendo o recurso um meio de impugnação de uma decisão judicial, através do qual se pretende ver aquela reponderada, deverão as alegações ser apresentadas com o objectivo de contrariar, argumentar e impugnar os fundamentos em que se alicerça a decisão posta em crise.

Contudo, o recorrente não apresenta quaisquer argumentos sobre a decisão impugnada, fazendo em toda a peça referência única às alegações da recorrida aquando do recurso de revista.

Como sabemos, o ónus de alegar que recai sobre o recorrente traduz-se na indicação dos fundamentos porque pretende a alteração ou a anulação de uma decisão, ónus que como se viu não foi cumprido pelo recorrente - cf. n.º1 do artigo 639° do CPC ex vi do nº 5 do artigo 81º do CPT.

Se das alegações não constarem os fundamentos da discordância do recorrente relativamente à decisão proferida, tratando-a como se não existisse, como é o caso, o mesmo equivalerá a falta de alegação, o que acarreta o indeferimento do recurso - cf. primeira parte do nº 2 do artigo 637° do CPC e alínea b) do nº 2 do artigo 641°,  ambos do CPC, ex vi do nº 5 do artigo 81º do CPT - Ac. STJ 10/10/2007 (Proc. nº 7P3197); Ac. STJ 19/04/2007 (Prc. Nº 07P620) e Ac. STJ 12/04/2007 (proc.n.07P516) in www.dqsi.pt.

Deste modo, considerando que as alegações apresentadas não fazem incidir o seu esforço argumentativo sobre os pontos concretos da fundamentação em que se alicerça a decisão recorrida e que, no entender do recorrente, sejam criticáveis, é forçoso concluir pela falta de alegações, fundamento de indeferimento do recurso nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 641º do CPC ex vi do nº 5 do artigo 81º do CPT.

Por outro lado, no que respeita às conclusões apresentadas devemos ainda evidenciar que aquelas não identificam o fundamento específico de recorribilidade, elemento obrigatório e essencial do recurso nos termos do disposto no nº 2 do artigo 637° do CPC, ex vi do nº 5 do artigo 81º do CPT e sem o qual o recurso deverá ser indeferido.

Sem conceder e ainda no que se refere às conclusões, não podemos deixar de referir que para além de não identificarem o fundamento específico do recurso, também não indicam as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada, elementos considerados essenciais ao recurso uma vez que a sua falta ocasiona o convite ao seu aperfeiçoamento - cf. nºs 2 e 3 do artigo 639º do CPC.

Contudo, não obstante a evidente falta de indicação desses elementos, consideramos que, no caso dos autos, este convite ao aperfeiçoamento não é aplicável.

Vejamos:

Se é nas alegações que o recorrente expõe os fundamentos do recurso, as conclusões não são - aliás não podem ser, mais que a reprodução sintética dos argumentos já aduzidos nas primeiras e que no entender do recorrente, defendem a alteração ou anulação da decisão.

Considerando que as alegações apresentadas pelo recorrente não especificam os fundamentos concretos de discordância com o acórdão proferido, como supra se teve oportunidade de demonstrar, não podem as conclusões agora, por via do aperfeiçoamento, extravasar o conteúdo das alegações, sob pena de não poderem vir a ser consideradas.

Entendimento preconizado pela doutrina: "O completamento, o esclarecimento ou a condensação das conclusões não deve, porém, ser pretexto para que o recorrente ofereça nova alegação que exorbite a anterior: o convite destina-se a suprir o vício de que padecem as conclusões e não a modificar as questões suscitadas e os fundamentos invocados pelo recorrente." - in "Dos Recursos" de Luís Correia Mendonça e Henrique Antunes, p. 180.

Defendemos pois, que se as conclusões apresentadas são a síntese das alegações e embora não reflictam os elementos referidos nas alíneas do nº.2 do artigo 639º do CPC não podem vir a ser aperfeiçoadas.

Admitir-se essa possibilidade de aperfeiçoamento das conclusões, corrigindo desse modo a falta de alegações, ocasionaria necessariamente um alargamento excessivo, injustificado e contrário à lei, do prazo de recurso e consubstanciaria a possibilidade extemporânea de corrigir erros insanáveis.

II - No caso de assim não se entender, o que só por mero dever de patrocínio se admite, e seja deferido o recurso, deve dizer-se que:

Embora o douto acórdão proferido alicerce a sua decisão em enquadramento jurídico diverso do alegado pela recorrente em sede de recurso de apelação, considera que os argumentos aduzidos são coerentes, revendo-se nos mesmos, acompanha integralmente o douto acórdão proferido.

Pelo que se pugna pela confirmação definitiva do regime jurídico aplicado aos factos em discussão nos autos constante do acórdão ora em crise.

Pede assim que se indefira o requerimento de recurso por incumprimento 1 do ónus de alegar, nos termos e para os efeitos dos disposto no n.º1 do artigo 639º e alínea b) do nº 2 do artigo 641°, ambos do CPC, ex vi do nº 5 do artigo 81º do CPT.

            Caso assim se não entenda, pugna a recorrente pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção do acórdão recorrido.

            Subidos os autos a este Supremo Tribunal, proferiu o relator despacho a admitir o recurso, considerando que, embora as alegações e conclusões do recorrente não sejam de modo algum modelares, contêm o mínimo indispensável para se compreender as razões da sua discordância em relação ao acórdão recorrido.

            E tendo-se ordenado o cumprimento do nº 3 do artigo 87º do CPT, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da confirmação do julgado, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer reacção.

            Cumpre decidir.     

2----

            Para tanto, temos de atender à seguinte matéria de facto, que as instâncias apuraram:

1. Em 04/06/1990, o Autor foi admitido ao serviço da Ré com a categoria de maquinista.

2. O Autor é sindicalizado no Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses.

3.   Desde Setembro de 2001 que o Autor reside em Viseu.

4.  Ambas as partes reconhecem nos autos que a distância da residência do Autor até Contumil se situa na ordem dos 130 quilómetros.

5. A utilização por transporte ferroviário não importava qualquer custo aos trabalhadores da CP, incluindo o Autor.

6. O Autor utilizava o transporte ferroviário entre a sua residência (estação de ...) e o local de trabalho.

7. A Ré organizava o serviço mediante escalas, as quais eram elaboradas segundo os critérios de gestão da Ré na perspectiva, designadamente, de garantir os períodos de descanso obrigatórios, a prestação efectiva do serviço público de transporte e a circunstância de o início e o fim dos horários dos trabalhadores ser servido, no local de trabalho, pela rede de transportes públicos, não contando para tanto com os locais em que cada trabalhador residia.

8. Em Setembro de 2005, foi colocado no Depósito de Tracção de Contumil, Porto, por ter concorrido para esse lugar e para a categoria de Inspector de Tracção.

9. O aviso de concurso não previa qualquer horário de trabalho em particular.

10. O Depósito de Tracção de Contumil tinha um período de funcionamento de laboração contínua assegurado por 3 (três) turnos de gestão de material motor, a saber:

das 00:00 às 08:00 horas,

das 08:00 às 16:00 horas e

das 16:00 às 00:00 horas

1 (um) turno de gestão de pessoal- entre as 08:00 e as 16:00 horas;

Turnos de acompanhamentos de comboios.

11. O Autor prestava as suas funções em qualquer um dos turnos, consoante aquele que lhe fosse atribuído na escala.

12. Por vezes, nas deslocações de e para a residência, o Autor ia apanhar o comboio que passa por Aveiro, que tinha um horário compatível.

13. O Autor esteve afecto ao referido Depósito de Tracção de Contumil até 31/01/2007.

14. Na sequência de uma reestruturação que efectuou, a Ré criou duas unidades: a "CP Regional" e a "CP Longo Curso".

15. O Depósito de Tracção de Contumil manteve-se em funcionamento sob a gestão da CP Regional e, embora se situem no mesmo local - o Depósito (CP Regional) e o Posto (CP Longo Curso) - constituíam unidades independentes.

16. O Posto de Tracção de Contumil geria a circulação ferroviária e o pessoal afecto à CP Longo Curso.

17. Em 01/02/2007, de forma voluntária, porque nisso viu vantagens em termos dos horários que acreditou virem a ser praticados, o Autor passou a ficar afecto à "CP Longo Curso" e, nessa sequência, ao Posto de Tracção de Contumil.

18. Apesar da possibilidade de laboração contínua do Posto, designadamente com turnos de acompanhamento de comboios, o Autor efectuava o horário das 9:00 às 17:00 horas, destinado à gestão do material motor e de pessoal.

19. Contumil encontra-se inserido na área urbana do Porto e é servido por uma rede regular de transportes públicos (comboios, autocarros e metro) nas horas das 06:30 e 00:00 horas.

20. Em 01/04/2009, reponderadas as necessidades no Posto de Tracção de Contumil, a Ré criou 2 novos turnos de 8 horas cada, rotativos, mantendo-se os de acompanhamentos:

das 06:00 às 14:00 horas e

das 14:00 às 22:00 horas.

21. Com esta alteração o Autor deixou de poder usar o transporte ferroviário desde e para a sua residência, estação de ..., por não dispor de horários compatíveis.

22. Na estação que serve a residência do Autor - estação de ... - o primeiro comboio passa às 05:57 horas de segunda-feira a sábado e às 07:03 horas de domingo, com ligação em Coimbra para Contumil onde têm horas de chegada, respectivamente, às 08:44 e 09:44 horas.

23. No sentido contrário, o último comboio com ligação a ... parte de Contumil às 18:45 horas, estabelece ligação em Coimbra e tem hora de chegada a ... às 21:43 horas.

 24. Nessa sequência, o Autor passou a utilizar a sua viatura própria desde e para a sua residência.

25. Durante o mês de Abril de 2009, o Autor trabalhou:

12 dias entre as 06:00 e as 14:00 horas - nos dias 1, 2, 9 a 13 e 25 a 29;

12 dias entre as 14:00 e as 22:00 horas - nos dias 3 a 5, 8, 15 a 21 e 24.

26. Nos dias referidos na alínea a) que antecede, a Ré pagou ao Autor os quilómetros percorridos nas deslocações com a sua viatura própria, à razão de 260 quilómetros por dia e €0,40 por quilómetro.

27. Durante o mês de Maio de 2009, o Autor trabalhou:

a) 16 dias entre as 06:00 e as 14:00 horas - nos dias 1 a 3, 12, 13, 17 a 22, 24 e 27 a 30;

b) 7 dias entre as 14:00 e as 22:00 horas - nos dias 4 a 6, 11, 14, 15 e 31.

28. Nos dias referidos na alínea a) que antecede, a Ré pagou ao Autor os quilómetros percorridos nas deslocações com a sua viatura própria, à razão de 260 quilómetros por dia e €0,40 por quilómetro.

29. A referida situação no Posto de Tracção de Contumil manteve-se até 31/05/2009.

30. Em 01/06/2009, por ter constatado a ausência de transportes públicos que servissem Contumil e pudessem ser usados pelos trabalhadores afectos ao turno das 06:00 horas, a Ré alterou aquele turno para o período das 06:30 às 14:30 horas.

31. O Autor continuou a utilizar o seu automóvel particular, pelas razões mencionadas em 21.

32. Durante o mês de Junho de 2009, o Autor trabalhou durante 14 dias.

33. Durante o mês de Julho de 2009, o Autor trabalhou durante 23 dias.

34. Durante o mês de Agosto de 2009, o Autor trabalhou durante 13 dias.

35. Durante o mês de Setembro de 2009, o Autor trabalhou durante 16 dias.

36. Durante o mês de Outubro de 2009, o Autor trabalhou durante 20 dias.

37. Durante o mês de Novembro de 2009, o Autor trabalhou durante 18 dias.

38. Durante o mês de Dezembro de 2009, o Autor trabalhou durante 20 dias.

39. Durante o mês de Janeiro de 2010, o Autor trabalhou durante 14 dias.

40. Durante o mês de Fevereiro de 2010, o Autor trabalhou durante 20 dias.

41. Durante o mês de Março de 2010, o Autor trabalhou durante 23 dias.

42. Durante o mês de Abril de 2010, o Autor trabalhou durante 19 dias.

43. Durante o mês de Maio de 2010, o Autor trabalhou durante 21 dias.

44. Durante o mês de Junho de 2010, o Autor trabalhou durante 23 dias.

45. Durante o mês de Julho de 2010, o Autor trabalhou durante 22 dias.

46. Durante o mês de Agosto de 2010, o Autor trabalhou durante 14 dias.

47. O Autor deslocou-se de para a sua residência na maior parte dos dias trabalhados, em quantidade não concretamente apurada.

48. Pelas deslocações realizadas nos meses de Junho de 2009 e seguintes, a Ré nada mais pagou ao Autor.

49. A situação manteve-se até 15/08/2010.

50. Com as referidas deslocações, que implicavam designadamente mais combustível e mais gastos com a manutenção da viatura, o Autor viu aumentadas as despesas para um montante que o seu vencimento não conseguia suportar.

51. Nos anos de 2009 e 2010 o Autor registou, respectivamente, €26.804,63 e €28.344,29 de rendimentos do trabalho.

52. Não se lhe conhecem outros rendimentos além dos do trabalho.

53. A esposa encontrou-se desempregada nos anos de 2009 e 2010.

54. O Autor deixou de ter condições económicas para prover às necessidades do agregado familiar.

55. Tal situação fez com que a esposa e os filhos do Autor tivessem de ir para casa dos sogros deste, em Lisboa, tendo ficado a cargo dos mesmos durante cerca de 1 ano.

56. O A. passou a oferecer-se para trabalhar nos dias que lhe pertenciam como de descanso, a fim de aumentar os rendimentos do trabalho.

57. Passou a ir visitar a família nos dias de descanso, por vezes de 15 em 15 dias.

58. Pelas dificuldades económicas, passou a omitir algumas refeições.

59. A situação descrita causou sofrimento ao Autor.

60. Sentia-se cansado, amargurado e triste.

61. A Ré sugeriu que o Autor pernoitasse no hotel usado pelos maquinistas, a expensas da empresa, sempre que não fosse a casa - o que o A. não aceitou.

62. Em 15/08/2010, o Autor passou a entrar às 10:00 e a sair às 18:00, o que já lhe permitia utilizar o transporte ferroviário nas deslocações entre a residência e o local de trabalho, situação que se mantém.

 

3---

            E decidindo:

A questão que se coloca reconduz-se, no essencial, em saber se o Tribunal a quo errou ao não considerar aplicável o nº 5 do art.º 217.º do CT/2009, pois embora o início da relação laboral remonte a 4/06/1990, ainda em plena vigência da LCT, os pedidos deduzidos pelo A. têm por base factos ocorridos entre 1 de Junho e 15 de Agosto de 2009, data em que já vigorava o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

De qualquer modo, para além deste diploma, e atenta a filiação sindical do Autor, temos ainda que atender ao Acordo de Empresa celebrado entre a CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., e o SMAQ - Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses, publicado no BTE nº 35, de 22 de Setembro de 2003.

Pugna o recorrente pela repristinação da sentença condenatória da R proferida pela 1ª instância, invocando nas suas conclusões que se verificou uma alteração ilegal do seu horário de trabalho.

Temos, no entanto, de considerar esta alegação absolutamente insubsistente, pois a sentença da 1ª instância foi inequívoca no sentido de admitir que a R podia, legalmente, alterar o horário de trabalho do A ora recorrente, tal como fez.

Por isso, não tendo este reagido contra este segmento da decisão, não pode agora suscitar a questão da legalidade desta alteração, por a mesma ter ficado definitivamente resolvida.   

 Assim, o que verdadeiramente está em causa no recurso é saber se, apesar desta alteração do horário de trabalho do A ter sido legal, o nº 5 do artigo 217º do CT/2009 impõe que a recorrida tenha de pagar ao trabalhador as despesas que este teve de suportar por ter de efectuar as viagens entre Contumil e Viseu, seu local de residência, na sua viatura pessoal, quando antes tinha um horário de entrada e saída do trabalho que lhe permitia usar os comboios da empresa, que são gratuitos para os seus funcionários.

Efectivamente, sendo funcionário da R desde 04/06/1990, ao serviço de quem exercia as funções da categoria de maquinista, o A, desde Setembro de 2001 reside em Viseu, que dista de Contumil 130 quilómetros.

            Em Setembro de 2005, o A foi colocado no Depósito de Tracção de Contumil, Porto, por ter concorrido para esse lugar e para a categoria de Inspector de Tracção, não prevendo o aviso de concurso qualquer horário de trabalho em particular.

            O Depósito de Tracção de Contumil tinha um período de funcionamento de laboração contínua, que era assegurado por 3 (três) turnos de gestão de material motor, a saber:

das 00:00 às 08:00 horas,

das 08:00 às 16:00 horas e

das 16:00 às 00:00 horas;  

por um turno de gestão de pessoal - entre as 08:00 e as 16:00 horas;

 e tinha turnos de acompanhamentos de comboios.

O A exercia funções em qualquer um dos turnos, consoante aquele que lhe fosse atribuído na escala, tendo estado afecto ao Depósito de Tracção de Contumil até 31/01/2007.

 

 No entanto, e na sequência de uma reestruturação que efectuou, a Ré criou duas unidades: a "CP Regional" e a "CP Longo Curso", que embora constituíssem unidades independentes funcionavam ambas em Contumil.

Em 01/02/2007, por opção pessoal e porque nisso viu vantagens em termos dos horários que acreditou virem a ser praticados, o Autor passou a ficar afecto à "CP Longo Curso" e, nessa sequência, ao Posto de Tracção de Contumil, que geria a circulação ferroviária e o pessoal afecto à CP Longo Curso.

.

Apesar da possibilidade de laboração contínua do Posto, designadamente com turnos de acompanhamento de comboios, o Autor cumpria o horário das 9:00 às 17:00 horas, destinado à gestão do material motor e de pessoal, situação que lhe permitia que utilizasse, sem custos, o transporte ferroviário entre a sua residência (estação de ...) e o seu local de trabalho, não obstante, por vezes, ter de ir apanhar o comboio que passa por Aveiro, que tinha um horário compatível.

.

Sucedeu que, em 01/04/2009, reponderadas as necessidades no Posto de Tracção de Contumil, a Ré, embora mantivesse os turnos de acompanhamentos, criou 2 novos turnos rotativos, de 8 horas cada, das 06:00 às 14:00 horas e das 14:00 às 22:00 horas.

 

Com esta alteração, o Autor deixou de poder usar o transporte ferroviário desde e para a sua residência, por não dispor de horários compatíveis, passando a utilizar a sua viatura própria para se deslocar para o trabalho e vice-versa, situação que se manteve até 15 de Agosto de 2010.

Nos meses de Abril e Maio de 2009, a R ainda pagou ao A os quilómetros percorridos entre Porto e Viseu, à razão de 0,40 euros/Km, nos dias em que foi trabalhar.

No entanto, deixou de os pagar a partir de 1/6/2009, estando assim em causa o pagamento desses quilómetros percorridos na sua viatura pessoal, para ir trabalhar, no período que medeia entre 1 de Junho de 2009 e 15/8/2010, para além da compensação no montante de €5.000 devida pelos prejuízos não patrimoniais resultantes da alteração de horário a que a Ré procedeu.

Colocando-se a questão nos termos acabados de referir, vejamos então como decidir.

3.1---

Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal, conforme resulta do artigo 200º, nº 1 do CT[1], tendo assim a ver com a concretização do tempo em que o empregador exige a prestação de trabalho do seu subordinado.

Trata-se portanto, dum esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do seu período normal de trabalho, compreendendo o número de horas diárias e semanais que está contratualmente obrigado a prestar ao longo do dia e da semana, as horas de entrada e de saída, os intervalos de descanso, e dia de descanso semanal, conforme ensina Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 352.

É ao empregador que cabe estabelecer o horário de trabalho, dentro dos limites legais (art.º212.º/1 do CT), competindo-lhe fazê-lo observando determinados deveres, expressos no n.º 2 do mesmo preceito, devendo nomeadamente facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar, inscrevendo-se a atribuição daquele direito ao empregador no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho que a lei lhe reconhece no artigo 97º do CT.

Contudo, como elucida o mesmo autor[2], nada impede que os horários de trabalho sejam objecto de acordo no âmbito do contrato individual de trabalho; e nada obsta, também, a que os horários de trabalho sejam objecto de negociação e acordo a nível colectivo, o que, em qualquer dos casos, implica uma renúncia da entidade empregadora a uma parte das suas prerrogativas de organização e gestão da empresa.

Assim, o horário de trabalho configura o tempo da prestação de trabalho de um trabalhador, sendo em função dele que este organiza a sua vida.

De qualquer modo, a lei reconhece ao empregador o poder de o alterar, unilateralmente, por necessidades organizativas da empresa, conforme decorre do n.º 1 do artigo 217º do CT, apenas não o podendo fazer se este tiver resultado de acordo expresso em sede do contrato individual de trabalho (nº 4)

Recorrendo de novo ao ensinamento de Monteiro Fernandes, a alteração do horário de trabalho reconduz-se, afinal, à fixação de um novo horário, sendo susceptível de forçar o trabalhador a reorganizar a sua vida, tal qual terá ocorrido relativamente ao horário inicial. Por isso mesmo, a lei regula essa possibilidade de cautelas significativas, estabelecendo o artigo 217.º um conjunto de exigências, entre as quais se conta o dever de ressarcimento económico dos trabalhadores que, por força da alteração do horário, tenham que suportar um aumento de despesas [Op. cit., p.356].

 

Trata-se dum regime que não é inovador, pois já vinha do CT/2003 (nº 5 do artigo 173º), remontando a sua origem ao DL n.º 409/71, de 27/09, na medida em que o art.º 5.º da Lei 21/96, de 23 de Julho, havia dado nova redacção ao seu artigo 12.º, consagrando no nº 3, alínea d), o direito do trabalhador a uma compensação económica quando as alterações do horário lhe acarretem um acréscimo de despesas.

 

            Temos, no entanto, de compaginar o regime do C. Trabalho com o da contratação colectiva.

            Efectivamente à data da celebração da AE acima mencionado, nada impedia que a fixação de horários de trabalho fosse objecto de negociação colectiva e acordo a nível colectivo, pois resultava do art.º 6.º n.º 1, do DL nº 519-C1/79 de 29/12, que em matéria de organização do tempo de trabalho os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho apenas estavam sujeitos a dois limites: não poderem contrariar norma legal imperativa, nem poderem regulamentar os períodos de abertura, tendo este regime sido transposto para o art.º 533º, n.º l do CT/03 e passado para o nº 1 do art.º 478.º do actual Código.

Neste contexto, diz o acórdão recorrido, referindo-se à parte do AE que regula a organização da prestação do trabalho -Capitulo VI:

 

                “Uma primeira nota, para assinalar que nesse capítulo encontramos cláusulas dirigidas aos trabalhadores em geral e outras que têm em vista regular o caso particular e específico do "pessoal da carreira de condução-ferrovia/tracção".

No caso em concreto, são estas últimas que nos interessam.

E, para que fiquemos já cientes sobre quem são os trabalhadores abrangidos por essa regulamentação específica, cabe atentar no ANEXO I do AE, que compreende o "Regulamento de carreiras CP/SMAQ - 2003", em cujo CAPÍTULO I, sob o título "Disposições gerais", consta o seguinte:

I - Âmbito de aplicação

1-O presente regulamento aplica-se à carreira de condução-ferrovia/tracção.

E, do CAPÍTULO II, decorre que a "Carreira de condução" compreende as seguintes Categorias:

Maquinista; Maquinista técnico; Inspector de tracção; Inspector-chefe de tracção.

Ora, como decorre dos factos provados, o A. começou por ser admitido ao serviço da R em 4/6/1990, com a categoria de maquinista (facto 1), até que em Setembro de 2005, passou a ter a categoria de Inspector de Tracção, por ter concorrido à mesma (facto 8).

Segundo a descrição funcional da categoria, constante do Capítulo II, ao "Inspector de tracção" cabe, genericamente, «Assegurar a orientação e supervisão da actividade operacional do pessoal de condução, instruindo-o sempre que necessário, e acompanhar a realização dos serviços e o funcionamento das unidades motoras ( .. )”.

Debrucemo-nos agora, contendo-nos dentro do que aqui releva, sobre as cláusulas respeitantes à regulamentação da organização do tempo de trabalho, em particular no que respeita às especificidades para os trabalhadores da "carreira de condução-ferrovia/tracção".

A cláusula 18ª, com a epígrafe "Período normal de trabalho", relativamente a estes trabalhadores, estabelece no seu n.º2, que «o período normal de trabalho diário dos trabalhadores da carreira de condução-ferrovia não pode ser inferior a seis horas nem superior a nove horas, quer seja diurno, nocturno ou misto, contando-se por seis horas mesmo que aquele limite não seja atingido».

Segue-se a Cláusula 19ª, com a epígrafe, "Horários de trabalho", aqui não se encontrando distinção entre os trabalhadores da carreira de condução-ferrovia e outros trabalhadores, onde se lê o seguinte:

- «[1] Os horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores são, em princípio, os que lhes correspondem nas respectivas sedes.

[2] Os trabalhadores deslocados ficam sujeitos aos horários que lhes corresponderem nesses locais de trabalho, desde que, nesses locais, esteja em vigor um horário para o serviço a executar».

A Cláusula 20ª "Escalas de serviço", dirige-se precisamente aos trabalhadores da carreira de condução-ferrovia, dela constando, para além do mais:

- «[1] O horário de trabalho do pessoal da carreira de condução­ ferrovia/tracção será organizado pela empresa em regime de escalas de serviço.

[2] Entende-se por escalas de serviço os horários de trabalho individualizados, destinada assegurar a prestação de trabalho por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho.

[3] As escalas de serviço devem prever, em relação a cada trabalhador, as horas de início e termo de cada período normal de trabalho, a atribuição do trabalho, a indicação do local (na sede ou fora da sede) onde se inicia cada p. n. t. e onde é gozado o repouso, bem como o período para a tomada de refeição, nos termos da cláusula 21ª ».

 

Num breve parêntesis, mostra-se pertinente fazer já notar que da conjugação destas duas cláusulas resulta, no que concerne ao "pessoal da carreira de condução/ferrovia/tracção" que os seus horários de trabalho serão «( .. ) em princípio, os que lhes correspondem nas respectivas sedes", mas com a particularidade de serem individualmente «( .. ) organizado(s) pela empresa em regime de escalas de serviço ( .. )», de modo a assegurarem «( .. ) a prestação de trabalho por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho».

Tal significa, no que respeita à carreira de condução-ferrovia/tracção, que a colocação de um trabalhador numa determinada escala, diferente da que vinha praticando, embora se traduza na prática de um horário de trabalho diferente, não consubstancia uma verdadeira alteração ao horário de trabalho, nos termos previstos no art.217º do CT. Na verdade, como decorre do nº.1 da Cláusula 20ª, é inerente à carreira de condução ferrovia/tracção, estarem os trabalhadores nela integrados sujeitos a variações no seu horário, decorrendo as mesmas das escalas de serviço em que forem inseridos.

É essa especificidade que explica as cláusulas imediatamente seguintes, em concreto a 20ªA e a 20ª B, onde se definem as regras relativamente aos trabalhadores desta carreira, respectivamente, no que respeita às "Apresentações ou retiradas na sede" e às "Apresentações ou retiradas em local diferente da sede", através das quais as partes procuraram fixar determinados princípios na organização das escalas de serviço, restringindo os poderes da empregadora Ré e impondo-lhe determinadas obrigações de natureza pecuniária, quando os mesmos não forem observados.

Para o caso releva essencialmente a primeira delas, exactamente aquela em que o A. se estribou para vir através da acção reclamar a condenação da R. no pagamento das quantias pedidas.

Assim, estabelece a cláusula 20.º A [Apresentações ou retiradas na sede], o seguinte:

[l]As escalas de serviço são elaboradas de modo a não prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas, e de modo que, nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, tenham em conta os horários de funcionamento desses transportes, salvo o disposto no número seguinte.

[2] Em excepção ao disposto no número anterior, os trabalhadores poderão ter apresentação e retirada de serviço sem aquelas limitações, desde que:

a) A empresa pague ao trabalhador um abono de transporte desde a residência do trabalhador até ao local onde este deve iniciar o período normal de trabalho diário ou desde o local onde aquele terminou o período normal de trabalho diário até à sua residência, conforme o caso;

b) Conste da escala a menção de que se trata de apresentação ou retirada ao abrigo deste número;

c) O início e o termo do período normal de trabalho ocorram no mesmo local;

d) Iniciando-se o período normal de trabalho diário entre a 1 hora e 30 minutos e as 5 horas e 30 minutos, o mesmo não pode ter uma duração superior a seis horas.

[3] O abono de transporte referido no número anterior corresponde a uma das seguintes quantias:

a) Ajuda de custo de E 5,26, acrescida do valor pago pelo trabalhador no transporte em táxi entre a sua residência e o local de apresentação ao serviço ou do local de retirada do serviço para a sua residência, consoante o trabalhador inicie ou termine o seu período de trabalho; ou

b) Ajuda de custo de E 5,26, acrescida do pagamento dos quilómetros do percurso de ida e regresso entre a residência do trabalhador e o local de apresentação, ao preço/quilómetro aprovado para a função pública para as deslocações efectuadas em viatura própria, no mínimo de 10 km.

Em suma, desta cláusula, em articulação com as anteriormente referidas, retira-se que na organização das escalas de serviço, isto é, na organização dos horários de trabalho do pessoal que desempenha as funções inerentes às categorias compreendidas na carreira de condução ferrovia/tracção - Maquinista; Maquinista técnico; Inspector de tracção; Inspector-chefe de tracção - de modo a prestarem trabalho «( .. )por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho», a recorrente deve observar o seguinte:

- i) as escalas não devem prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas;

- ii) nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, as escalas devem atender aos horários de funcionamento desses transportes;

-iii) excepcionalmente, as escalas poderão não observar aquelas limitações, mas nesse caso a Recorrente terá que observar o disposto nos n.ºs 2 e 3, nomeadamente quanto aos pagamentos ai previstos”.

           

            E continuando, conclui o acórdão:

“Pois bem, como se deixou dito, no que respeita aos trabalhadores da carreira de condução-ferrovia/tracção, pela especificidade do regime de organização do tempo de trabalho a que estão sujeitos, a colocação de um trabalhador numa determinada escala, diferente da que vinha praticando, embora se traduza na prática de um horário de trabalho diferente, não consubstancia uma verdadeira alteração ao horário de trabalho, nos termos previstos no art. 217.º do CT. O que aqui ocorre é a integração numa nova escala, desse modo resultando fixado o correspondente horário de trabalho, mas em termos definidos no instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e, note-se, dentro de parâmetros com os quais o trabalhador deve contar desde que integre uma das categorias da carreira de condução /ferrovia, por ser inerente às mesmas a prestação de trabalho sujeito a esse condicionalismo.

O que os trabalhadores dessa carreira podem exigir, na medida em que são esses os deveres a que está sujeito o empregador, é que na elaboração das escalas de serviço sejam observadas os princípios e limites fixados no instrumento de regulamentação colectiva aplicável, desde logo, nas cláusulas 20.ª e 20.º A.

Não quer isto significar - como afirma a recorrente - que a cláusula 20.º A do AE exclua o n.º5, do artigo 217.º do CT. Não exclui, nem poderia, por se tratar de norma imperativa.

O que acontece é terem campos de aplicação distintos. Uma determinada situação, ainda que relativa a um trabalhador da carreira de condução /ferrovia, poderá eventualmente enquadrar-se no art.º 217.º desde que, em determinadas circunstâncias concretas, haja uma alteração de horário, mas que não resulte da elaboração de escalas nos termos consentidos pelas cláusulas 20.ª e 20.º A, isto é, desde que pretenda fixar um horário fora de escala ou fixar um horário numa situação para além daquelas a que têm aplicação as cláusulas.

Em contrapartida, quando na colocação de um trabalhador da carreira de condução /ferrovia numa determinada escala, elaborada no âmbito dos poderes de fixação do horário de trabalho previstos nas aludidas cláusulas, a empregadora não observe os deveres a que está vinculado, isto é, os limites estabelecidos nas aludidas cláusulas ao seu poder de as elaborar, então a eventual violação de direitos do trabalhador deve ser aferida à luz do estabelecido nas próprias cláusulas, nomeadamente na cláusula 20.º A.

Na indagação sobre o sentido e alcance destas cláusulas, importa ainda deixar claro que a cláusula 20.º A, não impõe ao empregador que atenda ao local de residência do trabalhador, assentando no pressuposto de que este tem a sua vida organizada em função de determinado local de trabalho, para tanto contando com o regime de trabalho em escalas de serviço organizadas pela empregadora, de modo a não prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas", e a ter em conta, nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos ( .. ) os horários de funcionamento desses transportes"[n.º1, da cláusula 20.º A].

É a cláusula seguinte, isto é a 20ª-B, que manda atender ao local de residência dos trabalhadores, mas para os casos de apresentações ou retiradas em local diferente da sede, estabelecendo, parra além do mais, que «Poderão ocorrer apresentações ou retiradas em locais diferentes da sede (depósito, posto ou centro de trabalho a que o trabalhador pertence), desde que as mesmas se verifiquem na área de um círculo de 5 km de raio cujo centro é a sede do trabalhador ou dentro dos limites geográficos do aglomerado populacional a que esta pertence, contando-se a duração do período normal de trabalho diário apenas a partir do momento da apresentação e até ao momento da retirada nesses locais diferentes da sede.

Confrontando as cláusulas, logo se percebe que a entidade empregadora apenas tem que atender ao local de residência do trabalhador quando lhe determine que se apresente para iniciar a actividade diária ou que a termine em locais diferentes da sede, isto é, do depósito, posto ou centro de trabalho a que o trabalhador pertence.

O que bem se compreende, posto que nestes casos, tendo o trabalhador a sua vida organizada em função de determinado local e dos horários em escala que poderá praticar, por efeito daquela determinação irá ver alteradas as suas rotinas e terá que reajustar a organização da sua vida pessoal e familiar para se deslocar para um local mais longe do que o habitual para iniciar a prestação da actividade ou, finda a mesma, terá que regressar de um local mais longínquo, em qualquer caso, desde logo, despendendo maior tempo”.

            Também aderimos a esta argumentação, bem como ao juízo decisório a que conduziu.

            Efectivamente, e conforme consta do facto nº 7, a Ré organizava o serviço mediante escalas, as quais eram elaboradas segundo os seus critérios de gestão e na perspectiva, designadamente, de garantir os períodos de descanso obrigatórios, a prestação efectiva do serviço público de transporte e a circunstância de o início e o fim dos horários dos trabalhadores ser servido, no local de trabalho, pela rede de transportes públicos, não contando para tanto com os locais em que cada trabalhador residia.

Ou seja, a R. organizava o serviço nos termos consentidos nas cláusulas 20.ª e 20.ª A, para os trabalhadores da carreira de condução ferrovia /tracção, na qual se integrava o A.

Donde concluir que quando o A concorreu ao lugar de inspector de tracção, teve que assumir que poderia ficar sujeito a integrar qualquer dos horários que lhe fosse atribuído na escala, pois o aviso de concurso para esta carreira não previa qualquer horário de trabalho em particular, e o Depósito de Tracção de Contumil tinha um período de funcionamento de laboração contínua assegurado por 3 (três) turnos de gestão de material motor, das 00:00 às 08:00 horas, das 08:00 às 16:00 horas e das 16:00 às 00:00 horas, podendo as suas funções ser exercidas em qualquer um daqueles turnos, consoante o que lhe calhasse na escala.

E assim, desde logo deveria ter previsto que, eventualmente, poderia ter dificuldades em conciliar os seus horários de trabalho com os horários dos comboio de e para Viseu.

Por outro lado, esta dificuldade em o A aceder ao transporte ferroviário da R (que eram gratuitos para ele) já se tinha manifestado quando, tendo prestado as suas funções em qualquer um daqueles turnos, já anteriormente teve algumas vezes de ir, a expensas suas, apanhar o comboio que passa por Aveiro, para as suas deslocações de e para o serviço.

            Por isso, tendo em 01/02/2007, voluntariamente, e porque nisso viu vantagens em termos dos horários que acreditou virem a ser praticados, passado a ficar afecto à "CP Longo Curso" e, nessa sequência, ao Posto de Tracção de Contumil", temos de considerar que se trata de uma opção pessoal assumida pelo A, de que tem de arcar com as vantagens e os inconvenientes, pois nunca a R assumiu uma organização do seu horário de modo a que aquele pudesse servir-se dos seus próprios comboios nas deslocações para a sua residência ou para o seu local de trabalho.

            É certo que, inicialmente, e apesar da possibilidade de laboração contínua do Posto de Tracção de Contumil, o Autor efectuava o horário das 9:00 às 17:00 horas, destinado à gestão do material motor e de pessoal, situação que lhe permitia utilizar o transporte ferroviário da empresa nas suas deslocações do e para o trabalho.

No entanto, atento o regime próprio da carreira em que está integrado, nomeadamente no que respeita à prestação de trabalho em escalas de serviço, o A. não podia contar que essa situação se mantivesse imutável, pois o trabalho por turnos no Depósito de Tracção de Contumil era o que se coadunava com o período de laboração contínua próprio deste sector, o que o A não podia ignorar.

Por outro lado, esta integração do A no trabalho por turnos não correspondeu a um qualquer capricho da empresa, mas adveio duma reponderação das necessidades de serviço no Posto de Tracção de Contumil, e que levou a que a Ré tivesse criado 2 novos turnos, rotativos, de 8 horas cada, a partir de 01/04/2009, situação que levou a que o Autor deixasse de poder usar o transporte ferroviário desde e para a sua residência, por não dispor de horários de comboios compatíveis.

É certo que inicialmente e até 31-05-2009, a Ré pagou ao trabalhador os quilómetros percorridos nas deslocações com a sua viatura própria, à razão de 260 quilómetros por dia e à razão de 0,40 euros por quilómetro, relativamente aos dias em que prestou trabalho em horário que não lhe permitiu fazer uso do transporte da empresa.

  

No entanto, esta situação não teve o seu fundamento jurídico no nº 5 do artigo 217º do CT, como sustenta o recorrente, dado que a R assumiu este pagamento tendo em conta a previsão do nº l, segunda parte, da cláusula 20º-A.do AE, uma vez que Contumil está inserido na área urbana do Porto e é servido por uma rede regular de transportes públicos (comboios, autocarros e metro) somente a partir das 06h30 e até às 00h00, conforme consta do facto 19.

Por isso, e dado que o horário de entrada foi inicialmente fixado às 6 horas, não foi respeitada a dita cláusula que impõe que nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, as escalas sejam organizadas de modo a atender aos horários de funcionamento desses transportes, pelo que só a partir das 6h e 30 m deveria ter sido fixada a hora de entrada do A.

Mas tendo alterado esse horário para uma entrada ao serviço às 6h30m a partir de 1/6/2009, a R passou a dar cumprimento à dita cláusula, deixando, consequentemente de proceder ao pagamento desses quilómetros por ter compatibilizado a hora de entrada ao serviço com os horários de funcionamento dos transportes públicos da grande área urbana do Porto.     

Assim e em conclusão, temos de aderir ao entendimento perfilhado no acórdão recorrido que considerou que, no que respeita às carreiras de condução/ferrovia/tracção, a colocação de um trabalhador numa determinada escala diferente da que vinha praticando, não consubstancia uma alteração ao horário de trabalho para os efeitos do artigo 217º do CT, por ser inerente ao exercício de funções das categorias de tal carreira estarem os trabalhadores nela integrados sujeitos a variações no seu horário decorrentes da sua inserção na escala de serviço que lhes for fixada.

Por outro lado, tendo a R na elaboração desses horários a partir de 1/6/2009, dado integral satisfação ao disposto no nº 1 da cláusula 20ª-A do AE-CP/SMAQ/2003, alterando a hora de entrada ao serviço para as 6h30 de modo a adequá-la aos horários de funcionamento dos transportes públicos da grande área urbana do Porto, nada tem ela que pagar em virtude do recorrente ter dificuldade de conciliar o seu horário com os transportes ferroviários disponíveis a partir da sua residência e para o seu local de trabalho e vice-versa, tendo que efectuar esse percurso no seu próprio veículo, pois este foi um ónus por si assumido quando decidiu concorrer às funções de inspector de tracção.

 

            Face ao exposto, e improcedendo as conclusões do recorrente, impõe-se a confirmação do acórdão impugnado.

4---

            Termos em que se acorda em negar a revista.

                       

As custas da revista ficam a cargo do A.

           
                        Anexa-se sumário do acórdão.

                        Lisboa, 15 de Outubro de 2014.

Gonçalves Rocha (Relator)

               

António Leones Dantas

Melo Lima

____________________
[1] Referimo-nos ao CT/2009 na falta de outra indicação expressa.
[2] Obra citada, pg.ª 352.