Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6208/09.6TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
COMITENTE
ATIVIDADE BANCÁRIA
TRABALHADOR BANCÁRIO
COMISSÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CULPA DO LESADO
DOLO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
FACTOS ESSENCIAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS
Sumário :
I - O empregador deve ser objectivamente responsabilizado pelos prejuízos causados, nos termos do art. 570º do CC, quando os actos ilícitos do comissário, no seu próprio interesse, foram praticados no exercício função que lhe foi confiada, o que se verifica quando aquele se aproveita das facilidades que o exercício da sua função de gerente bancário lhe proporcionava.

II – Se o responsável procede com dolo e ao lesado apenas é possível apontar uma culpa ligeira na produção do dano, não há fundamento para a redução da indemnização nos termos do art. 570º CC.

III – O confronto de comportamentos culposos deve ser feito entre o comissário e o lesado, não entre este e o comitente, o qual apenas responde na medida da culpa do comissário.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA e BB, que por terem falecido na pendência da acção foram substituídos pelos sucessores habilitados CC e DD intentaram contra EE e  FF, funcionários bancários, e Caixa Geral de Depósitos, acção declarativa, sob a forma ordinária (ainda à luz do Código Processo Civil de 1961), pedindo a condenação solidária dos réus a restituir-lhes a importância de 4.735.000,00€ (quatro milhões setecentos e trinta e cinco mil euros) ou, se assim não se entender, a indemnizá-las no mesmo montante, com juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese, que:

A autora AA é viúva de GG, falecido em .../.../2004, e a Autora BB é filha do ex-casal composto pela autora AA e pelo falecido GG, sendo ambas as únicas e universais herdeiras deste;

O primeiro réu EE foi nomeado, no princípio do ano de 2003, subgerente da ré CGD, tendo convencido o GG e a primeira autora AA a transferir para aquela instituição de crédito o montante de 5.365.586,37€ (cinco milhões trezentos e sessenta e cinco mil quinhentos e oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos), que ficou, em 12/09/2003, depositado na conta com o nº ...00;

A partir de agosto de 2003, o réu EE iniciou um relacionamento de proximidade com o GG e, estando este já incapacitado desde 02/09/2003, fazendo uso do seu estatuto profissional de subgerente, convenceu as autoras a fazer aplicações de 5.000.000,00€ (cinco milhões de euros) em cinco apólices da Companhia de Seguros ..., onde seriam mais rentáveis;

De todas as verbas postas à disposição do primeiro réu marido, e respectivos juros, as autoras, especialmente a segunda, apenas têm conhecimento da existência de 2 (dois) depósitos bancários em seu nome, um na CGD em ..., no valor de 40.000,00€ (quarenta mil euros), e outro no ... em ..., no valor de 360.000,00€ (trezentos e sessenta mil euros);

As autoras desconhecem como é que os primeiros réus fizeram a administração dos depósitos em dinheiro que lhes foram confiados, certo sendo que o primeiro réu ia transferindo esses depósitos para os balcões da CGD nos locais onde prestava serviço, designadamente em ..., ... e ...;

A ré CGD tem conhecimento do destino que foi dado aos falados depósitos;

A primeira autora, detentora de três quartos do património do casal, tem 94 (noventa e quatro) anos de idade e sempre aceitou que fosse a segunda autora, sua filha única, a contactar com os réus sobre estes factos;

Do montante que foi depositado na CGD, as autoras, para além de despesas de pouco significado, gastaram apenas a quantia de 600.000,00€ (seiscentos mil euros), na compra de um andar na Avenida ..., ..., de um apartamento na cidade ... e de um veículo automóvel;

Os primeiros réus têm em seu poder cerca de 4.735.000,00€ (quatro milhões setecentos e trinta e cinco mil euros), que integraram no seu património, desconhecendo o destino que lhe foi dado;

Os primeiros réus ostentam uma vida faustosa, denunciando um súbito enriquecimento, sendo os principais responsáveis pela descrita situação das autoras;

A CGD é solidariamente responsável pela indemnização reclamada, por responder civilmente pelos actos e omissões dos seus representantes, já que o primeiro réu actuou na qualidade de subgerente, no exercício das funções que lhe estavam atribuídas.

Contestaram os réus, sustentando a improcedência da acção.

A ré CGD (além de excepções dilatórias, já decididas)  alegou, em resumo:

Desconhecer a matéria relativa à situação económica das autoras e as circunstâncias em que foi efectuada a transferência de valores para si (CGD), confirmando que, em 15/09/2003, foi creditada, na conta com o n.º ...00, a quantia de 5.355.000,00€;

Ter sido feita (isso admitindo) a subscrição pela segunda autora de cinco contratos de seguro de capitalização Caixa Seguro Rendimento – Série A (...), em 15/09/2003, por débito da conta ...00, titulada pelas autoras, que deu origem a cinco apólices, cada uma de 1.000.000,00€ (um milhão de euros);

Terem existido (nisso assentindo) autorizações sem restrições ao 1º réu EE relativamente às contas com os nºs ...00,  ...00, 0171.93...,  ...66,  ...61 e  ...65;

Que a prestação de autorização à movimentação das contas, por parte das autoras, nada teve a ver com as competências do funcionário bancário primeiro réu, pois que não constitui um serviço que o Banco preste ou tenha de prestar para o cumprimento das obrigações que lhes advêm para com os clientes; ao invés, o facto das autoras terem autorizado o réu a movimentarem sem restrições as contas que titulavam na CGD deveu-se à relação de amizade e à confiança que nele depositavam, transcendendo o que é normal e expectável no normal relacionamento entre um funcionário bancário e um cliente;

Não lhe estar (CGD) confiada a administração dos depósitos efectuados, apenas estando incumbida de guardar o dinheiro que lhe foi depositado e de cumprir as ordens de saque, de levantamento e de transferência que lhe foram dirigidas pelos titulares das contas ou autorizados, o que fez relativamente às tituladas pelas autoras (juntando listagem das movimentações sobre elas efectuadas, no período em questão);

Não aceitar que as autoras não pudessem aceder às contas, até porque, independentemente de as cadernetas estarem em poder do réu (o que impugnou por desconhecimento), dispunham de cartões multibanco e tinham aderido ao serviço Caixa Direta On Line, o que facultava esse acesso, acrescentando que da doença bipolar não resulta, de forma obrigatória, a diminuição das capacidades cognitivas e o normal discernimento de um homem médio.

Os primeiros réus, além de arguirem a excepção dilatória já decidida, sustentaram, em síntese,

Nunca ter o primeiro réu gerido, administrado ou disposto dos depósitos efectuados pelas autoras na CGD, argumentando antes que apenas deu conselho sobre novos produtos ou aplicações financeiras;

Que o produto apólices de seguro foi apresentado pelo primeiro réu ao falecido GG, na presença das autoras, tendo todos entendido e decidido realizar a aplicação;

Que, após a morte do marido e pai da primeira e segunda autoras, respectivamente, passaram a ser estas a fazer a movimentação das contas de que aquele havia sido titular;

Que as autorizações ao primeiro réu foram prestadas na sequência de inúmeros pedidos e insistências nesse sentido, que a ele foram dirigidas, verbalmente e por escrito;

Que não obstante essas autorizações, nunca efectuou qualquer movimento nas contas das autoras, sendo ao invés a segunda autora quem movimentava as contas, por meio de cheques, caderneta e cartão multibanco, ascendendo os levantamentos que fazia a valores muitíssimo elevados, o que a levou a dirigir uma carta ao primeiro réu a justificar esse procedimento;

Que além dessa carta, a segunda autora exibiu ao primeiro réu um relatório de avaliação intelectual, datado de 18/07/2006, de acordo com o qual os quocientes intelectual verbal, intelectual de realização e intelectual situavam-se na classe muito superior, refutando ainda os primeiros réus que soubessem que a segunda autora padecia de doença bipolar e que tenha sido esse o motivo da sua reforma antecipada;

Que não actuaram, no tratamento concedido às autoras, com a intenção de se apropriarem de quaisquer valores, sustentando, pelo contrário, que os convites e a deferência dispensada àquelas era recíproca, tendo a 2ªautora outorgado procuração ao primeiro réu conferindo-lhe poderes para reger e gerir todos os seus bens e direitos, incluindo o de vender, trocar ou hipotecar os seus bens, o que aquele jamais utilizou;

Que foram as autoras as beneficiárias dos movimentos subsequentes aos resgates das apólices;

Que a 2ª autora declarou, em 10/10/2008, perante Notário, para todos os efeitos legais, que ‘todos os movimentos efectuados nas suas contas bancárias à ordem, a prazo ou sob qualquer outra forma, quer a débito, quer a crédito, bem como todos os movimentos de subscrição e resgate de títulos ou de participações em fundos de investimento, ordens de compra e venda de títulos mobiliários onde, expressamente, se incluem acções, obrigações, futuros e opções, efectuadas pelo Senhor EE, (…), o foram sempre no cumprimento de ordens expressas da signatária’, mais declarando aí ‘que, muito embora obtenha e tenha em consideração o conselho e a opinião do referido senhor EE, sempre tomou e toma livremente as decisões de investimento e desinvestimento do seu património, nos termos e condições que considera mais convenientes’;

Que a 2ª autora ofereceu a cada um dos réus (ao 1º réu, no natal de 2005 e à 1ªprimeira ré, no aniversário de 2007) um veículo de alta gama, assim como, a ambos, um quadro da autoria de ....

Houve réplica.

As Autoras apresentaram as autoras articulado superveniente alegando, em súmula:

- ter sido subscrito, com data de 24/09/2004, pelo punho da segunda autora BB, o cheque n.º ...43, no montante de 555.000,00€ sacado sobre a conta D/O na Ré CGD n.º ...90;

- tendo tal cheque sido sacado a favor dela própria, foi o mesmo depositado, juntamente com outros valores (cheques nos valores de 62.600,00€ – sessenta e dois mil e seiscentos euros – e de 75.000,00€ – setenta e cinco mil euros), na conta n.º ...07 do banco ..., balcão de ..., da qual são titulares a segunda autora BB e o primeiro réu marido, somando esses valores um total de 692.600,00€ (seiscentos e noventa e dois mil e seiscentos euros);

- que a 24/09/2004 foi levantada dessa conta do ... a importância de 62.600,00€;

- que a abertura da conta e o levantamento desta quantia foram feitos pelo primeiro réu marido;

- que a 30/09/2004 foi feita a transferência dos ...00, ...0€ restantes, ordenada pelo primeiro réu marido, para a conta n.º ...90, do ... (...), da qual ele é o único titular;

- que a morada constante da proposta de abertura da conta nº ...07 do ... é a da residência dos primeiros réus, assim como o contacto indicado corresponde ao telemóvel do primeiro réu (...74);

- que o domicílio dessa conta corresponde ao do endereço do balcão da CGD em ..., da qual era gerente o primeiro réu, sendo o anual chamado ‘extracto combinado’;

- que por isso, embora a segunda autora BB fosse titular da conta e dona do dinheiro, não tinha maneira de saber o que quer que fosse sobre os movimentos da conta;

- que os primeiros réus se apropriaram fraudulentamente do valor de 692.600,00€ integrando-o no seu património;

- que esse montante de 692.600,00€ se reporta às primeira e segunda apólices resgatadas na mesma data;

- que o cheque nº ...52, sacado em 06/12/2005 pela segunda autora sobre a conta nº ...00 da agência de ..., no montante de 368.720,00€  emitido ao portador, foi depositado na conta nº ...90, da qual é único titular o primeiro réu marido, o qual se apropriou dessa importância;

- que para essa mesma conta do primeiro réu, este operou a transferência de 1.500,00€ em 28/03/2008, através do sistema Caixa Direta On Line e proveniente da conta com o n.º ...00, servindo-se do IP 10.212.52.43, correspondente a computador propriedade da CGD, ao qual ele tinha acesso enquanto funcionário dirigente da agência de ...;

- que em 02/05/2006, dois funcionários da CGD preencheram e assinaram no local dosacador o cheque nº ...12, da importância de 1.000.000,00€, sobre aCGD/..., figurando como tomadora a segunda autora;

- que a rubrica dum dos sacadores é do punho do primeiro réu marido, na altura gerente daquela agência;

- que esse cheque foi depositado em .../.../2006 na conta ...01, do banco ..., da qual são titulares os dois primeiros réus, juntamente com o pai e a mãe do primeiro réu marido;

- que o valor deste cheque foi debitado na conta ...61 do balcão de HH, da titularidade da segunda autora, proveniente do resgate da 4ª apólice;

- que no que respeita ao valor resultante do resgate da 5ª apólice ( ...58,48€ – um milhão e cinco mil setecentos e cinquenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), este foi pedido a 29/12/2006 e o valor creditado a 11/01/2007 na conta nº ...00 da CGD- ..., da titularidade das autoras;

- que tal montante foi transferido pelo sistema Caixa Direta On Line para duas contas: uma primeira parte, de 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros), para a conta nº ...00, da CGD/..., da titularidade da segunda autora; a outra parte, de 250.000,00 para a conta nº ...61;

- que aquele primeiro montante, de 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros), saiu na totalidade, pelo cheque nº ...52, para ser depositado na conta nº ...75 (10.001), do ..., conta da titularidade da segunda autora e, um dia depois, também do 1º réu;

- que desses 750.000,00€, através duma miríade de operações efectuadas pelo primeiro réu, foram por este apropriados e integrados no seu património 584.047,50€;

- que em 17/09/2004 dois funcionários da ré CGD preencheram e assinaram no local do sacador o cheque nº ...87, na importância de 90.000,00€ (noventa mil euros), sobre a CGD-... e a conta nº ...00, figurando como tomadora a sociedade comercial ..., com sede na avenida ..., ...;

-  que a rubrica dum dos sacadores é do punho do primeiro réu, na altura gerente daquela agência de ...;

- que, recebido por aquela sociedade, a partir de conta da titularidade da segunda autora, a importância se destinou a liquidar o preço de negócio celebrado entre a ... e o primeiro réu, desconhecendo as autoras o objecto e os termos desse negócio, mas sabendo que o primeiro réu usou a dita quantia em proveito exclusivo seu e da primeira ré mulher, dela se apropriando abusivamente;

- que em 09/06/2004, dois funcionários da ré CGD preencheram e assinaram no local do sacador o cheque visado nº ...60, da importância de 125.000,00€ sobre a CGD/... e a conta n.º ...00, figurando como tomadora a segunda autora;

- que as rubricas dos sacadores são do punho de dois funcionários da agência de ... da Ré CGD, da qual na altura era gerente o primeiro réu;

- que a assinatura feita no lugar do endossante não é do punho da segunda autora, ao contrário do que quis dar a entender quem aí apôs de modo fraudulento o seu nome completo;

 - que para proveito exclusivo dos primeiros réus, por apropriação abusiva, foi a dita importância de 125.000,00€ depositada na agência de ... (rua ...) do ... Geral em conta da qual aquele primeiro réu é titular;

- que na conta aberta no .../..., com o nº ...01, segundo a ficha de informações particulares, a morada atribuída à segunda autora é «Rua ..., ... ...», a qual havia sido, por volta de 2003, residência dos primeiros réus, tendo passado a ali morar, depois dessa data, os pais e a irmã da 1ªré mulher, sendo os contactos números correspondentes a telemóveis (...74 e ...08) do primeiro réu;

- que na proposta correspondente àquela ficha vem indicada, como morada da cliente para contactos, a rua ...-..., ... ..., a qual era então a residência dos primeiros réus;

- que nessa proposta consta ainda que os cheques cruzados a emitir futuramente sê-lo-iam em nome do segundo titular, aqui primeiro réu.

Sobre tal articulado logo se pronunciaram os segundos réus, arguindo a sua extemporaneidade e impugnando a materialidade invocada.  


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Os autos seguiram a sua normal tramitação, com a realização da audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou solidariamente todos os réus a pagar aos habilitados sucessores das autoras a quantia de 4.126.360,75€ (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a citação até integral pagamento.

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Da sentença apelaram todos os RR, mas sem sucesso pois que a Relação ..., por acórdão de 23.04.2020, confirmou inteiramente a sentença.

Do acórdão da Relação interpuseram recursos de revista excepcional ambos os Réus; os Réus EE e FF interpuseram ainda revista normal.


Os Recorrentes imputaram ainda várias nulidades ao acórdão que a Relação apreciou, nos termos do art. 617º, nº1 do CPC, indeferindo-as na totalidade.


Por acórdão da formação, foi decidido não admitir a revista excepcional interposta pelos 1ºs RR EE e FF; e admitir a revista excepcional interposta pela Caixa Geral de Depósitos SA.


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Conclusões dos 1ºs Réus:

1ª. Vem, o presente recurso, interposto do Acórdão do Tribunal da Relação ... que, confirmando a sentença de primeira instância, condenou os Réus, ora Recorrentes, no pagamento aos Habilitados CC e DD da quantia de € 4.126.360,75 (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos), acrescido de juros até integral pagamento.

2ª . Assistem razões de direito aos recorrentes para do acórdão interpor recurso, não primando o mesmo pelo sentido de justiça, coerência, bom senso e rigor técnico que sempre são expectáveis numa boa decisão judicial, o qual enferma ainda nulidades e errónea aplicação do direito a esses mesmos factos, pelo que deverá o presente recurso ter provimento.

3ª. O acórdão recorrido violou a lei substantiva, violou a lei de processo (alíneas a) e b) do artigo 674º n.º 1) e incorreu nas nulidades previstas nos artigos 615º alíneas c) d) e e) aplicável por força do disposto no art. 666º ambos do CPC.

4ª. Por outro lado, vêm os recorrentes impugnar a decisão de facto ao abrigo do disposto no art. 682º porquanto o acórdão recorrido, mormente nos factos provados que se discriminarão infra, por um lado violou o disposto no art. 5º n.º 2 do CPC e por outro fez incluir factos conclusivos, incorrendo assim em violação de normas de direito probatório e como tal, encontra-se na competência do Supremo Tribunal de Justiça a sua sindicância.

5ª. O art. 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, que impossibilita o recurso de revista do revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, não é aplicável porquanto em sede de recurso de apelação foram apontados à Sentença proferida pela primeira instância vícios de violação processual a que o Acórdão recorrido desatendeu.

6ª. Foram imputados em sede de recurso os seguintes vícios à decisão de primeira instância: a existência de factos conclusivos, a violação das regras do ónus da prova, a contradição entre factos provados e o excesso de resposta a quesitos; tais vícios, porque apenas foram colocadas em sede de recurso não foram apreciadas duas vezes, pelo que inexiste a dupla conforme.2

7ª. As Autoras formularam como pedido a restituição de determinados montantes e falaram no “súbito enriquecimento dos Autores”, ou seja estar-se-ia face a um enriquecimento sem causa, tendo apenas deduzido subsidiariamente o pedido de indemnização civil.

8ª. Dos factos alegados pelas Autoras, e por ocasião da apreciação da excepção de incompetência territorial foi proferido em 28/01/2010 despacho no qual se apreciou as excepções e foi dito o seguinte:

Atento o quadro factual descrito na petição inicial, salvo o devido respeito, entendemos que está alegada a existência de um acordo firmado entre autoras e 1.o réu, reportado “à gestão dos interesses patrimoniais” daquelas e ao provimento das suas necessidades, deixando revelada uma “gestão de interesses” que enuncia uma administração de bens alheios e a possibilidade de movimento de crédito e de débito nas aludidas contas.

(…)

Nesta conformidade, a alegação e prova de que o 1.o réu assumiu cuidar da gestão dos interesses patrimoniais das autoras, configura não uma situação apropriação ilegítima mas uma outra de administração de bens alheios que, no seu termo, obriga à prestação de contas.


Sem prejuízo, foram os factos enquadrados no instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., enquadramento, embora não vinculativo, certo é que influenciou as instâncias no apuramento e julgamento dos factos.

10ª. Tal despacho e acórdão, com enquadramentos jurídicos diferentes perante os mesmos factos invocados pelas Autoras, demonstram que é difícil descortinar a causa de pedir das Autoras, porquanto  inexiste causa de pedir nem factos essenciais alegados para demonstração e prova da responsabilidade civil por factos ilícitos.

11ª. Importa referir que a obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil prevista no art. 483º do Código Civil pressupõe a existência dum facto, que o facto seja ilícito, por violação de um direito subjectivo de outrem ou pela violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; a verificação de um nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante (culpa), um dano e, por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido.

12ª. Entendeu a sentença de 1ª instância que o facto consubstanciador da responsabilidade civil da responsabilidade civil dos Réus recorrentes foi o de apropriação, sendo a ilicitude derivada da violação do direito de propriedade e no caso do Réu marido, para além da violação do direito de propriedade estar-se-ia face à violação de norma de proteção prevista no art. 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) vide p. 255 da sentença; e tal como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação ..., de que se recorre, consideram-se “os primeiros réus, porque dolosamente co-autores de facto ilícito (da apropriação do património das falecidas autoras), são responsáveis nos termos do art. 483o e seguintes do CC; a segunda com fundamento na responsabilidade objectiva (art. 500o do CPC), pois que o primeiro réu actuou (também) no quadro funcional que            lhe competia desempenhar       enquanto         funcionário      bancário (responsabilidade do comitente pelos danos culposamente causados pelo comissário), mostrando- se os actos ilícitos por ele praticados ligados às suas funções por conexão adequada”

13ª. Resulta pois claro que a decisão recorrida afirma que o facto ilícito é apropriação ilícita; sucede que nem a apropriação pode ser considerada facto ilícito, nem existem sequer factos que sustentam a apropriação ilícita nem os mesmos foram tampouco invocados ou sequer provados.

14ª. A parca alegação na petição inicial quanto à apropriação remete para um desconhecimento total de como e quando os factos aconteceram; diz:

“Como se constata, os e RR. têm em seu poder grande parte dos montantes dos depósitos das AA. (cerca de 4.735.000,00 €), integrando-a no seu património, desconhecendo-se por que meios concretos e qual o destino que lhes foi dado”3

15ª. O tribunal não se pode substituir às partes quanto aos factos essenciais, nem tampouco os pode presumir, porquanto dessa forma viola os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, para além de violar frontalmente o disposto no art. 5º do Código de Processo Civil.

16ª. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista no art. 615º n.º 1 d) porquanto conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, desde logo porquanto não foram alegadas e não podiam ser supridas.

17ª. Bem assim violou normas de direito probatório (art. 5º do CPC), designadamente as referentes ao ónus de alegação, pelo que e incorreu em violação de lei do processo (art. 674º n.º 1 al. b) do CPC .

18ª. A apropriação é o ato de alguém tornar próprio algo que não lhe pertence, tornando sua uma coisa, integrando-a no seu património contra a vontade do seu proprietário; para o efeito torna-se necessário que se invoquem factos circunstanciados no tempo e no espaço referentes ao seguinte: 1) haja uma conduta da parte da pessoa – a apropriação e subsequente integração em património próprio; 2) que essa conduta seja contrária à vontade do legítimo possuidor; 3) que haja inversão do título da posse e que 4) essa inversão seja efetuada pela pessoa que se apropria.

19ª. As Autoras não invocaram qualquer erro vício da vontade, nomeadamente da sua formulação, nem puseram em causa as suas declarações nem pediram a anulação de tais negócios jurídicos, o que consubstanciaria uma verdadeira, mas vedada  processualmente, alteração de causa de pedir.

20ª. No âmbito do processo crime que moveu aos Réus Recorrentes, a Autora BB reconheceu que assinava documentos bancários, incluindo cheques e reconheceu que “(...) ao assinar todos aqueles documentos (cheques e outros) diz que tinha conhecimento do que corria o risco de ver o seu dinheiro a ser descaminhado para outros fins que não aqueles que julgava como certos”, mas que o que pretendia era o aumento do património que possuía.

21ª. Tal depoimento permite aferir da consciência da Autora AA quanto à sua conduta e bem assim quanto à inexistência de entorpecimento/fragilidade cognitiva devido à doença de que padecia.

22ª. Resulta quer da sentença quer do acórdão de que se recorre que as Autoras, especificamente a Autora BB assinou tudo quanto lhes foi pedido – vide ponto ZZZZZ dos factos provados.

23ª.  A inversão do título da posse nunca foi operada pelos Réus, pelo que nunca poderia a apropriação considerar-se o facto ilícito, porquanto ainda que a mesma tivesse ocorrido, não teria sido ilícita.

24ª. Foi na perspectiva do erro na formulação da vontade que a decisão de arquivamento do processo crime enquadrou e bem os factos que lhe foram narrados pelas aqui Autoras.

25ª. Não basta invocar-se que os Réus ora Recorrentes, por meios que se desconhece (como afirmam as autoras “por que meios concretos”), se apropriaram do património       das       autoras nem sequer especificando quanto dizendo apenas “cerca de 4.750.000€”, sendo tal invocação a tradução dum facto conclusivo que se refere ao dano e já não ao facto ilícito.

26ª.  Factos essenciais são todos os que de que depende a procedência da ação – vide art. 5º CPC., sendo por isso estruturantes e sobre os quais impende o ónus de alegação e principio da auto responsabilidade; as Autoras não cumpriram tal ónus nem de alegação nem de prova.

27ª. Diz o acórdão recorrido “que se mostram assinados pela segunda autora todos os cheques e ordens de transferência (com uma única excepção ordem de transferência no valor de 5.200,00€ subscrita por dois procuradores), como decorre das conclusões do terceiro relatório pericial (cujo laudo consta de fls. 7411 a 7516 dos autos), e que movimentava as contas que, com a primeira autora sua mãe, titulava na CGD (vejam-se os factos vazados nas alíneas DDD e EEE) tinha caderneta e cartões de débito e crédito (alíneas DDDD e FFFF), além de cheques e até de serviço internet banking (serviço Caixa Directa On Line - alínea HHHHH)”

28ª. Não se mostram alegados nem demonstrados os factos essenciais que revelem e permitem concluir a apropriação ilegítima; o facto de os Réus Recorrentes terem ficado na posse de montantes que lhe haviam sido transferidos ou entregues pela Autora BB é contrário ao conceito de apropriação uma vez que precisamente tais montantes lhe haviam sido transferidos ou entregues pela Autora BB.

29ª. Foi dado como provado sobre o ponto ZZZZZ que “Devido à sua doença e ao descrito de em LL. a PP., a (falecida) 2.a Autora assinava tudo quanto ao Réu EE lhe solicitava ou pedia resposta ao artigo 120o5

30ª. Dissecando a argumentação do acórdão recorrido, a 2ª Autora assinou tudo quanto lhe foi pedido pelo 1º Réu porquanto:

-    padecia de bipolaridade (“devido a sua doença”)

-   Os réus, que agiram combinados com vista a apropriaram-se do montante de € 4.126.360,75 (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos) pertencente aos depósitos em causa, passaram a oferecer à 2.a Autora presentes –

- Os Réus convidavam-na para almoços e jantares em sua casa

Os réus provocaram nela uma afeição maternal, assim como provocaram afeição pelo filho do casal

-  O 1.o Réu tratava, por vezes, a (falecida) 2.a Autora por «segunda mãe»

-    Os 1.os Réus conheciam a doença da falecida Autora BB, que fundamentou a sua reforma antecipada, como professora do ensino básico – resposta ao artigo 18o.


31ª. Não existe qualquer facto dado como provado que afirme que os factos ora descritos, designadamente os presentes oferecidos, a convivência social ou o afeto existente eram destituídos de genuinidade da parte dos Réus Recorrentes, sendo certo que o facto de não ter sido dado como provado não resulta daí o seu contrário.

32ª. Ou seja, nunca se poderia concluir, como conclui o acórdão que

Revelando os elementos probatórios produzidos nos autos que os primeiros réus actuaram combinados para se apropriar dos valores de que as falecidas autoras eram titulares na CGD (…)as regras da lógica, da racionalidade, da experiência da vida e do senso comum impõem se considere que os primeiros réus não nutriam verdadeira e genuína relação de amizade pelas autoras.” – p. 189 do acórdão.

33ª. O acórdão recorrido parte de um facto conclusivo para alcançar outro facto conclusivo, operando um verdadeiro raciocínio “bola de neve”, extraindo presunções de presunções.

34ª. Ainda sob o ponto ZZZZZ não se encontra provado nem tampouco alegado é que o Réu Recorrente EE tenha pedido à Autora para assinar todos os documentos que sustentam os movimentos/ transferências/ levantamentos/ depósitos que, somados, sustentam a condenação sofrida pelos Réus.

35ª. Não foi, pois, invocada pelas Autoras o facto essencial de que os documentos que sustentam os movimentos que perfazem a quantia de 4.126.360,75€ (quantia essa que o acórdão condenou os Réus a pagar às Autoras) foram pedidos pelos Réu Recorrente para serem assinados pela Autora AA.

36ª. Quanto à segunda Ré Recorrente, não existe um único facto em que se sustente a responsabilidade da segunda Ré como co-autora do facto ilícito nem tampouco a apropriação, que diga-se nunca poderá ser o facto ilícito.

37ª. Dos factos provados resulta que a maioria das deslocações patrimoniais ocorridas foram-no para contas tituladas pelo primeiro Réu com a Autora AA; ora pressupondo a apropriação o uso da coisa como se fosse sua, tal teria de ser alegado.

38ª. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista no art. 615º n.º 1 d) porquanto conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, desde logo porquanto não foram alegadas e não podiam ser supridas.

39ª. Bem assim violou normas de direito probatório (art. 5º do CPC), designadamente as referentes ao ónus de alegação, pelo que e incorreu em violação de lei do processo (art. 674º n.º 1 al. b) do CPC .

40ª. Como factos alegados pelas Autoras quanto à doença de que a Autora AA padecia apenas constam que a “Autora é portadora de doença psíquica que a incapacita de conhecer em plenitude os meandros das manobras financeiras” – vide art. 17º da P.I. e “A Autora é portadora de doença bipolar (...) por isso se deixou envolver nesta confusão” vide art. 23º E 24º da P.I. e que a doença fundamentou a reforma antecipada – art. 25º da P.I.

41ª. Além da comprovação da doença bipolar, impunha-se também aos Autores a alegação e demonstração duma  afectação em concreto, decorrente dessa doença: afectação da capacidade de discernimento e de avaliação ou de .ou maior fragilidade decorrente de uma doença de foro psiquiátrico; esta afetação não decorre automaticamente do diagnóstico e sobre a mesma não foi feita prova.

42ª. Inexistem factos alegados que se refiram à diminuição das capacidades cognitivas ou de entendimento da autora Maria Sacramento; havendo essa diminuição a mesma seria patente noutras relações que aquela manteria, ou noutros actos que tivesse levado a cabo; mas nenhum outro facto da sua vida foi sequer alegado para demonstrar que a doença lhe tolhia as capacidades cognitivas.

43ª. Do processo consta um relatório de avaliação intelectual da Autor II e consta como facto provado que

Segundo o Relatório de Avaliação Intelectual, datado de 18.07.2006, os valores dos «Quociente Intelectual Verbal Q.I.V., do Quociente Intelectual de Realização Q.I.R. e do Quociente Intelectual Q.I.T.» da (falecida) 2.a Autora situam-se «na classe» muito superior, mais concluindo, quanto ao «índice de deterioração mental» que o mesmo não apresenta «significado patológico» al. O)

44ª. Entendeu o Acórdão recorrido, mantendo o ponto ZZZZZ dos factos provados, “por inteiramente acertado e avisado”, ao arrepio de toda a prova existente e produzida e baseando-se em factos não alegados que a Autora tinha a sua capacidade de discernimento afetada, estabelecendo uma relação causal entre a doença da Autora e o facto de ter assinado documentos.

45ª. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou normas de direito probatório, designadamente as referentes ao ónus de alegação (art. 5º CPC), e incorreu em violação de lei do processo (art. 674º n.º 1 al. b) do CPC e na nulidade prevista no art. 615º n.º 1 d) porquanto conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, desde logo porquanto não foram alegadas e não podiam ser supridas.

46ª. O acórdão recorrido não se pronunciou especificamente sobre o que foi invocado pelos Recorrentes nos seus recursos, nomeadamente quanto à falta de causalidade entre a doença bipolar a as transferências efetuadas e demais documentos assinados –vide conclusões 70º do Recurso de Apelação dos ora Recorrentes e conclusão 26 e 27 do Recurso interposto pela Ré CGD.

47ª. Sucede que o Acórdão Recorrido não se pronuncia sobre tais questões; na realidade a causalidade entre doença e deslocações patrimoniais/atos da Autora que substanciaram essas deslocações patrimoniais encontra-se na alínea ZZZZZ da matéria de facto que foi impugnada; quanto a essa alínea refere-se nas p. 189 a 193 “Sobre a matéria a que respeita às alíneas QQ e ZZZZZ”, mas nada diz sobre tal causalidade impugnada nem se refere à ausência de meios de prova.

48ª.   Ao decidir como decidiu o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C, tendo incorrido em omissão de pronuncia, o que consubstancia uma nulidade da decisão, que expressamente se invoca.

49ª. A 2ª Ré, ora Recorrente foi condenada no pagamento da quantia de 4.126.360,75 (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos) às Autoras.

50ª. Entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação ..., de que se recorre, foi o de que “os primeiros réus, porque dolosamente co-autores de facto ilícito (da apropriação do património das falecidas autoras), são responsáveis nos termos do art. 483o e seguintes do CC;(...)”

51ª. Nas suas alegações e conclusões vieram os primeiros Réus pugnar pela não responsabilização da segunda Ré mulher, aqui Recorrente (conclusões 7º, 90º, 91º, 124º e 125º)

52ª. Inexiste qualquer facto (que sempre seria essencial) nomeadamente quanto à apropriação e ao intento por parte da aqui Recorrente nem nenhum facto foi alegado quanto à atuação combinada dos dois primeiros Réus.

53ª. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista no art. 615º n.º 1 d) porquanto conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, desde logo porquanto não foram alegadas e não podiam ser supridas.

54ª. Bem assim violou normas de direito probatório (art. 5º do CPC), designadamente as referentes ao ónus de alegação, pelo que e incorreu em violação de lei do processo (art. 674º n.º 1 al. b) do CPC.

55ª. Vieram os Réus ora recorrentes invocar em sede de recurso para o Tribunal da Relação a violação da regra do ónus da prova (conclusões 36º, 37º, 38º, 75º, 81º a 83º, 91º e 94º); tal violação foi igualmente invocada pela Ré CGD nas suas conclusões – 40º e 72º.

56ª. O acórdão recorrido não se pronunciou sobre a violação das normas de direito probatório, especificamente as apontadas quanto à violação do ónus da prova.

57ª. Esta factualidade constitui omissão de pronúncia tendo o Acórdão recorrido violado o disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C, tendo incorrido em omissão de pronúncia, o que consubstancia uma nulidade da decisão, que expressamente se invoca.

58ª. Não podia, pois, a decisão recorrida fazer impender sobre os Réus Recorrentes o ónus da prova de factos que competiam às Autoras

59ª. Acresce dizer que ao decidir como decidiu a decisão recorrida violou essas mesmas regras de direito probatório, isto porque o acórdão recorrido ao manter a decisão de primeira instância, não apresentando fundamentação diversa, incorreu precisamente no mesmo vício em que incorreu a decisão de primeira instância: o da violação de normas de direito probatório, designadamente as previstas quanto ao ónus da prova.

60ª. Constitui matéria de direito, e por isso passível de apreciação pelo STJ, a questão do excesso ou exorbitância da resposta a um quesito e bem assim a questão de apreciar se um “facto” dado como provado constitui efetivamente um facto ou se constitui um juízo conclusivo.

61ª. Impugna-se, neste segmento do presente recurso a atuação do Tribunal da Relação ... na apreciação das provas produzidas e na fixação dos factos, o que é permitido.

62ª. Os seguintes pontos dados como provados contém matéria conclusiva e como tal devem eliminados:

“Ponto Y: O 1.o Réu, juntamente com outro funcionário, convenceu o falecido GG a transferir as contas detidas no ... para a CGD, nomeadamente o valor referido em C. resposta ao artigo 1o.” O vocábulo “convenceu” é conclusivo e como tal deve ser eliminado.

“Ponto FF: Após o referido em G., o 1.o Réu, como gestor das contas, passou a gerir e dispor das mesmas como entendia resposta ao artigo 8o.” Este ponto é conclusivo. Não existe qualquer facto dado como provado relativo a movimentação de contas que demonstre que o 1º Réu geriu as contas das Autoras como entendia nem tampouco que passou a dispor delas como entendia. Deve, portanto ser eliminado.

“Ponto: GG. E para justificar os movimentos que fazia nas contas das Autoras, além do referido em L., a 06.03.2007, o 1.o Réu obteve daquelas autorização, junto da CGD de ..., para movimentar a conta n.o ...00 e fazer aplicações dela, como melhor entendesse, na qualidade de seu representante com todos os poderes e sem restrições – resposta ao artigo 9o.” ; a expressão “e para justificar os movimentos que fazia nas contas das Autoras” é conclusivo, não resultando de qualquer prova produzida, devendo tal segmento ser eliminado.

“Ponto LL. Os 1.os Réus, que agiram combinados com vista a apropriaram-se do montante de 4.126.360,75 (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos) pertencente aos depósitos em causa, passaram a oferecer à 2.a Autora presentes resposta parcial ao artigo 14o.” Quanto a este ponto LL importa referir que a expressão “agiram combinados com vista a apropriaram-se do montante” é manifestamente conclusiva, tal como conclusiva é a relação entre a oferta de presentes à 2ª Autora e tal intuito.

Ponto NN. Provocaram nela uma afeição maternal, assim como provocaram afeição pelo filho do casal resposta parcial ao artigo 16o.” As expressões “provocaram” são conclusiva, devendo por isso ser eliminada. Na verdade uma realidade será a da existência da afeição descrita; outra bem diferente é afirmar que tal afeição foi provocada.

“Ponto AAA. O 1.o Réu marido, com vista à apropriação dos ditos valores, fez constar na proposta de abertura da conta ...07 do ..., da titularidade conjunta da (falecida) 2.a Autora e dele, a da residência dos 1.os Réus resposta ao artigo 28o.” A expressão “com vista à apropriação dos ditos valores” é manifestamente conclusiva, pelo que deve ser eliminada.

Ponto: LLL. Tal cheque foi depositado na conta n.o ...90, da qual é único titular o 1.o Réu marido resposta ao artigo 39o. em articulação com o ponto

MMM. Os 1.os Réus fizeram seus os 368.720,00 (trezentos e sessenta e oito mil setecentos e vinte euros), integrando-os no seu património resposta ao artigo 40o. Do ponto LLL resulta que o cheque aí referido foi depositado numa conta da qual é único titular o 1.o Réu marido, pelo que a expressão “Os 1.os Réus fizeram seus” e “integrando-os no seu património”, ao referir-se a ambos os réus, usando o plural, e não apenas ao Réu único titular da conta onde o referido cheque foi depositado, é conclusiva pelo que deve ser eliminada.

Ponto UUU. Desses 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros), através de operações efetuadas pelo 1.o Réu marido, foram por este apropriados e integrados no seu património 515.485,00 (quinhentos e quinze mil euros e quatrocentos e oitenta e cinco euros) resposta parcial ao artigo 48o. A expressão “através de operações efetuadas pelo 1.o Réu marido, foram por este apropriados e integrados no seu património” é manifestamente conclusiva, pelo que deve ser eliminada; Nem se refere quais as operações nem tampouco quando as alegadas operações não definidas foram realizadas ou como tal alegada apropriação e integração foi feita.

Ponto XXX. Tal valor destinou-se a liquidar o preço de um negócio celebrado entre a ... e o 1.o Réu EE resposta ao artigo 51o. Em articulação com o ponto

YYY. O 1.o Réu marido usou a dita quantia em proveito exclusivo seu e da 2.a Ré, sua mulher resposta ao artigo 52o. Ora Do ponto XXX resulta que “Tal valor destinou-se a liquidar o preço de um negócio celebrado entre a ... e o 1.o Réu EE”pelo que a expressão constante do ponto YYY “e da 2.a Ré, sua mulher” é conclusiva pelo que deve ser eliminada. Ponto CCCC. Esse valor foi usado para proveito exclusivo dos 1.os Réus, que o depositaram na agência de ... (rua ...) do ... Geral resposta ao parcial artigo 56o.

O quesito inicialmente tinha a seguinte redação Esse valor foi usado para proveito exclusivo dos 1os RR., que o depositou na agência de ... (rua ...) do ... Geral em conta da qual o réu EE é titular? Quanto a este ponto cumpre dizer que a resposta foi parcial porquanto não resultou provado que o 1º Réu fosse titular dessa conta. Assim a expressão usada no plural “para proveito exclusivo dos 1.os Réus” é conclusiva, pelo que terá de ser eliminada.

63ª. A resposta dada nos pontos DDDD, EEEE e ZZZZ da matéria de facto e mantida pela Relação é excessiva, por incluir matéria que, integrando factos essenciais, não foi alegada pelas partes, pelo que deve ser considerado não escrito e eliminado o segmento correspondente a esse excesso.

Ponto DDDD. Após o óbito referido em A., as contas em crise foram movimentadas pela (falecida) 2.a Autora, por meio de cheques e pela caderneta ao balcão da agência da CGD, com exceção do montante a que se alude em LL. – resposta parcial ao artigo 59o.

Quanto a este ponto importa referir que o quesito (n.º 59) que lhe deu origem tinha a seguinte redação:

Após o óbito referido em A), as contas podiam ser movimentadas, designadamente, pela 2.a autora, por meio de cheques e pela caderneta ao Balcão da Agência da Caixa Geral de Depósitos? A resposta dada ao quesito inclui matéria que não foi alegada pelas partes nem consta do quesito inicial, designadamente se, podendo a mesma ser movimentada pelas Autoras e designadamente pela 2ª Autora, houve montantes que não foram por ela movimentados.

Assim o segmento “com exceção do montante a que se alude em LL” por incluir matéria que, integrando factos essenciais, não foi alegada pelas partes, deve ser considerado não escrito e eliminado o segmento correspondente a esse excesso.

64ª. Tal como é dito no acórdão recorrido todos os movimentos foram efetuados pela 2ª Autora; ora, uma coisa é assinar sem a suposta consciência do que estaria a assinar, sendo questão diferente é o que se diz no Ponto DDDD: é de que as Autoras, designadamente a 2º Autora não efetuou os movimentos que constituem o montante referido em LL.

65ª. Esse montante cuja movimentação pela 2ª Autora foi excepcionado neste ponto DDDD, corresponde na verdade a movimentos que foram dados como provados que tiveram a intervenção e assinatura da 2ª Autora – vide pontos TU, UU, XX, KKK, QQQ, BBBB, RRRR, SSSS, VVVV, XXXX, AAAAA, CCCCC, DDDDD, TTTTT, UUUUU, VVVVV e WWWWW dos factos provados.

66ª. Assim para além do vício apontado de excesso, existe uma manifesta contradição com os referidos factos dados como provados.

67ª. Tal excesso foi incluído porquanto sem o mesmo resultaria que foram as autoras, designadamente a 2ª Autora que sempre movimentou as referidas contas e como tal inexistiria qualquer apropriação por parte dos 1ºs réus restando saber se tais movimentos traduziriam uma vontade livre daquelas.

68ª. E mais uma vez estar-se-ia, como aliás sempre se esteve (mas nunca foi invocado), perante a validade dos negócios jurídicos praticados pelas Autoras; ora não tendo sido tal validade atacada pelas Autoras, sempre esta ação teria de improceder.

69ª. Quanto ao ponto EEEE, a resposta dada ao quesito inclui matéria que não foi alegada pelas partes nem consta do quesito inicial, designadamente se determinados levantamentos não foram pelas Autoras efetuados.

Ponto EEEE. As (falecidas) Autoras efetuaram levantamentos dessas contas, ressalvados os que tiveram como destino as contas dos 1.os Réus ou dos seus familiares (no montante total de 1.319.423,26 um milhão trezentos e dezanove mil quatrocentos e vinte e três euros e vinte e seis cêntimos) resposta parcial ao artigo 60o.” Ora O ponto 60º da Base instrutória refere: As autoras efectuaram levantamentos dessas contas?

70ª. Assim o segmento “ressalvados os que tiveram como destino as contas dos 1.os Réus ou dos seus familiares (no montante total de € 1.319.423,26 – um milhão trezentos e dezanove mil quatrocentos e vinte e três euros e vinte e seis cêntimos)”por incluir matéria que, integrando factos essenciais, não foi alegada deve ser considerada não escrita e eliminado o segmento correspondente a esse excesso.

71ª. Quanto ao ponto Ponto ZZZZZ. Devido à sua doença e ao descrito de em LL. a PP., a (falecida) 2.a Autora assinava tudo quanto ao Réu EE lhe solicitava ou pedia resposta ao artigo 120o. , o mesmo o mesmo não foi alegado pelas partes, não constando em qualquer facto alegado pelas Autoras que foi por causa da sua doença que a 2ª Autora assinava tudo quanto o 1º Réu lhe pedia.

72ª. E bem assim não é alegado pelas Autoras que a 2ª Autora assinava tudo quanto o 1º Réu lhe pedia por causa dos presentes, jantares ou convivência social e familiar que mantinha com os primeiros Réus ( pontos LL, MM, NN e PP)

73ª. Não foi por pelas Autoras invocado ou alegado a relação de causalidade entre a doença de que aquela padecia e a assinatura de documentação. O que o acórdão recorrido refere é que “(…)importando tão aqui notar que a autora assinava (por confiar no primeiro réu) toda a documentação que este solicitava que fizesse (…) p. 172 e 173 do Acórdão, referindo-se apenas à questão de confiança plena mas acrítica confiança que as falecidas autoras, mormente a segunda, nele depositavam, prestando-se a declarações e acções que um espírito livre e não enfeitiçado pela acrítica confiança teria recusado” (p.193 do acórdão).

74ª. Em conformidade este ponto deve ser eliminado dos factos provados, porquanto existe violação do artº 5º,nº 2 uma vez que a resposta dada aqui dada e mantida pela Relação é excessiva, por incluir matéria que, integrando factos essenciais, não foi alegada pelas partes, pelo que deve ser considerado não escrito e eliminado.

75ª. Sobre a responsabilidade da Ré mulher pronunciou-se o acórdão recorrido nas p. 182 a 187, circunscrevendo tal análise a dois aspectos: a co-autoria da Ré mulher no facto “que está na base da causa de pedir (alínea LL dos factos provados)” e “do proveito da primeira em identificadas e concretas operações” concluindo que “a primeira contribuiu para o sucesso do primeiro réu na aproximação às autoras e na conquista da plena confiança destas, mormente da segunda autora a presença da segunda autora junto dos primeiros réus em ocasiões festivas, festividades, férias, almoços, jantares, etc., o estrito contacto com o filho de ambos e até com outros familiares (os variados exemplos demonstrativos do elevado grau da relação de amizade foram pelos primeiros réus referidos nos respectivos depoimentos de parte) não teria sido conseguido sem o activo contributo da primeira ré.

76ª. A coautoria da segunda Ré na apropriação vem alicerçada no seguinte:

- a aproximação do Réu marido às Autoras e a conquista da confiança destas nele não teria sido possível sem a sua colaboração porquanto facto é que as Autoras estiveram com ambos os Réus e familiares em épocas festivas, férias, almoços, jantares e contactaram com o filho de ambos os Réus;

- O facto de na primeira deslocação patrimonial titulada por um cheque (de montante de 125.000€) terem intervindo ambos os membros do casal (aqui Réus).


77ª. Sendo um casal com um filho que como tal está junto em férias, épocas festivas e almoços ou jantares, natural é que a Ré mulher esteja presente em tais momentos; o que não seria de todo razoável ou natural era que nas épocas festivas e demais momentos descritos, o Réu marido estivesse sozinho com as Autoras ou que deixasse de passar tais épocas festivas com a sua família (mulher, aqui Ré recorrente, e filho), para as passar com as Autoras.

78ª. Da convivência conjunta no seio familiar do 1º Réu em que já se incluía a Ré mulher, não se pode retirar a conclusão de que esta colaborou ativamente na aproximação do Réu marido e na conquista da confiança, não se encontrando circunstanciados no tempo tais episódios de convivência; houve previamente a tais momentos uma relação de confiança e de amizade entre as Autoras e Primeiro Réu para passarem posteriormente momentos de lazer e festividades com a família daquele.

79ª. Foi precisamente essa relação de amizade e confiança que terá proporcionado, posteriormente, o convívio social entre as Autoras e a família do primeiro Réu no qual se inclui a Ré mulher; o que resulta provado pelos factos Z, AA, EE.

80ª. Por outro lado resulta também da matéria de facto provado (não alterada pela decisão recorrida) que

“G. Após o referido em A., as contas de depósito em nome do casal passaram para o nome das (falecidas) Autoras – al. G).

FF. Após o referido em G., o 1.o Réu, como gestor das contas, passou a gerir e dispor das mesmas como entendia – resposta ao artigo 80.”


81ª. Ou seja, a atuação do primeiro Réu foi precedente quer à convivência da segunda Ré com as Autoras quer à deslocação patrimonial ocorrida em Junho de 2004, pelo que nunca poderia a decisão recorrida afirmar que “a primeira ré contribuiu para o sucesso do primeiro réu na aproximação às autoras e na conquista da plena confiança destas” uma vez que tal aproximação deu-se antes.

82ª. Tendo alicerçado a coautoria da segunda Ré na apropriação nesse mesmo facto, e mostrando-se tal contrariado por factos dados como provados, não pode o acórdão recorrido presumir tal coautoria.

83ª. Quanto ao segundo argumento em que se alicerça a decisão recorrida para extrair a responsabilidade da segunda Ré importa dizer que não resulta dos factos provados que o 1º Réu tenha tido intervenção em tal deslocação patrimonial (ZZZ a CCCC),

84ª. Sobre tal deslocação patrimonial referem-se os factos provados sobre as alíneas ZZZ a CCCC, em nada se refere a intervenção do primeiro Réu nesse ato de deslocação patrimonial, refere-se isso sim a dois funcionários da agência de ... da CGD e à Autora BB.

85ª. Sendo decisiva tal intervenção conjunta, sem a mesma – que diga-se não ocorreu nem resulta dos factos provados- então terá de se concluir que inexistiu combinação e conjugação de esforços entre os primeiros réus aqui Recorrentes com vista a apropriarem-se do património das segundas autoras, concluindo-se que em relação à segunda Ré, aqui Recorrente, não se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pelo que sempre deveria a mesma ser absolvida da demanda.

86º. No caso em concreto da decisão sobre a responsabilidade da segunda Ré como coautora do facto ilícito resulta claro que o Acórdão recorrido incorreu em violação da lei substantiva porquanto interpretou erradamente a matéria de facto dada como provada, violando o disposto no art. 607º n.º 4 e 5 do Código Processo Civil.

87ª.  O acórdão    recorrido entendeu que o facto ilícito consubstanciador da responsabilidade civil é a apropriação ilícita; a apropriação ilícita nunca ocorreu porquanto tal apropriação pressupõe que a inversão do título da posse fosse operada pelos Réus Recorrentes.

88ª. Foram as Autoras, designadamente a 2ª Autora, que através de declarações (plasmadas nos documentos assinados), que fizeram operar a inversão do título de posse sobre as quantias deslocadas patrimonialmente, pelo que de imediato se afastaria a ilicitude na apropriação.

89ª. A apropriação não consubstancia facto ilícito, quando muito consubstancia o resultado de um facto ilícito; a apropriação seria o dano (um outro pressuposto da responsabilidade civil), isto é o resultado da conduta do lesante, não podendo o facto ilícito ser simultaneamente o facto gerador de responsabilidade civil e o dano em si.

90ª. Inexiste nem foi alegado ou provado qualquer facto ilícito consubstanciador de responsabilidade civil, sendo certo que a livre subsunção do direito aos factos, não permite ao julgador afastar-se dos factos alegados e do pedido do autor, sob pena de clara violação do principio do dispositivo.

91ª. Ao decidir como decidiu o acórdão recorrido violou lei substantiva, designadamente o art. 483º do Código Civil porquanto inexiste facto ilícito e como tal deveria ter improcedido a responsabilidade civil por factos ilícitos porquanto não se mostrou preenchido um dos seus pressupostos basilares: a existência de facto ilícito.

92ª.  A qualificação jurídica dada aos factos nos presentes autos foi a de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos consubstanciado o facto ilícito na apropriação.

93ª. A obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil referida pressupõe a existência dum facto, que o facto seja ilícito, por violação de um direito subjectivo de outrem ou pela violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; a verificação de um nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante (culpa), um dano e, por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido.

94ª. Da factualidade constante dos autos claro se torna que as Autoras, designadamente a 2ª Autora, assinou todos os documentos que estiveram na base das deslocações patrimoniais para a esfera dos primeiros réus, aqui recorrentes, dadas como provadas nos autos (pontos TU, UU, XX, KKK, QQQ, BBBB, RRRR, SSSS, VVVV, XXXX, AAAAA,         CCCCC,          DDDDD, TTTTT, UUUUU, VVVVVe WWWWW dos factos provados).

95ª. O acórdão recorrido reconheceu que as Autoras, designadamente a 2ª Autora, assinou todos os documentos que estiveram na base das deslocações patrimoniais (vide p. 138 e 193 do Acórdão), não obstante afirma que o fez sem consciência e a voluntariedade.

96ª. Os factos provados e bem assim o realçado pelo acórdão recorrido apenas poderia levar a um enquadramento jurídico: a de que se estaria em face de uma situação de erro que viciou a formulação da vontade da declarante, 2ª Autora.

97ª.   A 2ª Autora foi a autora das deslocações patrimoniais ocorridas para o património dos aqui primeiros Réus recorrentes, mas segundo o acórdão recorrido a sua atuação/conduta ativa foi destituída de consciência e voluntariedade; segundo a própria Autora porque confiava no 1º Réu e porque pretendia que o 1º Réu “investisse o dinheiro devidamente e de forma profissional, com o intuito de poder vir a aumentar o património que tinham.”

98ª. Resulta claro que nos presentes autos houve um enquadramento jurídico incorrecto que afectou o conteúdo da decisão: os factos foram subsumidos ao instituto da responsabilidade civil quando deveriam ter sido subsumidos ao instituto dos vícios de vontade, designadamente do erro na formulação da vontade.

99ª. Ao decidir como decidiu o acórdão recorrido, ao assim decidir, incorreu em erro de julgamento, erro que é fundamento de revista, nos termos supra expostos, e que determina a revogação do acórdão.


Ao abrigo do disposto no art. 6º no 7 do RCP deve, conforme requerido, ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, atenta especificidade da situação dos autos e ao facto e à postura das partes.


Por todo o exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada.


///


Conclusões da Recorrente Caixa Geral de Depósitos:

1) O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., que confirmou integralmente a sentença proferida em 1.ª Instância, quer em sede de matéria de facto – cuja reapreciação foi pelos RR. requerida -, quer em sede de matéria de direito;

2) Além de arguir a nulidade da referida decisão, por omissão de pronúncia, com o presente recurso, interposto ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, a Ré Caixa pretende ver reapreciada a matéria de facto e, caso assim não se entenda, seja a decisão de direito revertida no sentido da absolvição da Ré Caixa do pedido contra si formulado;

3) A extensão do objeto do presente recurso é, na verdade, proporcional à indignação e perplexidade da Ré Caixa perante as decisões de mérito proferidas nos autos e a forma ligeira como os temas da responsabilidade do comitente e da culpa do lesado foram tratados pelas Instâncias, buscando a todo o custo e sob qualquer pretexto responsabilizar a Ré Caixa por danos alegadamente praticados por um seu funcionário a título pessoal (porquanto mantinha com a falecida segunda A. uma estreita relação pessoal) ou, no limite, por mera ocasião do exercício das suas funções, mas não constituindo tal exercício a sua causa adequada, para além de tais atos serem manifestamente imputáveis à própria falecida segunda A..

4) Mais grave, o Tribunal de 1.ª Instância força a existência de um nexo de causalidade inexistente entre a relação de comissão 1.º R./Ré Caixa e as deslocações patrimoniais da esfera das primitivas AA. para a dos 1.ºs RR., sendo certo que, mesmo à luz da decisão sobre a matéria de facto tal qual está, não é possível inferir que o 1.º R. tenha agido como subgerente de uma agência da Ré Caixa no que respeita às deslocações patrimoniais ocorridas;

5) Nem tão pouco que foi a confiança investida nas funções de subgerente do 1.º R. ou a posição do 1.º R. na Ré Caixa que permitiu que essas deslocações ocorressem;

6) E não é possível concluir nesse sentido, simplesmente porque essas conclusões não correspondem à realidade:

7) Entre a falecida segunda A. e 1.º R. existia uma estreita relação de amizade, de quase mãe/filho, totalmente alheia às funções de subgerente do 1.º R., que foi evoluindo em intensidade ao ponto de esta o constituir como legatário de todos os seus bens imóveis por força da quota disponível, pretendendo a segunda A. favorecer claramente o 1.º R., em detrimento dos seus filhos, herdeiros legitimários!

8) Perante isto e independentemente do absurdo ou eventual imoralidade, esta era a pretensão da falecida segunda A., não pode agora a Ré Caixa ser responsabilizada e chamada a pagar solidariamente a totalidade dos valores em causa nesta ação (valor superior a 4 milhões de euros, que com juros ascende já a um montante superior a 6 milhões de euros),

9) Essa intimidade levou a que a segunda A. constituísse o 1.º R. seu procurador, atribuindo-lhe poderes não só para movimentar as contas bancárias, mas para gerir todo o seu património: P. A (falecida) autora outorgou uma procuração, conferindo ao réu marido «poderes para, com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os seus bens e direitos existentes no território nacional (…); vender, trocar, hipotecar e por qualquer forma alienar os seus bens (…)» P).” (dos Factos Provados);

10) Foi como seu representante/procurador que o 1.º R. agiu em todos os atos relativos ao património da segunda A.;

11) Aliás, tais factos não apenas resultaram provados (como se viu supra), como o próprio Tribunal de 1ª instância reconheceu na sua sentença (pág. 133), cujos excertos por serem tão elucidativos abaixo se transcrevem:

“(…) o aprofundamento dessa relação ultrapassou os quadros do que é usual, no plano da experiência comum, numa relação cliente/funcionário bancário. § não é típico que, em simultâneo, aquele telefonasse de  manhã,   à    tarde e à noite (como referido pela Habilitada) à cliente, que esta passasse dias festivos (ainda que apenas algumas vezes) como a noite de consoada ou o Natal em casa de um empregado bancário (…) ou que gozasse períodos de férias com o dito empregado bancário ou a família deste (como admitido que aconteceu pelos Habilitados em duas idas ao ...) ou ainda que fosse habitual a partilha de jantares ou almoços ou festas de aniversário (como referido por testemunhas JJ e KK, amigas dos 1.ºs Réus, que coincidiram com a falecida 2.ª Autora). [negrito nosso]

12) Como se não bastasse o mesmo Tribunal também reconheceu que: “houve dias em que o 1º Réu levou a falecida 2ª Autora a casa no meio dia de um dia de trabalho (como referido pela testemunha LL)– portanto deixando o seu posto de trabalho na Agência da CGD, para prosseguir interesses pessoais – e em que foi meter em ordem um caseiro das falecidas Autoras quando trabalhava na agência de ... (como mencionado pela testemunha MM); deu opinião sobre a prenda de casamento a dar à filha, mas também sobre obras a realizar em casa ou sobre compras mais comezinhas (como relatado pela testemunha NN); ajudou a falecida 2.ª Autora a comprar o veículo ... (como abordado, entre outros, pela testemunha KK, vendedor da ...); deu indicação na aquisição do apartamento da ... (como referido, entre outros, pela testemunha OO); deu parecer sobre a advogada para tratar das partilhas do avô (como declarado pelos Habilitados e admitido pelo 1.º Réu); foi constituído procurador das falecidas Autoras [vd. al. P), dos factos assentes] e, nessa qualidade, interveio na escritura de partilha do património deixado por GG (escritura de fls. 3809 a 3812); foi constituído autorizado em contas bancárias domiciliadas na CGD [cfr. resposta ao artigo 93º, da base instrutória, e al. L), dos factos assentes].Por outro lado, para além do 1.º Réu, a falecida 2.ª Autora também estreitou relações com a 1.ª Ré, mulher daquele, - que não tem qualquer relação de comissão com a CGD assim como as respetivas famílias, pois que, como aludido pelos Habilitados e depoentes, recebeu em sua casa, onde por vezes ia almoçar, a irmã da FF ou atendia telefonemas dos ascendentes daqueles (tendo estes coincidido na data em que aquela foi ao ... com os 1.ºs Réus). [negrito nosso]

13) Concluindo o mesmo Tribunal: “aproximação que superou o que é comum numa relação institucional”. [negrito no texto original da sentença de 1ª instância]

14) Apesar de tudo isto, certo é que, a final, o Tribunal ignorou todas estas evidências i) que da relação pessoal e profissional que a faleida segunda A. mantinha com os 1.º e 2.ª RR., (ii) quer da ausência da conexão exigida para que haja responsabilidade do comitente – que manifestamente só poderiam levar à absolvição da CGD, o que foi corroborado pelo Tribunal a quo.

15) Mais se assinale que, quanto às deslocações patrimoniais identificadas nos autos, o Tribunal de 1.ª Instância, secundado pelo Tribunal recorrido, não conseguiu apurar o trajeto do dinheiro - inexistindo evidência de que o dinheiro da (falecida) segunda A. tenha efetivamente ingressado na esfera do 1.º R. -, nem tão pouco as razões por trás das deslocações patrimoniais dadas como provadas, muitas delas – porque o contrário não resulta da decisão sobre a matéria de facto – consentidas pela segunda A.!

16) E, no que respeita à reapreciação da matéria de facto e aos fundamentos que levaram o Tribunal a quo a recusá-la, veja-se que o princípio da imediação ficou, desde logo, seriamente prejudicado com o falecimento da segunda A., que não teve oportunidade de vir a juízo explicar, designadamente, qual a pretensão da falecida segunda A. ao conferir ao 1.º Réu poderes ilimitados para gerir o seu património e ao autorizar a movimentação arbitrária das suas contas, sem quaisquer restrições (Cf. Factos L e P da matéria de facto dada como provada),

17) Por que razão passava os Natais com a família do 1.º R. e não com os seus filhos, com quem manifestamente não tinha relação ou tinha uma relação de pouca proximidade (Cf. Facto XXXXX da factualidade provada);

18) Ou por que razão ainda entendeu doar quantias muito avultadas de dinheiro ao 1.º Réu (CF. Factos QQQQQ. e SSSSS da matéria de facto dada como provada, que, pela relevância, a seguir se reproduzem: A 18.05.2006, a (falecida) 2.ª autora enviou ao réu marido a seguinte sms: “Dr. EE eu responsabilizo-me pelo dinheiro que quiserem avance sem receio conte sempre comigo.”; A (falecida) 2.ª autora enviou também ao réu marido as seguintes sms, do seu telemóvel (...91) para o telemóvel que o 1.º réu ao tempo usava (...74), nomeadamente: a mensagem enviada em 14.11.2007, em que diz Obrigado por me ter deixado oferecer a passagem. Gosto muito de si Beijinhos.

19) Ou, por fim, por que razão a (falecida) segunda A. constituiu o 1.º R. seu legatário (Cf. Facto W da matéria de facto dada como provada);

20) Motivação que fica por descortinar e que seria absolutamente essencial para a boa decisão da causa, sendo certo que o ónus da prova impendia sobre os AA..;

21) Têm todos estes factos (provados, diga-se) alguma conexão com o facto de o 1º R. ser funcionário bancário, fazendo com que o banco seja obrigado a pagar solidariamente todos os valores que – parece-nos notório – a (falecida) segunda A. pretendeu dissipar?

22) A este propósito, cabe também perguntar: durante todos os anos de convivência entre a segunda A. e o 1.º R., estranhamente, os filhos da segunda A. nada fizeram, sendo-lhes tal circunstância aparentemente indiferente?

23) O Tribunal reputa de inverosímil a circunstância de a segunda A. ter feito doações ao 1.º R. nos montantes em discussão nos autos, mas nada extrai do facto de a segunda A. passar sistematicamente as épocas festivas, inclusive o Natal, comummente vividas em família, com o 1.º R. e família?

24) Mais, o Tribunal a quo parece ter ignorado a ausência de prova da conexão entre a doença bipolar da A., os poderes/autorizações que conferiu ao 1.º R. e o alegado aproveitamento que o 1.º Réu terá feito dessa condição da segunda A.;

25) Quando apenas se provou que a Autora padecia de doença bipolar e que o Réu tinha disso conhecimento (factos KK e PP), não se provou qualquer facto substancial incapacidade acidental da segunda A., nem tão pouco isso foi alegado pelos AA;

(ii) não se provou que a doença bipolar tenha ou pudesse ter influído no comportamento da A.: ao invés, as próprias testemunhas dos AA. confirmaram que a mesma se encontrava medicada, tendo afirmado perentoriamente o médico PP que a “doença não afetava a capacidade de discernir e de manifestar a sua vontade livre e conscientemente”;

(iii) não se provou que o 1.º R. se tenha aproveitado da eventual sintomatologia da doença bipolar da segunda A.;


26) Ainda que assim não fosse, note-se que, em momento algum, os AA. invocam a anulabilidade dos movimentos bancários alegadamente praticados pelo 1.º R. com fundamento em algum vício da vontade da segunda A., nem tão pouco resulta dos factos provados que tais movimentos tenham sido realizados sob coação moral;

27) A decisão em crise deixa entrever a postura rasgadamente paternalista e condescendente, relativamente aos AA., a que se assistiu durante todo o julgamento em 1.ª Instância - agora replicada pelo Tribunal a quo -, e que, no entender da Ré Caixa, excede os limites da razoabilidade e, sobretudo, os factos que resultaram da prova produzida em julgamento, como se verá, o que configura o que usualmente se designa por jurisprudência imediatista ou do sentimento e que no caso dos autos é preocupante;

28) Tendência paternalista que os próprios Tribunais Superiores têm vindo a sinalizar e censurar, sob pena de a mesma prevalecer sobre a própria justiça material.

29) Com efeito, no nosso caso, o Tribunal a quo ergueu uma tese em torno da versão das AA., ignorando sinais óbvios que fragilizam a alegação daquelas. Mais, desatenderam ou extrapolaram, em alguns casos, a prova produzida em julgamento e os documentos juntos aos autos, com base em assunções duvidosas e desligadas da realidade – no que o Tribunal a quo apelidou de “regras da experiência e da normalidade, do senso comum, da lógica e racionalidade” -, e em manifestos preconceitos sobre as qualidades das partes em juízo, mormente sobre os Réus.

30) Tudo conduzindo a uma decisão que, no entender da Caixa, repugna à justiça material do caso concreto.

31) A presente ação nada mais é do que o corolário do arrependimento da segunda A., após ser confrontada pelos filhos, pelos poderes em que investiu o 1.º R. e por tudo quanto lhe havia doado,

32) O que é, por sua vez, sintomático de um sentimento de culpa – culpa com relevância evidentemente jurídica -, por ter sido gravemente displicente quanto ao seu património e, bem assim, gravemente imprudente!

33) Não podendo a negligência grosseira da segunda A. deixar de ser atendida para efeitos do artigo 570.º do CC e permitir acionar a tutela indemnizatória do artigo 500.º do CC, sob pena de se premiar o comportamento gravemente imprudente da segunda A.;

Quanto à nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia:

34) A CGD no seu recurso impugnou os pontos FF, GG, HH, II, LL, QQ, TT, RRRRR, e ZZZZZ da matéria de facto dada por provada e, ainda, os factos dados como não provados na matéria aludida sob nºs 10 a 12 e 43;

35) O douto Acórdão a págs.ª 187, ponto A.2.2.4. alude aos factos QQ, RRRRR e ZZZZZ (conclusões 80ª, 95ª e 96ª e 97ª a 100ª dos primeiros réus e conclusões 1ª, 16ª, 17ª, 18ª, 19ª, 34ª, 36ª, 37ª, 38ª e 44ª e ss. da segunda ré, CGD), tratando aqui e além conjuntamente os dois recursos relativamente a estes pontos, mas sem abordar especificamente as concretas questões suscitadas pela apelante CGD na sua impugnação da matéria de facto;

36) É o que sucede relativamente v.g. ao argumento de que não existe suporte probatório – testemunhal ou outro – que suporte a conclusão de que a A. BB “assinava tudo o que o R. EE lhe pedia” se estendeu durante os 6 anos que durou o relacionamento entre AA. e RR., ou, ainda, o argumento da douta sentença que expressamente reconhece que não se logrou detetar, nem através de exame pericial, nem através de milhares de documentos juntos ao processo nem através da prova testemunhal, prova por confissão e declarações de parte, o iter percorrido entre as contas bancárias das primitivas AA. e as contas bancárias dos RR. EE e FF (questão da inversão do ónus de prova, colocando sobre os ombros do R. EE o ónus de provar a proveniência do dinheiro), e, ainda, a matéria constante da conclusão nº 61 do recurso (violação de regras substantivas de direito probatório);

37) E, relativamente aos restantes pontos da decisão de facto, a saber FF, GG, HH, II, LL, TT dos factos provados e nºs 10 a 12 e 43 dos factos não provados não se vislumbra que o Tribunal a quo sobre os mesmos se tenha sequer chegado a pronunciar, não bastando obviamente (na modesta perceção e entendimento da CGD) e atenta a autonomia e independência dos recursos que tenha sobre os mesmos discorrido apenas relativamente aos argumentos dos apelantes 1ºs RR., que igualmente interpuseram recurso desses pontos da matéria de facto, não se pronunciando sobre todos os diversos pontos da matéria de facto impugnados pela CGD

38) Pelo que o douto Acórdão aqui impugnado encontra-se, assim, viciado de nulidade por omissão de pronúncia o que se suscita ao abrigo do preceituado no art. 684º nº 2 e 615º nº 1 alínea d) (1ª parte), ou seja quanto ao segmento respeitante ao “Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, com as legais consequências;

39) A dupla conforme verificada nas instâncias não é fator impeditivo, só por si, de o Supremo Tribunal de Justiça poder sindicar o prolatado douto Acórdão da Relação ... aqui em crise, no âmbito nos termos e para os efeitos previstos no art. 672º do CPC o que aqui se pretende efetivar ao abrigo das alíneas a) e c) do nº 1 desta norma legal, concretamente no que respeita a duas questões jurídicas cuja interpretação e aplicação se pretende ver sindicadas por esse Alto Tribunal,

40) A primeira dessas questões prende-se com a interpretação do art. 500º do CC quanto à definição do âmbito da responsabilidade objetiva do comitente – determinar quando é que o comissário atua no âmbito ou fora do âmbito da relação de comissão – defendendo a CGD que é de excluir a responsabilidade do comitente em todos aqueles casos em que atua claramente no âmbito da sua esfera pessoal (sendo mais determinante a relação pessoal com o lesado do que a profissional).

41) Mesmo que se entendesse estarmos perante um caso de abuso de funções, o comportamento abusivo foi de tal forma ostensivo que o lesado não poderia pressupor que o comissário atuava no âmbito da relação de comissão, não havendo por isso margem para condenação da CGD, na qualidade de comitente;

42) Com efeito, e conforme se alegou, a primitiva A. BB não podia ignorar à luz do senso comum e das regras da experiência que quando o R. EE a aconselhou/sugeriu a retirar o seu dinheiro da CGD para outras instituições bancárias este estava a agir fora do quadro funcional que o ligava à CGD atendendo a que como é óbvio nenhum “gestor de contas” empregado da CGD sugeriria que o dinheiro saísse desta instituição para outras instituições de crédito, encontrando-se provado que a A. BB se dirigiu ela própria a essas outras instituições de crédito para abrir tais contas para onde foi posteriormente transferido o dinheiro proveniente de contas por si tituladas na CGD, não havendo portanto contas abertas “à sua revelia”, conforme equivocadamente concluiu o Tribunal a quo; com efeito, a posição do lesado não merece tutela, a partir do momento em que ele próprio sabe que o comissário não está a agir no exercício de uma comissão, podendo tomar as devidas precauções acrescidas para se poupar a qualquer dano que aquele comissário pudesse provocar na sua esfera de direitos;

43) Por outro lado, tendo o Tribunal a quo entendido que este argumento “valerá, apenas, para a abertura de contas noutras instituições” então deveria pelo menos para os montantes que saíram das contas abertas noutras instituições bancárias ter decidido em conformidade, ou seja, decidido pela não existência da responsabilidade objetiva da CGD com fundamento no art. 500º do CC pela inexistência de um dos requisitos da norma, sendo igualmente certo que as contas abertas nessas outras instituições de crédito não foram abertas (como erradamente se sublinha no douto aresto), “à revelia dos AA em execução de plano para se apropriar de valores depositados”, mas sim com o conhecimento e participação direta da primitiva 2ª A.;

44) A segunda destas questões – cuja apreciação pela sua relevância jurídica seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito - subsidiária relativamente à primeira (na medida em que se a primeira proceder está prejudicada a segunda), prende-se com a questão da repartição de responsabilidades no âmbito do art. 570º do CC, e, nomeadamente, se a existência de dolo do lesante justifica sempre e em qualquer caso a derrogação do regime de repartição de responsabilidades previsto nesta norma, e a sua relevância/importância é desde logo revelada pelo facto de se tratar de uma questão de conhecimento oficioso;

45) Com efeito, na perspetiva da CGD nada justifica a inaplicabilidade do sobredito preceito legal aos casos em que o dano é dolosamente provocado pelo lesante, i.e., pelo funcionário bancário (tendo, todavia, sido esta a opção decisória do Tribunal a quo) nomeadamente quando a atitude negligente do lesado persiste no tempo e se revela censurável de forma a permitir o avolumar dos danos sofridos;

46) A dar-se como verificada a apropriação, então ocorreu uma efetiva concorrência de culpas na produção do resultado danoso que o Tribunal entendeu dar como verificado, sendo este resultado decorrente, quer da atuação do 1º R. que o Tribunal entendeu dar como provada quer da negligência culposa da primitiva 2ª A. BB que durante anos a fio não cuidou de minimamente se interessar e preservar o seu património e as contas bancárias de que era titular na CGD nem nas demais instituições bancárias em que resolveu abrir contas solidárias com o 1º R., nem, tão pouco, a “gestão” que das mesmas era feita pelo 1º R. EE, sendo certo que, ainda que a falecida segunda A. não tivesse pretendido e autorizado tais movimentações – o que não parece ter sido o caso por tudo quanto se disse – sempre se dirá que se aquela A. tivesse agido com a diligência devida, nomeadamente através de um simples exercício de consulta periódica dos saldos (nem que fosse através do cartão multibanco) ter-se-ia apercebido desde logo das múltiplas saídas de dinheiro das contas das quais era titular e, com isso, não se teriam produzido danos na extensão verificada;

47) O descuido negligente das AA. (sobretudo da 2ª, nos termos atrás explicados), não se quedou apenas na ausência de análise e de acompanhamento durante anos a fio da evolução dos seus saldos, podendo fazê-lo, e que aparentemente não foram valoradas pelo Tribunal a quo, transparecendo ainda de outras circunstâncias e factos que igualmente revelam o descuido e omissão negligente do dever de vigilância do seu património, como p. ex. o facto de a 2ª primitiva A. ter cedido ao R. EE os seus códigos secretos, pessoais, e intransmissíveis de acesso ao serviço CaixaDireta on line, o que permitiu a este R. realizar uma miríade de transferências inter contas na CGD, sendo absolutamente elementar e do mais básico senso comum que nenhum “gestor de fortunas” precisa dos códigos de acesso de um cliente para lhe “gerir a fortuna”, como também não precisa de ser autorizado às contas dos clientes, bem como a introdução do 1º R. EE como titular nas contas (solidárias) do ... e do ... que com ele abriu nessas instituições de crédito, e da real capacidade de movimentação que tal lhe outorgava, e do domínio com que ficava sobre o dinheiro nelas depositado.

48) A tese pugnada pela CGD é, assim, a de que o art. 570º do CC não prevê a exigência de tal requisito (ausência de dolo direto do lesante) para que seja possível a aplicabilidade do regime que institui quanto à culpa do lesado, nem determina que verificado o mesmo daí resulte o afastamento do regime jurídico previsto no art. 570º do CC, e onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir;

49) Assim, mesmo tendo a CGD sido considerada responsável à luz do disposto no art. 500º do C.C. – e a manter-se esta decisão - sempre se deveria verificar, no mínimo, divisão de responsabilidades nos termos consignados no art. 570º do C.C. atendendo a que o comportamento negligente (ou mesmo intencional) da primitiva segunda A. no que respeita à consciente falta de acompanhamento das suas contas bancárias e à demissão pura dos seus deveres de fiscalização sobre o que assinam não pode ser dissociado do evento/resultado danoso que acabou por se verificar.

50) Quanto à aplicabilidade da alínea c) do nº 1 do art. 672º do CPC – acórdão da Relação em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – está a CGD convicta de que o douto Acórdão do STJ de 25.06.1998, CJ, Acs. STJ, II , já há muito transitado em julgado, e o Acórdão do Tribunal ... de 24.11.2016, proferido no âmbito do processo n.º 641.10/8..., versaram sobre matéria de facto e de direito análoga à dos presentes autos, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não tendo todavia decidido que a existência de dolo direto por parte do lesante afastava o regime jurídico da repartição de responsabilidades;

51) Assim, relativamente à questão da existência e verificação dos requisitos de aplicação do art. 500º do C.C. e, ainda, da responsabilidade das lesadas (art. 570º do CC) considera a CGD que a interpretação que dos mesmos vem feita pelo Tribunal a quo viola os ditos preceitos legais, havendo contradição de julgados nos pontos assinalados supra e sendo questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que urge a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 672.º do CPC.

52) Entende ainda a Ré Caixa que se encontram reunidos os pressupostos de que depende a ingerência do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal ad quem, na decisão sobre a matéria de facto, cuja alteração/reapreciação se requer nos termos sumariamente expendidos:

53) Quer ao abrigo do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, na medida em que houve errada utilização dos meios de prova pelo Tribunal a quo na apreciação da matéria de facto, contra disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova;

54) Quer ao abrigo do n.º 3 do artigo 682.º do CPC, uma vez que a factualidade dada como provada é insuficiente para decidir a questão de direito;

55) Quer ainda por o Tribunal a quo ter violado o disposto nos números 1 e 2 do artigo 672.º do CPC, negando injustificadamente um segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto;

56) No que respeita a este último ponto, o Tribunal a quo socorreu-se das comummente designadas regras de experiência comum para suprir a manifesta insuficiência de prova relativamente a determinados factos, designadamente quanto à vontade da segunda A. e as representações mentais que esta fez da realidade, sendo certo que as regras de experiência comum não se podem substituir aos meios de prova, antes constituem um instrumento de interpretação deles;

57) O Tribunal a quo estava obrigado a rever a matéria de facto e, considerando-a insuficiente – e é seguramente insuficiente para sustentar a condenação dos RR., conforme resulta do exposto nos capítulos anteriores destas alegações -, a mandar repetir o julgamento quanto a essa matéria.

58) Deve, assim, o Tribunal ad quem tomar excecionalmente posição quanto à matéria de facto dada como provada nos autos, pelas razões acima expostas, o que se requer;

59) Quanto ao n.º 3 do artigo 674.º do CPC refira-se, desde logo, que o douto Acórdão recorrido violou a norma substantiva respeitante à repartição do ónus da prova vertida no art. 342º nº 1 do CC, que prevê que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, violação esta que resulta clara da análise da explanação do iter demonstrativo da forma como o Tribunal deu como provados determinados factos

60) São as próprias instâncias que reconhecem não só que os cheques resgates e transferências foram assinados pelo punho da primitiva A. BB como igualmente reconhecem “não saber como é que se verificou a alegada “apropriação” do dinheiro das AA. por parte do R. EE”, pelo que quando as instâncias defendem que eram os RR. EE e FF “as pessoas melhor colocadas para demonstrar a licitude desse incremento patrimonial, o que não fizeram”, e deste raciocínio concluíram pela verificação da apropriação por partes destes RR. tal significa que o Tribunal inverteu as regras do ónus da prova para concluir que se verificou apropriação;

61) Com efeito, o ónus probatório relativamente à “apropriação”, bem como aos concretos montantes que foram “apropriados”, bem como à forma e aos meios como estes montantes foram “apropriados” cabia inteiramente às AA., não se afigurando, com o devido respeito, curial que as instâncias extraiam ilações probatórias do facto de, na sua perspetiva, os RR. não terem justificado a razão ou razões que determinaram o desfasamento entre os montantes por si percebidos a título de rendimentos do trabalho e os concretos montantes de que eram titulares nas suas contas bancárias, não se afigurando legítimo é que dessa mencionada/alegada não revelação se tirem ilações ou conclusões que liguem ou associem numa relação de causa a efeito a saída do dinheiro das contas das primitivas AA. para as contas tituladas pelos RR., muito em especial quanto aos montantes relativamente aos quais tal associação não possa ser efetivada e comprovada documental e diretamente sem margem para dúvidas, sendo que esta tese se revela particularmente perigosa v.g. para as quantias de dinheiro que não têm correspondência direta nas contas de saída (das AA.) e de entrada (nos RR. EE e FF);

62) Ou seja, as instâncias aceitaram que, para prova de que esta quantia relativamente à qual não foi apurada uma relação direta entre levantamentos das contas das AA. e depósitos na conta dos RR. no valor de 1.330.724.75 € tinha transitado do património das primitivas AA. para o património dos RR. EE e FF, o argumento segundo o qual estes RR. eram “as pessoas melhor colocadas para demonstrar a licitude desse incremento patrimonial, o que não fizeram”;

63) Independentemente de terem sido sopesados ou não outros meios de prova para que o Tribunal aceitasse como boa a tese de que os RR. EE e FF se apoderaram desta quantia, o certo é que as instâncias consideraram como fundamento válido para a formação da sua convicção esta autêntica inversão das regras do ónus da prova e, nessa medida, dispõe este Supremo Tribunal poderes para reverter esta decisão nos termos previstos no art. 674º nº 1 alínea a) e nº 3 do CPC, por violação do estipulado na regra de natureza substantiva consubstanciada no art. 342º nº 1 do CC;

64) Pelo que se conclui que a CGD não deveria ter sido condenada a suportar o pagamento indemnizatório no valor de 1.330.724.75 €.

65) Ainda nesta sede, e em concreto, o Tribunal a quo deu como provados alguns factos (cuja reapreciação foi pela Ré Caixa requerida, no âmbito da apelação), em manifesta desrespeito das normas sobre valoração da prova. Foi o caso dos factos FF, GG, HH, II, LL, TT, ZZZZZ da matéria de facto:

66) Quanto ao facto FF, deve a decisão ser alterada e, em consequência, ser suprimida a expressão “como gestor de conta” e substituída pela seguinte: “ao abrigo da procuração a fls. 519”, por violação, designadamente, do disposto no n.º 1 do artigo 371.º do CC;

67) Quanto ao facto GG, deve a decisão ser alterada e, em consequência, ser suprimida a expressão “para justificar os movimentos que fazia nas contas das autoras (…) o réu obteve daquelas autorização” e substituída pela seguinte: “As AA. concederam ao 1.º Réu autorização (…)”, por violação, designadamente, do disposto no n.º 1 do artigo 376.º do CC;

68) Quanto ao facto HH, deve a decisão sobre este facto ser alterada e, em consequência, ser suprimido o segmento final do facto, passando a constar apenas: “As (falecidas) autoras assinaram tais autorizações 10º, por violação, designadamente, do disposto no n.º 1 do artigo 371.º e do n.º 1 do artigo 376.º do CC;

Quanto ao facto II, deve a decisão ser alterada e, em consequência, ser o mesmo dado como não provado, por violação do disposto no artigo 346.º e no n.º 1 do artigo 364.º do CC;

69)Quanto ao facto LL, deve a decisão ser alterada e, em consequência, dar-se como provado apenas: “Os 1.ºs réus ofereciam à autora presentes 14.º, por violação do disposto no artigo 346.º do CC;

70) Quanto ao facto TT, deve a decisão sobre este facto ser alterada e, em consequência, ser o mesmo dado como não provado, por violação, designadamente, do disposto no n.º 1 do artigo 371.º, do n.º 1 do artigo 376.º do CC, no artigo 346.º e no n.º 1 do artigo 364.º do CC;

71) Quanto ao facto ZZZZZ, deve a decisão sobre este facto ser alterada e, em consequência, ser o mesmo dado como não provado, por violação, designadamente, do disposto no artigo 346.º e no n.º 1 do artigo 364.º do CC;

72) A considerar-se inadmissível a alteração da matéria de facto pelo Tribunal ad quem, sempre será de concluir que a matéria de facto provada, tal qual está, não permite a condenação dos 1ºs RR., muito menos da Ré Caixa, nos termos em que o fez a 1.ª Instância, quer porque manifestamente insuficiente para o efeito, quer porque nela pululam contradições já oportunamente assinaladas;

73) Em suma, podemos dizer com segurança que a matéria de facto é insuficiente para concluir que: (i) a A. tenha sido induzida pelo 1.º R. a assinar cheques, a doar bens, a constituir o 1.º R. como legatário de todos os seus bens imóveis; (ii) a doença da A. tenha sequer contribuído para esse comportamento incauto; (iii) relativamente a cada operação realizada pelo 1.º R., alegados pelos AA. nos articulados, a segunda A. não tinha conhecimento; (iv) relativamente a cada operação ou cheque assinado pela segunda A., alegados pelos AA. nos articulados, a segunda A. não tinha consciência dos fins que tais atos serviam; (v) A 2.ª R. praticou um ou vários atos ilícitos ou agiu, a título de auxílio moral ou material; (vi) Os 1.ºs RR. se apropriaram efetivamente da quantia de € 4.126.360,75;

74) Já quanto ao instituto da culpa do lesado, deveria o Tribunal de 1.ª Instância e, bem assim, o Tribunal a quo ter explorado o comportamento culposo da segunda A. relativamente aos danos que alegadamente se verificaram na respetiva esfera, comportamento esse que resultou de forma evidente da prova produzida em julgamento, mormente das Testemunhas ouvidas;

75) Mais se reitera que o recurso excessivo às regras de experiência comum por parte das Instâncias é sintomático da ausência de elementos probatórios que lhes permitissem responsabilizar os RR. pelos factos alegados pelos AA.;

76) Razões pelas quais se requer que o Tribunal ad quem lance mão dos poderes previstos no artigo 682.º do CPC e mande repetir o julgamento pelo Tribunal a quo dos seguintes Factos da matéria de facto provada: FF, GG, HH, II, LL, TT, ZZZZZ;

77) Ainda a propósito da matéria de facto, refira-se que, embora se tenha entendido não ter aqui aplicação o disposto no artigo 624.º do CPC e, nessa medida, que o despacho de arquivamento proferido no processo crime instaurado contra o 1.º R. não condiciona ou limita a apreciação da matéria de facto/valoração da prova, por dali não resultar qualquer presunção, o Tribunal a quo devia observar as regras do ónus da prova e apreciar a prova com distanciamento e isenção, designadamente a prova testemunhal apresentada pelos AA. em confronto com a prova documental – em alguns casos, documentos autênticos – apresentada pelos 1.ºs Réus.

78) A Ré Caixa não pode ainda deixar de assinalar a leviandade com que o Tribunal de 1.ª Instância se apressou a formular juízos de valor sobre os 1.ºs Réus – independentemente da sua bondade -, sem questionar em momento algum – e para isso havia fundadas razões – a conduta da primitiva segunda A. e, sobretudo, dos AA. Habilitados, que, a ser devidamente atendida, determinaria, como se verá, uma solução jurídica bem diversa da aqui seguida.

79) E foi, sobretudo, imponderado a assacar responsabilidades à Ré Caixa pelos atos que terão sido alegadamente praticados por um seu funcionário em prejuízo dos AA., sem cuidar de aferir com rigor se entre a qualidade de funcionário da Ré Caixa e o alegado dano sofrido pelos AA. existia um verdadeiro nexo, de forma a justificar a aplicação do artigo 500.º do Código Civil, imputando-lhe indiferenciadamente todos os factos praticados pelo 1.º Réu com relação à (primitiva) segunda A. e alegadamente lesivos;

80) Sendo certo que a sentença e o Acórdão abundam em factos conclusivos e vagos que não encontram sustento na prova produzida em julgamento e em expressões ou palavras que denunciam a formação de um juízo antecipado quanto à atuação dos 1.ºs Réus, ao manifesto arrepio do regime da prova consagrado no CC.

81) No que concerne à matéria de direito, as questões jurídicas que a Ré Caixa pretende submeter à (re)apreciação do Tribunal ad quem já foram acima devidamente identificadas;

82) Com efeito, o Tribunal a quo não cuidou de definir a extensão da responsabilidade do comitente, i.e. desde e até quando e por que atos podia e devia a Ré Caixa ser responsabilizada, ou, por outra, quando é que se interrompeu o nexo causal, imputando-lhe, a título de responsabilidade objetiva, todos os atos alegadamente praticados pelo 1.º R., em prejuízo das primitivas AA..

83) O problema reside – entende-se - numa abordagem da responsabilidade do comitente no sentido (cremos que errado e conducente a soluções desconformes à justiça material) de que o mesmo deve responder por razões de garantia patrimonial, quando a ratio que subjaz ao artigo 500.º não é de todo essa.

84) Por fim, não poderia o Tribunal a quo ter afastado a aplicação do instituto da culpa do lesado, com assento no artigo 570.º do CC, em face da existência de vasta factualidade que aponta para um concurso de culpas, afigurando-se a culpa da segunda A. suficientemente grave e grosseira, e ainda que coexistente – sem conceder – com a culpa do 1.º R., a título de dolo – para impor a aplicação do citado artigo;

85) Não podia o Tribunal a quo ter desatendido ao comportamento gravemente displicente quanto ao seu património e, bem assim, gravemente imprudente da (primitiva) 2ª Autora.

86) O que não é de todo inócuo em matéria de responsabilidade do comitente, já que sempre que a responsabilidade do lesante se basear numa simples presunção legal de culpa, ou ainda num caso de responsabilidade civil pelo risco – como é o caso –, a culpa do lesado exclui o dever de indemnizar (artigo 570.º/2 CC).

87) Com efeito, a responsabilidade do comitente não pode coexistir com a culpa concorrente do lesado, sob pena de se chegar a uma solução contrária aos princípios basilares da responsabilidade civil: proteger um prejudicado culpado do seu dano;

88) A responsabilidade objetiva é excecional, porque independente de culpa, pelo que, num caso em que o próprio lesado praticou um ou vários atos, de forma negligente, que contribuíram para a produção do ano, não é admissível fazer recair sobre o comitente a obrigação de indemnizar o referido lesado;

89) Pelo que deve a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que absolva totalmente a Ré Caixa do pedido contra si formulado,

90) O Tribunal da Relação aceitou para efeitos de dispensa do remanescente da taxa de justiça que a complexidade do processo não justificava a aplicação do remanescente da taxa de justiça decidindo, nos termos do art. 6º, nº 7 do RCP, reduzir em 80% o valor do remanescente da taxa de justiça devida (causa e recurso).

91) Ora, afigura-se que este juízo deveria estender-se à totalidade (100%) da taxa remanescente de justiça, e incluir o presente recurso, o que se requer.

Termos em que se requer a V. Exas.:

 i) Seja julgada procedente a nulidade oportunamente arguida;

 ii) Seja alterada a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima requeridos, ou, sem conceder, seja ordenada a baixa do processo, para repetição do julgamento da matéria de facto pelo Tribunal a quo;

iii) Sem conceder ainda, seja revogado o Acórdão recorrido e, em consequência, substituído por outro que absolva integralmente a Ré Caixa do pedido contra si deduzido.


///


Os AA contra alegaram, pugnando quanto às revistas dos 1ºs RR:

i) Devem ser rejeitados os Recursos de Revista e de Revista Excepcional cumulativamente interpostos pelos Recorrentes, por ser tal cumulação legalmente inadmissível;

ii) Caso assim se não entenda, sem conceder,

Quanto ao Recurso de Revista

(i)  Deve ser rejeitado o Recurso de Revista interposto pelos    Recorrentes, por não verificação dos respectivos pressupostos de admissibilidade;

Caso assim se não entenda, sem conceder

(ii)  Devem ser   julgadas   inteiramente improcedentes as nulidades do Acórdão a quo por excesso e por omissão de pronúncia invocadas pelos Recorrentes;

(iii)  Deve ser julgado inteiramente improcedente o  Recurso de        Revista,  mantendo-se integralmente o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências;

Quanto ao Recurso de Revista Excepcional

(i)    Deve   também a Revista Excepcional interposto pelos Recorrentes ser rejeitada por não verificação dos respectivos pressupostos de admissibilidade;

Caso assim se não entenda, sem conceder,

(ii)    Deve ser julgado inteiramente improcedente o Recurso de Revista Excepcional, mantendo- se integralmente o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.


Relativamente à revista excepcional interposta pela CGD, defenda a sua inadmissibilidade; se assim não se entender, deve a mesma ser julgada improcedente.


///


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


Fundamentação de facto.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

A. GG faleceu a .../.../2004 – A).

B. À data da propositura da presente acção, a primeira e a segunda (falecidas) autoras eram, respectivamente, viúva e filha de GG, sendo as suas únicas e universais herdeiras – B).

C. Em .../.../2003, a conta n.º ...00 da CGD, da titularidade das (falecidas) autoras AA e BB, aberta a .../.../2003, foi creditada na quantia de 5.355.000,00€ (cinco milhões trezentos e cinquenta e cinco mil euros), tendo nessa data ficado aí depositados 5.365.586,37€ (cinco milhões trezentos e sessenta e cinco mil quinhentos e oitenta eseis euros e trinta e sete cêntimos).

D. O primeiro réu foi nomeado, a 21.05.2001, subgerente da agência central da CGD, em ... – D).

E. O 1º réu apresentou ao falecido GG um produto financeiro, que veio a ser subscrito pelas falecidas autoras a .../.../2003, que assim aplicaram, do valor referido em C., 5.000.000,00€ (cinco milhões de euros), em contratos de seguro de capitalização QQ, através de 5 (cinco) apólices da Companhia de Seguros ..., cada uma no valor de 1.000.000,00€ (um milhão de euros), por débito da conta n.º ...00 –

F. Esta subscrição deu origem às seguintes apólices:

- n.º 12/00...., de € 1.000.000,00 (um milhão de euros),

- n.º 12/00...., de € 1.000.000,00 (um milhão de euros),

- n.º 12/00...., de € 1.000.000,00 (um milhão de euros),

- n.º 12/00...., de € 1.000.000,00 (um milhão de euros),

- n.º 12/00...., de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) –


G. Após o referido em A., as contas de depósito em nome do casal passaram para o nome das (falecidas) Autoras – G).

H. Os 1.ºs réus sabiam que a (falecida) 2ª autora tinha dois filhos maiores, e conhecem-nos.

I. O valor resultante do resgate da 5ª (quinta) apólice ( ...58,48€) que foi pedido a 29.12.2006, foi creditado a 11.01.2007 na conta n.º ...00 da CGD-..., da titularidade das falecidas autoras.

J. Este montante foi transferido pelo sistema Caixa Direta On Line (Caixa DOL) para duas contas: uma primeira parte, de 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros), para a conta n.º ...00, da CGD de ..., da titularidade da (falecida) 2.ª autora BB; a outra parte, de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), para a conta n.º ...61 –

K. Aquele primeiro montante, de 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros), saiu na totalidade, pelo cheque n.º ...52.

L. Desde 23.03.2007, que o réu EE figura como autorizado sem quaisquer restrições à conta n.º ...00 da CGD-..., da titularidade das (falecidas) autoras, podendo proceder a movimentos a débito sem autorização prévia ou consentimento das suas titulares.

M. No mesmo dia .../.../2003, foram abertas na CGD três contas poupança, onde foram creditados, por débito na conta n.º ...00, os seguintes valores:

- n.º  ...65, de 100.000,00€ (cem mil euros);

- n.º  ...66, de 100.000,00€ (cem mil euros);

- n.º  ...65, de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros) – M).


N. A (falecida) 2ª autora tinha habilitações literárias superiores.

O. Segundo o Relatório de Avaliação Intelectual, datado de 18.07.2006, os valores  «Quociente Intelectual Verbal – Q.I.V., do Quociente Intelectual de Realização – Q.I.R. e do Quociente Intelectual – Q.I.T.» da (falecida) 2ª autora situam-se «na classe» muito superior, mais concluindo, quanto ao «índice de deterioração mental» que o mesmo não apresenta «significado patológico».

P. A (falecida) 2ª autora outorgou uma procuração, conferindo ao 1º réu marido «poderes para, com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os seus bens e direitos existentes no território nacional (…); vender, trocar, hipotecar e por qualquer forma alienar os seus bens (…)»

Q. A 10.10.2008 a (falecida) 2ª autora, através de documento autêntico exarado no Cartório do Notário ..., como única outorgante do mesmo, declarou, para todos os efeitos legais, que todos os movimentos efectuados nas suas contas bancárias à ordem, a prazo ou sob qualquer forma, quer a débito, quer a crédito, bem como todos os movimentos de subscrição e resgate de títulos ou de participações em fundos de investimento, ordens de compra e venda de títulos ou de participações em fundos de investimento, ordens de compra e venda de títulos mobiliários onde, expressamente, se incluem acções, obrigações, futuros e opções, efectuados pelo Senhor EE (…), o foram sempre no cumprimento de ordens expressas da signatária, mais declarando que, muito embora obtenha e tenha em consideração o conselho e opinião do referido Senhor EE, sempre tomou e toma livremente as decisões de investimento e desinvestimento dos seu património, nos termos econdições que considera mais convenientes.

R. A 17.09.2004, a (falecida) 2ª autora celebrou com a ré CGD o contrato de mútuo com penhor, no valor de 540.000,00€ (quinhentos e quarenta mil euros), com a finalidade de «investimentos», cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

S. A 24.09.2004 foi levantada da conta n.º ...07 do ... a importância de 62.600,00€ (sessenta e dois mil e seiscentos euros), em numerário, pelo 1º réu marido.

T. O cheque n.º ...52, que foi sacado em 06.12.2005 pela falecida 2.ª autora sobre a conta n.º ...00 da agência de ..., no montante de 368.720,00€ (trezentos e sessenta e oito mil e setecentos e vinte euros), ao portador, foi depositado na conta n.º ...90, da qual é único titular o 1º réu marido.

U. O cheque n.º ...12, da importância de 1.000.000,00€ (um milhão de euros), sacado sobre a CGD – ..., figurando como «tomadora» a falecida 2ª autora, foi depositado em .../.../2006 na conta n.º ...01, do banco ..., da qual são titulares os dois 1ºs Réus, juntamente com o pai e a mãe do 1º réu marido.

V. Este valor foi debitado na conta n.º ...61 do balcão de HH, da titularidade da (falecida) 2ª autora.

W. A 12.07.2007, a (falecida) 2ª autora BB, através de testamento lavrado no cartório da Notária ..., em ..., por força da quota disponível de todos os seus bens, legou ao réu EE os imóveis ali descritos eque aqui se dão por reproduzidos.

X. O réu marido trabalha no Gabinete de Empresas de ..., da CGD, desde 19.02.2007 – X).

Oriundos da base instrutória

Y. O 1º réu, juntamente com outro funcionário, convenceu o falecido GG a transferir as contas detidas no ... para a CGD, nomeadamente o valor referido em C. –1º.

Z. RR, então, uma relação de proximidade com o GG – 2º.

AA. Começa a visitar com frequência o GG e a (falecida) 1ª autora AA, na própria casa destes – 3º.

BB. E, a partir de agosto de 2003, com o falecido já doente, ali se fez acompanhar, por várias vezes, de um colega da CGD, de nome Mota Pinto – 4º.

CC. O falecido sofreu um AVC, que o incapacitou, desde .../.../2003 – 5º.

DD. O 1º réu, juntamente com outro funcionário, convenceu também as (falecidas) autoras a subscrever o produto referido em E., fazendo uso do seu cargo de subgerente da CGD– 6º.

EE. Após o referido em A., o 1º réu manteve uma relação de proximidade com as (falecidas) autoras, até com mais frequência – 7º.

FF. Após o referido em G., o 1º réu, como gestor das contas, passou a gerir e dispor das mesmas como entendia – 8º.

GG. E para justificar os movimentos que fazia nas contas das autoras, além do referido em L., a 06.03.2007, o 1º réu obteve daquelas autorização, junto da CGD de ..., para movimentar a conta n.º ...00 e fazer aplicações dela, como melhor entendesse, na qualidade de seu representante com todos os poderes e sem restrições – 9º.

HH. As (falecidas) autoras assinaram tais autorizações atentas as funções exercidas pelo 1º réu na CGD, gerente e representante do banco, e como gestor das suas contas – 10º.

II. Desde o referido em A. que as (falecidas) autoras não tiveram acesso às movimentações realizadas pelo 1.º réu quanto ao montante indicado em LL. – 11º.

JJ. A (falecida) 1.ª autora era pessoa de muita idade, e sempre aceitou que fosse a filha (2.ª autora) a contactar com o 1.º réu – 12º.

KK. A (falecida) 2.ª autora era portadora de doença bipolar – 13º.

LL. Os 1.ºs réus, que agiram combinados com vista a apropriaram-se do montante de 4.126.360,75€ (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos) pertencente aos depósitos em causa, passaram a oferecer à 2.ª autora presentes – 14º

MM. Convidavam-na para almoços e jantares em sua casa – 15º.

NN. Provocaram nela uma afeição maternal, assim como provocaram afeição pelo filho do casal – 16º.

OO. O 1º réu tratava, por vezes, a (falecida) 2.ª autora por «segunda mãe» – 17º.

PP. Os 1.ºs réus conheciam a doença da falecida autora BB, que fundamentou a sua reforma antecipada, como professora do ensino básico – 18º.

QQ. As apólices referidas em F. foram resgatadas pelo 1.º réu marido, após obter a assinatura da (falecida) 2.ª autora, e depositado o seu valor nas contas n.º ...00 [4 (quatro) apólices] e n.º ...00 [1 (uma) apólice] – 19º.

RR. Além de despesas de reduzido valor, as (falecidas) autoras gastaram, do montante referido em C., pelo menos, cerca de 600.000,00€ (seiscentos mil euros) na compra de um andar na Av. 31 de Janeiro, um apartamento na ... e um veículo automóvel – 20º.

SS. O 1.º réu marido fez transferência de vários valores depois de resgatadas as apólices para os balcões da CGD onde prestava serviço, designadamente ..., ... e ... – 21º.

TT. E sempre agiu arrogando-se e na qualidade de subgerente da CGD, no exercício das funções que lhe estavam cometidas – 22º.

UU. Com data de 24.09.2004, subscrito pelo punho da (falecida) 2.ª autora BB, foi sacado o cheque nº ...43, no montante de 555.000,00€ (quinhentos e cinquenta e cinco mil euros), sobre a conta D/O na CGD n.º ...3º.

VV. Tal cheque foi sacado a favor dela própria, a (falecida) 2.ª autora, e foi o mesmo depositado juntamente com outros valores na conta nº ...07 do banco ... do balcão do ... – próximo da residência dos 1.ºs réus –, conta essa da qual são titulares a (falecida) 2.ª autora e o 1.º réu marido – 24º.

WW. Esse depósito foi efectuado, na agência de ..., por pessoa não identificada, que assinou o talão que consta de fls. 467 – 24º-A.

XX. Na conta n.º ...07 do ... foram depositados: o cheque no valor de 62.600,00€ (sessenta e dois mil e seiscentos euros), sacado sobre a dita conta n.º ...00 da CGD com a data valor de 20.09.2004 e o cheque de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros), com a mesma proveniência e datação – 25º.

YY. A conta referida em S. foi aberta pelo 1.º Réu marido – 26º.

ZZ. A 30.09.2004, o 1.º réu marido fez a transferência dos ...00, ...0€ (seiscentos e trinta mil euros) para a conta n.º ...90, do ... (...), da qual é único titular – 27º.

AAA. O 1.º réu marido, com vista à apropriação dos ditos valores, fez constar na proposta de abertura da conta ...07 do ..., da titularidade conjunta da (falecida) 2.ª autora e dele, a da residência dos 1.ºs réus – 28º.

BBB. E também indicou como contacto o seu telemóvel (...74) – 29º.

CCC. O «domicílio da conta» é o do endereço do balcão da CGD em ..., da qual era gerente o 1º réu e o chamado «extracto combinado» era anual, por sua indicação – 30º.

DDD. Os 1ºs réus integraram no seu património 692.600,00€ (seiscentos e noventa e dois mil e seiscentos euros) – 31º.

EEE. Na conta aberta no ..., com o n.º ...01, a morada atribuída à (falecida) 2.ª autora é ‘Rua ..., ... ...’, a qual foi, por volta de 2003, residência dos 1sº réus, tendo passado a ali morar, depois dessa data, os pais e a irmã da 1ª ré mulher – 32º.

FFF. Foi o 1.º réu marido quem indicou essa ‘morada’ – 33º.

GGG. Também os contactos fornecidos são o n.º ...74 e n.º ...08, telemóveis do 1.º réu marido – 34º.

HHH. Na proposta correspondente àquela ficha vem indicada como ‘morada’ da cliente, para contactos, a rua ...-..., ... ..., a qual era então a residência dos 1.ºs réus – 35º.

III. Na proposta consta ainda que os cheques cruzados a emitir futuramente sê-lo-iam em nome do 2.º titular, aqui 1.º réu marido – 36º.

JJJ. O montante referido em DDD. reporta-se ao resgaste das apólices com os n.ºs 12/00.... e 12/00.....

KKK. O cheque n.º ...52 foi subscrito em 06.12.2005 pela (falecida) 2.ª autora sobre a conta nº ...00 da agência de ..., no montante de 368.720,00€ (trezentos e sessenta e oito mil setecentos e vinte euros), ao portador – 38º.

LLL. Tal cheque foi depositado na conta n.º ...90, da qual é único titular o 1.º réu marido – 39º.

MMM. Os 1.ºs réus fizeram seus os 368.720,00€ (trezentos e sessenta e oito mil setecentos e vinte euros), integrando-os no seu património – 40º.

NNN. Este valor é parte do ‘resgate’ da apólice com o n.º 12/00.....

OOO. Para a mesma conta do 1.º réu, este operou a transferência de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) em 28.03.2008, através do sistema Caixa Direta On Line e proveniente da conta com o n.º ...2º.

PPP. Para tal, serviu-se do IP 10.212.52.43, correspondente a computador propriedade da ré CGD, ao qual ele tinha acesso enquanto funcionário dirigente da agência de ... – 43º.

QQQ. Em 02.05.2006, dois funcionários da CGD, preencheram e assinaram no local do sacador o cheque n.º ...12, de 1.000.000,00€ (um milhão de euros), sobre a CGD – ..., figurando como «tomadora» a (falecida) 2.ª autora – 44º.

RRR. A rubrica de um dos sacadores é do punho do 1.º réu marido, na altura gerente daquela agência – 45º.

SSS. Este montante de 1.000.000,00€ (um milhão de euros) provém do resgate da apólice com o n.º 12/00.....

TTT. O valor de 750.000,00€, a que se reporta a 1.ª parte da al. J., foi depositado na conta nº ...75(10.001), do ..., da titularidade da (falecida) 2.ª autora e, um dia depois, também do 1.º réu marido – 47º.

UUU. Desses 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros), através de operações efectuadas pelo 1.º réu marido, foram por este apropriados e integrados no seu património 515.485,00€ (quinhentos e quinze mil euros e quatrocentos e oitenta e cinco euros) – 48º.

VVV. Em 17.09.2004, dois funcionários da Ré CGD preencheram e assinaram no local do sacador o cheque n.º ...87, da importância de 90.000,00€ (noventa mil euros), sobre a CGD – ... e sobre a conta n.º ...00, figurando como tomadora a sociedade comercial ..., com sede na avenida ..., ....

WWW. A rubrica de um dos sacadores é do punho do 1.º réu, na altura gerente daquela agência de ... – 50º.

XXX. Tal valor destinou-se a liquidar o preço de um negócio celebrado entre a ... e o 1.º réu EE – 51º.

YYY. O 1.º réu marido usou a dita quantia em proveito exclusivo seu e da 2.ª ré, sua mulher – 52º.

ZZZ. Em 09.06.2004, dois funcionários da Ré CGD preencheram e assinaram no local do sacador o cheque visado n.º ...60, da importância de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros), sobre a CGD-... e a conta n.º ...00, figurando como tomadora a (falecida) 2.ª autora BB – 53º.

AAAA. As rubricas dos sacadores são de dois funcionários da agência de ... da CGD, da qual na altura era gerente o 1º réu – 54º.

BBBB. A assinatura feita no lugar do endossante foi feita pelo punho da (falecida) 2.ª autora BB – 55º.

CCCC. Esse valor foi usado para proveito exclusivo dos 1.ºs réus, que o depositaram na agência de ... (rua ...) do ... Geral –56º.

DDDD. Após o óbito referido em A., as contas em crise foram movimentadas pela (falecida) 2.ª autora, por meio de cheques e pela caderneta ao balcão da agência da CGD, com excepção do montante a que se alude em LL. – 59º.

EEEE. As (falecidas) autoras efectuaram levantamentos dessas contas, ressalvados os que tiveram como destino as contas dos 1.ºs réus ou dos seus familiares (no montante total de 1.319.423,26€ – um milhão trezentos e dezanove mil quatrocentos e vinte e três euros e vinte e seis cêntimos) – 60º.

FFFF. A (falecida) 2.ª autora solicitou e obteve em .../.../2004 dois cartões de débito Multibanco sobre duas contas da CGD e, em 2006, também um cartão de crédito – 61º.

GGGG. O resgate da apólice nº ...57 foi feito em 16.09.2004, tendo sido subscrito pela (falecida) 2.ª autora e tendo sido creditado o saldo de 1.002.599,12€ (um milhão e dois mil quinhentos e noventa e nove euros e doze cêntimos), em 23.09.2004, na sua conta DO nº. ...00 – 62º.

HHHH. O resgate da apólice nº ...58 foi também efectuado em 16.09.2004, tendo sido subscrito pela (falecida) 2.ª autora e tendo sido creditado o respectivo saldo de 1.002.599,12€ (um milhão e dois mil quinhentos e noventa e nove euros e doze cêntimos), em 23.09.2004, na sua conta DO nº ...3º.

IIII. E, em 24.09.2004, por débito na aludida conta DO, a falecida 2.ª autora subscreveu a ordem de transferência de 555.000,00€ (quinhentos e cinquenta e cinco mil euros) para uma das suas contas poupança da CGD – 64º.

JJJJ. Nesse mesmo dia, 24.09.2004, também por débito na aludida conta DO nº. ...00, a (falecida) 2.ª autora subscreveu a ordem de transferência de 107.000,00€ (centoe sete mil euros) para uma das suas contas poupança da CGD – resposta parcial ao artigo 65º.

KKKK. Ainda nesse mesmo dia 24.09.2004, por débito na referida conta DO nº. ...00, a (falecida) 2.ª autora efectuou a subscrição de 6.441 unidades do produto comercializado pela CGD denominado ..., no valor de 50.993,82€ (cinquenta mil novecentos e noventa e três euros e oitenta e dois cêntimos) – 66º.

LLLL. No dia 24.09.2004, por débito na conta DO nº. ...00, a falecida 2.ª autora procedeu à subscrição de 4954 unidades de Fundo Caixa Gest Tesouraria, no valor de 50.003,20€ (cinquenta mil e três euros e vinte cêntimos) – 67º.

MMMM. Em 27.09.2004, a (falecida) 2.ª autora subscreveu um cheque sobre a aludida conta DO nº. ...00, no valor de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros) – 68º.

NNNN. Em 29.09.2009, as (falecidas) autoras, por débito na conta DO nº. ...00 subscreveram a ordem de compra de 5500 acções da ..., no valor global de 48.319,96€ (quarenta e oito mil trezentos e dezanove euros e noventa e seis cêntimos)– 70º.

OOOO. Em 17.10.2004, as (falecidas) autoras procederam ao reembolso do contrato referido em R. – 71º.

PPPP. Para liquidação de tal contrato de mútuo com penhor de aplicações despenderam a quantia global de 541.523,04€ (quinhentos e quarenta e um mil quinhentos e vinte e três euros e quatro cêntimos) – 72º.

QQQQ. Quanto à apólice nº ...60, o seu resgate foi feito em 21.11.2005, tendo sido subscrito pela (falecida) 2.ª autora, tendo sido creditada a sua conta DO n.º ...00 na CGD, em 02.12.2005, com a quantia de 1.013.419,65€ (um milhão e treze mil quatrocentos e dezanove euros e sessenta e cinco cêntimos) – 73º.

RRRR. Em 05.12.2005, e por débito na sua conta DO nº. ...00, foi efectuada uma transferência de 643.500,00€ (seiscentos e quarenta e três mil e quinhentos euros) subscrita pela (falecida) 2.ª autora para uma outra conta poupança na CGD de que é titular – 74º.

SSSS. Em 06.12.2005, foi subscrito pela (falecida) 2.ª autora sobre a conta DO nº. ...00 um cheque, no valor de 368.720,00€ (trezentos e sessenta e oito mil setecentos evinte euros) – 75º.

TTTT. O resgate da apólice nº ...59 foi subscrito pela (falecida) 2.ª autora em .../.../2006 – 76º.

UUUU. Em consequência de tal resgate, a conta DO n.º  ...00 foi creditada, em 20.04.2006, com a quantia de 1.016.643,09€ – 77º.

VVVV. E nesse mesmo dia 20.04.2006, por débito na conta DO n.º  ...00 foi efectuada uma transferência de 1.016.000,00€, subscrita pela (falecida) 2.ª autora, cuja conta de destino foi uma outra sua conta poupança também na CGD – 78º.

WWWW. Relativamente à apólice n.º ...56, o seu resgate foi pedido em 29.12.2006, tendo sido subscrito pela (falecida) 2.ª autora, tendo sido creditada, em consequência, a conta DO das (falecidas) autoras com o nº. ...00, em 11.01.2007, pela quantia de 1.005.758,48€ ) – 79º.

XXXX. Em 15.01.2007, por débito na conta DO n.º ...00 foi subscrita pela (falecida) 2.ª autora uma transferência de 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros), via Caixa Direta, tendo como destino a sua conta n.º  ...00 – 80º.

YYYY. Em 16.01.2007, a 2.ª (falecida) autora subscreveu sobre a sua aludida conta n.º  ...00 um cheque, no valor de 750.000,00€ (setecentos e cinquenta mil euros) – 81º.

ZZZZ. Em 15.01.2007, por débito na conta das (falecidas) Autoras com o n.º ...00 e utilizando o serviço Caixa Direta, foi transferida a quantia de 250.000,0 (duzentos e cinquenta mil euros) para uma sua conta poupança – 82º.

AAAAA. Quanto à conta poupança n.º  ...66: em 09.06.2004, foi efectuada uma transferência de 100.000,00€ (cem mil euros), subscrita pela 2.ª (falecida) autora, para a conta DO nº  ...00 e na mesma data foi emitido um cheque sobre o País (cheque bancário) no valor de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros), por débito da referida conta DO, tendo a respectiva requisição sido subscrita por aquela – 83º.

BBBBB. Quanto à conta poupança (depósito a prazo) nº ...20, representada pelo título nominativo nº ..., no valor de 400.000,00€, o título foi liquidado em 2009.04.14, tendo sido creditada a conta associada nº  ...00 pelo mesmo valor – 84º.

CCCCC. E, em 15.04.2009, foi subscrito pela falecida 2.ª autora o cheque nº ...72, no montante de 380.000,00€ (trezentos e oitenta mil euros) que foi depositado no ... (NIB  ...08), em conta titulada pela 2.ª autora e pelo réu EE – 85º.

DDDDD. Quanto à conta poupança nº  ...61: em 2006.05.02 foi emitido um cheque sobre o País (cheque bancário), tendo a requisição sido assinada pela (falecida) 2ª autora, no montante de 1.000.000,00€ (um milhão de euros) (despesas 4,19€, cheque que foi assinado no seu verso por esta –86º.

EEEEE. Foram, além disso, efectuados levantamentos em numerário relativamente à conta ...00, que são os que consta da listagem junta sob o documento n.º ... à contestação, que se dá por reproduzida, com excepção dos datados de 17.02.2004 (de 204,65€), de 31.10.2005 (de 204,65€, 2.500,00€, 850,00€, 360,00€) e de 21.08.2007 (de 3.075,00€) – 87º.

FFFFF. Foram efectuados os levantamentos em numerário da conta nº  ...00 que que se encontram referenciados na listagem junta sob o documento n.º ... à contestação da CGD e que aqui se considera reproduzida, com excepção do levantamento de 3.000,00€, datado de 21.08.2007 – 88º.

GGGGG. Foram efectuados levantamentos em numerário relativamente à conta da CGD com o n.º  ...00, que são os que consta da listagem junta sob o documento n.º ... à contestação, que se dá por reproduzida, com excepção dos levantamentos de 27.10.2004 (de1.180,00€) e 02.12.2004 (de 1.924,20€), e ainda:

- Do movimento de 17.09.2004, no montante de 185.000,00€,

- Do movimento de 24.09.2004, no montante de 107.000,00€,

- Do movimento de 27.05.2005, no montante de 5.200,00€, e

- Do movimento de 27.05.2005, no montante de 5.200,00€ – 89º.


HHHHH. A partir de 06.03.2006 a falecida 2ª autora subscreveu o serviço Caixa Direta On Line que lhe possibilitava o acesso ao serviço de internet banking providenciado pela CGD, que então lhe facultou os códigos de acesso – 90º.

IIIII. Códigos que são secretos, pessoais e intransmissíveis – 91º.

JJJJJ. Sobre as contas das (falecidas) autoras foram realizados os movimentos aludidos a fls. 61 a 64, que fazem parte do documento n.º ... junto com a contestação da CGD, que se dá por reproduzido, por via do serviço Caixa Direta Online, com excepção de 7 (sete), totalizando 17.346,48€ (dezassete mil trezentos e quarenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos) – 92º.

KKKKK. Até à data de 26.06.2009, a titularidade das contas acima mencionadas era a seguinte: - quanto à conta nº  ...00, domiciliada na agência da CGD de ..., aberta em 11.08.2004, figurava como titular a falecida autora BB e como autorizado sem restrições o réu EE,

- quanto à conta nº ...00, domiciliada na agência central da CGD de ..., aberta em 26.08.2003 e encerrada em 25.06.2009, figuram como titulares as autoras BB e AA e como autorizado sem restrições o réu EE a partir de 23.03.2007, tendo este efectuado renúncia a tal autorização em 26.06.2009,

- quanto à conta nº  ...00, domiciliada na agência central da CGD de ..., e aberta em 22.10.1998 figura como titular a autora BB e como autorizado sem restrições e a partir de 06.03.2007 o réu EE, tendo este efectuado renúncia a esta autorização em 26.06.2009,

- quanto à conta nº ...65 figuram como titulares a autora AA e GG, e como autorizada BB,

- quanto à conta nº ...66 consta como titular a autora BB e, como autorizado sem restrições o réu EE, a partir de 2007.03.06, tendo renunciado a esta autorização em 26.06.2009,

- quanto à conta nº ...65 constam como titulares da mesma GG e a falecida autora AA e ainda como autorizada a falecida autora BB,

- quanto à conta nº ...61 nela figura como titular a autora BB e como autorizado sem restrições o réu EE, a partir de 2007.03.06, e

- quanto à conta nº ...65 nela figuram como titulares as falecidas AA BB e AA e como autorizado o réu EE, a partir de 23.03.2007, tendo renunciado a esta autorização em 26.06.2009 – 93º.

LLLLL. Os documentos de fls. 309 a 310 e de fls. 311 a 312 foram manuscritos pela autora BB, tendo sido ditado o conteúdo do último pelo 1º réu EE.94º.

MMMMM. O cheque mencionado em UU. foi depositado na agência em ... na conta referida do ... – 95º.

NNNNN. A (falecida) 2.ª autora assinou o impresso que consta de fls. 463 –102º.

OOOOO. A (falecida) 2.ª autora subscreveu as fichas de abertura de conta do ... que constam de fls. 537, 538, 539 e 540 – 104º.

PPPPP. Com a emissão do cheque referido em T., a (falecida) 2.ª autora emitiu a declaração que consta de fls. 676 e 677, cujo conteúdo se dá por reproduzido (referindo destinar- se o cheque a ser depositado no ... ‘para me serem efectuados pagamentos diversos’4) –106º.

QQQQQ. A 18.05.2006, a (falecida) 2.ª autora enviou ao réu marido a seguinte sms: ‘Dr. EE eu responsabilizo-me pelo dinheiro que quiserem avance sem receio conte sempre comigo.’ –108º.

RRRRR. Para a (falecida) 2.ª autora, entre ela e os 1.ºs réus existia um relacionamento de amizade, intimidade, quase familiar – 109º.

SSSSS. A (falecida) 2.ª autora enviou também ao réu marido as seguintes sms, do seu telemóvel (...91) para o telemóvel que o 1.º réu ao tempo usava (...74), nomeadamente:

- a mensagem enviada em 14.11.2007, em que diz ‘Obrigado por me ter deixado oferecer a passagem. Gosto muito de si Beijinhos’,

- a 16.11.2005: ‘Estimo tanto o senhor e família pois foi quando fui considerado com um ser estimado e respeitado o Dr. EE dá-me mimo’ –110º.

TTTTT. Foi a (falecida) 2.ª autora quem assinou o impresso para debitar a conta relativo ao cheque mencionado em QQQ. – 111º.

UUUUU. Cheque que assinou no verso, pelo seu punho – 112º.

VVVVV. O cheque de 90.000,00€ (noventa mil euros) referido em VVV. foi emitido por ordem subscrita pela 2.ª autora – 114º.

WWWWW. O cheque de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros) referido em ZZZ. foi requisitado por ordem subscrita pela (falecida) 2.ª autora BB – 115º.

XXXXX. A (falecida) 2.ª autora era presença na casa dos 1.ºs réus, convivendo como uma família, com quem partilhou algumas festas de Natal e épocas festivas, aniversários do filho do casal e dos 1.ºs réus, e com quem passou períodos de lazer e de descanso – 116º.

YYYYY. Era obrigatória a assinatura da gerência da agência nos cheques a que se alude no artigo WWW. e AAAA., visto estar em causa cheques emitidos sobre o País – 119º.

ZZZZZ. Devido à sua doença e ao descrito de em LL. a PP., a (falecida) 2.ª autora assinava tudo quanto o réu EE lhe solicitava ou pedia – 120º.

Considerados nos termos do artigo 607º, nº 4, do CPCiv:

AAAAAA. O 1.º réu EE trabalhou nas seguintes agências da CGD:

- Entre 21.05.2001 até 18.04.2004 na agência de ...,

- Entre 19.04.2004 até 12.03.2006 na agência de ...,

- Entre 13.03.2006 até 18.02.2007 na agência de ...,

- De 19.02.2007 em diante no Gabinete de Empresas da CGD de ... –

facto admitido por acordo na sessão realizada a 14.12.2016.

Considerados nos termos do artigo 5º, nº 2, a), do CPCiv:

BBBBBB. Em 2005/01/08, o aqui 1.º réu inseriu como morada da cliente BB a da agência de ... (Praça ..., ...) onde exercia a função de Gerente – facto instrumental decorrente da instrução da causa.

CCCCCC. Em 09.03.2006, o 1.º réu voltou a inserir uma nova morada da cliente, a rua ..., ... – facto instrumental decorrente da instrução da causa.

B - Factos não provados

Oriundos da base instrutória

1. Desde o referido em A., que as falecidas autoras não tiveram acesso às contas, quanto ao montante indicado em RR., e a todas as cadernetas respectivas – 11º.

2. Os 1.ºs réus agiram combinados com vista a apropriarem-se a montante superior ao indicado em LL. pertencente aos depósitos em causa – 14º.

3. Os 1.ºs réus convenceram a (falecida) 2.ª autora de que era mãe afectiva do filho do casal – 16º.

4. Os 1.ºs réus tratavam a (falecida) 2.ª autora por «mãezinha» e a 1.ª ré tratava-a por «segunda mãe», convencendo-a a tratar o seu filho como seu filho afectivo – 17º.

5. O valor de 250.000,00€, a que se reporta a 2.ª parte da al. J., foi depositado na conta nº ...75(10.001), do ... – 47º.

6. O 1.º réu apropriou-se e integrou no seu património valor superior ao indicado em UUU. com referência à quantia de 750.000,00€, ali também mencionada – 48º.

7. O cheque referido em ZZZ. foi depositado em conta da qual o 1.º réu EE é titular no ... Geral – 56º.

8. As autorizações referidas em L. e HH. foram concedidas pelas (falecidas) autoras ao 1.º réu marido na sequência de inúmeros pedidos e insistências nesse sentido, que a este foram, ao longo do tempo, dirigindo, verbalmente e por escrito – 57º. 9. Nomeadamente através dos documentos n.ºs ... e ... da contestação de fls. 309 a 312 – 58º.

10. A (falecida) 2.ª autora movimentou, livremente, as contas, por meios de cheques e de cadernetas, quanto ao montante indicado em LL. – 59º.

11. As (falecidas) autoras efectuaram os levantamentos que tiveram como destino as contas dos 1.ºs réus ou dos seus familiares (no montante total de 1.319.423,26€ – 60º.

12. Foi da autoria da (falecida) 2.ª autora os pedidos de resgaste e as transferências a que se alude em GGGG., HHHH., IIII., JJJJ., QQQQ., RRRR., TTTT., VVVV., WWWW., XXXX., ZZZZ. e AAAAA. – 62º, 63º, 64º, 65º, 73º, 74º, 76º, 78º, 79º, 80º, 82º e 83º.

13. Nesse mesmo dia 27.09.2004, a falecida 2.ª autora sacou sobre a referida conta um cheque no valor de 550.000,00€ – 69º.

14. O contrato referido em R. destinou-se a assegurar o pagamento da compra, que a falecida 2.ª Autora fez de um andar de habitação na Avenida ..., em ... – 71º.

15. Foi a (falecida) 2.ª autora que depositou o cheque, em .../.../2006, no banco ..., a que se alude na al. DDDDD. – 86º.

16. Foram efectuados, relativamente à conta ...00, os levantamentos de 17.02.2004 (de 204,65€), de 31.10.2005 (de 204,65€, 2.500,00€, 850,00€, 360,00€), e de 21.08.2007 (de 3.075,00€) – 87º.

17. Foram efectuados, relativamente à conta n.º  ...00, os levantamentos de 27.10.2004 (de 1.180,00€) e 02.12.2004 (de 1.924,20€), e ainda:

- o movimento de 17.09.2004, no montante de 185.000,00€,

- o movimento de 24.09.2004, no montante de 107.000,00€,

- o movimento de 27.05.2005, no montante de 5.200,00€,

- o movimento de 27.05.2005, no montante de 5.200,00€ – 89º.


18. Foram efectuados pela (falecida) 2.ª autora os levantamentos mencionados em EEEEE., FFFFF. e GGGGG., e nas anteriores als. 14. e 15. – 87º, 88º e 89º.

19. A 2.ª autora soube que os códigos tinham as características enunciadas em IIIII. – 91º.

20. Foi a falecida 2.ª autora que fez as transferências a que se alude em JJJJJ. – 92º.

21. Para além das transferências indicadas em JJJJJ., foram ainda realizadas mais   transferências no montante total de 17.346,48€ - 92º.

22. O conteúdo do documento de fls. 309 a 310 foi ditado pelo réu EE – 94º.

23. O cheque mencionado em UU. foi depositado por pessoa alheia aos 1.ºs réus – 95º.

24. Os cheques referidos em XX. foram depositados por pessoa a mando das (falecidas) autoras sem intervenção dos 1.ºs réus, na conta referida do ..., em ... – 96º.

25. O levantamento referido em S. foi assim feito por ordem e instruções da falecida 2.ª autora ao réu EE, para despesas pessoais dela – 97º.

26. O réu EE entregou aquele valor em mão à falecida 2.ª autora –98º.

27. O valor remanescente destinou-se a ser afecto às obras de construção de uma casa que estava o 1.º réu a edificar em ... – 99º.

28. E foi doado pela 2.ª autora ao 1.º réu marido – 100º.

29. A conta referida em AAA. foi aberta no ... pela falecida 2.ª autora e pelo 1.º réu marido, tendo aquela estado presente na agência bancária para o efeito – 101º.

30. A assinatura do impresso para a alteração da morada para ... teve lugar no dia em que a falecida 2.ª autora esteve presente na agência para a abertura de conta referida no artigo

AAA. – 102º.

31. Porque pretendia evitar que os seus filhos acedessem a documentos bancários que lhe fossem remetidos – 103º.

32. Foi a (falecida) 2.ª autora que indicou a morada que lhe era conveniente e requereu que os cheques fossem impressos em nome do 1.º réu EE – 104º.

33. O cheque referido em T. foi assim depositado com o conhecimento e seguindo as instruções da falecida 2.ª autora – 105º.

34. O valor referido em QQQ. a SSS. foi doado pela falecida 2.ª autora ao réu EE, com vista à compra de uma habitação onde ela também admitia podia vir a viver e cuja construção foi acompanhando – 107º.

35. Para os 1.ºs réus, existia entre eles e a (falecida) 2.ª autora um relacionamento de amizade, intimidade, quase familiar – 109º.

36. Foi a (falecida) 2.ª autora que recebeu o cheque aludido em TTTTT. – 111º.

37. O cheque referido em TTTTT. foi entregue pela (falecida) 2.ª autora ao 1.º réu, para que fizesse o dinheiro dele – 112º.

38. O valor referido em UUU. foi depositado no ..., que depois o resolveu investir, parte numa aplicação a prazo, e outra parte na subscrição do produto ‘...’ – 113º.

39. O cheque de 125.000,00€ referido em ZZZ foi endossado pela (falecida) 2.ª autora BB a terceiro alheio aos 1.ºs réus – 115º.

40. Os 1.ºs réus partilharam festas de Natal, de Páscoa e demais épocas festivas ou períodos de lazer e de descanso em casa da falecida 2.ª autora – 116º.

41. A (falecida) 2.ª autora mantinha o propósito de passar a viver com os 1.ºs réus, na casa que para o efeito estava a ser construída em ... – 117º.

42. A (falecida) 2.ª autora presenteava o casal (1.ºs réus) que via como família – 118º.

43. O 1.º réu assinou os cheques aludidos em WWW. e AAAA. por se tratarem de cheques sobre o País e ele ser gerente – 119º.


///


Fundamentação de direito.

No caso verifica-se uma situação de dupla conforme, o que levou ambos os réus a interporem recursos de revista excepcional.

A formação (nº3 do art. 672º do CPC) admitiu a revista interposta pela ré CGD SA, mas não a interposta pelos 1ºs Réus.

Sucede que estes últimos interpuseram também revista em termos gerais, imputando ao acórdão as nulidades por omissão e excesso de pronúncia (art. 615º/1, d), a “violação da lei de processo”, e ainda, questões substantivas relativas à aplicação do direito aos factos.

O relator suscitou a questão da rejeição da revista normal do 1ºs RR, que responderam no sentido de dever o recurso ser conhecido. Reponderada a questão, decide-se conhecer do recurso, mas apenas na parte em que se imputa ao acórdão a violação da lei de processo e estar ferido de nulidade, que podem constituir fundamento de revista, nos termos do art. 674º, nº1, alíneas b) e c) do CPC, mas não as demais questões, dado verificar-se uma situação de dupla conforme e não ter sido admitida a revista excepcional.


///


Vejamos em primeiro lugar a revista interposta pelos 1ºs RR, de cujas conclusões emerge serem questões a apreciar:

- Nulidade do acórdão por omissão e excesso de pronúncia (art. 615º, nº1, d) do CPC);

- Violação do art. 5º do CPC, que impõe às partes o ónus de alegação dos factos essenciais;

- Inclusão na matéria de facto de factos conclusivos.


Da alegada nulidade do acórdão.

Nos termos do art. 615º, nº1, d), do CPC, ex vi do art. 666º, o acórdão é nulo quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A nulidade por omissão de pronúncia está relacionada com o comando do nº 2 do art. 608º que impõe ao juiz na elaboração da sentença “o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela decisão dada a outras.”

Questões para efeitos do nº2 do art. 608º, são os pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, mas sim às controvérsias centrais a dirimir (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil anotado, I, pag. 727).

Constitui entendimento constante deste STJ que só ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre qualquer questão que deva conhecer, sem que ao julgador seja exigido que analise todos os argumentos utilizados pelos recorrentes, uma vez que “argumentos” não são sinónimo de “questões” colocadas (cf. Acórdãos de 01.03.2018, P. 4290/09, e de 24.05.2018, P.549/09).

Dito isto,

Os Recorrentes começam por sustentar que os AA não alegaram os factos essenciais demonstrativos da apropriação ilícita de valores que lhes pertencia, pelo que o entendimento das instâncias de que ocorreu uma apropriação ilícita por parte dos RR, traduz uma violação do direito probatório, designadamente do ónus de alegação previsto no art. 5º do CPC, e ainda um excesso de pronúncia, o que fere de nulidade o acórdão nos termos do art. 615º, nº1, al. d) do CPC.

 Mas sem razão.

Preceitua o nº1 do art. 627º do CPC: “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”

Destinando-se os recursos a reapreciar questões já decididas, entende-se pacificamente que não é possível suscitar neles questões novas. Assim decidiu o Acórdão do STJ de 18.09.2018, P. 3316/11:

Os recursos destinam-se a reapreciar e, eventualmente alterar/modificar decisões proferidas sobre questões anteriormente decididas e não a decidir questões novas ou a criar decisões sobre matéria nova, não sendo, por isso, lícito às partes invocarem nos mesmos questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido, a menos que se esteja perante questões de conhecimento oficioso.”


No recurso de apelação os Recorrentes suscitaram duas questões: impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto (conclusões 1ª a 139ª), e na parte de direito a não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.


A Relação julgou improcedente in totum a impugnação da matéria de facto, confirmando, assim, integralmente a factualidade dada como provada e não provada na sentença.

Na apelação os Recorrentes não suscitaram a questão de não terem sido alegados factos essenciais, pelo que não tem cabimento imputar ao acórdão nulidade por omissão de pronúncia.  Sufraga-se inteiramente o expendido pela Relação no acórdão da conferência que apreciou as nulidades:

Apreciando, detalhadamente, os imputados vícios de omissão e excesso de pronúncia.

Sustentam os primeiros réus recorrentes a nulidade do acórdão por conhecimento indevido (excesso de pronúncia) por ter a Relação considerado factos essenciais não alegados pelas partes (conclusões VII a XVII), não se mostrando alegados nem demonstrados os factos essenciais que revelam e permitem concluir a existência de apropriação ilegítima, não existindo quanto à primeira ré mulher um único facto em que se sustente a sua responsabilidade como co- autora do facto ilícito nem tampouco a apropriação (conclusões XVIII a XXXVIII) nem ter sido alegado nenhum facto quanto à actuação combinada dos dois primeiros réus (conclusões XLIX a LIII).

Salvo o devido respeito por opinião contrária, a arguição mostra-se liminarmente improcedente.

Considerando o objecto da apelação, conformado pelas alegações (e respectivas conclusões) dos primeiros réus apelantes, a Relação não foi confrontada com a apreciação de qualquer vício da decisão recorrida por ter considerado factos essenciais não alegados.

Na sua apelação os primeiros réus impugnaram a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, insurgindo-se contra a conclusividade de alguns factos, invocando a existência de alguma contraditoriedade e pugnando por dever ser julgada não provada matéria que a decisão recorrida considerou provada e julgada provada matéria ali julgada não provada.

No acórdão censurado apreciou-se da impugnação deduzida, considerando-se ser de manter, integralmente, a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto.

Não procedeu a Relação à adição de qualquer matéria de facto – e por isso que qualquer eventual consideração de factos essenciais não alegados, a verificar-se, terá ocorrido já na decisão da primeira instância, sem que as partes contra tal vício se tenham insurgido, donde resulta, à luz do entendimento que defende constituir excesso de pronúncia a consideração de factos essenciais e relevantes à decisão da causa não alegados, que no caso de tal vício não padece o acórdão censurado.

Ponderando o entendimento diverso – o de que a decisão excessiva (por envolver a consideração de factos essenciais não alegados) pode e deve ser oficiosamente colmatada na Relação – tem também de afirmar-se não se verificar a apontada patologia, pois que todos os factos vazados na fundamentação de facto foram alegados pelas partes (mormente os factos atinentes à apropriação, alegados pelas falecidas autoras – razão pela qual foram incluídos nos factos controvertidos da base instrutória ainda elaborada nos autos).

Noutra vertente, importa referir que o eventual erro do julgamento não integra nulidade da decisão – e assim que uma eventual responsabilização dos primeiros réus sem factos que revelem a apropriação ilegítima e/ou a responsabilização da primeira ré mulher sem factos que sustentem a sua responsabilidade como co-autora do facto ilícito constituirá erro de julgamento mas não patologia enquadrável em qualquer das alíneas do nº 1 do art. 615º do CPC.”

A alegação ora feita (conclusão 15ª) de não terem sido alegados factos integrantes de causa de pedir, e que o tribunal se substituiu às AA, em violação do ónus de alegação previsto no art. 5º do CPC, é contrariado pelo teor da conclusão 140ª e 141ª do recurso de apelação que revela que os Recorrentes apreenderam bem o fundamento da acção:

“140ª. Sempre se reitera que em causa nos presentes autos – configurando a causa de pedir tal como recortada pelas Autoras – estão os factos constitutivos da responsabilidade civil aquiliana, consignada no art. 483º do Código Civil.

141º. Assim, a discussão dos presentes autos não radica em qualquer vício invalidante do(s) negócio(s) realizados, mas apena saber se existe uma apropriação, ilícita e culposa, de quantias monetárias pertencentes à falecida 2ª Autora, de molde a que tal possa ser imputado aos Recorrentes, nos termos do art. 563º do Código Civil.”

Nas conclusões 21ª a 28ª sustentam que não se mostram provados, nem alegados foram, os factos essenciais demonstrativos de apropriação ilícita de valores das AA, e nas conclusões 36ª a 39º que “não existe um único facto que sustente a responsabilidade da Ré FF”.

Sobre a não alegação de factos principais remete-se para o já referido. Quanto à matéria das conclusões 36ª a 39ª, o que está em causa é a discordância dos Recorrentes com a decisão do acórdão, o que não integra qualquer dos fundamentos da revista previstos nas alíneas b) e c) do art. 674º do CPC, que no recurso estão em causa.

Nas conclusões 29ª a 35ª e 40ª a 45ª, defendem que não foi produzida prova que permita dar como provado o facto da alínea ZZZZZ - “Devido à sua doença e ao descrito de em LL. a PP., a (falecida) 2.ª autora assinava tudo quanto o réu EE lhe solicitava ou pedia – 120º.”

O facto em causa não exigia prova especial, estando sujeito à livre apreciação do julgador. Como assim, não estando em causa a “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, mas apenas a discordância com a decisão das instâncias relativamente a um facto sujeito a livre apreciação do julgador, não pode o STJ sindicar o juízo da Relação neste particular (art. 674º, nº3 e 682º, nº2 do CPC).

Com o que improcede este fundamento da revista.


Nas conclusões 46ª a 49ª, sustentam que o acórdão é nulo por omissão de pronúncia, ( art. 615º, nº1, d), do CPC), por não se ter pronunciado sobre a questão que suscitaram na apelação de “falta de causalidade entre a doença bipolar e as transferências efectuadas e documentos assinados.”

Também aqui não lhes assiste razão.

No acórdão deu-se como provado no ponto ZZZZZ que foi a doença da 2ª Autora, conjugada com as circunstâncias referidas nos pontos LL a PP, que explicam o seu comportamento de assinar tudo o que o 1º Réu lhe solicitava ou pedia. O que significa que a Relação julgou verificado um nexo de causalidade entre a doença e as transferências efectuadas e documentos assinados, nexo que envolvendo uma pura questão de facto é da exclusiva competência das instâncias, insindicável pelo STJ (cf. AcSTJ de 08.05.2013, Sumários, 2013, pag. 312).


Tendo a Relação, como o já fizera a sentença, concluído pela existência de causalidade, não se verifica a nulidade invocada.


Nas conclusões 49ª a 59ª, reiteram que não se mostram provados e que nem alegados foram, factos que permitam concluir que agiram, dolosamente, como co-autores de um facto ilícito, verificando-se, também aqui, nulidade do acórdão por excesso de pronúncia por ter conhecido de factos não alegados.

Não há aqui qualquer excesso de pronúncia. Tendo os AA demandado os RR recorrentes imputando-lhes responsabilidade civil por facto ilícito, o tribunal ao apreciar e concluir pela responsabilidade dos RR não conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento.

A discordância dos Recorrentes com a decisão, ou até eventual erro de julgamento, não integra qualquer dos fundamentos de revista das alíneas b) e c) do nº1 do art. 674º.


Nas conclusões 55º a 58ª dizem que a Relação não se pronunciou sobre a violação das “normas de direito probatório”, ao fazer impender sobre eles prova que cabia às AA, questão que suscitaram nas conclusões 36, 37, 38, 75, 81 a 83 91 e 94, o que consubstancia nulidade por omissão de pronúncia.

Sem qualquer razão, no entanto.

Nas apontadas conclusões, os Recorrentes impugnaram a decisão que julgou provados os factos constantes dos pontos SS, ZZ e YYY, defendendo que não foi produzida prova que sustente aqueles factos.

Os factos em causa não exigem prova tabelada, estando sujeitos a livre apreciação do julgador.

A Relação, tal como já havia feito a sentença, fez uma apreciação exaustiva da factualidade em causa, decisão esta que é insindicável pelo STJ nos termos do nº 3 do art. 674º do CPC, dado não se verificar qualquer das excepções ali previstas que autorizam a intervenção do Supremo.

Com o que improcede também este fundamento do recurso.


Nas conclusões 60ª a 62ª defendem que os factos enunciados nas alíneas Y, FF, GG, LL, NN, AAA, LLL, MMM, UUU, XXX e CCCC, contêm matéria conclusiva, devendo, por isso, tais pontos de facto eliminados.

Este Supremo já se pronunciou no sentido de caber no âmbito do recurso de revista a questão de verificar se os factos julgados pela Relação são conclusivos. Assim, o Acórdão de 28.09.2017, P.659/12, afirmou que “tendo o recurso de revista por objecto saber se determinado facto julgado provado pelo tribunal da Relação, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º, contém matéria conclusiva e deve, por tal razão, ser eliminado do elenco dos factos provados, nenhum obstáculo legal existe quanto à admissibilidade da revista por estar em causa uma questão de direito.” No mesmo sentido, decidiu o Ac. 4.07.2021 (Júlio Gomes).

Vejamos então.

Estabelece o art. 607º, nº4 do CPC que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…).


Os factos, nas palavras do Prof. Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ª edição, pag. 406, abrangem as ocorrências concretas da vida real, não apenas os acontecimentos do mundo exterior, (da realidade empírico-sensível directamente captável pelas percepções do homem), mas também os eventos do foro interno da vida psíquica, sensorial, ou emocional do indivíduo.


Daí que não devem figurar na matéria de facto juízos de direito, o que resultava expressamente do art. 646º, nº4 do CPC de 1961, que titulava de “não escritas as respostas do colectivo sobre questões de direito”, princípio que, por analogia, se estendia aos juízos de valor ou conclusivos, isto é, aqueles que “encerram um juízo ou conclusão, contendo em si mesmo a decisão da própria causa”. (cf. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de direito da decisão cível, Coimbra Editora, 2015, pag. 106/107.


O NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26.06, não tem um preceito como o anterior art. 646º, nº4, mas deve continuar a entender-se que os conceitos de direito não devem constar da fundamentação de facto da sentença


Já a eliminação de factos por pretensamente conclusivos é controversa.


Por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa, em comentário ao Ac.do STJ de 28.09.2017, em https//blogippc.blogspot.pt, sustenta que “a chamada proibição dos factos conclusivos não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve).

Diz este ilustre processualista:

A referida “proibição dos factos conclusivos” também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. (…). Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objecto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualificativas, quantificativas ou valorativas desse facto.”


Sem ir tão longe, e admitindo que o tribunal possa excluir factos genuinamente conclusivos, importa ter em conta as pertinentes considerações tecidas no Acórdão do STJ de 13.11.2007, (Nuno Cameira):

“Torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito (…). Não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis pelos sentidos e intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução dos judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com as realidades da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas.”


Orientação esta seguida no acórdão deste Tribunal, de 13.0.2020 (Graça Amaral), onde se ponderou:

Factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada, quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade, visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio.”


Em suma, dizendo com o já citado Acórdão de 04.07.2021, “importa, pois, verificar se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa.”


Vejamos então cada um dos factos alegadamente conclusivos.

Consideram os Recorrentes conclusivo o vocábulo convenceu que consta do ponto Y:

O 1.o Réu, juntamente com outro funcionário, convenceu o falecido GG a transferir as contas detidas no ... para a CGD, nomeadamente o valor referido em C. (resposta ao artigo 1º).”

Este ponto de facto não convoca qualquer questão de direito, sendo meramente factual. Trata-se de uma conclusão de facto, retirada de outros, que as instâncias no uso de um poder soberano entenderam resultar da globalidade da prova produzida, e que é essencial à compreensão da factualidade em causa.


Relativamente ao ponto FF -  Após o referido em G., o 1.o Réu, como gestor das contas, passou a gerir e dispor das mesmas como entendia resposta ao artigo 8o.”, dizem os Recorrentes  que é  conclusivo, dado não existir “qualquer facto dado como provado relativo a movimentação de contas que demonstre que o 1º Réu geriu as contas das Autoras como entendia nem tampouco que passou a dispor delas como entendia.”

Como é patente, o que se passa é que os RR discordam do facto dado como provado, não da pretensa natureza conclusiva do mesmo.


Sustentam também que é conclusiva a expressão  “para justificar os movimentos que fazia nas contas das Autoras” no ponto GG, onde se deu como provado que: “E para justificar os movimentos que fazia nas contas das Autoras, além do referido em L., a 06.03.2007, o 1.o Réu obteve daquelas autorização, junto da CGD de ..., para movimentar a conta n.o ...00 e fazer aplicações dela, como melhor entendesse, na qualidade de seu representante com todos os poderes e sem restrições – resposta ao artigo 9o.”

Para fundamentar esta alegação dizem que a expressão é conclusiva, por não resultar de “qualquer prova produzida”, devendo por isso ser eliminada.

Repete-se aqui o que já se referiu: os Recorrentes discordam da decisão da Relação sobre o facto, o que nada tem a ver com o pretenso carácter conclusivo do mesmo.


No ponto LL deu-se como provado:

Os 1.os Réus, que agiram combinados com vista a apropriaram-se do montante de 4.126.360,75 (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos) pertencente aos depósitos em causa, passaram a oferecer à 2.a Autora presentes resposta parcial ao artigo 14o.”

Defendem os Recorrentes que a expressão “agiram combinados com vista a apropriaram-se do montante” é conclusiva, tal como conclusiva é a relação entre a oferta de presentes à 2ª Autora e tal intuito.

Sem razão.

Agir de forma combinada é um facto psicológico, que como este Tribunal tem constantemente decidido pode ser alegado e objecto de prova.

A pretensão de que seja eliminado é, por conseguinte, falha de fundamento.


No ponto NN deu-se como provado:

Provocaram nela uma afeição maternal, assim como provocaram afeição pelo filho do casal resposta parcial ao artigo 16o.”

Defendem que a expressão “provocaram” é conclusiva, devendo por isso ser eliminada, pois que “uma realidade será a da existência da afeição descrita; outra bem diferente é afirmar que tal afeição foi provocada.”

Provocar afeição é também um facto de natureza psicológica, que, como já se disse, pode ser objecto de prova.


Alegam também que as expressões com vista “à apropriação dos ditos valores”,  (AAA), “os 1ºs RR fizeram seus, integrando-os no seu património” (MMM), “através de operações efectuadas pelo 1º Réu marido, foram por este apropriados e integrados no seu património” (UUU),  “O 1.o Réu marido usou a dita quantia em proveito exclusivo seu e da 2.a Ré, sua mulher (YYY), encerram juízos conclusivos, pelo que tais factos devem ser eliminados.

Sem razão.

Estão em causa juízos de facto que a Relação retirou da prova produzida, que relevam para a apreensão de toda a realidade fáctica envolvente do litígio, sem que de nenhum deles resulte a solução jurídica do caso.

Na medida em que consubstanciam a consequência lógica retirada de outros factos, constituem ainda matéria de facto.


Na conclusão 63º a 73ª, sustentam que as respostas aos pontos DDDD, EEEE, e ZZZZ é excessiva, por incluir factos essenciais não alegados, que devem ser eliminados.

Nos referidos pontos deu-se como provado:

DDDD. Após o óbito referido em A., as contas em crise foram movimentadas pela (falecida) 2.ª autora, por meio de cheques e pela caderneta ao balcão da agência da CGD, com excepção do montante a que se alude em LL. – 59º.

EEEE. As (falecidas) autoras efectuaram levantamentos dessas contas, ressalvados os que tiveram como destino as contas dos 1.ºs réus ou dos seus familiares (no montante total de 1.319.423,26€ – um milhão trezentos e dezanove mil quatrocentos e vinte e três euros e vinte e seis cêntimos) – 60º.

ZZZZ. Em 15.01.2007, por débito na conta das (falecidas) Autoras com o n.º ...00 e utilizando o serviço Caixa Direta, foi transferida a quantia de 250.000,0 (duzentos e cinquenta mil euros) para uma sua conta poupança – 82º.

Os factos essenciais aqui considerados e pretensamente não alegados são os seguintes:

- No ponto DDDD o segmento “com exceção do montante a que se alude em LL”;

- No ponto EEEE o segmento “ressalvados os que tiveram como destino as contas dos 1.os Réus ou dos seus familiares (no montante total de € 1.319.423,26)”.

Importa clarificar o que se entende por factos essenciais, complementares e instrumentais, face ao disposto no art. 5º do CPC:

1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aquele em que se baseiam as excepções invocadas.

2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

c) (…)

Os excertos transcritos não são factos essenciais, pois não integram a causa de pediri.e., a factualidade concreta, histórica, valorada pela lei substantiva, de onde emerge o direito alegado pelo autor – constituindo antes factos complementares, pois são complemento ou concretização relativamente aos factos essenciais.

Acresce que a Relação não introduziu qualquer alteração à matéria de facto da sentença, pelo que a ter ocorrido o vício ora invocado, tal nulidade  deveria ter sido suscitada na apelação, o que sucedeu. 

Pelo que também nesta parte não assiste razão aos Recorrentes.


Nem se vê qualquer contradição entre o que se diz no ponto DDDD e o teor dos pontos TU, UU, XX, KKK, QQQ, BBBB, RRRR, SSSS, VVVV, XXXX, AAAAA, CCCCC, DDDDD, TTTTT, UUUUU, VVVVV e WWWWW.

Deu-se como provado no ponto DDDD que, “após o óbito referido em a), as contas em crise foram movimentadas pela (falecida), por meio de cheque, caderneta e ao balcão, com excepção do montante a que se alude em LL”, mas não ficou provado que todos os actos de deslocação patrimonial foram praticados pelo punho das AA. Isto mesmo resulta da fundamentação da decisão de 1ª instância:

(…), embora se considere como não provado que as falecidas não dispusessem de cadernetas e provado que as falecidas Autoras fizeram levantamentos e podiam fazer movimentações (artigo 11º/2.ª parte, 59º/parte e 60º, da base instrutória), já se respondeu demonstrado de que aquelas não tiveram acesso às movimentações das contas realizadas pelo 1.º Réu, que atingiram o montante de € 4.126.360,75 (cfr. fls. 7509) (artigo 11º/1.ª parte), o que lhes retirou a capacidade de movimentar livremente as contas (como estava quesitado no artigo 59º/parte). Desse modo, os levantamentos e movimentos realizados pelas Autoras foram apenas os contendentes com as despesas aludidas em RR., dos factos provados (que constitui a resposta ao artigo 20º, da base instrutória), mas já não os que tiveram como destino o incremento das contas tituladas pelos 1.ºs Réus ou os seus familiares [vd. als. II., DDD., EEEE., dos factos provados, e als. 9. e 10., dos factos não provados).”

Nas conclusões 71ª a 74ª, sustentam relativamente ao ponto ZZZZZ que não tendo as AA alegado a existência de um nexo de causalidade entre a doença da 2ª Autora e “a assinatura da documentação”, deve aquele ponto ser também eliminado.

Consta da referida alínea que “Devido à sua doença e ao descrito de em LL. a PP., a (falecida) 2.a Autora assinava tudo quanto ao Réu EE lhe solicitava ou pedia resposta ao artigo 120ª.

Trata-se de uma inferência que as instâncias tiraram de outros factos - sofrer a 2ª Autora de doença bipolar e dos referidos de LL a PP – por conseguinte um facto provado por   presunção judicial, que se situa no domínio da matéria de facto, e que por não violar as regras da experiência e da lógica, não é sindicável pelo STJ.

Nas conclusões 75ª a final, sustentam basicamente:

- Não se provaram factos que revelem a co-autoria da Ré mulher na apropriação, nem que contribuiu para o sucesso do 1ª Réu na aproximação às AA e na conquista da confiança destas;

- Dos factos descritos nas alíneas ZZZ a CCCC nada revela a intervenção do 1º Réu nessas actos de deslocação patrimonial;

- Da factualidade provada não é possível concluir pela ilicitude, um dos requisitos da obrigação de indemnizar fixados no art. 483º do CCivil;

- Houve um enquadramento jurídico incorrecto dos factos que foram subsumidos ao instituto da responsabilidade civil, quando deveriam ter sido subsumidos ao erro na formulação da vontade.

Todas estas questões são de natureza substantiva, não integrando os fundamentos da revista previstos no art. 674º, nº1, alíneas b) e c).

Sobre aquelas questões – basicamente saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil – verifica-se uma situação de dupla conforme, impeditiva de sobre elas o STJ se pronunciar (cf. Acórdão do STJ 11.07.2019, P. 2128/16, e Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5ª edição, p. 366).

A única forma de ultrapassar o obstáculo da dupla conforme seria através da revista excepcional (arts. 671º/3 e 672º do CPC), a qual, todavia, não foi admitida.

Termos em que improcede na totalidade a revista interposta pelos 1ºs RR.


///


Revista da Ré CGD SA.

A mesma suscita a apreciação das seguintes questões:

- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;

- Alteração da matéria de facto por violação das regras de direito probatório material;

- Responsabilidade do comitente (art. 500º do CCivil);

- Culpa do lesado na produção e agravamento dos danos (art. 570º do CCivil).


Vejamos cada uma delas.


Segundo a Recorrente  o acórdão está ferido de nulidade, por omissão de  pronúncia (art. 615º, nº1, d) do CPC), por não se ter pronunciado sobre os argumentos que apresentou na impugnação dos pontos de factos FF, GG, HH, II, LL,QQ, TT, RRRRR e ZZZZZ e os não provados sob os nºs 10, 11, 12 e 43, tendo-se limitado a apreciar o recurso nesta parte interposto pelos 1ºs RR. (conclusão 37ª).

Já nos referimos a esta causa de nulidade, à distinção que é necessário fazer entre questões e os argumentos que as partes apresentam em defesa da tese que defendem, e que a jurisprudência deste STJ é uniforme no sentido de que ao julgador não é exigido que analise todos os argumentos utilizados pelo recorrente, uma vez que “argumentos” não são sinónimos de questões.

Ora, como a Recorrente reconhece a Relação reapreciou os pontos de facto em causa, sem que demonstre que alguma questão suscitada haja ficada por apreciar.

A eventual não apreciação de todos os argumentos aduzidos pela Ré apelante não integra a nulidade por omissão de pronúncia.

A discordância da Recorrente relativamente ao facto ZZZZZ, por alegadamente não existir suporte probatório bastante, não constitui fundamento de revista por ser a manifestação de discordância com a decisão das instâncias sobre um facto sujeito a livre apreciação do julgador, e como tal, uma decisão não sindicável pelo Supremo.

O acórdão não sofre da nulidade que a Recorrente lhe imputa.


Nas conclusões 52ª e seguintes, defende a Recorrente que o Supremo deve intervir na decisão sobre a matéria de facto, isto porque: i) houve errada utilização dos meios de prova pela Relação, o que preenche a previsão do nº3 do art. 674º; ii) a factualidade dada como provada é insuficiente para decidir a questão de direito, pelo que deve ordenar a baixa do processo, nos termos do nº3 do art. 682º; iii) a Relação recorreu às regras da experiência comum para ultrapassar a falta de prova  sobre factos cujo ónus cabia aos AA.


A questão de saber se matéria de facto é ou não suficiente para fundamentar a condenação dos RR prende-se com a decisão de direito, não integrando nenhuma causa de nulidade da decisão, sendo coisas diferentes a nulidade da decisão (cujas causas estão taxativamente fixadas no nº1 do art. 615º) e erros de julgamento, seja em matéria de facto seja em matéria de direito.


Concentremo-nos na acusação feita ao acórdão de ter desrespeitado a regra do art. 342º, nº1 do CC, segundo o qual “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”

Defende a Recorrente que as instâncias desrespeitaram aquele princípio, por terem colocado nos 1ªs RR o ónus de “demonstrar a licitude do incremento patrimonial nas suas contas, o que não fizeram”, invertendo, assim, as “regras do ónus da prova para concluir que se verificou apropriação” (conclusões 61 a 63).

A frase destacada pela Recorrente não é “das instâncias”, mas da sentença.

Trata-se de imputação infundada e injusta para o notável trabalho de apreciação crítica da prova - documental, pericial, testemunhal e por declarações de parte - feito na 1ª instância.

Indo directamente à questão.  O que estava em causa era o seguinte: a prova pericial apurou que no período em análise foram efectuados levantamentos das contas tituladas pelas falecidas no valor de €1.988.246,41 e que no mesmo período foi depositado nas contas titulados pelos 1ºs RR a quantia de €1.319.423,26. Tendo concluído e demonstrado que os rendimentos auferidos pelos RR no período em causa não são congruentes com o património reflectido nas suas contas, concluiu a sentença que “os 1ºs RR não trouxeram a juízo subsídios a justificar as entradas em dinheiro que se verificaram no período em que conviveram com a falecida, sendo que eram eles as pessoas melhor colocadas para demonstrar a licitude desse incremento patrimonial, o que não fizeram.”

Não há aqui nenhuma inversão do ónus da prova. As AA fizeram a prova suficiente para se concluir que parte substancial dos levantamentos efectuados pelas AA acabaram nas contas dos 1ºs RR, sem que estes fizessem contraprova a respeito dos mesmos factos, de forma a torná-los duvidosos, nos termos do art. 346º do CCivil.


 Nas conclusões 65ª a 70ª, a Recorrente pugna pela alteração da matéria de facto constante das alíneas FF, GG, HH, II, LL, TT, por alegada violação dos arts. 346º/1, 364º/1, 371º/1 e nº1 do art. 376º.

Como é sabido, o STJ em regra não conhece da matéria de facto, nem de eventual erro na apreciação das provas, salvo nas duas situações previstas no nº3 do art. 674º: i) quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; ii) quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico.

No caso não ocorre nenhuma destas situações excepcionais.

Relativamente à alínea F), pretende a Recorrente que se suprima a expressão “como gestor de conta”, para ser substituída por “ao abrigo da procuração a fls. 519”, por violação do nº1 do art. 371º do CC. Esta disposição rege sobre a força probatória dos documentos autênticos (art. 369º), log sem aplicação ao facto em causa.

Na alínea GG), pretende a eliminação do excerto “para justificar os movimentos que fazia nas contas das autoras (…) o 1º Réu obteve daquelas autorização” para ficar a constar: “As AA concederam ao Réu marido autorização”, por violação, designadamente do nº1 do art. 376º do CC. Esta disposição rege sobre a força probatória do documento particular, não se vendo em que medida ocorreu a violação daquela norma.

No que tange à alínea HH), pretende que suprima o trecho final, onde consta “…atentas as funções exercidas pelo 1º Réu na CGD, como gerente e representante do Banco e gerente das suas contas”, por “violação, designadamente do disposto no nº1 do art. 371º e nº1 do art. 376º.”

O excerto não exige prova tabelada, não tendo aqui aplicação o art. 371º, nem se vê qualquer violação do art. 376º, que dispõe sobre a força probatória dos documentos particulares.

Quanto à matéria das alíneas II, LL e TT, respeita a factos sujeitos a livre apreciação do julgador, pelo que o juízo das instâncias sobre eles não é sindicável pelo STJ.

Nesta parte, a revista improcede na totalidade, inexistindo fundamento para que o STJ intervenha na matéria de facto fixada no acórdão.


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Da responsabilidade civil da Recorrente.

Decidiram as instâncias que os 1ºs RR apropriaram-se ilicitamente de €4.126.360,75 das AA, e condenaram a Ré CGD, SA, como comitente, solidariamente com aqueles na restituição aos AA daquela importância.

Decisão que a Relação justificou nos seguintes termos:

B. Da responsabilidade delitual dos réus (incluindo a responsabilidade da primeira ré mulher e da responsabilidade objectiva da segunda ré)

A censura dirigida pelos apelantes à sentença recorrida assentava na impugnação da matéria de facto – fosse pela demonstração de causa para a deslocação patrimonial (as liberalidades/doações), fosse a não intervenção da primeira ré na apropriação (como co-autora), fosse a actuação do primeiro réu a nível estritamente pessoal, não enquanto funcionário da segunda ré.

A improcedência da impugnação da decisão da primeira instância quanto à matéria de fato determina, sem necessidade de mais considerandos, a improcedência da apelação – os primeiros réus, porque dolosamente co-autores de facto ilícito (da apropriação do património das falecidas autoras), são responsáveis nos termos do art. 483º e seguintes do CC; a segunda ré com fundamento na responsabilidade objectiva (art. 500º do CPC), pois que o primeiro réu actuou (também) no quadro funcional que lhe competia desempenhar enquanto funcionário bancário (responsabilidade do comitente pelos danos culposamente causados pelo comissário), mostrando- se os actos ilícitos por ele praticados ligados às suas funções por conexão adequada.”


Dissentindo do assim decidido, sustenta a Recorrente que os factos praticados pelo 1º Réu, seu funcionário, não se inserem na relação de comissão, não podendo, pois, ser responsabilizada pelos actos daquele.

Vejamos se lhe assiste razão.


A responsabilidade do comitente, regulada no art. 500º do CCivil, de natureza objectiva, como decorre do nº1 ao estabelecer “independentemente de culpa”, exige não só que a comissão – acto isolado ou actividade duradoura – se caracterize por uma relação de subordinação ou dependência do comissário para com o comitente, que autorize este a dar ordens e instruções àquele, mas ainda que o facto danoso do comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele,  tenha sido cometido no exercício da função que lhe foi confiada.


No caso vertente, não há qualquer dúvida sobre a existência de uma relação de comissão entre o 1º Réu e a CGD SA, ao tempo dos factos sua entidade patronal.


A dificuldade está em saber se pode afirmar-se que os actos do 1º Réu foram praticados no exercício da função que lhe foi confiada.

A questão de saber quando é que o facto danoso do comissário é praticado no exercício da função tem suscitado leituras diversas.


Refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VIII, pag. 614, que o nº2 do art. 500º suscita duas orientações:

- restritiva: deverá haver um nexo funcional entre os danos e a própria função do comissário (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed. 643));

- extensiva – basta que os danos sejam causados no exercício da função e não por causa desse exercício (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 8ª ed. 369).

Este ilustre Mestre confessa-se adepto da segunda orientação, chamando à colação o Acórdão do STJ de 15.01.1992, BMJ, 413, p. 496, para o qual “a fórmula do 500º/2 apenas visa afastar, da responsabilidade do comitente, os actos que apenas tenham um nexo temporal ou local com a comissão.”


Façamos um breve excurso pela doutrina mais representativa.


Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, pag. 509 escrevem que “a orientação preferível consistirá em responsabilizar o comitente pelos factos ilícitos do comissário que tenham com as funções deste uma conexão adequada (…). Sempre que as funções do comissário, segundo um critério de experiência, favoreçam ou aumentam o perigo da verificação de certo dano, deverá o comitente arcar com a respectiva responsabilidade.

Por outras palavras: deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto.”


 Vaz Serra, RLJ, ano 110, pag. 317, escreve que “em face do disposto no nº2 do art. 500º não basta que o facto danoso seja praticado “por ocasião da função confiada ao comissário”; ele tem de ser praticado no exercício dessa função, entendendo-se, porém, que tal se verifica quando o comissário agir dentro do quadro geral da função a ele cometida e ainda que aí se afaste das instruções do comitente ou proceda intencionalmente.”


Ainda sobre a responsabilidade do comitente, tem utilidade recordar a seguinte passagem da Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pag. 324, de Mota Pinto:

“…Só será legítimo (…) responsabilizar uma sociedade por actos dolosos dos seus órgãos ou agentes, praticados em vista de fins pessoais, mas integrados formalmente no quadro geral da sua competência, se o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança (boa fé) do lesado na lisura do comportamento daquele.”   


Neste sentido, e com referência a responsabilidade civil do Banco por actos dos seus funcionários, decidiu o Acórdão do STJ de 02.03.1999, CJ, AcSTJ, I, pag. 127:

“A responsabilidade civil do banco não é afastada se os actos dolosos do agente, embora praticados em vista de fins pessoais, estiverem integrados formalmente no quadro geral da sua competência e o agente infiel aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança do lesado na lisura do comportamento daquele.”


Tendo presente as considerações expostas, afigura-se-nos que a resposta à questão de saber se os actos do 1º Réu foram praticados no exercício da função passa por determinar se i) o comportamento danoso foi levado a cabo, fazendo uso dos meios colocados à sua disposição pela Ré, e ii)  se os mesmos só foram possíveis por causa das funções que a Ré confiou ao Réu.

E a resposta não pode deixar de ser positiva.

A muito bem fundamentada sentença disse-o de forma clara:

“No caso concreto, o 1.º Réu apresentou-se perante as falecidas Autoras como funcionário bancário da CGD (na altura, subgerente da agência de ...) e, por força desse cargo, arrogou-se gestor das contas constituídas pela aplicação de € 5.000.000,00 na subscrição de apólices da Companhia de Seguros ... (cf. alíneas Y, BB, DD, FF, GG e HH).

Aproveitando-se dessa qualidade de funcionário bancário da 2.ª Ré CGD e dos cargos que ali desempenhou (subgerente da agência de ..., gerente das agências de ... e de ... e coordenador do gabinete de empresas), resgatou as apólices constituídas com o referido montante e, posterior a isso, procedeu à realização de operações bancárias que culminaram com a apropriação, a seu favor (e da 1.ª Ré mulher), do montante total de € 4.126.360,75 (quatro milhões cento e vinte e seis mil trezentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos) – cfr., maxime, als. II., SS., LL. e TT., dos factos provados.

Para a consecução dessa finalidade, apurou-se que, pelo menos, para tanto, na qualidade de funcionário da CGD: recolheu a assinatura da falecida 2.ª Autora em documentos bancários (v.g., cheques e ordens de transferência); alterou as moradas que constavam nas CGD (colocando as correspondentes ao seu domicílio profissional ou pessoal); utilizou códigos de acesso ao sistema on line para a movimentação das contas das falecidas Autoras; participou no processo conducente à emissão de cheques bancários e cheques sobre o País – cfr., sobretudo, als. SS., KKK., OOO., PPP., QQQ., RRR., VVV., WWW., ZZZ., AAAA., ZZZZZ., AAAAAA., BBBBBB. e CCCCCC., dos factos provados.

Ou seja, a par ainda de uma encenação emocional desenvolvida pelo 1.º Réu para criar a aparência de lealdade e de amizade, utilizou mecanismos próprios do funcionamento do comércio bancário, que só lhe estavam disponíveis por força das funções que prosseguia na CGD, e de modo ilegítimo, abusou da confiança que as falecidas Autoras nele depositavam enquanto funcionário, que o reputavam de gestor das suas contas – cfr. als. Y. a HH., MM. a OO., dos factos provados.

Assim, considerando que foi no uso do cargo que iniciou as visitas a casa de GG, no contexto que houve a discussão da negociação tendente à transferência do depósito e à constituição das apólices; considerando que foi a invocação de que a CGD presenteava as falecidas com lembranças de cortesia que o 1.º Réu cultivou a sua presença na residência daquelas; considerando que foi o cargo que lhe deu o conhecimento acerca da situação patrimonial das falecidas Autoras; e considerando que foram as funções que lhe permitiram o acesso aos instrumentos de que se serviu para prosseguir a sua finalidade, infere-se que o sucesso da apropriação foi conseguida em razão da especial posição que o 1.º Réu tinha no banco, que criava a aparência junto das falecidas Autoras de uma atuação regular e que lhe permitia utilizar meios de movimentação de dinheiro, justificando-se a responsabilização do comitente.

A circunstância de o 1.º Réu se ter intitulado dispor de mais poderes que o exercício das suas funções lhe outorgava (gestor de património) ou de ter abusado dos poderes integrados no cargo (por exemplo, recolhendo a assinatura da falecida 2.ª Autora para operações de que a mesma não teve noção ou alterando a morada sem consentimento das falecidas Autoras ou realizando transferências através do sistema eletrónico não autorizadas ou emitindo cheques bancários ou sobre o País em seu favor) não afasta a responsabilidade da CGD, essencialmente porque o 1.º Réu se aproveitou da aparência funcional que o cargo lhe outorgava .

Na sequência do que antes se escreveu, a responsabilidade do banco/comitente não é excluída quando os atos culposos do funcionário/comissário, embora praticados em vista de fins pessoais, estiverem integrados formalmente no quadro geral da sua competência ou quando aquele se aproveita de um estado de confiança do lesado quanto ao conteúdo das suas funções e na lisura do seu comportamento. De outra maneira, ficaria, quase sempre, afastada a responsabilidade do comitente, pois todo o facto ilícito envolve, em certo sentido, uma atuação a exceder daquela competência.”

É desnecessário acrescentar o que quer que seja, por o excerto transcrito ser absolutamente esclarecedor e convincente de que os actos do 1º Réu foram praticados no exercício das funções para as quais havia sido nomeado pela Ré.

É que o fundamento da responsabilidade do comitente reside no facto de este se encontrar numa posição de controlo sobre o comissário (Maria da Graça Trigo, Comentário ao Código Civil, Universidade Católica), que de todo falhou.

Como sublinhado no acórdão deste STJ de 12.05.2016 (Abrantes Geraldes), que também incidiu sobre um caso de responsabilidade bancária:

“As instituições de crédito quando confiam aos seus empregados determinadas funções, facultando-lhes o conhecimento da situação patrimonial dos clientes, que está garantida pelo segredo bancário, possibilitam elas próprias ao preposto a oportunidade de se aproveitar desse conhecimento e de praticar actos ilícitos – por via do abuso das suas funções – susceptíveis de causar danos àqueles que confiaram na instituição bancária.

Por isso, quando o preposto se aproveita das facilidades que as suas funções lhe proporcionam para praticar o acto danoso, ainda que no seu próprio interesse ou de terceiros, ademais inserindo-se o abuso dentro do quadro geral de actividades que o comitente exerce, deve entender-se que existe a relação adequada de que fala Antunes Varela, que sintetiza o seu pensamento desta forma: deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto.”

Á luz dos princípios expostos, concluímos que o 1º Réu agiu no exercício da função que lhe foi confiada pela Ré CGD, SA, como bem decidiram as instâncias.

Com o que improcede este fundamento da revista.


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Prevenindo a possibilidade de ser confirmada a sua responsabilidade, defende  a Recorrente a aplicação do art. 570º do CCivil por ter ocorrido uma concorrência de culpas, isto porque  sobretudo a (falecida) 2ª Autora BB negligenciou o acompanhamento das contas de que era titular, se o fizesse ter-se-ia apercebido das múltiplas saídas de dinheiro das mesmas, e ainda por negligentemente ter cedido ao 1º Réu os códigos secretos de acesso à Caixa directa online.

Vejamos.

O nº1 do artigo 570º dispõe: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”


O relevo da “culpa do lesado” traduz um princípio geral da teoria da responsabilidade civil, segundo o qual o devedor não deve responder pelos danos que um credor razoável podia ter evitado ou minorado (Brandão Proença, A culpa do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Almedina, 2017, p. 306 e ss).


A culpa do lesado a que se refere a disposição citada é uma “culpa imprópria”, não técnica, por não assentar numa conduta ilícita. Como observa o Conselheiro Pinto de Oliveira, Princípio dos Direitos dos Contratos, pag. 728, “o art. 570º, quando diz facto culposo do lesado, quer dizer um facto desconforme ao ónus do lesado de actuar com a diligência ordinária (de uma pessoa razoável) na gestão dos seus assuntos e interesses.”


No caso vertente, a haver concorrência de culpas, ela dá-se entre dolo e culpa.

Vaz Serra refere o seguinte:

Afirma-se que, se o dolo for do prejudicado não pode este exigir indemnização ao agente simultaneamente culposo; se o dolo for do causador do dano, a culpa do prejudicado pode ou não, consoante a sua gravidade, ser tida em conta, visto que aquele dolo não basta para esta culpa ser havida como inexistente.

Quando o responsável procedeu com dolo, parece que a simples culpa do prejudicado não deve, pelo menos em regra, ter influência (…)

A culpa do prejudicado pode consistir em acção (v.g. colocando-se em situação de se expor ao dano) ou em omissão (v.g. recusando-se a praticar os actos com que que reduziria o dano), B.M.J, nº 86, p. 138/140.


No caso de concorrência de dolo com culpa, a jurisprudência do STJ é no sentido que, em regra, a indemnização não deve ser reduzida e a ponderar a admissibilidade da concorrência, é de exigir que os factos reveladores da culpa sejam graves, não bastando qualquer omissão ou negligência. (Acórdãos de 15.11.2011, P. 2635/07 e de 11.09.2012, P. 3026/09).


No caso em análise, os factos do comissário foram praticados dolosamente, com dolo directo, por alguém profundamente conhecedor dos mecanismos bancários.  De outra banda, temos a lesada (a falecida) 2ª Autora, pessoa fragilizada psiquicamente, com falta de discernimento e vontade, facilmente manipulável, pelo que ainda que se pudesse conceder que descurou regras de prudência e de eficaz controlo do seu património, é muito ligeira a sua culpa.

É evidente a disparidade de situações entre um e outros. A conceder-se a redução da indemnização teríamos o autor dos factos dolosos a beneficiar da sua actividade ilícita à custa da própria vítima.    

É que o confronto de comportamentos culposos não deve ser perspectivado entre a conduta dos lesados e a do comitente, mas sim entre o comissário e o lesado (o comitente apenas responde na medida da culpa do comissário) – cf. Ac. 15.11.2011, já citado.

Com o que improcede também este fundamento do recurso.


Se é de dispensar na totalidade o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º, nº7 do RCP.

A Relação reduziu em 80% o valor a pagar, no essencial por as questões jurídicas em debate não revestirem especial complexidade.

Pretendem os Recorrentes a dispensa na totalidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Tal pretensão carece de justificação legal.

Concorda-se com o juízo da Relação sobre a matéria jurídica, mas é inquestionável que a extensão e alguma complexidade da matéria de facto não permite dizer que este foi um processo simples, de fácil resolução. Daí que o juízo da Relação se nos afigura acertado, pois que nem a “especificidade da situação”, nem a “complexidade da causa” são de molde a justificar a dispensa na totalidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Das considerações precedentes podem extrair-se as seguintes conclusões:

I - O empregador deve ser objectivamente responsabilizado pelos prejuízos causados, nos termos do art. 570º do CC, quando os actos ilícitos do comissário, no seu próprio interesse, foram praticados no exercício função que lhe foi confiada, o que se verifica quando aquele se aproveita das facilidades que o exercício da sua função de gerente bancário lhe proporcionava.

II – Se o responsável procede com dolo e ao lesado apenas é possível apontar uma culpa ligeira na produção do dano, não há fundamento para a redução da indemnização nos termos do art. 570º CC.

III – O confronto de comportamentos culposos deve ser feito entre o comissário e o lesado, não entre este e o comitente, o qual apenas responde na medida da culpa do comissário.

Decisão

Em face do exposto, decidimos negar provimento aos recursos de revista interpostos pelos Réus, e confirmar o douto acórdão recorrido.

Cada um dos Recorrentes suportará as custas do respectivo recurso.

Lisboa, 07.07.2022

Ferreira Lopes (relator)

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva