Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3141/10.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: SUSPENSÃO DOS PRAZOS JUDICIAIS
CITIUS
Data do Acordão: 05/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / ACTOS DAS PARTES ( ATOS DAS PARTES ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA VERSÃO CONFERIDA PELA LEI 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 144.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (CPT), NA VERSÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELO DL Nº 295/2009 DE 13 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 80.º,N.º1, 82.º, N.º1.
D.L. N.º 150/2014 DE 13-10: - ARTIGOS 3.º, 4.º, 5.º.
PORTARIA Nº 114/2008, DE 06-02.
PORTARIA Nº 1538/2008, DE 30-12.
PORTARIA Nº 280/2013, DE 26-8.
Sumário :
I – O DL n.º 150/2014 de 13/10 visou fazer face à situação de excepcionalidade provocada pelos constrangimentos técnicos que afectaram o acesso e a utilização do sistema informático que serve de suporte à actividade dos tribunais (CITIUS), aplicando-se aos actos processuais praticados ou a praticar a partir de 26 de Agosto de 2014.

II – Não vigorando o sistema Citius nos Tribunais Superiores, o prazo de recurso de revista dum acórdão da Relação que foi notificado à parte em 29/09/2014 não se suspendeu por aplicação do art.º 5.º n.º 1 do mencionado diploma, pois o legislador só quis abranger nesta suspensão os actos que apenas eram praticáveis através do sistema Citius.

Decisão Texto Integral:     

                Acordam, em Conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



1----


AA intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

BB, S.A., pedindo que seja:

1. julgado injustificado, formal e substancialmente, o processo disciplinar que lhe foi movido e, consequentemente seja
2. declarado nulo o seu despedimento;
3. condenada a Ré a:
a. reintegrá-lo, respeitando a sua categoria, antiguidade e demais direitos e regalias;
b. pagar-lhe os salários vencidos e vincendos;
c. pagar-lhe uma indemnização pelos danos morais sofridos, em valor não inferior a € 200.000,00;
d. pagar-lhe os respectivos juros vencidos e vincendos, desde a data do respectivo vencimento até final, à taxa anual de 4%.

Alegou para tanto que sendo trabalhador da R desde 28 de Fevereiro de 1989, foi despedido por decisão que lhe foi notificada em 6-04-2010.
Sustenta no entanto, que o despedimento é ilícito por ilegalidade dos meios de prova usados no procedimento disciplinar, pois a R violou o segredo de justiça e o direito à reserva da intimidade da vida privada do Autor; e que a Ré carecia de legitimidade para o despedir, pois os factos em que se baseou não tiveram qualquer repercussão no seu seio, antes no seio doutra entidade, dotada de personalidade jurídica autónoma.
 
Realizada audiência de partes, e não tendo sido possível a sua conciliação, veio a Ré contestar, impugnando os factos alegados pelo Autor e alegando que aqueles que conduziram ao seu despedimento integram justa causa de despedimento, pugnando assim pela improcedência da acção.

                                                          
Proferido despacho saneador, realizou-se audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

1. Declarou:

a) ilícito o despedimento do Autor promovido pela Ré, comunicado em 06/04/2010, por ausência de justa causa.
b) justificado e procedente o incidente de oposição à reintegração do Autor, deduzido pela Ré.

Nessa sequência,

2. Condenou a Ré a pagar ao Autor:

a) a indemnização substitutiva da reintegração, à razão de € 7.999,00 por cada ano de antiguidade ou fracção contados desde 28/02/1989 até ao trânsito, em conformidade com o que vier a ser apurado em posterior liquidação;

b) os salários de tramitação que o Autor deixou de auferir desde 15/07/2010 até ao trânsito, à razão mensal de € 7.999,00 e incluindo subsídios de férias e de Natal, deduzindo-se o montante que vier a ser apurado nos termos dos nº 2 do art. 390º - conforme se liquidar a final;

c) uma compensação por danos não patrimoniais, no valor de € 5.000;

d) os juros moratórios, contados como antecede.

E absolveu-se a Ré do que, contra si, mais vinha peticionado.

Inconformada, apelou esta, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado totalmente procedente o recurso de apelação interposto por BB, S.A., pelo que, e revogando a sentença recorrida, absolveu a Ré do pedido formulado nos autos, com custas a cargo do apelado.

Irresignado, interpôs o A revista, que não foi admitida, por extemporânea.

Notificado deste despacho, veio o A reclamar nos termos do artigo 643º do CPC, que foi desatendida com os seguintes fundamentos:

“Tendo a presente acção sido ajuizada durante o ano de 2010, aplica-se-lhe o regime do Código de Processo de Trabalho na versão que lhe foi conferida pelo DL nº 295/2009 de 13 de Outubro.
Assim, e para as acções iniciadas após 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta dos artigos 6º e 9º deste diploma, a revista tem de ser interposta no prazo de 20 dias contados da notificação do acórdão da Relação, tal como a acontece com a apelação (artigo 80º/1), devendo o requerimento de interposição vir acompanhado das alegações, só sendo proferido despacho de admissão do recurso depois da apresentação da contra-alegação ou do decurso do prazo de que o recorrido dispunha para tanto (82º/1).
O reclamante aceita esta doutrina, sustentando no entanto, que tendo o acórdão recorrido sido notificado no dia 29 de Setembro de 2014, e tendo o recurso dado entrada no dia 30 de Outubro do mesmo ano, se tem de considerar atempada a sua interposição, pois o prazo estava suspenso por força do artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 150/2014 de 13 de Outubro.
Mas não tem razão.
Efectivamente, este diploma pretendeu fazer face à situação de excepcionalidade provocada pelos constrangimentos técnicos que afectaram o acesso e a utilização do sistema informático que serve de suporte à actividade dos tribunais (CITIUS), aplicando-se aos actos processuais praticados ou a praticar desde 26 de Agosto de 2014.
No entanto, nos tribunais superiores não estava em aplicação este sistema.
Na verdade, e conforme resulta do nº 1 do artigo 144º do CPC, na versão conferida pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, e que é aplicável ao caso por força do seu artigo 5º, nº 1, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a Juízo, por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na Portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.

 Por seu turno, resulta deste normativo que a tramitação dos processos é efectuada electronicamente nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

               Trata-se da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto, que foi publicada em virtude da entrada em vigor do novo CPC, aprovado pela mencionada Lei 41/2013, ter implicado a revisão duma série de matérias, entre elas se situando a da tramitação electrónica de processos.

O legislador alerta logo no seu preâmbulo que as alterações não são significativas face ao regime anterior, tendo-se seguido as linhas de orientação que vinham da Portaria nº 1538/2008, de 30.12, e que havia alterado e mandado republicar a Portaria nº 114/2008, de 06.02, a primeira a regular a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica.

               Com a implementação deste regime visava-se a desmaterialização, eliminação e simplificação dos actos e processos na justiça, pretendendo-se que as partes e seus mandatários pudessem praticar actos judiciais e relacionar-se com o tribunal por meios electrónicos.

               No entanto, este sistema apenas vigora para a 1ª instância, conforme resultava claramente da mencionada Portaria nº 1538/2008, de 30.12, onde se afirmava que, a partir do dia 5 de Janeiro de 2009 passará a existir um efectivo fluxo electrónico nos tribunais judiciais de 1.ª instância para os processos cíveis, de família e laborais.

               Mais se acentua no preâmbulo desta que “…a presente portaria ainda não regula a tramitação electrónica nos tribunais superiores”, para quem a existência de um processo físico apenas passa a conter as peças e documentos relevantes para a decisão material da causa.

Matéria que o legislador veio tratar no artigo 14.º-C, que aditou à Portaria n.º 114/2008, onde estabeleceu, de facto, no seu n.º 4 que “O tribunal superior tem acesso ao processo em suporte físico que inclui, nos termos do artigo 23.º, as peças e documentos relevantes para a decisão material da causa, bem como à restante informação sobre o processo, que é remetida electronicamente, através do sistema informático CITIUS”.

              E embora este diploma legal tenha sido revogado a partir de 15/9/2013, conforme resulta do artigo 37º da supracitada Portaria nº 280/213, mantém as mesmas linhas que vinham do regime anterior, pois conforme já se disse, as alterações introduzidas não foram significativas.

               Por outro lado, e quanto ao processamento dos recursos, o artigo 15, nº 4 mantém a orientação que já vinha do nº 4 do artigo 14º-C da Portaria nº 1538/2008, de 30.12.

                Temos de concluir assim que o sistema CITIUS não vigorava nos tribunais superiores, onde os actos processuais podiam ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;

b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.

Por isso, a suspensão dos prazos processuais decorrente do artigo 5º do DL nº 151/2014 de 13 de Outubro não abrange o caso presente, pois tratando-se dum processo a correr na Relação, o acto podia ter sido praticado, sem quaisquer constrangimentos, através de uma das referidas formas.

Tudo para concluir que o recurso apresentado pelo reclamante em 30 de Outubro de 2014 é extemporâneo, pois o prazo de 20 dias havia terminado em 20 de Outubro.”

Notificado deste despacho, veio o A requerer que sobre a matéria recaia acórdão, alegando que não se atendeu ao disposto no Decreto-Lei n.º 150/2014, mais concretamente ao disposto no artigo 5°, n.º 1, sustentando assim que a suspensão ali prevista é para todos os prazos destinados à prática de actos processuais, não distinguindo o preceito legal entre os diversos tipos de actos a praticar e a sua exacta fase processual.

E não distinguindo o preceito, não compete ao julgador fazê-lo.

Pugna portanto pela admissão do recurso.

A reclamada advoga a manutenção do despacho singular proferido.

E sendo de submeter esta matéria à conferência, conforme regula o artigo 652º, nº 3, por remissão do nº 4 do artigo 643º, ambos dos NCPC, cumpre decidir.

2---

Conhecendo:

O reclamante insiste na sua argumentação de que a suspensão decorrente do artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 150/2014 abrange todos os prazos destinados à prática de actos processuais, pelo que, não fazendo o preceito qualquer distinção, não compete ao julgador fazê-lo.

Mas esta argumentação improcede pelas razões que já se referiram no despacho reclamado e que se mantêm.

Cumpre dizer, para além disso, que aquele diploma legal visou resolver a situação de impossibilidade da prática dos actos processuais provocada pelos constrangimentos técnicos que afectaram o acesso e utilização do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais (CITIUS) após 26 de Agosto de 2014, tendo-se, para tanto, consagrado as seguintes medidas:

a) Possibilidade de invocação de justo impedimento pelos sujeitos e intervenientes processuais (artigo 3º);

b) Possibilidade da prática do acto através de suporte físico sem que daí resulte qualquer ónus ou consequências adversas para o seu autor, seja a nível processual, seja a nível de custas (artigo 4º);

c) Suspensão dos prazos dos actos praticáveis através do sistema CITIUS a partir de 26 de Agosto de 2014, retomando-se a sua contagem com a entrada em vigor do diploma, ocorrida no 1º dia útil após a sua publicação (artigo 5º).

No entanto, estas medidas excepcionais eram destinadas apenas aos “interessados que trabalham directamente com o CITIUS, nomeadamente magistrados judiciais e do Ministério Público, funcionários judiciais, advogados, solicitadores e agentes de execução”, conforme expressamente se refere no preâmbulo do diploma.

É assim claro que o legislador só quis abranger na invocada suspensão os actos apenas praticáveis através do sistema CITIUS, pois quanto aos demais, podendo ser efectuados em suporte físico, não havia quaisquer constrangimentos que impedissem a sua prática em tempo.

Por isso, e ainda não vigorando nos tribunais superiores o sistema CITIUS, conforme se demonstra no despacho reclamado, nada impedia que a interposição da revista pudesse ser apresentada nos 20 dias subsequentes à notificação do acórdão da Relação.

Tendo o recurso sido apresentado em 30 de Outubro de 2014, quando o prazo de 20 dias havia terminado em 20 de Outubro, temos de concluir pela extemporaneidade da revista.

3---

Termos em que se acorda em indeferir a reclamação, com custas a cargo do requerente, cuja taxa de justiça se fixa em 3 (três) UCs.

     Anexa-se sumário do acórdão

                                       

Lisboa, 6 de Maio de 2015

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Melo Lima