Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
Descritores: | RESOLUÇÃO DE CONTRATO ARRENDAMENTO CASO JULGADO CAUSA DE PEDIR LIMITES TEMPORAIS RENDAS | ||
Data do Acordão: | 04/18/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA (EFEITOS). | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pp. 711, 716. - Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., p. 585. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 498º, Nº 4, 671º, Nº 1. | ||
Sumário : |
1. O âmbito do caso julgado está delimitado pela concreta situação que foi objecto de apreciação. 2. Julgada improcedente acção de despejo fundada na falta de pagamento de rendas relativas a um determinado período, por verificação da excepção de não cumprimento do contrato decorrente da falta de realização de obras de conservação a cargo do senhorio, não está impedida a propositura de nova acção, agora com invocação do encerramento do locado e ainda da falta de pagamento de rendas respeitantes a um período posterior, em simultâneo com a alegação de que o locatário vem impedindo a realização de vistoria necessária à realização das obras de conservação. A.G. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – M. … ….. ….. e J.
demandaram
T. , Ldª,
pedindo que fosse decretada a resolução de um contrato de arrendamento e a condenação da R. no despejo da fracção arrendada e no pagamento das rendas vencidas e vincendas e no pagamento de juros de mora; pede também a condenação da R. nas despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo os honorários da mandatária, computados estes provisoriamente, em € 750,00, relegando-se as restantes para liquidação em execução de sentença. Alegam para o efeito que são donos de uma fracção de que a R. é a actual arrendatária, onde esta instalou um estabelecimento comercial de venda de bens conexos com a sua actividade de venda de mobiliário e representações, o qual se encontra encerrado desde o ano de 2005. Além disso, a R. não paga as rendas desde, pelo menos, Outubro de 2005, no montante total de € 12.706,83.
A R. contestou invocando a excepção do caso julgado e o incumprimento do contrato por parte dos AA., impugnando, no mais, o alegado na petição inicial. Quanto à excepção de caso julgado, alegou que num processo anterior os AA. peticionaram a resolução do mesmo contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas desde o mês de Julho de 2000, sendo que em tal acção foi reconhecido que a R. não está obrigada ao pagamento das rendas porque se encontra impedida de exercer a sua actividade no locado, por falta de condições devido à falta de realização de obras de conservação da sua responsabilidade. Nessa acção julgou-se também procedente a excepção de incumprimento do contrato invocada pela R. e julgaram-se prescritas as rendas vencidas antes de Outubro de 2005. A R. alega, ainda que está impedida de ocupar o local arrendado, por facto imputável ao senhorio, o qual não realizou as obras necessárias para permitir o uso do espaço arrendado, invocando o abuso de abuso de direito quanto ao pedido de resolução.
Na resposta à excepção os AA. alegaram que a decisão proferida na primeira acção apenas constitui caso julgado em relação à resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas desde Julho de 2000 até Outubro de 2005. Quanto às rendas posteriores não foram incluídas nessa acção, além de que o pedido de resolução também se funda no encerramento do local arrendado por mais de um ano. Mais defendem que as obras a realizar no local não são da sua responsabilidade, nem revestem o carácter urgente que a R. atribui, não estando impedida de exercer a sua actividade no local arrendado, e que há mais de 10 anos que não têm acesso ao local arrendado, estando impedidos de aceder a esse espaço, apesar das tentativas que desenvolveram nesse sentido. Referem, a este respeito, que em 17-11-10 remeteram uma carta à R. no sentido de exercerem o direito de exame do arrendado, acompanhados por consultores técnicos, o que não foi consentido pela R. Invocam, ainda, o exercício abusivo do direito por parte da R.
No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de caso julgado.
Os AA. apelaram e a Relação julgou procedente a apelação, determinando o prosseguimento da acção para apreciação do pedido de resolução do contrato com fundamento no encerramento do local arrendado, há mais de um ano, por referência a Outubro de 2005 e, ainda, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas a partir da data do encerramento do julgamento no anterior processo, ponderando-se, para o efeito, os factos alegados na petição, na defesa e na resposta (abuso de direito e oposição do inquilino à realização das obras) ou outros que venham a ser aditados ou apurados.
A R. interpôs recurso de revista, concluindo que:
Houve contra-alegações.
Cumpre decidir.
II – Elementos a ponderar:
1. No proc. n.º 4052/05.9TJPRT, da 2ª secção, do 2º Juízo Cível do Porto, os AA. demandaram a R.,alegando e peticionando essencialmente o seguinte: 2. Na referida acção, por sentença proferida em 3-7-09, foi julgada improcedente a acção, sendo a R. absolvida do pedido, considerando-se justificada a falta de pagamento das rendas em consequência da verificação da excepção de não cumprimento do contrato por parte do locador no que concerne à realização de obras na fracção arrendada. 3. Por Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 9-11-10, foi confirmado o julgado. 4. Na presente acção os AA. demandam de novo a R., formulando o pedido de resolução do mesmo contrato de arrendamento e alegando essencialmente o seguinte: 5. Na contestação a R. invocou a excepção de caso julgado. 6. Os AA. vieram responder à contestação, alegando o seguinte:
III – Decidindo: 1. A questão a decidir consiste em saber se a decisão proferida no âmbito da anterior acção de despejo constitui caso julgado que obste ao conhecimento de mérito da presente acção.
2. Tendo como contraponto a sentença que foi proferida no âmbito da primeira acção, não se questiona nem a identidade de sujeitos, nem de pedido, entendido este como o efeito prático-jurídico que os AA. pretendem obter e que essencialmente se traduz na resolução do contrato de arrendamento e na condenação da R. na desocupação da fracção arrendada. As dúvidas apenas se colocam relativamente ao requisito da identidade da causa de pedir, nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 498º, nº 4, e 671º, nº 1, do CPC. A este respeito, considerou a 1ª instância que o objecto da presente acção, na componente da causa de pedir, está abarcado pelo caso julgado formado com a primeira sentença. Já a Relação assinalou a existência de uma divergência objectiva entre as acções, concluindo que nada obsta ao prosseguimento desta acção, tendo em conta os fundamentos que não ficaram cobertos pelo anterior caso julgado, ou seja, os factos correspondentes ao encerramento do locado, há mais de um ano, e a falta de pagamento das rendas vencidas depois do encerramento da fase de discussão e julgamento na primeira acção. Considerou para tanto que quando se estabelece a comparação entre os factos que sustentaram a primeira acção de resolução do contrato e aqueles que agora foram invocados existe diversidade de causas de pedir que impede a verificação da excepção de caso julgado material.
3. Ora bem. A primeira acção foi unicamente fundada na falta de pagamento de rendas, pedindo-se a declaração de resolução do contrato de arrendamento e a condenação da R. no pagamento das rendas vencidas e vincendas. Na sentença foi tomada posição sobre a legitimidade da invocação da excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento urbano por parte da R., considerando-se justificado o não pagamento das rendas, atenta a não realização de obras de conservação do locado que impede a R. de o usar. Tal sentença transitou em julgado e, por isso, sem que possa discutir-se a solução que foi adoptada, a mesma resolveu definitivamente a questão conexa com a falta de pagamento das rendas que então estavam em causa. Pode ainda afirmar-se complementarmente que, enquanto se mantiverem os pressupostos que levaram ao reconhecimento dessa excepção de não cumprimento do contrato por parte do senhorio (excepção dilatória de direito material), sem invocação de outros factos, este está impedido de formular novo pedido de resolução com invocação da falta de pagamento de outras rendas, mesmo das vencidas posteriormente ao terminus da audiência de julgamento na primeira acção. Com efeito, posto que a cada renda mensal corresponda uma obrigação autónoma, de natureza repetida, o motivo que levou o Tribunal a considerar justificado o não pagamento na primeira acção acaba por se transmitir às prestações subsequentes, desde que se mantenha a identidade da situação de facto que motivou a procedência daquela excepção e a correlativa improcedência da acção de resolução. Deste modo, se estivéssemos unicamente circunscritos a uma situação de mora dos AA. no que concerne à realização das obras cuja falta foi assinalada na anterior decisão judicial, não haveria dúvidas em afirmar a verificação da excepção de caso julgado material.
4. Outra é, porém, a realidade com que nos defrontamos. Na presente acção, os AA. não se limitaram a renovar o pedido de resolução do contrato com invocação da falta de pagamento de rendas posteriormente vencidas. Alegaram outros factos, quer na petição, quer na resposta à contestação com os quais procuraram descrever uma outra situação em que juridicamente sustentam a sua pretensão. Atenta a teoria da substanciação que interfere na definição e na delimitação da causa de pedir, tal pressuposto não é aferido em função da mera qualificação jurídica do fundamento ou fundamentos invocados, mostrando-se relevante a comparação entre os factos jurídicos que servem de fundamento a uma e a outra acção (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 711), a tal ponto que o caso julgado reflectido apenas abarca a concreta situação que foi objecto de apreciação e de pronúncia judicial. Ora, na presente acção, os AA. invocam que a R. lhes vem impedindo o acesso ao locado, acesso este necessário para que possa ser efectivada a realização das obras cuja obrigação foi reconhecida na anterior sentença, aduzindo para o efeito factos que, em grande parte, são posteriores à primeira acção. Ora, os novos factos que foram alegados, se acaso vierem a ser demonstrados, podem descaracterizar a situação de mora ou de incumprimento dos senhorios no que concerne à obrigação de realização das obras de conservação que na primeira acção estiveram na origem da procedência da excepção de não cumprimento do contrato, deixando esta de valer relativamente às novas rendas que entretanto se venceram e que continuaram a não ser pagas pela R. Além disso, os AA. invocaram adicionalmente, como fundamento da resolução do mesmo contrato de arrendamento, o encerramento do locado, situação que, não tendo sido alegada na anterior acção, também não se encontra objectivamente abarcada pela sentença que apreciou a pretensão dos AA. e a excepção da R. Na verdade, a situação em que o locado se encontrava foi apreciada apenas como facto circunstancial no âmbito da apreciação da legitimidade da recusa de pagamento das rendas vencidas, atenta da relação de sinalagmaticidade que na sentença foi reconhecida entre a obrigação de pagamento das rendas e a manutenção do locado em condições de poder ser utilizado para o fim a que foi destinado pelas partes. Não tendo os AA. invocado, na anterior acção, esse fundamento para sustentação do pedido de resolução então formulado, de modo algum se poderia considerar impedida a sua alegação por força da excepção dilatória de caso julgado, já que nem em termos formais, nem substanciais tal encontra eco na sentença anterior que se limitou a considerar improcedente o pedido de resolução fundado na falta de pagamento de concretas rendas, com base na justificada recusa de pagamento.
5. Enfim, a realidade que agora foi descrita pelos AA. revela-se substancialmente diversa da que foi invocada pelos AA. na primeira acção, sendo que a diversidade não deriva apenas da alegação de factos instrumentais que, segundo Antunes Varela, seriam insuficientes para contornar os efeitos de caso julgado (ob. cit., pág. 716), envolvendo a alegação de novos factos com que os AA. pretendem ilustrar uma realidade com suficiente autonomia relativamente à anterior. Na verdade, ainda que também nesta segunda acção seja alegada a falta de pagamento de rendas, este fundamento de resolução respeita a um período temporal que não foi coberto pela primeira sentença e, além disso, de modo ainda mais relevante para afastar o caso julgado, surge acompanhado da alegação de outros factos que integram outro fundamento jurídico, ainda que conducente à mesma pretensão. Neste contexto, verifica-se que a situação jurídica que decorre dos relatos feitos por cada uma das partes nos articulados é susceptível de encontrar num ordenamento jurídico complexo como é o nosso um enquadramento que justifique uma decisão diversa da que foi proferida na primeira acção, sem se correr o risco de repetição de causas ou de contradição de decisões. Insista-se: na anterior acção, a procedência da excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento invocada pela R. apenas abarcou um determinado período temporal que não coincide com o que está em causa na presente acção e, além disso, é invocado ainda nesta última o encerramento do locado por mais de um ano. Ademais, não estando em discussão a obrigação do senhorio de realizar obras no locado – questão coberta pela eficácia de caso julgado – a actuação da R. descrita pelos AA. nos arts. 22º e segs. da resposta á contestação permitir a avaliação da legitimidade da sua recusa de pagamento de rendas posteriores e mais ainda do encerramento do locado. Avaliando globalmente a factualidade que integra o objecto da presente acção, com Teixeira de Sousa podemos afirmar que falta a identidade de causa de pedir, já que “não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são susceptíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág. 585). Por conseguinte, acolhendo os argumentos bem alinhados pela Relação, confirma-se a decisão que considerou inverificada a excepção de caso julgado, devendo os autos prosseguir nos termos que foi determinado.
IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas da revista a cargo da R. Notifique. Lisboa, 18-4-13 Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva |