Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1904/10.8TJPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO
ARRENDAMENTO
CASO JULGADO
CAUSA DE PEDIR
LIMITES TEMPORAIS
RENDAS
Data do Acordão: 04/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA (EFEITOS).
Doutrina:
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pp. 711, 716.
- Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., p. 585.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 498º, Nº 4, 671º, Nº 1.
Sumário :

1. O âmbito do caso julgado está delimitado pela concreta situação que foi objecto de apreciação.

2. Julgada improcedente acção de despejo fundada na falta de pagamento de rendas relativas a um determinado período, por verificação da excepção de não cumprimento do contrato decorrente da falta de realização de obras de conservação a cargo do senhorio, não está impedida a propositura de nova acção, agora com invocação do encerramento do locado e ainda da falta de pagamento de rendas respeitantes a um período posterior, em simultâneo com a alegação de que o locatário vem impedindo a realização de vistoria necessária à realização das obras de conservação.

A.G.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – M. … ….. …..  e J.

demandaram

T. , Ldª,

pedindo que fosse decretada a resolução de um contrato de arrendamento e a condenação da R. no despejo da fracção arrendada e no pagamento das rendas vencidas e vincendas e no pagamento de juros de mora; pede também a condenação da R. nas despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo os honorários da mandatária, computados estes provisoriamente, em € 750,00, relegando-se as restantes para liquidação em execução de sentença.

Alegam para o efeito que são donos de uma fracção de que a R. é a actual arrendatária, onde esta instalou um estabelecimento comercial de venda de bens conexos com a sua actividade de venda de mobiliário e representações, o qual se encontra encerrado desde o ano de 2005. Além disso, a R. não paga as rendas desde, pelo menos, Outubro de 2005, no montante total de € 12.706,83.

A R. contestou invocando a excepção do caso julgado e o incumprimento do contrato por parte dos AA., impugnando, no mais, o alegado na petição inicial.

Quanto à excepção de caso julgado, alegou que num processo anterior os AA. peticionaram a resolução do mesmo contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas desde o mês de Julho de 2000, sendo que em tal acção foi reconhecido que a R. não está obrigada ao pagamento das rendas porque se encontra impedida de exercer a sua actividade no locado, por falta de condições devido à falta de realização de obras de conservação da sua responsabilidade.

Nessa acção julgou-se também procedente a excepção de incumprimento do contrato invocada pela R. e julgaram-se prescritas as rendas vencidas antes de Outubro de 2005.

A R. alega, ainda que está impedida de ocupar o local arrendado, por facto imputável ao senhorio, o qual não realizou as obras necessárias para permitir o uso do espaço arrendado, invocando o abuso de abuso de direito quanto ao pedido de resolução.

Na resposta à excepção os AA. alegaram que a decisão proferida na primeira acção apenas constitui caso julgado em relação à resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas desde Julho de 2000 até Outubro de 2005. Quanto às rendas posteriores não foram incluídas nessa acção, além de que o pedido de resolução também se funda no encerramento do local arrendado por mais de um ano.

Mais defendem que as obras a realizar no local não são da sua responsabilidade, nem revestem o carácter urgente que a R. atribui, não estando impedida de exercer a sua actividade no local arrendado, e que há mais de 10 anos que não têm acesso ao local arrendado, estando impedidos de aceder a esse espaço, apesar das tentativas que desenvolveram nesse sentido.

Referem, a este respeito, que em 17-11-10 remeteram uma carta à R. no sentido de exercerem o direito de exame do arrendado, acompanhados por consultores técnicos, o que não foi consentido pela R.

Invocam, ainda, o exercício abusivo do direito por parte da R.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de caso julgado.

Os AA. apelaram e a Relação julgou procedente a apelação, determinando o prosseguimento da acção para apreciação do pedido de resolução do contrato com fundamento no encerramento do local arrendado, há mais de um ano, por referência a Outubro de 2005 e, ainda, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas a partir da data do encerramento do julgamento no anterior processo, ponderando-se, para o efeito, os factos alegados na petição, na defesa e na resposta (abuso de direito e oposição do inquilino à realização das obras) ou outros que venham a ser aditados ou apurados.

A R. interpôs recurso de revista, concluindo que:
a) As regras e princípios que regem o caso julgado material não toleram que os titulares da relação jurídica em causa, antes de executarem quaisquer obras cuja omissão dera causa à improcedência do pedido formulado naquela lide, venham novamente peticionar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das mesmas e de outras rendas e no não uso do locado para o fim contratado.

b) A impossibilidade de uso do locado e a consequente não obrigação do pagamento da renda continuam a resultar da “impossibilidade total do gozo do locado que tem como causa a não realização das obras reclamadas desde 1987, ou seja, cerca de 13 anos antes de a R. se ver compelida a fechar o locado”.

c) Por isso, relativamente aos discutidos fundamentos para a resolução do contrato verifica-se e verificar-se-á até os AA. promoverem no prédio as obras imprescindíveis a tornar o espaço locado utilizável para o fim contratado, caso julgado material que obsta à reapreciação dos factos novamente trazidos à liça.

d) Ao decidir como decidiu, o acórdão em apreço ofendeu, nomeadamente, o disposto nos arts. 497º e 498º do CPC, pois, como expressamente estatui o nº 2 do art. 497º “tanto a excepção da litispendência como o do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Elementos a ponderar:

1. No proc. n.º 4052/05.9TJPRT, da 2ª secção, do 2º Juízo Cível do Porto, os AA. demandaram a R.,alegando e peticionando essencialmente o seguinte:
A R. não paga rendas aos AA., há mais de 5 anos, ou seja, desde Julho de 2000, até à presente data.
E, apesar de várias vezes interpelada pelos AA., jamais tomou, a R., qualquer atitude no sentido de pagar, ou mandar pagar, os montantes em débito, montantes estes que totalizam, até ao momento, a quantia de € 7.768,50.
Ao montante referido acresce aquele que corresponde ao pagamento das rendas vincendas até à entrega efectiva do locado, rendas essas a cujo pagamento a R. se encontra obrigada.

A falta de pagamento das rendas do locado no local e tempo próprios constituem fundamento de resolução do contrato pelo senhorio, nos termos do art. 64°, n°1, al. a), do RAU.
Tal direito de resolução, aqui invocado pelos AA. encontra-se presentemente em vigor, uma vez que, nos termos do art. 65º, n° 2, do mesmo diploma, sendo este originado por um facto duradouro ou continuado, só caducaria a partir da data em que tal facto tivesse cessado, o que se não verificou, permanecendo, desta forma, o direito dos Autores a resolver o contrato celebrado com a Ré.
Termos em que:
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente devendo,
a) Ser decretada a resolução do contrato de arrendamento do locado e, em consequência ser a R. condenada na entrega deste, livre e devoluto de pessoas e bens.
b) Ser a R. condenada no pagamento aos AA. das rendas vencidas e no pagas, no valor actual de € 7.768,50 e ainda no montante equivalente às rendas vincendas até à entrega do locado.
c) Ser a R. condenada no pagamento de juros de mora, contados à taxa legal em vigor, ascendendo os já vencidos ao montante de € 1.468,29 e vincendos, estes a calcular a final, pela secretaria;
d) Ser a R. condenada nas despesas judiciais e extrajudiciais, que ocorrerem por via da denúncia do contrato sub judice, incluindo os honorários da mandatária, computados estes, provisoriamente, em € 750,00, relegando-se as restantes para liquidação em execução de sentença”.

2. Na referida acção, por sentença proferida em 3-7-09, foi julgada improcedente a acção, sendo a R. absolvida do pedido, considerando-se justificada a falta de pagamento das rendas em consequência da verificação da excepção de não cumprimento do contrato por parte do locador no que concerne à realização de obras na fracção arrendada.

3. Por Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 9-11-10, foi confirmado o julgado.

4. Na presente acção os AA. demandam de novo a R., formulando o pedido de resolução do mesmo contrato de arrendamento e alegando essencialmente o seguinte:
“…
A R. instalou no arrendado um estabelecimento comercial de venda de bens conexos com a sua actividade de venda de mobiliário e representações, estabelecimento esse que se encontra encerrado desde data que, com exactidão, se ignora, mas julgam situar-se no ano de 2005.
De facto, a R. fechou as portas do locado, deixando de atender quer o público em geral, quer pessoas em particular.
Assim como cessou a sua actividade, também a nível fiscal, conforme se comprovou por pesquisa junto das entidades fiscais e cuja prova se vai requerer, infra.
O locado está, assim, sem qualquer uso ou afectação, pelo menos, desde o ano 2005,não cumprindo o fim exarado no contrato sub judice
E supõe-se, em estado de degradação, uma vez que está fechado, sem uso ou conservação.
Assim, desde aquela data, que o locado se vê desprezado, sem lhe ser dada qualquer utilização.
O não uso do arrendado, por período superior a um ano, constitui fundamento para resolução do contrato e despejo do bem objecto do mesmo.
Como tal, tendo a R. deixado de usar o locado por mais de um ano, verifica-se o incumprimento por parte da R. do dever de usar efectivamente a coisa para o fim do contrato, o que constitui motivo para a resolução do contrato.
Acresce que a requerida não paga as rendas desde, pelo menos, Outubro de 2005, num total de 59 rendas, o que perfaz o montante de € 2.706,83, quantia à qual acrescem juros de mora, no valor de € 6.315,63.
Os requerentes pretendem a resolução do referido contrato de arrendamento celebrado, por incumprimento das obrigações legais enunciadas
A R. deu causa à acção, pelo que deve ser condenada no pagamento de todas as despesas judiciais inerentes a lide e, ainda, nos honorários de advogado que, provisoriamente, se computam em 750,00 €.
Pede que a presente acção seja julgada provada e procedente devendo,
a) Ser decretada a resolução do contrato de arrendamento do locado e, em consequência ser a R. condenada na entrega deste, livre e devoluto de pessoas e bens.
b) Ser a R., condenada no pagamento aos AA. das rendas vencidas e não pagas, no valor actual de € 12.706,83 e ainda, no montante equivalente às rendas vincendas à entrega do locado.
c) Ser a R. condenada no pagamento de juros de mora, contados à taxa legal em vigor, ascendendo os já vencidos ao montante de € 6.315,63 e vincendos, estes a calcular a final, pela secretaria;
d) Ser a R. condenada nas despesas judiciais e extrajudiciais, que ocorrerem por via da denuncia do contrato sub judice, incluindo os honorários da mandatária, computados estes, provisoriamente, em € 750,00, relegando-se as restantes para liquidação em execução de sentença (…)”.

5. Na contestação a R. invocou a excepção de caso julgado.

6. Os AA. vieram responder à contestação, alegando o seguinte:
DO CASO JULGADO
1. Não tem cabimento a excepção arguida, pois que, como a própria R. reconhece, a causa de pedir da acção nº 4052/05.9TJPRT, que correu termos na 2 Secção, do 2° Juízo deste Tribunal, foi a resolução do contrato de arrendamento do prédio sub judice, com fundamento na falta de pagamento das rendas desde Julho de 2000, por banda da arrendatária.
2. Tal acção não foi julgada procedente, logo não foi decretada a resolução do contrato de arrendamento do locado, o que aliás, legitima que se intente a presente acção, peticionando as rendas vencidas desde Outubro de 2005.
3. As rendas ora em causa são aquelas que se venceram desde a entrada da anterior acção em Tribunal e que não se encontravam ali peticionadas.
4. Ainda que assim não se entenda, o que não se aceita, a presente acção tem duas causas de pedir, o não pagamento de rendas e a não utilização do locado por prazo superior a um ano.
5. Causa de pedir esta que não constituiu fundamento da anterior acção, não tendo sido, por isso objecto de apreciação naquela,
6. Pelo que não pode formar caso julgado.
Assim,
7. A invocada excepção tem, necessariamente, de improceder.
DO INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
8. Os factos transcritos e relativos à contestação apresentada pela R. no Proc. n.° 4052/05.9TJPRT, não correspondem à verdade e por isso se impugnam, pelo que adiante se explanará.
9. As obras consideradas necessárias pela Câmara Municipal do Porto são obras cuja realização não era da responsabilidade da Senhoria.
10. Com efeito, parte das obras em causa são da responsabilidade do Condomínio do prédio, porque respeitam ao terraço do andar superior à fracção propriedade dos AA. e à rede de esgoto do prédio.
11. E as demais são a realizar na cobertura do prolongamento da armação metálica, estrutura que - tanto quanto os Autores podem conhecer - não fazia parte do arrendado e cuja construção não foi autorizada aos arrendatários.
12. A Câmara Municipal do Porto, pese embora o número de vistorias efectuadas e as notificações que afirma ter realizado, nunca realizou as obras, como a lei permite, cobrando o seu custo bem como as taxas devidas,
13. Assim como nunca aplicou à A. qualquer pena de multa.
14. E isso porque as obras exigidas pela R., ao contrário do alegado, não eram de tal forma urgentes ou tão significativas que justificassem a intervenção Camarária
15. Ou impedissem a R. de realizar a sua actividade no locado.
Acresce que
16. A Ré, por um lado, tinha a possibilidade realizar as obras no locado e descontar o montante por si despendido no valor das rendas a pagar,
17. Ou, por outro, tinha ainda a possibilidade de, munida de um orçamento, demandar judicialmente os proprietários, a fim de que efectuassem as obras em causa.
18. Porém, não o fez, preferiu deixar de pagar a renda a que estava obrigada pelo contrato de arrendamento celebrado,
19. E reter o arrendado, sem proceder à entrega do mesmo, com o intuito de prejudicar os AA. e deles obter réditos que lhe não são devidos,
20. Vindo, após 10 anos a demandar os AA. na acção Ordinária n.º 334/10.6TVPRT, a correr termos pela 2ª Secção da Vara Cível do Porto - a fim obter uma indemnização.
Ora,
21. Para accionar a excepção do não cumprimento do contrato mostra-se necessário que a alegada falta praticada pelos AA. assumisse um relevo significativo, ou seja que fosse irreversível e não pudesse ser colmatada pela arrendatária, o que in casu, não sucedeu.
Acresce que,
22. Os AA. não têm, desde há mais de 10 anos, acesso ao arrendado, estando impedidos de lhe aceder.
De facto,
23. Atenta a idade da A., têm os filhos, após a morte de seu pai e desde o ano de 1999, tentado, por diversas e várias formas ter acesso ao arrendado, sem qualquer êxito.
De facto,
24. Para tal efeito, desde o ano de 2001, os AA. deslocaram-se diversas vezes ao imóvel com o objectivo de o vistoriar e avaliar o estado do mesmo, não lhes tendo sido permitido o acesso,
25. Sendo que no ano de 2003 e seguintes deslocaram-se até ao imóvel acompanhados de técnicos capazes de avaliar a necessidade das obras que a R. alegava como necessárias, tarefa que não puderam levar a cabo, porquanto o imóvel se encontrava encerrado.
26. Acresce que também com o objectivo de acederem ao locado os AA. enviaram cartas, solicitando à R. a possibilidade de acesso ao mesmo, para vistoria e avaliação.
27.Tais cartas não obtiveram resposta e o acesso ao locado permaneceu vedado.
28. Numa derradeira tentativa de aceder ao arrendado e evitar novo recurso à via judicial, os AA. remeteram à R., carta registado com aviso de recepção, no dia 17-11-10, a fim de exercerem o direito de exame do arrendado, acompanhados por consultores técnicos.
29.Pese embora a recepção daquela carta, a R. enviou missiva de resposta recusando o exercício do direito aos AA.,
30. Não tendo, de seguida, respondido a nova carta, que os AA. lhe remeteram em 6 de Janeiro, igualmente registada, recusando, dessa forma o acesso ao arrendado.
31. Assim e da mesma forma deve improceder a arguida excepção.

ABUSO DE DIREITO E MÁ FÉ DOS RÉUS
40. Dispõe o art. 334° do C.C. que “é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito Ora,
41. Resulta dos autos que a R. não paga a renda a que está obrigada há já mais de 5 anos,
42. Do mesmo modo que resulta que a R. não desenvolve a sua actividade no locado desde o ano 2000, ou seja, há já mais de 10 anos,
De resto,
43. A R. não tem actividade em qualquer outro local, pois deixou de a exercer, estando, literalmente, encerrada.
44. É, por isso, de presumir, que não têm necessidade do arrendado para colher réditos ou frutos do trabalho,
45. O que equivale a dizer que retém o imóvel em seu poder em jeito de vingança e, por isso, com manifesta má fé, o que expressamente se invoca,
46. Devendo, por isso, ser condenada como litigante de má fé e, consequentemente, no pagamento de todas as despesas que esta lide acarretar aos AA., nomeadamente, taxas de justiça e honorários de mandatário, a liquidar, oportunamente,
47. Bem como em indemnização não inferior a € 5.000,00.
De resto,
48. Apesar das diversas solicitações efectuadas pelos proprietários e dos processos judiciais intentados, recusa-se a proceder à entrega do imóvel que mantém, abusivamente, na sua posse.
49. Pelo exposto facilmente se constata que, contra a sua vontade e contra os limites de tudo quanto é razoável, os AA. encontram-se privados de retirar qualquer rédito do imóvel de que são proprietários, há já mais de 10 anos, pese embora tenham desenvolvido todas as diligências legais exigíveis.
50. Estão, deste modo, ultrapassados todos os princípios limitadores do abuso de direito,
51. Excepção que é do conhecimento oficiosos, mas que expressamente se invoca.
Acresce ainda que,
52. O imóvel sub judice tem já mais de 70 anos e as obras que a R. alega que o mesmo carece, são obras de fundo,
53. E a realizar ao nível das estruturas básicas do prédio, nomeadamente, os esgotos, as varandas que são a cobertura da fracção e escoamento de aguas pluviais,
54. Que para além de implicarem a necessária intervenção de todos os proprietários das diversas fracções que o constituem,
55. Se revelam de montantes de tal maneira elevado, que os AA. se encontram impossibilitados de suportar,
56. Atenta a falta de rendimento que o não pagamento - há mais de 10 anos - do modesto valor da renda fixada - €215,37.
57. Salienta-se, que o fim visado pela presente acção é a obtenção da resolução de um contrato de arrendamento que tem uma duração aproximada de 40 anos,
58. E do qual os AA. não obtêm réditos há mais de 10 anos.
59. Atenta a natureza bilateral e onerosa de que se reveste o contrato de arrendamento, implica que a atribuição patrimonial de um dos contraentes tenha como contrapartida a atribuição patrimonial do outro, pelo que seria suposto que houvesse equivalência entre as respectivas atribuições, o que manifestamente no caso concreto não se verifica.

61. Assim atentas todas as circunstâncias atrás descritas será de qualificar de abusivo - e, concomitantemente, de ilegítimo nos termos do disposto no art. 334º do C.C. - a manutenção da vigência do contrato de arrendamento que a Ré pretende exercer”.

III – Decidindo:

1. A questão a decidir consiste em saber se a decisão proferida no âmbito da anterior acção de despejo constitui caso julgado que obste ao conhecimento de mérito da presente acção.

2. Tendo como contraponto a sentença que foi proferida no âmbito da primeira acção, não se questiona nem a identidade de sujeitos, nem de pedido, entendido este como o efeito prático-jurídico que os AA. pretendem obter e que essencialmente se traduz na resolução do contrato de arrendamento e na condenação da R. na desocupação da fracção arrendada.

As dúvidas apenas se colocam relativamente ao requisito da identidade da causa de pedir, nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 498º, nº 4, e 671º, nº 1, do CPC.

A este respeito, considerou a 1ª instância que o objecto da presente acção, na componente da causa de pedir, está abarcado pelo caso julgado formado com a primeira sentença. Já a Relação assinalou a existência de uma divergência objectiva entre as acções, concluindo que nada obsta ao prosseguimento desta acção, tendo em conta os fundamentos que não ficaram cobertos pelo anterior caso julgado, ou seja, os factos correspondentes ao encerramento do locado, há mais de um ano, e a falta de pagamento das rendas vencidas depois do encerramento da fase de discussão e julgamento na primeira acção. Considerou para tanto que quando se estabelece a comparação entre os factos que sustentaram a primeira acção de resolução do contrato e aqueles que agora foram invocados existe diversidade de causas de pedir que impede a verificação da excepção de caso julgado material.

3. Ora bem. A primeira acção foi unicamente fundada na falta de pagamento de rendas, pedindo-se a declaração de resolução do contrato de arrendamento e a condenação da R. no pagamento das rendas vencidas e vincendas.

Na sentença foi tomada posição sobre a legitimidade da invocação da excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento urbano por parte da R., considerando-se justificado o não pagamento das rendas, atenta a não realização de obras de conservação do locado que impede a R. de o usar.

Tal sentença transitou em julgado e, por isso, sem que possa discutir-se a solução que foi adoptada, a mesma resolveu definitivamente a questão conexa com a falta de pagamento das rendas que então estavam em causa.

Pode ainda afirmar-se complementarmente que, enquanto se mantiverem os pressupostos que levaram ao reconhecimento dessa excepção de não cumprimento do contrato por parte do senhorio (excepção dilatória de direito material), sem invocação de outros factos, este está impedido de formular novo pedido de resolução com invocação da falta de pagamento de outras rendas, mesmo das vencidas posteriormente ao terminus da audiência de julgamento na primeira acção.

Com efeito, posto que a cada renda mensal corresponda uma obrigação autónoma, de natureza repetida, o motivo que levou o Tribunal a considerar justificado o não pagamento na primeira acção acaba por se transmitir às prestações subsequentes, desde que se mantenha a identidade da situação de facto que motivou a procedência daquela excepção e a correlativa improcedência da acção de resolução.

Deste modo, se estivéssemos unicamente circunscritos a uma situação de mora dos AA. no que concerne à realização das obras cuja falta foi assinalada na anterior decisão judicial, não haveria dúvidas em afirmar a verificação da excepção de caso julgado material.

4. Outra é, porém, a realidade com que nos defrontamos.

Na presente acção, os AA. não se limitaram a renovar o pedido de resolução do contrato com invocação da falta de pagamento de rendas posteriormente vencidas. Alegaram outros factos, quer na petição, quer na resposta à contestação com os quais procuraram descrever uma outra situação em que juridicamente sustentam a sua pretensão.

Atenta a teoria da substanciação que interfere na definição e na delimitação da causa de pedir, tal pressuposto não é aferido em função da mera qualificação jurídica do fundamento ou fundamentos invocados, mostrando-se relevante a comparação entre os factos jurídicos que servem de fundamento a uma e a outra acção (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 711), a tal ponto que o caso julgado reflectido apenas abarca a concreta situação que foi objecto de apreciação e de pronúncia judicial.

Ora, na presente acção, os AA. invocam que a R. lhes vem impedindo o acesso ao locado, acesso este necessário para que possa ser efectivada a realização das obras cuja obrigação foi reconhecida na anterior sentença, aduzindo para o efeito factos que, em grande parte, são posteriores à primeira acção.

Ora, os novos factos que foram alegados, se acaso vierem a ser demonstrados, podem descaracterizar a situação de mora ou de incumprimento dos senhorios no que concerne à obrigação de realização das obras de conservação que na primeira acção estiveram na origem da procedência da excepção de não cumprimento do contrato, deixando esta de valer relativamente às novas rendas que entretanto se venceram e que continuaram a não ser pagas pela R.

Além disso, os AA. invocaram adicionalmente, como fundamento da resolução do mesmo contrato de arrendamento, o encerramento do locado, situação que, não tendo sido alegada na anterior acção, também não se encontra objectivamente abarcada pela sentença que apreciou a pretensão dos AA. e a excepção da R.

Na verdade, a situação em que o locado se encontrava foi apreciada apenas como facto circunstancial no âmbito da apreciação da legitimidade da recusa de pagamento das rendas vencidas, atenta da relação de sinalagmaticidade que na sentença foi reconhecida entre a obrigação de pagamento das rendas e a manutenção do locado em condições de poder ser utilizado para o fim a que foi destinado pelas partes.

Não tendo os AA. invocado, na anterior acção, esse fundamento para sustentação do pedido de resolução então formulado, de modo algum se poderia considerar impedida a sua alegação por força da excepção dilatória de caso julgado, já que nem em termos formais, nem substanciais tal encontra eco na sentença anterior que se limitou a considerar improcedente o pedido de resolução fundado na falta de pagamento de concretas rendas, com base na justificada recusa de pagamento.

5. Enfim, a realidade que agora foi descrita pelos AA. revela-se substancialmente diversa da que foi invocada pelos AA. na primeira acção, sendo que a diversidade não deriva apenas da alegação de factos instrumentais que, segundo Antunes Varela, seriam insuficientes para contornar os efeitos de caso julgado (ob. cit., pág. 716), envolvendo a alegação de novos factos com que os AA. pretendem ilustrar uma realidade com suficiente autonomia relativamente à anterior.

Na verdade, ainda que também nesta segunda acção seja alegada a falta de pagamento de rendas, este fundamento de resolução respeita a um período temporal que não foi coberto pela primeira sentença e, além disso, de modo ainda mais relevante para afastar o caso julgado, surge acompanhado da alegação de outros factos que integram outro fundamento jurídico, ainda que conducente à mesma pretensão.

Neste contexto, verifica-se que a situação jurídica que decorre dos relatos feitos por cada uma das partes nos articulados é susceptível de encontrar num ordenamento jurídico complexo como é o nosso um enquadramento que justifique uma decisão diversa da que foi proferida na primeira acção, sem se correr o risco de repetição de causas ou de contradição de decisões.

Insista-se: na anterior acção, a procedência da excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento invocada pela R. apenas abarcou um determinado período temporal que não coincide com o que está em causa na presente acção e, além disso, é invocado ainda nesta última o encerramento do locado por mais de um ano. Ademais, não estando em discussão a obrigação do senhorio de realizar obras no locado – questão coberta pela eficácia de caso julgado – a actuação da R. descrita pelos AA. nos arts. 22º e segs. da resposta á contestação permitir a avaliação da legitimidade da sua recusa de pagamento de rendas posteriores e mais ainda do encerramento do locado.

Avaliando globalmente a factualidade que integra o objecto da presente acção, com Teixeira de Sousa podemos afirmar que falta a identidade de causa de pedir, já que “não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são susceptíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág. 585).

Por conseguinte, acolhendo os argumentos bem alinhados pela Relação, confirma-se a decisão que considerou inverificada a excepção de caso julgado, devendo os autos prosseguir nos termos que foi determinado.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da R.

Notifique.

Lisboa, 18-4-13


Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva