Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
721/17.9T8LLE.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
FUNDO DE RESERVA
CONTA BANCÁRIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
CONTRAPROVA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A retirada de fundos de uma conta bancária, privando o seu titular da disponibilidade desse valor, constituiu em si mesma e segundo uma regra de normalidade, uma diminuição da situação patrimonial, pelo que a alegação de tal facto é suficiente enquanto alegação do dano.

II. O que não quer dizer que esse alegado dano (correspondente ao montante retirado da conta) venha, a final, a ser considerado verificado, pois que cabe à contraparte o ónus de contraprova ou prova de factualidade susceptível de demonstrar que no caso assim não ocorreu.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATRIVA


ENTRE

CONDOMÍNIO M...

(aqui patrocinado por AA, adv.)

Autor / Apelado / Recorrente

CONTRA

PROCONDOMÍNIO – Gestão Imobiliária, Ldª

(aqui patrocinada por BB, adv.)

Ré / Apelante / Recorrida



I – Relatório

 O Autor intentou a presente acção pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 35.978,22 € (a qual, no decurso da acção, reduziu em 1.820,33 €) a título de indemnização pelos prejuízos que enquanto administradora do Autora, entre o ano de 2005 e 09AGO2016, lhe causou ao ter utilizado 10.000 € do fundo de reserva sem autorização da assembleia de condóminos e ter deixado de diligenciar pela cobrança de 17.159,26 € de dívidas de condóminos, deixando-as prescrever, bem como, depois de ter sido destituída daquela qualidade, aqueles a que deu azo ao apropriar-se de bens do Autor no valor de 2.000 €, ao retirar da conta do Autor 6.818,96 € e ao tornar necessárias as despesas da presente acção naquilo que não está coberto pelas custas de parte, no montante de 1500,00 €.

 A Ré contestou por impugnação concluindo pela improcedência da acção ou que, a haver lugar a restituição das quantias utilizadas sempre haveria de as reaver a título de enriquecimento sem causa uma vez que foram utilizadas em proveito do Autor. Peticiona a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa e indemnização (5.000,00 €) e, em reconvenção, no pagamento de indemnização pela ofensa ao seu bom nome e reputação (10.000,00 €) e pelas despesas com a acção não cobertas pelas custas de parte (2.500,00 €).

   Foi fixado à acção o valor de 53.478,22 €.

   Não foi admitido o pedido reconvencional.

 A final foi proferida sentença que, considerando que a Ré exerceu as funções de administradora no âmbito de um contrato de prestação de serviços cabendo-lhe o ónus da prova do cumprimento das suas obrigações, que esta se apropriou indevidamente de material pertença da Autora (769,23 €), utilizou o fundo de reserva sem autorização (9.964,66 €) e movimentou indevidamente a conta do condomínio (6.818,96 €), julgou a acção parcialmente procedente condenando a Ré a pagar ao Autor 17.552,85 €, absolvendo-a do demais peticionado. Mais se decidiu não haver fundamento para condenar o Autor como litigante de má-fé.

Inconformada, apelou a Ré invocando erro na decisão de facto e erro de julgamento; bem como dever o Autor ser considerado litigante de má-fé.

A Relação julgou improcedente a impugnação da matéria de facto, confirmou a decisão de não ocorrência de litigância de má-fé por banda do Autor e, considerando que a movimentação da conta do Autor, ainda que ilícita, só gera obrigação de indemnização na medida em que que gerar dano, cuja prova compete ao Autor, o que no caso se não demonstrou excepto quanto ao débito de cheque no valor de 873,00 €, reduziu a condenação da 1ª instância para 1.642,23 €.

   Agora irresignado, vem o Autor interpor recurso de revista, ao abrigo do art.º 671º do CPC, concluindo, em síntese, por omissão no dispositivo do acórdão recorrido da parte da condenação que confirmou, por verificados os requisitos da responsabilidade civil quanto à ilegítima movimentação das contas devendo ser a Ré condenada à restituição integral dos correspondentes montantes (6.818,96 € e 9.964,66 €) e, ainda, que sempre teria direito, enquanto consumidor, à reparação dos danos decorrentes da prestação de um serviço defeituoso.

Não houve contra-alegação.                                                  


II – Da admissibilidade e objecto do recurso

A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

      Destarte, o recurso merece conhecimento.

    Vejamos se merece provimento.

           


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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

  Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, desde logo haverá de concluir não caber no âmbito deste recurso a questão da eventual indemnização com fundamento na prestação de serviço defeituoso a consumidor uma vez que se trata de questão nova (pela primeira vez invocada no recurso de revista) e que implica a convocação de diversa causa de pedir.

  Dessa forma são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

- da omissão de condenação no dispositivo do acórdão recorrido;

- da indemnização pela indevida movimentação do fundo de reserva;

- da indemnização pela abusiva movimentação da conta do Autor.


III – Os factos

Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:

Factos provados:

1.  O autor CONDOMÍNIO M.…, prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ..., em ... é administrado atualmente pela sociedade “NTV - Gestão de Condomínios, Lda.”, que se dedica à atividade de administração de condomínios e foi eleita para administrar este condomínio no ano de 2016 por deliberação da respetiva Assembleia de Condóminos na sua reunião de 17 de setembro de 2016.

2.  A ré/sociedade “PROCONDOMÍNIO - Gestão Imobiliária, Ldª” foi constituída em 1 de fevereiro de 2001 e dedica-se, além do mais, à atividade de administração de condomínios, sendo seus sócios gerentes CC e DD.

3.    A ré/sociedade foi eleita para administrar o autor/condomínio no ano de 2015, exerceu estas funções até à data de 9 de agosto de 2016, data em que a assembleia de condóminos deliberou eleger uma comissão de condóminos para assumir a administração do condomínio composta por EE e FF, com poderes para titular as contas do condomínio, sendo-lhes ainda concedidos poderes para titular e movimentar todas as contas bancárias necessárias ao regular funcionamento do condomínio.

4.   Conforme resulta da citada ata n.º 23, uma vez submetido à votação da assembleia, as contas foram reprovadas por maioria dos votos dos condóminos presentes e representados, com os votos a favor das frações ..., ..., ..., ..., ..., por considerarem os valores apresentados das despesas da obra da piscina demasiado elevados e “as contas não foram enviadas atempadamente para que os proprietários pudessem consultar com mais tempo”.

5.  Do anexo II-3 à referida ata resulta que a ré/sociedade iniciou o exercício de gestão no período compreendido entre 1 de julho de 2015 e 30 de junho de 2016, com um saldo de gestão corrente de € -1 567,41 (- mil, quinhentos e sessenta e sete euros e quarenta e um cêntimos) e com um saldo do fundo de reserva de € 26 964,66 (vinte e seis, novecentos e sessenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), o que dá um total líquido de € 24 964,66 (vinte e quatro mil, novecentos e sessenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos).

6.    O mesmo anexo refere que o autor/condomínio deveria receber € 12 630,00 (doze mil, seiscentos e trinta euros) por parte dos condóminos (idem).

7.    A assembleia de condóminos autorizou a utilização de € 15.000,00 (quinze mil euros) da conta/fundo de reserva do condomínio, para o pagamento das obras na piscina.

8.   O valor remanescente do fundo de reserva – a diferença entre € 24 964,66 (vinte e quatro mil, novecentos e sessenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos) e € 15.000,00 (quinze mil euros) - foi movimentado pela sociedade/ré, no exercício das suas funções de administração do condomínio/autor, sem a devida autorização da assembleia de condóminos.

9.   As contas bancárias existentes em nome do autor/condomínio junto da ..., em 10 de agosto de 2016, possuíam os seguintes saldos contabilísticos:

- conta n.º ...4930, conta extrato, € 5 793,90;

- conta n.º ...4923, caixa habitação/condomínio, € 532,68;

- conta n.º ...4233, conta depósito a prazo, valor € 0 - (zero).

10. A este propósito, no relatório pericial datado de 18/3/2019, pode ler-se:

Da análise da conta bancária, foi verificado que existem movimentos entre a conta de Depósitos à Ordem e uma conta de Depósitos a Prazo.

Em 02/02/2012 do saldo de € 17,060,12 que a conta à ordem do fundo de reserva n.º ...4923 registava, foi transferido para a conta à ordem n.º ...4930, o montante de € 16,500,00, e nesta conta foi efetuada uma aplicação a Prazo no montante de € 16,500,00, ou seja a gestão do Fundo de  Reserva passou a ser efetuada numa conta de Deposito a Prazo, sendo que a conta à ordem do Fundo de Reserva, passou a ser utilizada para a receção dos juros da aplicação a prazo, registando o saldo de € 532,68 em 08/03/2016. Relativamente à conta de Depósitos a Prazo, consta no processo um extrato à data de ... com uma aplicação a 180 dias, no montante de € 17,366,77, com a indicação do crédito dos juros na conta de Depósitos à Ordem n.º ...4930.

Em 16/03/2016, foi emitida pela ..., declaração de rendimentos do ano anterior, com a indicação dos juros liquidados no ano anterior, num montante bruto de € 329.53, mas sem fazer referência ao montante das aplicações nessa data.”

11. A sociedade “Tudo Num Brinco – Serviços de Limpeza, Lda.” foi constituída em 5 de junho de 2001, tendo por objeto a prestação de serviços de limpeza, sendo seus sócios gerentes CC e DD.

12. Em 3 de junho de 2014, a ré/sociedade emitiu fatura à ordem do autor/condomínio, referente a “Bomba de pressão do sistema de rega de jardim e regulador eletrónico”, no valor total (IVA incluído) de € 745,23 (setecentos e quarenta e cinco euros e vinte e três cêntimos).

13. Em 27 de abril de 2016, a sociedade “Tudo Num Brinco – Serviços de Limpeza, Lda.” emitiu fatura à ordem do autor/condomínio, referente a “Válvula completa 6 vias ... e regulador de nível automático”, no valor total (IVA incluído) de € 379,95 (trezentos e setenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos)

14. Em 4 de maio de 2016, a ré/sociedade enviou uma missiva a GG solicitando-lhe a realização de serviços, onde se pode ler: “(…) contratado para efetuar os serviços de manutenção do jardim e da piscina do condomínio em referência, proceda aos serviços que estão incluídos no contrato, nomeadamente e o mais rapidamente possível à regularização do sistema de rega, controladores e verificação dos aspersores que não se encontram em conformidade há já algum tempo (…)”.

15. Em 31 de maio de 2016, a sociedade “Tudo Num Brinco – Serviços de Limpeza, Lda.” emitiu fatura à ordem do autor/condomínio, referente a “Leito filtrante Vidro de Granulometria 0.5 mm – 1.0mm -saco de 25 kg para filtro da piscina, válvula PVC” e mão de obra, no valor total (IVA incluído) de € 929,04 (novecentos e vinte e nove euros e quatro cêntimos).

16. Em 20 de julho de 2016, a sociedade “Tudo Num Brinco – Serviços de Limpeza, Lda.” emitiu fatura à ordem do autor/condomínio, referente a “Válvula eletromagnética ..., batente de escada ... de piscina, ... equipamento de electrólise de sal 45 g/h e bomba da piscina 3 cv Trifásica ...”, no valor total (IVA incluído) de € 2 356,66 (dois mil, trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos).

17. No dia 9 de agosto de 2016, enquanto decorria a Assembleia Geral de Condóminos acima referida, a ré/sociedade, introduziu-se nas instalações daquele condomínio, através de funcionários da sua empresa, retirando e fazendo seu um controlador eletrónico automático de rega, pertencente ao autor/condomínio e retirando ainda os aspersores de rega e sacos de sal em número não concretamente apurado mas, certamente equivalente a 2 (dois), com o valor aproximado de € 12,00 (doze euros) cada um, para tratamento de água da piscina que aí se encontravam depositados.

18. No dia 10 de agosto de 2016, HH foi notificada no âmbito do processo de inquérito que correu termos sob o n.º 583/16...., nos termos do disposto no artigo 75.º e ss. do Código de Processo Penal.

19. No mesmo dia, a ré/sociedade entregou aos membros da comissão de proprietários do autor/condomínio o original da ata n.º 23 e extrato bancário referente ao período de 12 de julho de 2016 a 10 de agosto de 2016

20. E ainda, no mesmo dia, a sociedade/ré transferiu da conta do condomínio sediada na ..., com o nº de conta ...4930 para a conta com o n.º ...0930, o montante de € 3.276,66 (três mil duzentos e setenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) com o descritivo “facturas tbn obra”, para o IBAN ...02, executado pelo utilizador DD às 9h22m.

21. Tal pagamento destinou-se a liquidar duas faturas: uma, com o n.º FAC ...90, no valor de € 2 356,66 (dois mil, trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), emitida em 20 de julho de 2016, relativa a equipamentos de piscina; e, outra, com o n.º ...14, datada de 31 de julho de 2016, no valor de € 920,00 (novecentos e vinte euros) relativa a limpeza de jardim e piscina.

22. No mesmo dia a sociedade/ré movimentou a débito a mesma conta para pagamento do cheque n.º ...11, no valor de € 873,00 (oitocentos e setenta e três euros).

23. Tal valor referia-se a duas rubricas não documentadas de € 369,00 (trezentos e sessenta e nove euros) e € 504,30 (quinhentos e quatro euros e trinta cêntimos), constantes do mapa de caixa de 1 de julho de 2015 a 10 de agosto de 2015, linha de lançamento n.º ...46 e ...47.

24. E, no dia 11 de agosto de 2016, a sociedade/ré debitou da mesma conta a quantia de € 2.669,30 (dois mil seiscentos e sessenta e nove euros e trinta cêntimos), para uma conta bancária cuja identificação consta como “ANTÓNIO E AZEREDO” para o IBAN ...25, executado pelo utilizador DD às 9h35m.

25. Tal pagamento destinou-se à empresa “António e Azeredo – Construções, Lda.” e destinou-se a liquidar o remanescente da fatura ...99 de 25 de julho de 2016, no valor total de € 12 669,00 (doze mil, seiscentos e sessenta e nove euros) e respeitava a vários serviços de construção civil nas piscinas e duches.

26. No dia 29 de agosto de 2016, GG emitiu fatura à ordem do autor/condomínio, referente a, além do mais, tubos de rega e acessórios, no valor de € 300,00 (trezentos euros).

27. A tentativa de cobrança do valor devido pelo condómino, proprietário da casa n.º ...8, aconteceu por meio de processo executivo, cujo requerimento executivo deu entrada em 25 de março de 2010 e que corre termos com o nº 1591/10...., o qual veio a ser julgado extinto por inexistência de bens.

28. A tentativa de cobrança do valor devido pelo condómino, proprietário da casa n.º ...3 aconteceu por meio de processo executivo cujo requerimento deu entrada em 29 de outubro de 2013 e correu termos com o nº 2942/13...., tendo já sido julgada extinta, por falta de pagamento de honorários solicitados em 28 de outubro de 2016.

29. Tal menção foi feita constar nas atas de assembleias de condomínio.

30. No dia 7 de outubro de 2016 e através de procedimento de notificação judicial avulsa foram notificados os membros da comissão de proprietários do teor dos documentos referentes aos exercícios de 2005 a 2009, 2009/2010, 2011/2012, 2013/2014, 2014/2015 e 2015/2016, o livro de atas e atas avulso nºs 8 a 22 e ainda outros documentos.

Factos não provados:

a) Foi apresentada queixa junto da Guarda Nacional Republicana pelo crime de introdução em julgar vedado ao publico e furto relativa aos factos ocorridos em 9/8/2016;

b) Os aspersores de rega da área comum a que se refere o facto n.º 17.º dos factos provados pertencem ao autor/condomínio;

c) Os equipamentos de jardim e piscina, nomeadamente aspersores de rega da área comum e um controlador eletrónico automático de rega pertenciam à sociedade “Tudo Num Brinco – Serviços De Limpeza, Lda.”, a qual havia emprestado ao condomínio/autor os referidos equipamentos durante o período em que tratava dos seus jardins, de forma a facilitar o trabalho dos jardineiros e também tentar recuperar as zonas relvadas do condómino;

d) Os sacos de sal encontravam-se nas suas instalações para serem utilizados de acordo com as necessidades de tratamento da água da piscina, sendo faturados ao condomínio/autor conforme fossem utilizados;

e) No dia 10 de agosto de 2016, a ré, aquando da entrega de documentos do autor/condomínio à nova Administração, na presença da comissão de proprietários do autor/condomínio, alertou para a existência de faturas vencidas e não pagas à sociedade Tudo Num Brinco - Serviços De Limpeza, Lda.;

f) Nesse mesmo momento, a  comissão de proprietários do condomínio/autor instruiu a sociedade/ré, na pessoa da gestora II, para proceder ao pagamento das supra referidas faturas, para que assim todas as faturas vencidas ficassem saldadas;

g) E autorizou a utilização de verbas do fundo de reserva para pagamento de despesas correntes.

h) A sociedade/ré abdicou de cobrar tempestivamente as dívidas de alguns condóminos devedores ao condomínio, o que provocou a prescrição de algumas dessas dívidas, nomeadamente, as referentes à casa n.º ...8 (valor de € 13 088,60) e casa n.º ...3 (valor de € 2 250,00).


IV – O direito

A sentença, na parte A) do seu dispositivo, condenou a Ré no pagamento de: i) 769,23 €; ii) 16.783,62 €. E na parte B) absolveu a Ré do demais peticionado. Por seu turno o acórdão recorrido decretou no seu dispositivo a alteração da sentença “na parte em que condenou a R. no pagamento da quantia de € 16.783,62 [ponto ii da al. A) do dispositivo], condenando-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 873,00, confirmando-a em tudo o mais”.

Resulta cristalino dessa enunciação que a alteração se reporta exclusivamente à condenação contida no ponto ii da al. A) - cuja condenação passou de € 16.783,62 para € 873,00 - mantendo-se inalterado, porque confirmado, “tudo o mais”, ou seja, a condenação do ponto i da al. A) e a absolvição da al. B).

Pelo que a invocação de erro nessa formulação se tem por manifestamente infundada.

  No que concerne às quantias retiradas das contas do Autor (9.964,66 € do fundo de reserva e 6.818,96 € da conta corrente) o raciocínio da Relação baseou-se em duas premissas: ser insuficiente para a demonstração do dano a mera alegação da retirada de fundos da conta, sem referência ao destino da mesma; e, além do mais, ter-se demonstrado que os fundos retirados (com excepção do montante de 873,00 €) foram utilizados em proveito do Autor.

Contra esse entendimento se insurge o Recorrente, impetrando a repristinação da decisão de 1ª instância.

  E com alguma razão, adiante-se.

Com efeito a retirada de fundos de uma conta bancária, privando o seu titular da disponibilidade desse valor, constituiu em si mesma (e segundo uma regra de normalidade) uma diminuição da situação patrimonial, um prejuízo. Pelo que, em nosso modo de ver, a alegação de tal facto é suficiente enquanto alegação do dano.

  O que não quer dizer que esse alegado dano (correspondente ao montante retirado da conta) venha a final a ser considerado verificado. É que cabe à outra parte o ónus de contraprova ou prova de factualidade susceptível de demonstrar que no caso assim não ocorreu.

     E foi precisamente isso que ocorreu nos presentes autos.

A Ré logrou provar (factos 21 e 25) que, com excepção do montante de 873,00 €, o valor retirado da conta corrente foi utilizado para liquidação de dívidas do Autor, pelo que nessa parte não ocorre qualquer dano para o mesmo.

Já quanto à utilização do montante do fundo de reserva não resulta do acervo probatório circunstancialismo bastante para fundar qualquer presunção de que tal montante foi utilizado em benefício do Autor (como afirmado pela Relação). Com efeito a enunciação, feita do facto 8, de que tal movimentação foi levada a cabo “no exercício das suas funções de administração do condomínio/autor” nada mais significa do que a sua expressão literal: que na altura desempenhava as funções de administração, não havendo nenhum elemento interpretativo que leve a inferir que foi também para cobrir as necessidades dessa administração (sendo que revisitada a fundamentação oferecida na sentença de 1ª instância quanto a esse facto nada se encontra nesse sentido).

   Haverá, no entanto, de notar que a Ré se desincumbiu do seu ónus de alegação de factualidade que pusesse em causa a verificação do invocado dano quando, nos pontos 25 e 26 da sua contestação, afirma que a quantia em causa havia, com a anuência da comissão de proprietários, sido utilizada para suportar despesas de gestão corrente dada a falta de liquidez da conta corrente.

E se é certo que a invocada anuência da comissão de proprietários foi objecto de apreciação pelo tribunal com o veredicto de ‘não provado’ (g) não é menos certo que não foi apresentada qualquer conclusão para a invocada utilização de tal montante na liquidação dos encargos de gestão corrente do condomínio.

   Sendo que essa circunstância se apresenta como fundamental para a decisão da questão em apreço. Com efeito, se a Ré lograr demonstrar ou tornar verosímil que o montante retirado do fundo de reserva foi utilizado para suportar as despesas de gestão corrente do condomínio impõe-se a conclusão de inexistência de dano e da correspondente obrigação de indemnização; caso contrário, deverá concluir-se pela existência de dano e correspondente obrigação de indemnização.

  Donde se conclui pela necessidade, quanto a essa questão, de proceder à ampliação da matéria de facto (art.º 682º, nº 3, do CPC).

           


V – Decisão

  Termos em que se decide:

- negar parcialmente a revista, confirmando a decisão recorrida, na parte em que absolveu a Ré do pedido de indemnização pela movimentação de 5.945,96 € da conta corrente do Autor;

- ordenar a ampliação da matéria de facto, tanto quanto possível pelos mesmos juízes, averiguando-se se as quantias do fundo de reserva foram utilizadas para suportar despesas de gestão corrente do Autor dada a falta de liquidez da conta corrente, para que a mesma venha a constituir-se como base suficiente para a decisão de direito, conforme as directrizes acima firmadas, relativamente ao pedido de indemnização pela movimentação de 9.964,66 € do fundo de reserva do Autor.

Custas conforme o decidido a final.

                                                                                  

Lisboa, 21ABR2022

Rijo Ferreira (relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista