Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A3426
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RUI MAURICIO
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DEVER DE DILIGÊNCIA
OMISSÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: SJ20071127034266
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - A responsabilidade civil médica pode apresentar - e será, porventura, a situação mais frequente - natureza contratual, assentando na existência de um contrato de prestação de serviço, tipificado no art. 1154.º do CC, celebrado entre o médico e o paciente, e advindo a mesma do incumprimento ou cumprimento defeituoso do serviço médico. Mas também pode apresentar natureza extracontratual, prima facie quando não há contrato e houve violação de um direito subjectivo, podendo ainda a actuação do médico ser causa simultânea das duas apontadas modalidades de responsabilidade civil.
II - São os mesmos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, provenha ela de um facto ilícito ou de um contrato, a saber: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
III - Provado que, no dia 27 de Junho de 2001, o A. sofreu rotura traumática (parcial) da coifa dos rotadores, ao nível do ombro esquerdo, em consequência de um acidente abrangido por um contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo, por indicação da respectiva seguradora, o A., em 3 de Agosto de 2001, sido submetido a intervenção cirúrgica no Hospital ...., efectuada pelo R. ora recorrente, que é médico, na especialidade de ortopedia, in casu a responsabilidade médica é de natureza contratual e o A. logrou provar, como lhe competia - cfr. n.º 1 do art. 342.º do CC -, o cumprimento defeituoso, a saber, ter o R. na intervenção cirúrgica que efectuou deixado uma compressa no interior do corpo do A..
IV - Apesar de se ter provado que a enfermeira instrumentista procedeu ao controlo, por contagem, dos ferros, das compressas, das agulhas, das lâminas de bisturi e dos fios de sutura utilizados e que, nem durante a realização da cirurgia, nem no final, foi verificada qualquer anomalia nas diversas contagens que tiveram lugar, o médico tinha o dever de não suturar o A. sem previamente se certificar que na zona da intervenção cirúrgica não deixava qualquer corpo estranho, nomeadamente, uma compressa.
V - O esquecimento de compressas ou de instrumentos utilizados na cirurgia dentro do corpo do doente tem sido considerado como a omissão de um dever de diligência.
VI - Não tendo o médico logrado ilidir a presunção legal de culpa no defeito verificado, impende sobre si a obrigação de indemnizar.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AAintentou a presente acção em processo comum ordinário contra o “Hospital ...., SA” e o médico BB, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de € 324.800,00, acrescida do ressarcimento dos danos que vierem a ocorrer no futuro para o A. relacionados com o acto do Réu, em quantia a liquidar em execução de sentença.
Para tanto alega, em síntese, que:
- Em 27/6/01, o A. sofreu um acidente, quando trabalhava por conta própria num estabelecimento de panificação;
- Depois de alguns tratamentos, consultas e exames, o A. foi submetido, em 3/8/01, a uma intervenção cirúrgica levada a efeito pelo Réu no estabelecimento hospitalar da Ré;
- Depois dessa intervenção cirúrgica continuou com dores e depois de ter feito vários exames e consultas, foi de novo submetido a uma intervenção cirúrgica em 7/11/01, no Hospital CC, em Lisboa, com o objectivo de lhe serem retirados corpos estranhos que haviam sido detectados nos exames a que se submeteu e que lhe provocaram uma infecção;
- As referidas intervenções foram sempre por indicação da companhia de seguros do acidente de trabalho;
- Na intervenção cirúrgica feita no Hospital CC. foram-lhe retirados uma compressa e um instrumento cirúrgico que haviam sido deixados pelo Réu na anterior intervenção; e que
- Por virtude disso, o A. esteve inactivo 9 meses, e não apenas 2 meses como seria de esperar se não fosse a intervenção do Réu ao deixar os referidos corpos estranhos e sofreu vários danos de natureza patrimonial e não patrimonial que discrimina.
Contestaram os RR., concluindo ambos pela improcedência da acção, impugnando o Réu toda a matéria alegada pelo A. no que se refere à culpa e aos danos e alegando, em suma, que: procedeu como devia, sendo certo que participou na intervenção cirúrgica uma enfermeira instrumentista, cuja participação foi por si reclamada; tal enfermeira procedeu ao controlo, por contagem, dos ferros, compressas, agulhas, lâminas de bisturi e fios de sutura utilizados na intervenção, não tendo sido detectada qualquer falta, nas diversas contagens efectuadas; no tipo de intervenção a que o A. foi submetido e tendo em conta o material utilizado, pode aparecer uma infecção pós-operatória; no pós-operatório imediato nenhumas complicações lhe foram comunicadas, pelo que, em 13/8/01, deu alta ao A.; posteriormente acompanhou o evoluir da situação até que o A. recusou manter-se em tratamento e exigiu ser observado por outros médicos noutra instituição, pelo que o transferiu para os serviços clínicos da seguradora; e, mais tarde, foi detectada uma situação diversa daquela que o Réu tinha observado e que deve ser havida como consequência ou resultado possível da própria operação.
Por sua vez, a Ré alega, em resumo, que nada teve a ver com a intervenção cirúrgica em causa nos autos, uma vez que essa intervenção, ao contrário de outras levadas a efeito pelo Réu, ocorreu no âmbito de um contrato de prestação de serviços que este celebrou com a companhia de seguros “DD”, tendo sido esta que o indicou ao A., limitando-se a Ré a facultar as instalações hospitalares, o equipamento e o pessoal necessário.
Proferido despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto e proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.
Inconformado com tal sentença, apelou o A., tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão constante de fls. 629 a 653 dos autos, concedido parcial provimento ao recurso e condenado o R. BB a pagar ao A. a quantia de € 197.549,16 (cento e noventa e sete mil quinhentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos), sendo € 182.549,16 a título de danos patrimoniais e € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Não se conformando com tal acórdão, é agora o R. que pede revista para este Supremo Tribunal, respigando-se sinteticamente as seguintes conclusões, das extensas (precisamente 73, preenchendo mais de 10 fls.) e pouco concisas conclusões da respectiva alegação:
1ª- É de reconhecer que o direito subjectivo do doente foi ilicitamente ofendido, visto que, da intervenção cirúrgica executada por equipa médica e de enfermagem coordenada pelo recorrente como cirurgião principal, resultou uma complicação, porque foi deixada na zona intervencionada uma compressa e a referida compressa causou directa e necessariamente ao doente “uma infecção ao nível do ombro esquerdo”;
2ª- O thema decidendum, circunscreve-se, in casu, à mera culpa ou negligência;
3ª- O ora recorrente, além de organizar a equipa médica cirúrgica e de anestesiologia, fez também intervir uma enfermeira instrumentista;
4ª- No caso dos autos, evidencia-se que, uma das “diversas contagens”, precisamente a das “compressas”, foi forçosamente errada;
5ª- O ora recorrente não procedeu a essa contagem, porque aquilo a que estava obrigado, era a que a mesma fosse feita, como foi, por quem possui qualificação profissional bastante;
6ª- A enfermeira instrumentista falhou;
7ª- Tivesse a contagem sido anómala, que o defeito teria de ser esclarecido logo ali, e imediatamente resolvido pelo pessoal médico;
8ª- O médico cirurgião, ora recorrente, não actuou com culpa, a qual se deveria dar por verificada se: (i) não tivesse obtido o concurso de um elemento especialista em instrumentação, ou (ii) não tivesse seguido as indicações peremptórias que lhe fossem por ele dadas, assinalando desconformidades nas contagens de instrumentos ou de perecíveis utilizados, durante ou a final da intervenção cirúrgica, no campo operatório do paciente, ou (iii) não resolvesse, pronta e eficazmente o problema, encontrando e retirando a compressa ou qualquer outro objecto em falta;
9ª- O médico está efectivamente obrigado a retirar uma compressa, ou o que for, sempre que se verifique uma das hipóteses colocadas supra, não estando, nas demais;
10ª- A omissão - que no caso clínico dos autos, consistiu em deixar uma compressa no campo operatório - verificou-se, todavia, por erro manifesto de outrem, que não do médico;
11ª- No caso dos autos, inexiste qualquer nexo ou laço censurável entre a conduta do médico, ora recorrente, e o erro verificado na contagem dos perecíveis, que conduziu a que fosse deixada uma compressa no campo operatório;
12ª- Numa palavra, inexiste o requisito da culpa do agente;
13ª- Não houve qualquer perda patrimonial, da banda do autor;
14ª- O acórdão, não obstante, considera lucros cessantes ou lucros frustrados, no sentido dos ganhos que o autor terá deixado de obter por causa do facto ilícito;
15ª- Constitui posição unânime na mais autorizada doutrina, a de que “um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele”;
16ª- O rendimento médio mensal ilíquido do autor, no exercício da sua actividade comercial, decresceu do ano de 2000 para 2001, de € 2.271,35 para apenas € 1.131,22;
17ª- O período de inactividade que acresceu ao período de 2 meses “de convalescença médio”, por causa da complicação resultante da presença da compressa, foi de apenas mais 7 meses;
18ª- Ao autor, em 18.XI.2002, foi fixada uma incapacidade para o trabalho, resultante do acidente que sofreu em 27.VI.2001, de 9,84%, sem que, neste índice, influa a complicação em apreço, que nenhuma sequela deixou;
19ª- Aquando do encerramento do estabelecimento “no ano de 2001”, sobre a data do fim do “período médio de cerca de 2 meses”, contado da data da intervenção cirúrgica de 3.VIII.2002, apenas terão decorrido cerca de 2 meses mais;
20ª- A resposta à questão - objectiva - de saber se o autor ficou impossibilitado, aos 35 anos, definitivamente, de prosseguir a actividade empresarial no seu estabelecimento de panificação, por si encerrado ao fim de cerca de 4 meses, contados da data da operação de 3.VIII.2001, ou de conseguir outra actividade que lhe facultasse obter um rendimento ilíquido mensal médio idêntico ao que auferiu nos 18 meses anteriores, por causa do facto de ter sido prolongada de cerca de 2 para 9 meses a sua convalescença, merece resposta negativa;
21ª- Nem os factos provados revelam que se o autor não tivesse sofrido a vicissitude da complicação de saúde em apreço, exerceria a actividade comercial mantendo o nível médio de rendimentos brutos do 1º semestre de 2001, ou, ainda menos, com o acréscimo das “perspectivas” e “previsões” que formulou optimisticamente e os autos nos revelam;
22ª- Não está provada qualquer relação de tipo causal, em que o fecho do estabelecimento surja como imperativo, visto que não se provou que o autor “foi forçado” ao encerramento - definitivo, para mais - já que não se provou que tenha sido confrontado com a “ausência total de encomendas”, provou-se, em vez disto, que “encerrou” por, segundo o próprio, “não ter encomendas suficientes”, “no fim de 2001”;
23ª- Ainda menos resulta assente nos autos que a capacidade de ganho do autor tenha sido afectada, definitivamente, depois da “alta clínica”, para percentagem maior - rectior, absoluta - do que aquela (9,84%) que resultou directamente do acidente de trabalho que sofrera;
24ª- O aresto do Tribunal da Relação de Évora seria, teoricamente, atendível apenas na parte em que considera os lucros frustrados do autor, no período de tempo que vai do fim do período médio de 2 meses de convalescença (o qual, tendo a intervenção cirúrgica ocorrido em 3.VIIl.2001, se deve situar em 3.X.2001) e a “alta clínica” em 3.VI.2002, isto é, por cerca de 7 meses;
25ª- Tendo-se apurado que o autor foi “... em 4/10/01, por instâncias da companhia de seguros, remetido para as consultas exteriores de ortopedia do Hospital CC, em Lisboa (18°)”, o médico ora recorrente, foi impedido, de facto, de lhe dar assistência subsequentemente;
26ª- Daqui resulta que o ora recorrente não pudesse ser responsabilizado - por culpa do lesado - no prolongamento do período de convalescença, em toda a extensão desta, à luz do disposto no art. 570° do Código Civil;
27ª- O aresto aqui posto em crise, dá ainda por verificado o requisito do nexo de causalidade, para o período subsequente à convalescença do autor, igualmente o não devendo fazer;
28ª- O ora recorrente, vem submeter à (re)apreciação do Supremo a matéria de direito, no tocante ao requisito do nexo de causalidade, na medida da inviabilidade do ilícito em apreço, “em abstracto ou em geral”, ser “causa adequada do dano”, sob a forma e na extensão que lhe reconheceu a Relação de Évora;
29ª- Quanto aos danos morais, não se produziram nenhuns que ao ora recorrente sejam imputáveis;
30ª- O acórdão da Relação de Évora, em suma, fez errada aplicação do direito, na medida em que, aos factos apurados, não soube atinadamente aplicar as normas jurídicas acima referenciadas que, portanto, violou, seja na qualificação, como culposa, da conduta do médico ora recorrente, que o não é, seja na qualificação de “expectativas” subjectivas do autor como factos previsíveis, que não são, seja, por último, na ponderação da existência de nexo de causalidade entre o ilícito em apreço e os danos patrimoniais e não patrimoniais, configurados em torno de meras subjectividades - que os factos assentes, aliás, infirmam -, em evidente violação das normas contidas nos arts. 483º, 562°, 563°, 564° e 566°, todos do Código Civil.
O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção, nos seus precisos termos, do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Vejamos, antes de mais, a matéria de facto que as instâncias deram como provada:
- No dia 27 de Junho de 2001, o Autor sofreu rotura traumática (parcial) da coifa dos rotadores, ao nível do ombro esquerdo, em consequência de um acidente de trabalho. (A)
- A reparação pelos danos causados por tal acidente encontrava-se abrangida por um contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a companhia de seguros “DD”, ao abrigo da apólice n° 322348. (B)
- O autor participou o referido acidente à identificada companhia de seguros. (C)
- Por indicação da companhia de seguros, o Autor foi em 3/8/01 submetido a intervenção cirúrgica no “Hospital ...., SA”, ora primeira Ré, tendo tal intervenção sido executada pelo ora segundo Réu. (D)
- O segundo Réu é médico, na especialidade de ortopedia, desenvolvendo a sua actividade de médico ortopedista no Hospital da Ré, em regime de prestação de serviços. (E)
- O Autor esteve internado no estabelecimento hospitalar propriedade da primeira Ré durante uma semana. (F)
- Na sequência de ecografia realizada pelo autor foi elaborado relatório, datado de 21/9/01, constante de fls. 21 dos autos, com o seguinte teor: “A coifa dos rotadores mal definida, difusamente hipoecogénica (tendinite aguda). Longa porção do bicípite igualmente mal definida. Sugere-se estudo por ressonância magnética atendendo aos antecedentes clínicos”. (G)
- Na sequência de ressonância magnética realizada pelo Autor, foi elaborado relatório, datado de 25/10/01, constante de fls. 23 dos autos, com o seguinte teor: “Identificamos múltiplos artefactos correspondendo a granuloma da porção alta do músculo deltóide, abrangendo o músculo deltóide na sua porção superficial, tanto junto à coifa como da bolsa sub-acromial, existindo também processo inflamatório da bolsa que se estende ao músculo deltóide e observando-se também discreta quantidade de líquido entre o músculo infra-espinhoso e o pequeno redondo, estendendo-se este processo inflamatório até à área subcutânea”. (H)
- No relatório clínico efectuado pelo Dr. AC, após análise de ressonância magnética, é referido que: “A observação apresenta uma flexão limitada aos 100º, rotação externa de 20°, rotação interna de 10º e abdução de 80°. Tem sinais de conflito subacromial positivos e dores de carácter inflamatório. Após exame radiográfico e por suspeita de corpo estranho solicitei a realização de ressonância magnética que confirma a existência de granuloma de corpo estranho”. E aconselha “a realização de intervenção cirúrgica para extracção de corpo estranho, reconstrução de eventuais alterações da coifa e descompressão sub-acromial”. (I)
- Em 18/11/02 teve lugar tentativa de conciliação nos autos de acidente
de trabalho que, com o n° 269/2002, correram termos no Tribunal de Trabalho de
Portimão, no âmbito da qual foi fixada ao autor uma incapacidade de 9,84% e
paga uma indemnização de € 7.437,85. (J)
- No ano fiscal de 2000 o Autor participou rendimentos ilíquidos de Esc. 5.464.382$00, ou seja € 27.256,22 (vinte e sete mil duzentos e cinquenta e seis euros e vinte e dois cêntimos). (L)
- No ano fiscal de 2001 o Autor participou um lucro de € 6.787,29 (seis mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte e nove cêntimos). (M)
- O Autor, à data da intervenção cirúrgica referida em D) supra, tinha trinta e cinco anos de idade. (N)
- O estabelecimento de saúde da 1ª Ré encontra-se certificado pelo Ministério da Saúde, possuindo alvará que atesta a verificação de todas as condições necessárias para a realização da cirurgia. (O)
- Por instruções da companhia de seguros o autor foi observado na Clínica da Rocha, em Portimão, por uma médica de clínica geral. (1°)
- Posteriormente, porque mantinha dores locais que o impossibilitavam de exercer a respectiva actividade, foi observado em 5/7/01, na identificada Clínica da Rocha, pelo Dr. António Pinto, médico ortopedista. (2°)
- Nessa clínica foi submetido a uma ecografia que revelou as lesões descritas em A). (3°)
- Desde 5/7/01 a 23/7/01 o autor fez tratamento conservador sem sucesso. (4°)
- A intervenção cirúrgica aludida em D) foi efectuada a conselho do Dr. António Pinto. (5°)
- O Autor foi transferido para os serviços clínicos da seguradora com a indicação da realização de eventual intervenção cirúrgica. (6°)
- Após a intervenção cirúrgica aludida em D), durante alguns dias, nas instalações da Ré foi feita limpeza e desinfecção da ferida cirúrgica. (7°)
- Após a intervenção cirúrgica aludida em D), o A. queixava-se de dores e no fim das suas deslocações ao Hospital ...., a ferida cirúrgica deitou pus. (8°)
- O A. continuou com dores. (9°)
- O A. cerca de 3 semanas após a referida intervenção cirúrgica continuava a sentir dores. (10°)
- Face a tal sintomatologia o A., no início de Setembro de 2002, deslocou-se ao estabelecimento hospitalar da primeira Ré, tendo sido consultado por um médico que lhe receitou medicamentos. (11° e 12°)
- Em meados de Setembro de 2001 o autor foi observado pelo segundo Réu que após exame da lesão e análise da sintomatologia relatada por aquele, lhe indicou que deveria fazer uma ecografia aos tecidos moles do ombro esquerdo. (13°)
- O Autor submeteu-se de imediato ao exame prescrito pelo 2° Réu. (14°)
- Uma vez que o A. mantinha dores e não conseguia trabalhar, foi em 4/10/01, por instâncias da companhia de seguros, remetido para as consultas externas de ortopedia no Hospital CC, em Lisboa. (18°)
- Nesse serviço foi aconselhado a fazer fisioterapia. (19°)
- O Autor, a fazer tratamento fisiátrico, voltou a ser consultado em regime ambulatório naquele Hospital, nos dias 9/10/01 e 23/10/01, mantendo a sintomatologia anteriormente referida. (20°)
- O Autor desde a data da intervenção cirúrgica aludida em D) até 23/10/01 manteve impotência funcional do ombro. (21°)
- O A. continuava a sentir dores. (22°)
- O Autor decidiu recorrer a uma consulta de ortopedia em consultório privado. (23°)
- Em 24/10/01 o Autor é observado pelo Dr. AC que o aconselha a fazer uma ressonância magnética. (24°)
- No dia 25/10/01 o A. fez uma ressonância magnética no Hospital CC. (25°)
- No acto da intervenção cirúrgica a que o A. foi submetido em 3/8/01 foi deixada na zona intervencionada uma compressa. (26°)
- A referida compressa causou directa e necessariamente ao A. uma infecção ao nível do ombro esquerdo que se manifestou sob a forma de granuloma e compressão sub-acromial (ou seja ao nível da parte terminal do omoplata, onde se articula a clavícula). (27°)
- Após tais diagnósticos o Autor é consultado no Hospital CC no dia 5/11/01. (28°)
- Em 6/11/01 o A. foi internado nos serviços de cirurgia do Hospital CC, tendo sido submetido em 7/11/01 a uma intervenção cirúrgica, na qual lhe foi retirada uma compressa. (29°)
- Na ressonância magnética referida na resposta dada ao art. 25° detectou-se “múltiplos artefactos correspondendo a granuloma da porção alta da músculo deltóide, abrangendo o músculo deltóide na sua porção superficial tanto junto à coifa como da bolsa subacromial”. (30°)
- O Autor permaneceu ali internado em recobro pós-operatório até 21/11/01, altura em que teve alta hospitalar. (31°)
- O Autor frequentou o serviço de consultas externas do Hospital da Cuf para acompanhamento médico da convalescença pós-operatória, designadamente nos dias 11/12/01, 28/12/01, 29/1/02, 1/4/02 e 3/6/02. (32°)
- Nesta última consulta, em 3/6/02, foi-lhe dada alta clínica. (33°)
- O A. fez tratamento fisiátrico. (34°)
- O período de convalescença médio de uma intervenção cirúrgica de cariz semelhante à que o A. foi sujeito, sem a verificação de quaisquer complicações, é de cerca de dois meses. (35º)
- Em consequência da intervenção cirúrgica aludida em D) o Autor esteve inactivo nove meses, desde a data da intervenção até 3 de Junho de 2002. (36º)
- Em 27/6/01 o Autor era proprietário de um estabelecimento de panificação, na Figueira. (37°)
- Era o Autor quem procedia à preparação, fabrico e distribuição de todos os produtos de pastelaria e panificação que comercializava. (39°)
- E era a mulher do Autor quem o coadjuvava em tal actividade, executando todas as demais tarefas instrumentais e acessórias que não careciam de especiais conhecimentos ou emprego da força física. (40°)
- Durante 9 meses o Autor não pôde confeccionar e preparar os produtos que vendia no seu estabelecimento comercial e não pôde conduzir o seu veículo de distribuição porta a porta. (41°)
- O Autor tinha iniciado a sua actividade comercial, por conta própria, cerca de dezoito meses antes do facto referido em D). (42°)
- Na data da intervenção cirúrgica aludida em D) o autor estava na fase da angariação de clientela e fidelização dos clientes que já possuía em carteira. (43°)
- Nessa data, o Autor fornecia os produtos do seu comércio a cerca de vinte “pontos de venda”, constituídos por pastelarias, cafés, restaurantes e minimercados. (44°)
- A mulher do Autor não conseguia dar resposta ás encomendas habituais dos clientes. (45°)
- A mulher do A. padecia de obesidade mórbida e doença do foro cardiológico. (46°)
- O A. não contratou qualquer trabalhador. (47°)
- Tendo em conta que os produtos comercializados pelo autor (pão e bolos) visam a satisfação de necessidades diárias dos seus clientes estes procuraram fornecedores alternativos. (48°)
- O A. foi perdendo clientes. (49°)
- O A. no final de 2001 encerrou o estabelecimento por não ter encomendas suficientes. (50°)
- Os proventos resultantes da actividade do estabelecimento acima descritos consubstanciavam a única fonte de rendimento do Autor e respectivo agregado. (51°)
- O Autor deixou de poder fazer face ás despesas diárias de alimentação e subsistência do agregado, dos compromissos assumidos com a aquisição de habitação, com a aquisição de veículo afecto ao seu comércio e com a aquisição de mercadorias. (52°)
- O Autor perspectivava atingir até ao final de 2004 um número de clientes não inferior a cinquenta. (53°)
- Era previsível que o lucro médio mensal resultante da sua actividade a partir de 2004 fosse de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). (54°)
- Cada cliente geraria um lucro médio mensal líquido de € 50,00 (cinquenta euros). (55°)
- O A. trabalhou como empregado de limpeza. (56°)
- Pelo facto de ter encerrado o seu estabelecimento comercial o Autor teve necessidade de recorrer à ajuda financeira de familiares e amigos. (57°)
- O Autor manter-se-ia activo naquelas funções até aos 45 anos. (60°)
- Durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho o Autor sentia angústia profunda, uma vez que dos proventos da sua actividade dependia não apenas a sua subsistência mas também a do seu agregado. (64°)
- O autor estava ciente que estava a ser destruído o seu plano de vida, no que tange à sua actividade profissional. (65°)
- O Autor tinha investido todo o seu empenhamento e economias na criação do seu estabelecimento. (66°)
- O Autor sentiu-se profundamente triste, revoltado e frustrado. (67°)
- O A. após a alta clínica ausentou-se para o estrangeiro. (68°)
- O Autor sentiu-se só e sentiu-se distante dos seus familiares. (69°)
- Nomeadamente do seu filho que muito sentiu a falta de carinho e afecto do pai. (70º)
- O estado de saúde da sua esposa agravou-se com a sua ausência. (71°)
- O que aumentou o sentimento de angústia do Autor. (72°)
- O filho do A. teve problemas psicológicos. (73°)
- O A. sofreu dores durante o período de convalescença. (75°)
- O referido nas respostas dadas aos arts. 41°, 45°, 48°, 49°, 50°, 52°, 57°, 64°, 65° e 67° resultou da inactividade do A. (76°)
- O 2° Réu celebrou com a Companhia de Seguros DD um contrato de prestação de serviços, mediante o qual se obrigou a tratar os doentes que aquela lhe enviasse para cirurgia. (77°)
- A 1ª Ré facultou ao 2° Réu as suas instalações e o equipamento e o pessoal não médico ou de enfermagem para que a intervenção pudesse ser realizada. (78°)
- Foi efectuada ao autor a sutura e plastia cirúrgica do tendão supra espinhoso e da coifa dos rotadores à esquerda. (83°)
- A equipa cirúrgica foi composta por dois cirurgiões, o 2° Réu e o Dr. ..., médicos da especialidade de ortopedia e ainda por uma médica anestesista, a Sr.ª Dr.ª .... (84º)
- Participou no acto, como instrumentista, a Srª Enfermeira Maria ..... (85°)
- A participação de um enfermeiro instrumentista não é necessária em cirurgias simples, sendo necessária no tipo de intervenção a que o A. foi sujeito. (86°)
- Uma vez que assim se faz o controlo rigoroso dos ferros e consumíveis cirúrgicos e se diminui o tempo de exposição da ferida operatória e o risco de complicações pós cirúrgicas, nomeadamente infecciosas. (88°)
- A Srª Enfermeira instrumentista procedeu ao controlo, por contagem, dos ferros, das compressas, das agulhas, das lâminas de bisturi e dos fios de sutura utilizados. (89°)
- Nem durante a realização da cirurgia, nem no final, foi verificada qualquer anomalia nas diversas contagens que tiveram lugar. (90°)
- Na técnica cirúrgica que se realizou foi necessário utilizar material sintético. (91°)
- Foram utilizados fios de sutura de PDS e vicryl. (92°)
- O material sintético utilizado destinou-se a suturar e a reforçar e preencher as lesões tendinosas existentes, dos tendões do supra espinhoso e da coifa dos rotadores do ombro esquerdo. (93°)
- Os fios de sutura podem originar fenómenos de intolerância ou mesmo de rejeição. (94°)
- Tais fenómenos podem dar lugar a respostas inflamatórias. (95°)
- Podem originar o aparecimento de um ou vários granulomas de corpo estranho. (96°)
- No tipo de intervenção que se realizou a infecção é uma das complicações possíveis. (97°)
- Surgindo uma complicação infecciosa pós-cirúrgica, com formações granulomatosas de corpo estranho, o tratamento recomendado é cirúrgico. (98°)
- Foi requerido um exame ecográfico do ombro esquerdo. (105°)
- A situação referida na al. G) dos factos assentes pode acontecer após a realização de uma cirurgia como a que o A. foi submetido. (107°)
- Em Setembro de 2001 o A. foi visto pelo 2° Réu. (110°)
- O A. foi transferido para os serviços clínicos da seguradora DD. (115°)
- Em face da ressonância magnética foi decidida a realização da cirurgia para remoção do granuloma. (117°)
3. Sendo as conclusões formuladas pelo recorrente nas respectivas alegações que delimitam o âmbito do recurso - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil -, as questões suscitadas pelo R. e que se extraem das suas longas conclusões reconduzem-se à responsabilidade civil por acto médico, importando apurar se não impende sobre o médico ora recorrente a obrigação de indemnizar por não ter actuado com culpa, e bem ainda se não existem danos patrimoniais e não patrimoniais a reparar.
3. 1. É consabido que a responsabilidade civil pode assumir tanto a modalidade de responsabilidade contratual, quando provém da “falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei”, como a modalidade de responsabilidade extracontratual, também designada de delitual ou aquiliana, quando resulta da “violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem” - cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Edição, pág. 519.
Também a responsabilidade civil médica pode apresentar - e será, porventura, a situação mais frequente - natureza contratual, assentando na existência de um contrato de prestação de serviço, tipificado no art. 1154º do Código Civil, celebrado entre o médico e o paciente, e advindo a mesma do incumprimento ou cumprimento defeituoso do serviço médico. Mas também pode apresentar natureza extracontratual, prima facie quando não há contrato e houve violação de um direito subjectivo, podendo ainda a actuação do médico ser causa simultânea das duas apontadas modalidades de responsabilidade civil.
A responsabilidade civil extracontratual está prevista nos arts. 483º e segs. do Código Civil, sendo a contratual tratada nos arts. 798º e segs. do mesmo diploma. De harmonia com o disposto no nº 1 daquele primeiro preceito legal, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, dispondo o citado art. 798º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
São os mesmos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, provenha ela de um facto ilícito ou de um contrato, a saber: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A responsabilidade civil, em qualquer dos casos, assenta na culpa, a qual é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, conforme preceitua o nº 2 do art. 487º, aplicável à responsabilidade contratual ex vi nº 2 do art. 799º, ambos do Código Civil.
No que se refere à responsabilidade civil do médico, “atender-se-á ao sujeito suficientemente dotado de conhecimentos, experiência e capacidade. Ele deve estar para os outros profissionais como o bom pai de família para a sociedade indiferenciada” - cfr. Moitinho de Almeida, in “A responsabilidade civil do médico e o seu seguro”, Scientia Jvridica, Tomo XXI - nº 116/117, pág. 332.
O médico, como ensina João Álvaro Dias, “deve actuar de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo”, exigindo-se-lhe “que actue com aquele grau de cuidado e competência que é razoável esperar de um profissional do mesmo «ofício» (especialista ou não especialista), agindo em semelhantes circunstâncias” - cfr. “Culpa médica: algumas ideias-força”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano IV, nº 5, págs. 21 e 23.
No presente recurso, está em causa saber se ao médico ora recorrente deve ser imputada responsabilidade pelo facto de na intervenção cirúrgica aludida nos autos e por si efectuada ter sido deixada uma compressa no interior do corpo do A..
Resulta da factualidade assente que: a reparação dos danos causados pelo acidente de trabalho de que o A. foi vítima encontrava-se abrangida por um contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a companhia de seguros “DD”, a quem o A. participou esse acidente; por indicação da companhia de seguros, o A. foi submetido a intervenção cirúrgica no Hospital ....; essa intervenção foi executada pelo R. ora recorrente; e este é médico, na especialidade de ortopedia, desenvolvendo a sua actividade de médico ortopedista naquele Hospital, em regime de prestação de serviços.
Nesta conformidade, tendo o R. actuado no âmbito de um contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos - previsto no art. 1154º do Código Civil - que mantinha com a seguradora do A. e que a intervenção cirúrgica ora em causa ocorreu por indicação dessa seguradora, contrariamente à conclusão a que chegou o Tribunal da Relação, estamos no domínio da responsabilidade civil contratual, sendo ainda certo que, tal como refere o Tribunal de 1ª instância, “a partir do momento em que o Réu decide intervencionar o A. e este aceita tal intervenção, estabelece-se, ao menos tacitamente, um contrato de prestação de serviços entre ambos”.
Se na responsabilidade civil extracontratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (cfr. nº 1 do sobredito art. 487º), já quanto à responsabilidade civil contratual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (cfr. nº 1 do sobredito art. 799º).
Assentemos, pois, que in casu a responsabilidade médica é de natureza contratual e que o A. logrou provar, como lhe competia - cfr. nº 1 do art. 342º do Código Civil -, o cumprimento defeituoso, a saber, ter o R. na intervenção cirúrgica que efectuou deixado uma compressa no interior do corpo do A..
Nos termos do art. 798º do Código Civil, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, estabelecendo o nº 1 do supracitado art. 799º uma presunção legal de culpa do devedor, a qual pode ser ilidida mediante prova em contrário - cfr. nº 2 do art. 350º do Código Civil.
Vejamos, então, se o R. ora recorrente logrou provar que não agiu com culpa.
Recorta-se da matéria de facto provada que, no dia 27 de Junho de 2001, o A. sofreu rotura traumática (parcial) da coifa dos rotadores, ao nível do ombro esquerdo, em consequência de um acidente abrangido por um contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo, por indicação da respectiva seguradora, o A., em 3 de Agosto de 2001, sido submetido a intervenção cirúrgica no Hospital ...., efectuada pelo R. ora recorrente, que é médico, na especialidade de ortopedia. No acto dessa intervenção cirúrgica, foi deixada na zona intervencionada uma compressa, o que causou ao A., como consequência directa e necessária, uma infecção ao nível do ombro esquerdo que se manifestou sob a forma de granuloma e compressão subacromial (ou seja, ao nível da parte terminal da omoplata, onde se articula a clavícula), tendo o A., após várias observações e tratamentos, sido internado nos serviços de cirurgia do Hospital CC e aí sido submetido, em 7 de Novembro de 2001, a uma intervenção cirúrgica, na qual lhe foi retirada a compressa.
Como ensina o Professor Antunes Varela, “para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. Não basta reconhecer que ele procedeu objectivamente mal. É preciso, nos termos do art. 483º, que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” - ibidem, pág. 562.
Citando o Professor João Álvaro Dias, “os médicos estão obrigados para com os seus doentes, quer pelos específicos deveres que resultam do contrato entre eles celebrado quer de um genérico dever de cuidado e tratamento que a própria deontologia profissional lhes impõe. Espera-se dos médicos, enquanto profissionais, que dêem provas de um razoável e meridiano grau de perícia e competência (…) Sempre que tal perícia e cuidado não são postos em prática, em termos de ser prestado um tratamento errado ou ser omitido o tratamento adequado, estamos perante uma actuação negligente” - ibidem, pág. 30.
Na verdade, o médico deve exercer a sua profissão com o maior respeito pelo direito à Saúde dos doentes e da comunidade, deve ter sempre um comportamento profissional adequado à dignidade da sua profissão, obrigando-se, quando aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente, à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a Saúde, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida, no pleno respeito pela dignidade do ser humano - cfr. arts. 6º, nº 1, 12º e 26º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos.
Ora, o esquecimento de compressas ou de instrumentos utilizados na cirurgia dentro do corpo do doente tem sido considerado como a omissão de um dever de diligência. A negligência consiste em deixar de fazer o que as legis artis impunham que fosse feito ou em deixar de actuar de acordo com aquele grau de cuidado e competência que seria de esperar de um médico da mesma especialidade, actuando nas mesmas condições. E no caso sub judice o R. ora recorrente tinha o dever de não suturar o A. sem previamente se certificar que na zona da intervenção cirúrgica não deixava qualquer corpo estranho, nomeadamente, uma compressa.
É verdade que se provou que, na intervenção cirúrgica a que o A. foi submetido em 3 de Agosto de 2001, participou, como instrumentista, a enfermeira Maria ...., participação que, não sendo necessária em cirurgias simples, era necessária no tipo de intervenção a que o A. foi sujeito, uma vez que assim se faz o controlo rigoroso dos ferros e consumíveis cirúrgicos e se diminui o tempo de exposição da ferida operatória e o risco de complicações pós cirúrgicas, nomeadamente infecciosas. E mais se provou que aquela enfermeira instrumentista procedeu ao controlo, por contagem, dos ferros, das compressas, das agulhas, das lâminas de bisturi e dos fios de sutura utilizados e que, nem durante a realização da cirurgia, nem no final, foi verificada qualquer anomalia nas diversas contagens que tiveram lugar. Porém, tais factos, como bem se afirma no acórdão recorrido, “de modo algum podem levar à conclusão de que não existiu negligência médica por parte do R. médico, sendo de todo inaceitável a afirmação de que ao R. Rui Caro de Sousa não era exigível que admitisse ter ficado qualquer compressa no corpo do A.”.
Para além da participação da referida enfermeira, a equipa cirúrgica era composta pelo R., um outro médico da especialidade de ortopedia e uma médica anestesista, sendo tal equipa coordenada pelo primeiro que a chefiou e que, como tal, deve ser responsável também pelos actos culposos cometidos por qualquer elemento da equipa que dirige, pois se recebe os benefícios da actividade de quem o coadjuva e auxilia, deve também arcar com os prejuízos que da mesma possam advir - ­ubi commoda ibi incommoda.
Se a enfermeira instrumentista que participou na intervenção cirúrgica, na tarefa que lhe compete de fazer o controlo rigoroso dos ferros e consumíveis cirúrgicos, procedeu à contagem das compressas utilizadas e não verificou qualquer anomalia nas diversas contagens que tiveram lugar, quando é certo que uma dessas compressas ficara no corpo do A., poderá a mesma ser responsabilizada pela eventual falta por si cometida.
Foi, no entanto, o R. ora recorrente que, terminando a cirurgia, suturou a zona operada e não cuidou, como podia e devia, de verificar se aí ficava algum corpo estranho.
Concordamos, pois, com o acórdão recorrido quando nele se afirma que “aceitar o entendimento plasmado na douta sentença recorrida de que a responsabilidade pelo facto de ter sido deixada uma compressa no corpo do A. era da enfermeira instrumentista, seria o mesmo que sufragar o entendimento de que o médico operador não estava obrigado a retirar essa mesma compressa. A enfermeira instrumentista desempenha uma papel coadjuvante no acto da intervenção cirúrgica, considerada em toda a sua globalidade, e se é verdade que, in casu, existe responsabilidade pelo não cumprimento integral das suas funções, o mesmo deverá ser dito do R. já que, em primeira linha, cumpria-lhe verificar se nenhuma anomalia se verificava no decurso da operação do A., nomeadamente, se por si havia sido deixado qualquer objecto no corpo do paciente”.
De resto, sempre o R. seria responsável perante o A. pelos actos daquela enfermeira, nos termos do nº 1 do art. 800º do Código Civil, de harmonia com o qual “o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”, sendo certo, porém, que a circunstância de ter participado, como instrumentista, uma enfermeira na intervenção cirúrgica e de não ter sido verificada qualquer anomalia nas diversas contagens que, durante ela e no seu final, tiveram lugar, não deixa de se reflectir no grau de culpabilidade do R., reduzindo-o e relevando para efeitos de determinação do quantitativo da indemnização, nos termos do art. 494º do Código Civil. Com efeito, é manifestamente evidente que a culpa seria mais grave, exigindo-se ao médico maior cuidado e prudência, quer no caso da não participação na cirurgia de um instrumentista, quer no caso de detecção por este de uma qualquer anomalia nas contagens dos ferros ou dos consumíveis cirúrgicos.
Em suma, não tendo lograr ilidir a presunção legal de culpa no defeito verificado, impende sobre o recorrente a obrigação de indemnizar, improcedendo todas as conclusões da alegação respeitantes à inexistência de culpa do recorrente.
3. 2. Vejamos agora a questão colocada pelo recorrente que se prende com os danos a reparar, que ele sustenta não existirem, nem patrimoniais nem não patrimoniais.
O princípio geral que preside à obrigação de indemnizar - consagrado no art. 562º do Código Civil - é o da reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, estabelecendo-se no art. 564º do mesmo diploma legal que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (cfr. nº 1) e que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros indemnizáveis, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior” (cfr. nº 2).
Aquela regra da reconstituição natural sofre a excepção prevista no nº 1 do art. 566º do Código Civil, de harmonia com a qual sempre que a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro, tendo então como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, julgando o tribunal equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, se não puder ser averiguado o valor exacto do danos (cfr. nºs 2 e 3 do referido art. 566º).
Como ensina o Professor Pessoa Jorge, “uma classificação, muito antiga e generalizada, distingue o damnum emergens do lucrum cessans: enquanto o primeiro constitui uma diminuição efectiva do património, o segundo representa o não aumento deste, ou seja, a frustração de um ganho”, achando-se a mesma enunciada, “embora em termos pouco felizes”, no nº 1 do sobredito art. 564º. Sendo indemnizáveis os lucros cessantes, designadamente os danos futuros, desde que previsíveis e desde logo determináveis, pressupõe o lucro cessante que “o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho” - cfr. “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 377 e 378.
Um dos pressupostos de que depende o dever de reparação resultante da responsabilidade civil, tanto contratual como extracontratual, consiste na existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que este resulta daquele. Assim, dispõe o art. 563º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Como afirma o Professor Mário Júlio de Almeida Costa, “não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos (art. 563º). O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar” - cfr. “Direito das Obrigações”, 10ª Edição Reelaborada, pág. 605.
O sobredito art. 563º consagrou a teoria da causalidade adequada. Citando o Acórdão de 24 de Maio de 2005, proferido na Revista nº 1333/05, “o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que, segundo a teoria da causalidade adequada, para que um facto seja causa de um dano, é necessário, antes de mais, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado (nexo naturalístico) e, depois, que em abstracto e em geral seja causa apropriada para produzir o dano (nexo de adequação). Se o nexo da causalidade constitui, no plano naturalístico, matéria de facto que às instâncias cumpre averiguar, já o nexo de adequação é matéria de direito, onde o Supremo pode intervir, pois respeita à interpretação e aplicação daquele art. 563º (…) Assim, no nexo da causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso ao evento que lhe está subjacente. A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva (mais restrita) e uma formulação negativa (mais ampla). Por mais criteriosa, deve reputar-se adoptada na nossa lei a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto” - in www.dgsi.pt.
Na sentença proferida na 1ª instância considerou-se estar assente o nexo de causalidade entre os danos ocasionados no A. e a intervenção cirúrgica efectuada pelo Réu, perante o que resultou provado nas respostas dadas aos arts. 26° e 27° da base instrutória, das quais consta que “no acto da intervenção cirúrgica a que o A. foi submetido em 3/8/01 foi deixada na zona intervencionada uma compressa” e que “a referida compressa causou directa e necessariamente ao A. uma infecção ao nível do ombro esquerdo que se manifestou sob a forma de granuloma e compressão subacromial (ou seja ao nível da parte terminal da omoplata, onde se articula a clavícula)”.
Da factualidade assente resulta que, após várias observações e uma ressonância magnética, em 7 de Novembro de 2001, para lhe ser retirada a dita compressa, o A. foi submetido a uma 2ª intervenção cirúrgica, que após esta intervenção se seguiu um internamento em recobro pós-operatório até ao dia 21 daquele mês de Novembro, um período de convalescença pós-operatória com frequência de consultas para acompanhamento médico e sujeição a tratamento fisiátrico, vindo o A. a ter alta clínica em 3 de Junho de 2002, e que, em consequência da 1ª intervenção cirúrgica, o A. esteve inactivo durante nove meses, sendo que o período de convalescença médio de uma intervenção cirúrgica de cariz semelhante àquela, sem a verificação de quaisquer complicações, é de cerca de dois meses.
Por consequência, foi de apenas sete meses o período de inactividade do A. causado pela complicação resultante do facto de ter sido deixado no seu corpo uma compressa, já que os restantes dois meses seriam o período médio de convalescença relativamente à 1ª intervenção cirúrgica, caso não tivesse ocorrido qualquer complicação.
Ora, o A. era proprietário de um estabelecimento de panificação, sendo ele quem procedia à preparação, fabrico e distribuição de todos os produtos de pastelaria e panificação que comercializava, sendo que durante o supracitado período de tempo não pôde confeccionar e preparar os produtos que vendia no seu estabelecimento comercial nem conduzir o seu veículo de distribuição porta a porta.
O facto ilícito praticado pelo R. ora recorrente foi condição sine qua non da inactividade do A. durante o referido período de sete meses, existindo entre ambos o necessário nexo causal (naturalístico). E, por outro lado, tal facto deve considerar-se, em abstracto, causa da inactividade do A. durante tal lapso de tempo - durante o qual não pôde confeccionar e preparar os produtos que vendia no seu estabelecimento comercial nem conduzir o seu veículo de distribuição porta a porta -, constituindo essa inactividade uma consequência normal, típica, provável do facto e não se vislumbrando que para a mesma tivessem contribuído quaisquer circunstâncias anormais, atípicas e imprevisíveis (nexo de adequação).
Como refere o Professor Antunes Varela, “só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuita ou excepcionais (que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano” - ibidem, pág. 894.
Estamos, pois, perante um dano patrimonial (lucro cessante), relativamente ao qual é inquestionável o nexo de causalidade adequada entre ele e o facto ilícito, carecendo de reparação.
Para o cálculo do respectivo montante há que ter em conta que os proventos resultantes da actividade do citado estabelecimento consubstanciavam a única fonte de rendimento do A. e respectivo agregado, que o A. tinha iniciado a sua actividade comercial cerca de dezoito meses antes da 1ª intervenção cirúrgica, que na data desta intervenção o A. se encontrava na fase de angariação de clientela e fidelização dos clientes que já possuía em carteira e que no ano fiscal de 2000 o A. participou rendimentos de € 27.256,22 e no ano fiscal de 2001 de € 6.787,29.
Sendo certo que os rendimentos participados durante o ano de 2001 não abrangem a totalidade do ano, pois a actividade comercial do A. cessou com a ocorrência do acidente de trabalho que levou à intervenção cirúrgica efectuada pelo ora recorrente, considerando o valor dos rendimentos participados no ano fiscal de 2000 e na impossibilidade de apurar o valor exacto dos danos, fixam-se equitativamente em € 17.500,00 os danos patrimoniais respeitantes ao período de sete meses de inactividade do A. ora recorrido.
Relativamente aos restantes danos patrimoniais (lucros cessantes) considerados pelo Tribunal da Relação respeitantes ao encerramento do estabelecimento e resultantes da perda de ganhos futuros calculados até aos 45 anos de idade, assiste inteira razão ao R. ora recorrente.
Com efeito, da factualidade assente não resulta o necessário nexo de causalidade entre aqueles danos e o facto ilícito ora em causa, não sendo possível concluir que o A. provavelmente não teria sofrido esses danos se não fosse a lesão.
Refira-se desde já que não se provou que, como consequência do facto ilícito imputado ao R. ora recorrente, o A. tivesse ficado com qualquer sequela permanente, nomeadamente, impossibilitado, ainda que parcialmente, de prosseguir a actividade empresarial no seu estabelecimento de panificação ou de conseguir outra actividade que lhe permitisse obter um rendimento idêntico ao que havia auferido durante o período em que exerceu a sua actividade naquele estabelecimento. Na verdade, o A. passou a sofrer de uma incapacidade permanente de 9,84%, que, porém, resultou apenas do acidente de trabalho, e não da complicação surgida com a compressa deixada no seu corpo aquando da intervenção cirúrgica a que aquele deu causa e sendo que, por tal incapacidade, lhe foi paga uma indemnização de € 7.437,85 no âmbito do processo de acidente de trabalho que, com o nº 269/2002, correu termos no Tribunal de Trabalho de Portimão.
No que tange ao encerramento do estabelecimento, não está demonstrada qualquer relação de tipo causal com o facto ilícito, não sendo possível concluir que aquele não teria ocorrido se este não se tivesse verificado. Não está provado que, após ter tido alta clínica, findo o período de inactividade - inicial de dois meses e acrescido de sete meses -, o A. não tivesse podido manter o seu estabelecimento em actividade, como se infere das respostas restritivas dadas aos arts. 49º e 50º da base instrutória.
Sendo assim, por inexistência do indispensável nexo causal, inexistem quaisquer danos futuros a indemnizar.
Aliás, o acórdão recorrido nada refere quanto ao requisito do nexo causal entre o facto ilícito praticado pelo recorrente e os supracitados danos patrimoniais, de que dependia a respectiva obrigação de indemnizar, sendo que na sentença que fora objecto de apelação apenas se considerou como assente o nexo de causalidade entre o facto de na intervenção cirúrgica a que o A. foi submetido ter sido deixada na zona intervencionada uma compressa e a infecção ao nível do ombro esquerdo que se manifestou sob a forma de granuloma e compressão subacromial (respostas aos arts. 26º e 27º da base instrutória).
É certo que se provou que “o referido nas respostas dadas aos arts. 41°, 45°, 48°, 49°, 50°, 52°, 57°, 64°, 65° e 67° resultou da inactividade do A.”, conforme resposta dada ao art. 76° da base instrutória, inactividade essa que, como deixámos dito, na parte referente ao período de sete meses, foi consequência necessária da complicação resultante do facto de ter sido deixada uma compressa no corpo do A.
Recordemos tais respostas:
- Durante 9 meses o A. não pôde confeccionar e preparar os produtos que vendia no seu estabelecimento comercial e não pôde conduzir o seu veículo de distribuição porta a porta (41°);
- A mulher do A. não conseguia dar resposta às encomendas habituais dos clientes (45°);
- Tendo em conta que os produtos comercializados pelo autor (pão e bolos) visam a satisfação de necessidades diárias dos seus clientes estes procuraram fornecedores alternativos (48°);
- O A. foi perdendo clientes (49°);
- O A. no final de 2001 encerrou o estabelecimento por não ter encomendas suficientes (50°);
- O A. deixou de poder fazer face ás despesas diárias de alimentação e subsistência do agregado, dos compromissos assumidos com a aquisição de habitação, com a aquisição de veículo afecto ao seu comércio e com a aquisição de mercadorias (52°);
- Pelo facto de ter encerrado o seu estabelecimento comercial o A. teve necessidade de recorrer à ajuda financeira de familiares e amigos (57°);
- Durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho o A. sentia angústia profunda, uma vez que dos proventos da sua actividade dependia não apenas a sua subsistência mas também a do seu agregado (64°);
- O A. estava ciente que estava a ser destruído o seu plano de vida, no que tange à sua actividade profissional (65°); e
- O A. sentiu-se profundamente triste, revoltado e frustrado (67°).
A despeito de os factos referidos em tais respostas terem resultado da inactividade do A., ainda que se considere apenas o período de sete meses, os mesmos são manifestamente insuficientes para fundamentarem uma qualquer condenação por danos patrimoniais, seja pela perda da capacidade de ganho, seja por qualquer outro dano futuro, pois não ficou demonstrado o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito imputado ao R. ora recorrente e os pretensos danos futuros, não se apresentando naturalísticamente tal facto como condição sine qua non de tais danos.
Em suma, no que concerne aos danos patrimoniais, procedem parcialmente as conclusões da alegação.
Diferente sorte terão, todavia, tais conclusões na parte relativa aos danos não patrimoniais.
Estabelece o nº 1 do art. 496º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A lei não enumera tais danos, deixando ao critério do tribunal determinar, caso a caso, se esses danos são ou não merecedores de protecção jurídica, sendo que só serão indemnizáveis quando atingirem uma gravidade que os tornem dignos dessa protecção.
“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”, podendo “citar-se como possivelmente relevantes a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas (...), a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira”, mas já não justificam a indemnização por danos não patrimoniais “os simples incómodos ou contrariedades” - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª Edição, pág. 473.
À indemnização por danos não patrimoniais tem sido atribuída uma natureza acentuadamente mista. Segundo ensinamento do Professor Antunes Varela, “por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” - in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Edição, pág. 608.
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo às circunstâncias de cada caso, sua gravidade, grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado, como resulta do disposto no nº 3 do sobredito art. 496º e no art. 494º do Código Civil.
A forma de medir a gravidade do dano não patrimonial fica sempre, por conseguinte, dependente do prudente arbítrio do julgador, a quem se pede que avalie o quantum necessário para proporcionar ao lesado meios económicos que, de algum modo, o compensem da lesão sofrida.
Ora, os padecimentos sofridos pelo A., tanto os realçados no acórdão recorrido quanto os decorrentes da factualidade provada relativos à submissão do A. a várias observações médicas, a uma ecografia e a uma ressonância magnética que culminaram com a intervenção cirúrgica na qual lhe foi retirada a compressa, e bem ainda ao período de tempo de internamento em recobro pós-operatório, de convalescença pós-operatória com regular frequência do serviço de consultas externas do Hospital da Cuf para acompanhamento médico e com tratamento fisiátrico, merecem, sem dúvida e tal como entendeu o Tribunal da Relação, a tutela do direito.
Tudo visto e ponderado, nenhuma censura nos merece o valor fixado no acórdão ora sob censura para o valor dos danos não patrimoniais, o qual se mostra corresponder a uma adequada e equilibrada ponderação de todo o circunstancialismo do caso concreto.
4. Em face de todo o exposto, os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça decidem alterar nos termos sobreditos a modalidade da responsabilidade civil do Réu e conceder parcialmente a revista por ele pedida, alterando o aliás douto acórdão recorrido tão-somente quanto à indemnização por danos patrimoniais, que fixam em € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros).
Custas pelo Réu ora recorrente e pelo Autor, quer no Supremo, quer nas instâncias, na proporção do vencido.
Lisboa, 27 de Novembro de 2007

Rui Maurício (relator)
Azevedo Ramos
Silva Salazar