Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
033002
Nº Convencional: JSTJ00002642
Relator: ALBERTO NOGUEIRA
Descritores: ABANDONO DE CÔNJUGE
ALIMENTOS
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197101270330023
Data do Acordão: 01/27/1971
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS DE 1971/02/18, PÁG. 207 - BMJ N º 203, ANO 1971 PÁG 97
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 668 PARUNICO ARTIGO 669 PARUNICO.
CPC67 ARTIGO 763 N3 N4 ARTIGO 766 N3.
L 2053 DE 1952/03/22 ARTIGO 1 N2 N3.
D DE 1910/11/03 ARTIGO 29 ARTIGO 43.
D 1 DE 1910/12/25 ARTIGO 38 N3.
CCIV66 ARTIGO 9 N1.
CP886 ARTIGO 18.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1969/04/21.
ACÓRDÃO RC DE 1966/06/21.
Sumário :
O conjuge, a que alude o n. 2 do artigo 1, da Lei n. 2053, de 22 de Março de 1952, e, tambem, o conjuge divorciado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno:

Em conformidade com o disposto no artigo 669 do Codigo de Penal, o excelentissimo Procurador da Republica junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu extraordinariamente para o Tribunal Pleno do acordão de 21 de Abril de 1969, da mesma Relação, alegando que não admitia recurso ordinario para este Supremo Tribunal de Justiça e que esta em oposição com o da Relação de Coimbra, proferido em 21 de Junho de 1966.
Admitido o recurso, o excelentissimo Procurador da Republica junto da Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça, em observancia do disposto no n. 3 do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força do que prescrevem o paragrafo unico do artigo 669, e o paragrafo unico do artigo 668 do Codigo de Processo Penal, apresentou a alegação a folhas 19 verso, em ordem a mostrar que existe a invocada oposição entre os dois acordãos, juntos, por certidão, a folhas 6 e 16.
Por acordão da Secção Criminal, decidiu-se que se verificam os pressupostos legais relativos ao prosseguimento do recurso e consequente conhecimento pelo Tribunal Pleno - acordão a folhas 25.
Seguiu-se a apresentação da alegação de folhas 28, pelo magistrado do Ministerio Publico, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, em que doutamente se pronuncia no sentido de que se deve firmar assento que fixe a jurisprudencia conformemente o decidido pelo acordão recorrido, nos termos que formula.
Colhidos os "vistos" legais, cumpre decidir:
A questão preliminar relativa a existencia da oposição que serve de fundamento ao recurso, não deve considerar-se definitivamente resolvida, conforme nos diz o n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil.
Ha que começar por apreciar esta questão, e decidi-la:
A admissibilidade do recurso extraordinario regulado no artigo 669, citado, depende da existencia de acordão de uma Relação de que não possa interpor-se recurso ordinario para este Supremo Tribunal de Justiça e que esteja em oposição com outro, transitado em julgado, da mesma ou de outra Relação, sobre a mesma materia de direito, desde que apreciada no dominio da mesma legislação.
Ora, o acordão recorrido foi proferido no dia 21 de Abril de 1969 sobre recurso interposto em processo de policia correccional e por isso não admitia recurso ordinario - artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal. O acordão anterior, da Relação de Coimbra, foi proferido no dia 21 de Junho de 1966 sobre recurso interposto em processo de policia correccional, tambem, e que por isso tambem não admitia recurso ordinario. Ha que considerar este acordão transitado em julgado, uma vez que não houve qualquer oposição
- artigo 763, n. 4, do Codigo de Processo Civil. Em ambos os acordãos se decidiu a questão de saber se comete a infracção prevista no artigo 1, n. 2, da Lei n. 2053, de 22 de Março de 1952, o conjuge divorciado, judicialmente condenado a prestar alimentos ao outro, que deixar de cumprir, podendo faze-lo, essa obrigação por mais de 60 dias. E decidiram-na em sentido oposto: o acordão recorrido decidiu tal questão no sentido de que não ha infracção penal em tal hipotese; o acordão da Relação de Coimbra decidiu que, na mesma hipotese, ha infracção penal do indicado preceito. Basta o que fica enunciado em relação as duas decisões, para se verificar que existe oposição entre elas e no dominio da mesma legislação.
Sendo assim, temos que apreciar e decidir o conflito de jurisprudencia, em causa:
Ora, diz a Lei n. 2053, de 22 de Março de 1952, no n. 2, do seu artigo 1, que: "Incorrem na pena de prisão correccional, não remivel, ate seis meses:
Os condenados judicialmente a prestar alimentos ao seu conjuge que, podendo faze-lo, deixarem de cumprir essa obrigação por mais de sessenta dias". Como se ve por este preceito, nada permite que se diga que se exclui do conceito de "conjuge", o conjuge divorciado, para o efeito de poder considerar incurso na sanção indicada, aquele que for judicialmente condenado a prestar alimentos ao seu conjuge, e que, podendo faze-lo, deixar de cumprir essa obrigação por mais de sessenta dias. So se pode fazer tal afirmação esquecendo que a prestação de alimentos não cessa no caso de divorcio e separação de pessoas e bens, sendo mesmo este - o de os conjuges estarem divorciados ou separados - o caso em que o dever de alimentos assume mais importancia ou relevo pratico. E ate a lição dos Mestres, que e perfilhada, no geral, pelos tribunais, desde sempre, pois, embora so para efeitos de alimentos, se equiparam entre os conjuges, os divorciados e os separados de pessoas e bens, pois que, quanto aos divorciados, o artigo 29 do Decreto de 3 de Novembro de 1910, considera que, eles não são casados, mas ja o foram, e e esta circunstancia, esta particular relação que, apesar de tudo, ainda liga entre si as pessoas que ja foram casadas, que para a lei explica e justifica o dever de alimentos. O mesmo acontece com os separados de pessoas e bens - artigo 43 da Lei do Divorcio (Decreto de 3 de Novembro de 1910). O legislador penal serviu-se de um conceito que foi buscar ao direito civil - o de conjuge. Logo, tem de ser recebido com a amplitude que possui no direito civil. E, de qualquer modo, era licito recorrer a interpretação extensiva no dominio da tipicidade legal, neste caso em que a lei penal utilizou um conceito que foi buscar ao direito civil.
O Professor Doutor Eduardo Correia, em Direito Criminal, volume I, pagina 144, diz haver uma "limitação ao principio de exclusão da interpretação extensiva", que se refere "a utilização de conceitos normativos na descrição dos tipos legais de crimes". E que, diz o mesmo Professor, na obra citada, a paginas 145, "com efeito, empregando estes conceitos, renuncia a sua precisão, determinação fixa, puramente descritiva, do seu sentido, renuncia a fixar, ela propria, o seu exacto e rigoroso significado". "A lei criminal, quando utiliza conceitos de outros ramos de direito, quer naturalmente aceita-los e recebe-los com o sentido que eles possuem no ramo de direito a que pertencem.
E, por conseguinte, tem de aceitar os resultados a que se chegue pelos metodos de interpretação permitidos nesse ramo de direito".
E de citar, com o devido relevo, tambem, o notavel Curso de Direito de Familia, I - Direito Matrimonial -, do Professor Doutor Pereira Coelho, a paginas, sobretudo,
240 e 532, onde fomos colher a doutrina que ficou referida sobre a prestação de alimentos e obrigação de alimentos, artigos 29 do Decreto de 3 de Novembro de 1910, e 38, n. 3, do Decreto n. 1, de 25 de Dezembro de 1910. E quanto a infracção grave do dever de socorrer e ajudar o outro conjuge, diz o Professor Doutor Pereira Coelho, no mesmo lugar, a paginas 241: "E nos termos dos ns. 2 e 3 do artigo 1, da mesma Lei (n. 2 053) tambem constitui crime o facto de um dos conjuges, condenado judicialmente a prestar alimentos ao outro, não cumprir essa obrigação, podendo faze-lo, por mais de sessenta dias - n. 2 - ...". E isto vem logo a seguir ao dizer-se que, o caso de os conjuges estarem divorciados ou separados, e aquele em que o dever de alimentos assume mais importancia ou relevo pratico.
Assim, a doutrina sustentada no acordão da Relação de Lisboa, de 21 de Abril de 1969, e de rejeitar, e, por isso, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em decidir o conflito de jurisprudencia, formulando o seguinte assento:
"O conjuge, a que alude o n. 2, do artigo 1, da Lei n. 2 053, de 22 de Março de 1952, e, tambem, o conjuge divorciado".
Sem imposto de justiça.

Lisboa, 27, de Janeiro de 1971

Alberto Nogueira (Relator) - Albuquerque Rocha - Ludovico da Costa - Fernando Bernardes de Miranda - Adriano Vera Jardim - J. Santos Carvalho Junior - Eduardo Correia Guedes - Adriano Campos de Carvalho - Antonio Pedro Sameiro - Jose Antonio Fernandes - Manuel Falcão Nunes Garcia - João Moura (Vencido. Não tenho por certo que o conceito civilista de "conjuge" abranja o ex-conjuge; apenas em casos particulares a coincidencia se verifica. De todo o modo, não pode, a meu ver, reconhecer-se que a disposição legal interpretanda adoptou o conceito civilista de conjuge, tal como o acordão o enuncia, desde que pelo elemento historico se verifica ser intencional em sentido restrito ou literal da expressão "conjuge".
A discussão havida na Camara Corporativa e na Assembleia Nacional evidencia que houve o proposito de excluir os ex-conjuges da protecção penal do n. 2 do artigo
1 da Lei n. 2 053, e isto e primordial segundo o artigo 9-I do Codigo Civil. Nestes termos penso que a doutrina proposta ofende o artigo 18 do Codigo Penal).
Arala Chaves (Vencido pelas razões do voto precedente).