Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
608/06.0TBMGL.C2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA
PRIVAÇÃO DO USO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / GARANTIAS DAS OBRIGAÇÕES - DIREITOS REAIS / DIREITO DA PROPRIEDADE.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, 370/371.
- Francisco Manuel Pereira Coelho, O enriquecimento e o dano, 1999, 7/10.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 483.º, N.º1, 601.º, 623.º, 1305.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5/3/2011 E DE 22/1/2013, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 2/6/2009 E DE 15/11/2011, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade.

II Se a aqui Ré, antes da realização da diligência de penhora num processo executivo instaurado contra a aqui Autora, havia sido informada pelo respectivo gerente, que as máquinas pertenciam a esta e admitiu como possível a aludida situação face aos documentos que lhe foram apresentados, mas não desistiu da diligência, assumiu o risco decorrente da penhora com remoção, sendo-lhe imputável, a titulo de negligência grosseira, a violação do direito de propriedade da Autora sobre as máquinas penhoradas, de acordo com o disposto no artigo 483º, nº1 do CCivil.

III O que interessa para aferir da obrigação de indemnização por banda da Ré é o apuramento de que a sua actuação causou um dano à Autora, não tendo qualquer interesse, nesta sede, discutir se houve ou não lucro da sua parte, sendo certo que o prejuízo daquela se encontra suficientemente enunciado através da não utilização da máquina na sua indústria, posto que da mesma necessitava para laborar.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I G, LDA intentou acção com processo ordinário, contra M, SA e ESTADO PORTUGUÊS (Réu este que veio a ser absolvido da instância em sede de despacho saneador), peticionando a condenação dos Réus:

a) A reconhecerem a Autora como dona e legitima possuidora das máquinas penhoradas, abstendo-se de perturbar tal direito;

b) A pagarem solidariamente à Autora a quantia de €201.720, acrescida daquela que vier a ser liquidada nos termos articulados, bem assim de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento;

Ou, caso, assim não se entenda,

c) Ser a Ré M condenada a pagar à Autora a quantia de €201.720, bem como os acréscimos peticionados na alínea anterior;

Ou, caso, assim não se entenda,

d) Ser o Réu Estado Português condenado a pagar à Autora a quantia de €201.720, bem como os acréscimos peticionados na alínea anterior;

Para tanto, a Autora alega que no âmbito de uma dada execução que a Ré M instaurou contra G, Lda., foram indevidamente penhorados e removidos uma máquina escavadora e um martelo demolidor, bens estes de sua pertença que se encontravam nas suas instalações, em virtude de anteriormente os ter comprado à dita sociedade executada; disso a exequente foi informada e estava ciente no acto da penhora com remoção, sabendo que esta causaria prejuízos à Autora, cuja indemnização reclama, quer pela privação de uso e fruição da escavadora e martelo, quer pela desvalorização entretanto sofrida por este equipamento, tudo no montante global liquidado de € 201.720, acrescido de igual prejuízo, a liquidar oportunamente, enquanto perdurar aquela privação.

Contestou a Ré M, defendendo que a Autora nunca quis receber a máquina escavadora (e não também o martelo porque não deduziu embargos de terceiro relativamente a este), apesar de liminarmente ordenada a sua restituição provisória mediante prestação de caução no âmbito dos respectivos embargos de terceiro, assim fazendo perdurar o lucro cessante que agora reclama. Concluiu pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé em multa e indemnização, esta não inferior a € 7.500 a seu favor.

       

A Ré M apresentou articulado superveniente, invocando que a partir de 7 de Julho de 2006 os bens penhorados em causa deixaram de estar na disponibilidade daquela e do seu fiel depositário, independentemente do levantamento da penhora ordenado por despacho de 4 de Julho de 2006, passando a ficar apreendidos (em Fevereiro de 2007) à ordem da massa insolvente da G, Lda., nos autos de Insolvência nº000/06 do Tribunal Judicial de ….

Foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar a Ré M a reconhecer que a Autora é dona e legitima possuidora das máquinas penhoradas identificadas, abstendo-se de perturbar tal direito e a pagar à Autora a quantia de € 43.560 (quarenta e três mil, quinhentos e sessenta euros), com juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento e absolveu-se a Autora do pedido de condenação em multa e indemnização como litigante de má fé.

Inconformadas, Autora e Ré recorreram, tendo sido ambas as Apelações julgadas improcedentes.

De novo recorreram Autora e Ré, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

Da Ré:

- Resulta das concretas circunstâncias que ocorreram no momento em que teve lugar a diligência de penhora com remoção dos bens penhorados que a transacção invocada pelo legal representante da recorrida no momento não se afigurava credível, pelo que não tinha igualmente credibilidade a invocada propriedade da máquina.

- Com efeito, tendo o legal representante da recorrida conhecimento da existência da dívida e do penhor desde Dezembro de 2002, e sabendo também que nos meses subsequentes a máquina mantinha o ónus do penhor, pois a dívida continuava por liquidar, não era credível que tivesse comprado à executada G, Lda a máquina em referência.

- Por outro lado, resulta da alínea S dos factos assentes e das respostas dadas aos pontos 26 a 30 da base instrutória que os documentos que exibiu no momento da remoção, além de serem diversos da realidade, não ofereciam credibilidade, dado o seu caracter contraditório e equívoco, quer em termos de valores, quer de datas e meios de pagamento.

- Por consequência, não se afigurará como culposa, em qualquer das modalidades, a conduta da recorrente nos referidos autos de execução, antes resultando que a mesma agiu de acordo com o disposto nos arts. 831° nº1, 848° nº1, 2 e 3, 840° nº1 e 285º nº1 e 3 do C.P.Civil, na redacção ao tempo em vigor, dentro dos limites do legítimo de direito de acção que a constituição e a lei adjectiva lhe facultavam.

- Resulta ainda não ocorrer qualquer falta do dever objectivo de cuidado, tanto no aspecto objectivo como no subjectivo e concreto, inexistindo "culpa in agendo" ou abuso de direito de acção por parte da recorrente, antes devendo ser considerado que esta fez uso legítimo do disposto no art. 20° do C.R.P. e arts. 2° e 831º do C.P.Civil, na redacção do D.L. 38/2003 de 31/3, não estando assim reunidos os pressupostos que a façam incorrer na obrigação de indemnizar a tal título.

- Por outro lado, conforme resulta da resposta data ao ponto 17º da Base Instrutória, não logrou a recorrida provar quais os danos que em concreto decorreram da alegada privação da máquina, pois não logrou provar que tivesse trabalhos destinados para a mesma.

- Por consequência, inexistirá em absoluto qualquer obrigação indemnizatória por parte da Ré pois de facto não se provou a existência de qualquer prejuízo, o que é consentâneo com o tipo de bem em causa - máquina industrial - que não é passível de uso constante e indiferenciado como se de um veículo automóvel ligeiro se tratasse.

- Por outro lado, tendo resultado provado, por força da resposta dada ao ponto 40 da base instrutória, que a máquina esteve sempre imobilizada e sem qualquer tipo de utilização, não terá ocorrido qualquer enriquecimento da recorrente, uma vez que não a utilizou nem dela retirou qualquer proveito.

- Assim, sendo a medida do empobrecimento a medida do enriquecimento, e não tendo ocorrido este, não terá aplicação “in casu” o instituto do enriquecimento sem causa, pelo que carecerá de fundamento o arbitramento de qualquer montante indemnizatório a tal título.

- Conforme resulta da alínea L) dos factos assentes o Tribunal, no âmbito dos embargos em causa, determinou por despacho de 17 de Março de 2004, que não foi objecto de qualquer reclamação ou recurso, a restituição provisória à recorrida da máquina escavadora e martelo em causa, mediante a prestação de caução através de meio idóneo de valor equivalente à quantia exequenda.

- Por força da resposta negativa dada ao ponto 53 da base instrutória, corroborada com o largo acervo documental junto na fase instrutória, resultou provado, que a recorrida tinha oportunidade, possibilidade e meios para prestar a referida caução dentro do vasto leque que o permite o nº1 do art. 624° do CCivil

- Assim, ao não prestar tal caução, tendo meios, oportunidade e condições para o fazer, como desde logo resulta dos documentos de fls. 1098 a 1128 dos autos, a recorrida concorreu, com tal omissão, para o surgimento do dano cujo ressarcimento vem posteriormente a invocar.

- Por consequência, a entender-se que houve danos, existe culpa da recorrida na sua ocorrência, cuja indemnização vindica, a par de manifesto abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.

- Aplicou assim de forma indevida o douto acórdão o disposto nos arts. 473°, 479° e 483° do C.Civil, uma vez que não ocorreram os pressupostos subjacentes à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, nem os relativos à obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade extracontratual.

- A não se entender assim, sempre deveria o douto acórdão ter aplicado os arts. 570° nº1 e 334° do C.Civil, excluindo de todo qualquer obrigação indemnizatória por parte da recorrente.

Da Autora:

- Considerando os factos que o tribunal de 1ª instância elencou corroborados pelo Acórdão recorrido, nomeadamente o facto, provado, de que “durante o tempo que esteve em poder da Ré a referida máquina não sofreu qualquer utilização nem desgaste material”, o tribunal a quo concluiu que: “Quanto à pretensa desvalorização das máquinas importa dizer que a Autora não logrou demonstrar a sua ocorrência e menos ainda que a mesma fosse consequência da penhora com remoção, isto é, que essa alegada desvalorização nunca teria ocorrido se não fosse aquela diligência. O que temos como certo é que durante o tempo que estiveram em poder da Ré essas máquinas não sofreram qualquer utilização nem desgaste material, ao contrário do que sucederia se se mantivessem em poder da Autora, posto que sempre as utilizaria, como a própria reconhece, reclamando exactamente uma indemnização por essa privação de uso e fruição.”

- As máquinas dos autos estavam sujeitas ao devir do tempo, ao factor de degradação do tempo e ainda ao facto de neste decorrer dos anos terem estado imobilizadas e não utilizadas.

- São do conhecimento comum os factores de desvalorização de máquinas e outros veículos: a) - aparecimento de novos modelos, ainda que a máquina ou veículo seja guardado em condições ideais; b) - a imobilização ou excessivo não uso; c) - degradação do mercado de máquinas ou outros veículos usadas; d) - o decurso do tempo não favorece a conservação de uma máquina ou outro veículo.

- Portanto, não são só o uso, utilização e desgaste conduzem ao processo de desvalorização (monetário e comercial) de máquinas escavadoras e respectivos martelos, como os dos autos, e de outras máquinas e veículos.

- Assim, o decurso do tempo e o facto de as máquinas em causa terem estado imobilizadas durante todo o tempo decorrido desde a data da penhora e até à sua restituição à autora/recorrente, e não terem sofrido qualquer utilização ou desgaste material, constituem só por si factores, conhecidos e decorrentes da experiência comum, de desvalorização das mesmas.

- A desvalorização (monetária e comercial) das máquinas dos autos, pelo decurso do tempo, consubstancia um dado adquirido pela experiência comum e que deveria ter sido considerado pelo tribunal a quo.

- Da resposta que foi dada pelo tribunal 1ª instância aos quesitos 22º, 23º, 39º e 40º da base instrutória, só pode resultar que para aquela concretização da desvalorização das máquinas era necessário determinar o valor das mesmas à data da penhora e o seu valor à data da sua restituição à autora/recorrente ou pelo menos o seu valor reportado à data até à qual ainda era possível imputar à ré a indisponibilidade dos bens penhorados por parte da autora/recorrente, e a diferença entre tais valores dar-nos-ia a medida da desvalorização.

- Entendeu o tribunal de 1ª instância que (como resulta da resposta ao quesito 39º da base instrutória) à data da penhora a máquina valia quantia não concretamente apurada. Saliente-se que tal resposta dada àquele quesito encontra-se em dissonância com a resposta (de não provado) dado ao quesito 22º da base instrutória.

- Dizem-nos as regras da experiência comum que as máquinas em causa, adquiridas pela autora/recorrente, valeriam determinada quantia monetária à data da penhora. Que quantia seria essa, é facto que não foi possível apurar nos autos, como resulta da resposta aos quesitos constantes da base instrutória.

- Conclui-se, pela mesma ordem de ideias e raciocínio e tendo em conta o referido supra, que, volvidos vários anos, tendo em conta as regras da experiência comum, tais máquinas valeriam também determinada quantia de acordo com o tempo decorrido e ainda de acordo com o facto de terem permanecido imobilizadas sem utilização, pelo que, fazendo apelo às regras da experiência comum, não se tendo conseguido apurar as exactas quantias que valeriam as máquinas em causa, quer numa quer noutra altura, teria o tribunal a quo, de acordo com a resposta dada ao quesito 39º da base instrutória e porque assim o impunham as regras da experiência comum, repete-se, que ter concluído nos quesitos 22º e 23º da base instrutória que: à data da penhora a máquina e o martelo valiam quantia não concretamente apurada e volvidos vários anos até à sua restituição à autora ou no limite até à data até à qual ainda era possível imputar à ré a indisponibilidade dos bens penhorados por parte da autora/recorrente, valiam quantia não concretamente apurada.

- E, assim decidindo, demonstrando-se a existência daquele direito (desvalorização) com expressão quantitativa, mas não se tendo conseguido apurar elementos para fixar o respectivo montante, tal fixação pode e deveria ter sido relegada para execução de sentença, o que se requer seja agora decidido e determinado.

- Violou o tribunal a quo os artigos 661º, n.º 2 do CPC, 565º e 566º, n.º 3 do C.C.

- Concluiu o tribunal 1ª instância, para a determinação da indemnização a atribuir quanto ao dano de privação de uso, que a indisponibilidade dos bens penhorados por parte da autora/recorrente apenas é imputável à ré/recorrida desde a sua penhora com remoção em 23.09.2003 até fim de Junho/início de Julho de 2006.

- Contudo, tendo sido proferida a sentença de procedência dos embargos de terceiro em 30.06.2006 (da qual foram interpostos recursos pela ré/recorrida) e tendo logo de seguida sido decretada a insolvência da G, Lda., em 07.07.2006 e sido a máquina apreendida à ordem de tal insolvência, não era exigível à autora/recorrente exigir a restituição da máquina sem obter uma decisão definitiva e não provisória quanto à sentença dos embargos, tanto mais que só esse trânsito em julgado é que lhe permitiria agir com legitimidade no processo de insolvência, no sentido de aí pedir a restituição da máquina em causa!

- E tendo a ré/recorrida insistido em apresentar sucessivos recursos da sentença de procedência dos embargos de terceiro, a qual só veio a transitar em julgado com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.2007, no limite sempre deveria o tribunal a quo ter considerado que até esta data sempre era imputável a ela a indisponibilidade da máquina por parte da autora/recorrente, e, consequentemente, ter atribuído uma indemnização conforme pela privação de uso da mesma, o que se requer seja ora decidido e determinado, e esta consideração deverá valer também para o critério de apuramento do valor da desvalorização.

Contra alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso da Autora.

II Põem-se como problemas a resolver no âmbito dos recursos interpostos os de saber: i) se a Ré agiu com culpa aquando da nomeação dos bens à penhora; ii) se há lugar à indemnização da Autora por via da privação do uso da máquina penhorada; iii) se concomitantemente com aquela indemnização, caso haja lugar à mesma, se deverá indemnizar a Autora pela desvalorização da máquina retro escavadora uma vez que a mesma esteve sem qualquer uso em poder da Ré.

As instâncias deram como assentes os seguintes factos:

- A Ré é uma sociedade comercial anónima que tem por objecto e se dedica efectivamente, com carácter lucrativo, à comercialização e reparação de veículos, máquinas e peças.(alínea A))

- Por sentença de 07/07/2006, transitada em julgado em 10/08/2006, proferida nos autos de Insolvência de pessoa colectiva nº000/06 que correu termos pelo Tribunal Judicial de …, notificada à Ré no âmbito dos autos de Execução Ordinária nº111/03, do 3º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da …, em 25/10/2006, foi declarada a insolvência da pessoa colectiva G, Lda., executada nestes últimos autos, à ordem dos quais a máquina escavadora identificada em D) esteve penhorada até 04/07/2006. (alínea AA))

- Sentença que determinou, entre outros, nos termos do disposto no nº1 do art. 150 do CIRE, a apreensão imediata dos bens em referência. (alínea BB))

- Apreensão que viria a ser formalizada em Fevereiro de 2007 pelo Administrador de Insolvência. (alínea CC))

- A G, Lda., tinha por objecto e dedicava-se efectivamente, com carácter lucrativo, à construção civil e obras públicas. (alínea B))

- No pretérito dia 23.09.2003, foi levada a cabo, pelo Tribunal Judicial da Comarca de …, uma diligência de penhora com remoção proveniente da Execução que corre seus termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da … sob o n.º 111/03. (alínea C))

- Tendo sido penhoradas as seguintes máquinas:

- Escavadora hidráulica, com dois baldes, marca Samsung, modelo SE 280 LC, 2ª série HBY, com o n.º de motor 21275087;

- Martelo demolidor, marca Atlas Copco, modelo HBC 4000 HD, n.º 000519. (alínea D))

- A referida execução foi instaurada pela Ré contra a G, Lda., para obtenção de um alegado crédito que aquela detinha sobre esta, no montante de €43.115,12, conforme certidão do requerimento executivo de fls.32-45. (alínea E))

- As referidas máquinas encontravam-se nas instalações da sede da autora, na cidade de …; (alínea F))

- Foram removidas dessas instalações, na sequência da referida diligência; (alínea G))

- Levadas para a sede da Ré, por esta. (alínea H))

- A G, Lda., em 11.12.2002, emitiu e enviou à autora a sua factura n.º 20053. (alínea I))

- Tendo a G, Lda., emitido e enviado o seu recibo n.º20027, documentos contabilísticos com valores diversos dos reais. (alínea J))

- No âmbito dos autos de embargos de terceiro nº111/03-A que correram termos pelo 3º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da …, foi determinado por despacho judicial datado de 11 de Março de 2004, que não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso, a restituição provisória à A. da máquina Escavadora Hidráulica marca Samsung, modelo SE 280Lc 2ª série IBY 2664 como nº de motor

21275087, condicionando tal restituição à prestação de caução, através de meio idóneo, de montante equivalente à quantia exequenda. (alínea L))

- Em 20 de Dezembro de 2002, a ré M, S.A. remeteu à embargante uma carta registada com aviso de recepção na qual lhe deu conhecimento que a máquina Samsung e o martelo se encontravam onerados com um penhor mercantil a seu favor, a qual foi recebida pelo sócio gerente da embargante em 24/12/2002. (alínea M))

- Em 8/01/2003, o representante da embargante, S T, deslocou-se pessoalmente à sede da Ré, sita na …, onde, por intermédio do seu então legal representante L P e por um funcionário seu de nome A A lhe foi exibido o documento que titulava o penhor mercantil e confirmado o montante da divida da executada G, Lda., para com a Ré. (alínea N))

- Em meados de Janeiro e Fevereiro de 2003 o legal representante da A. telefonou por diversas vezes para a sede da Ré para saber se a executada G, Lda., já tinha efectuado o pagamento da sua dívida para com a Ré, ao que esta lhe respondeu negativamente. (alínea O))

- Em 11.12.2002, a G, Lda., vendeu à autora e esta comprou-lhe as máquinas referidas em D). (alínea P))

- Tendo ajustado o preço global da transacção em €200.000,00. (alínea Q))

- Avaliaram as máquinas penhoradas em €100.000,00, e a outra em €100.000,00. (alínea R))

- O pagamento desse preço foi acordado entre a autora e a G, Lda., da seguinte forma: €48.500,00, através de cheque pós-datado para o dia 2003.01.02, e €151.500,00, através da venda/entrega de pedra por parte da autora à G, Lda. (alínea S))

- Tendo começado a possui-las como coisa sua e transportando-as para as suas instalações, situadas junto à sua sede. (alíneas  T) e U))

- Até ser entrega à Autora, a máquina escavadora, marca Samsung e acessórios nunca saiu da disponibilidade real da G, Lda. (alínea V))

- Porque nunca houve entrega material da mesma ao credor, neste caso, a Ré, nem tão pouco a entrega simbólica nos casos em que é permitida. (alíneas X) e  Z))

- A autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto e se dedica efectivamente, com carácter lucrativo, à indústria de transformação e comercialização de granitos, mármores, campas, lareiras, colunas e balaústres. (ponto 1 da BI)

- As referidas máquinas penhoradas, à data da penhora, encontravam-se a ser utilizadas pela Autora. (ponto 3 da BI)

- Antes da realização da penhora com remoção, LP, então administrador da Ré M, ali presente, foi informado pelo gerente da Autora, S T, que aquela tinha comprado em 11.12.2002 as ditas máquinas à “G, Lda.”, tendo-lhe exibido para o comprovar a factura, recibo e cópia do cheque conforme documentos de fls.70-74. (ponto 4 da BI)

- Não obstante ter tomado conhecimento da compra das referidas máquinas pela Autora, L P, administrador da Ré, insistiu na realização da penhora com remoção. (ponto 5 da BI)

- Com data de 19.12.2002 a Autora e “G, Lda.” reduziram a escrito o contrato de compra e venda dos bens referidos em D) cuja cópia está a fls.185-6. (ponto 9 da BI)

- Em data não apurada de Dezembro de 2002 a Autora recebeu da “Guilherme, Lda.” as máquinas penhoradas, efectuando trabalhos de terraplanagem e desaterros com as mesmas. (pontos 11, 12 e 25 da BI)

- A Ré M pelo menos admitiu como possível que os bens que estava a penhorar fossem pertença da autora, o que lhe foi comunicado por esta e exibidos documentos nos termos referidos na resposta ao ponto 4. (ponto 13 da BI)

- A Ré M manteve a penhora das referidas máquinas e posteriormente manteve-as em seu poder até à sua restituição à Autora em 9.07.2010, tendo apresentado para a Relação de Coimbra e depois para o Supremo Tribunal de Justiça os recursos objecto dos acórdãos constantes de fls.748-774. (pontos 14 e 15 da BI)

- Com efeito, por sentença de 30.06.2006, na procedência dos referidos embargos de terceiro, foi declarada extinta a execução quanto à referida máquina escavadora, sentença da qual foi interposto recurso de apelação com efeito meramente devolutivo conforme certidão de fls.678 e 748-760.

- Desde 23.09.2003 (data da penhora) até 9.07.2010 a autora ficou privada do uso e fruição da máquina escavadora e martelo referidos em D). (ponto16 da BI)

- A Autora não tinha outra máquina escavadora sua pertença. (ponto 17 da BI)

- A máquina escavadora referida em D) tem um preço de aluguer de pelo menos €40/hora, sem manobrador. (ponto 18 da BI)

- Este tipo de escavadora faz uma média de 8 horas de trabalho por dia durante 22 dias por mês. (ponto 19 da BI)

- Por cada hora de trabalho que a Autora fizesse com a dita máquina e martelo, a mesma despenderia quantia não concretamente apurada em combustível, óleos e manutenção diversa. (ponto 20 da BI)

- Aquando da realização da penhora o gerente da Autora alegou ter comprado as ditas máquinas pelo valor de €74.196,19, mediante cheque de €48.500, com data de 2.01.2003, e o restante em dinheiro, constando da cópia do cheque apresentada “Valor pago c/ este cheque e o restante em dinheiro”. (pontos 26 a 28 da BI)

- A actividade de terraplanagens, escavações e trabalhos similares realizados por aquele tipo de máquina escavadora encontra-se em declínio a partir do ano de 2010, inclusive, devido a quebra na procura dos respectivos serviços, fruto da estagnação no respectivo ramo de actividade motivada pelo decréscimo da actividade industrial e de construção em geral. (ponto 31 da BI)

- Em custos de manutenção com óleos do motor e dos sistemas hidráulicos, filtros, pequenas reparações nos locais de laboração e revisões a Autora despenderia o montante anual não concretamente apurado. (ponto 33 da BI)

- Por cada hora de trabalho a referida máquina gastaria 15 a 25 litros de gasóleo consoante o esforço realizado. (ponto 36 da BI)

- Com a deslocação desta máquina entre os locais de trabalho, num veículo porta máquinas, a Autora despenderia por hora montante não concretamente apurado. (ponto 37 da BI)

- O lucro desta máquina, por cada hora de trabalho, sem manobrador, nunca será superior a 15,00 €/hora. (ponto 38 da BI)

- À data da penhora a dita máquina valia quantia não concretamente apurada. (ponto 39 da BI)

- Durante o tempo que esteve em poder da Ré a referida máquina não sofreu qualquer utilização nem desgaste material. (ponto 40 da BI)

- Pelo menos em 19.12.2002 o gerente da Autora sabia da existência da divida da “G, Lda.” à Ré M e da existência do penhor mercantil que onerava o equipamento penhorado. (pontos 51 e 52 da BI).

1.Do recurso da Ré.

1.1. Da culpa.

Insurge-se esta contra o Aresto sob recurso uma vez que, na sua tese,

não se afigura como culposa a conduta da recorrente nos autos de execução, antes resultando que a mesma agiu de acordo com o disposto nos artigos 831° nº1, 848° nº1, 2 e 3, 840° nº1 e 285º nº1 e 3 do CPCivil, na redacção ao tempo em vigor, dentro dos limites do legítimo de direito de acção que a constituição e a lei adjectiva lhe facultavam, resultando ainda não ocorrer qualquer falta do dever objectivo de cuidado, tanto no aspecto objectivo como no subjectivo e concreto, inexistindo “culpa in agendo” ou abuso de direito de acção por parte da recorrente, antes devendo ser considerado que esta fez uso legítimo do disposto no artigo 20° da CRPortuguesa e artigos 2° e 831º do CPCivil, na redacção do DL 38/2003 de 31 de Março, não estando assim reunidos os pressupostos que a façam incorrer na obrigação de indemnizar a tal título.

Como deflui do normativo inserto no artigo 601º do CCivil «Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.».

Daqui resulta, no que à economia dos presentes autos diz respeito que estando em causa a indicação à penhora, pela aqui Ré e Recorrente, de bens (máquina escavadora) da Autora/Recorrida no âmbito da execução que moveu a G, Lda e que corria termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da … sob o n.º 111/03, na pressuposição de que tais bens pertenceriam àquela executada, cfr alíneas C) e D) da matéria assente, uma vez que a aqui Autora antes da realização da penhora, efectuada com remoção do bem, informou o gerente da Ré que havia comprado as máquinas, óbvio se torna que a Recorrente, apesar de informada, ao insistir pela realização da penhora agiu temerariamente, pelo que lhe deverá ser imputada a titulo de culpa a efectivação daquela diligência, com todas as consequências daí advenientes, cfr as alíneas AA), E), F), M), P), T), U) da matéria assente e as respostas aos pontos 4., 5., 13., 14. e 15. da base instrutória.

Efectivamente, a Recorrente havia sido informada de que as máquinas pertenciam à Autora (pelo gerente desta) e admitiu como possível, a aludida situação, face aos documentos que lhe foram apresentados, mas não desistiu da diligência.

Daqui decorre, como mediana clareza, que a Recorrente assumiu o risco decorrente da penhora com remoção, sendo-lhe imputável, a titulo de negligência grosseira, a violação do direito de propriedade da Autora sobre as máquinas de acordo com o disposto no artigo 483º, nº1 do CCivil, cfr Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, 370/371. 

Acresce ainda a circunstância, ainda neste preciso conspectu, de a aqui Autora ter ali deduzido embargos de terceiro e visto reconhecido o seu direito de propriedade sobre a máquina retro escavadora e martelo demolidor, a final, por sentença transitada em julgado, documentos de fls 715 a 720 e 748 a 774, sendo que a Recorrente manteve as máquinas em seu poder até à efectiva restituição das mesmas àquela o que só veio a ocorrer em 9 de Julho de 2010 após a decisão dos recursos por si interpostos para a Relação de Coimbra e subsequentemente para o STJ, como decorre das respostas aos pontos 14. e 15. da base instrutória.

As conclusões quanto a este particular têm necessariamente de improceder, falecendo a razão à Ré/Recorrente.

1.2.Da indemnização pela privação do uso da máquina.

Pretende ainda a Ré demonstrar, que resulta da resposta data ao ponto 17. da base instrutória que a Autora/Recorrida não logrou provar quais os danos que em concreto decorreram da alegada privação da máquina, pois não logrou estabelecer que tivesse trabalhos destinados para a mesma e em consequência, inexistirá em absoluto qualquer obrigação indemnizatória da sua parte já que não se provou a existência de qualquer prejuízo, o que é consentâneo com o tipo de bem em causa - máquina industrial - que não é passível de uso constante e indiferenciado como se de um veículo automóvel ligeiro se tratasse.

Vejamos.

Conforme deflui da matéria dada como assente a Autora dedica-se habitualmente e com fins de lucro à indústria de transformação e comercialização de granitos, mármores, campas, lareiras, colunas e balaústres encontrando-se as máquinas penhoradas, à data da penhora, a ser utilizadas pela Autora, pontos 1. e 3. da base instrutória.

De outra banda, provado também ficou que desde a data da penhora – 23 de Setembro de 2003 - até 9 de Julho de 2010 – data da entrega - a autora ficou privada do uso e fruição da máquina escavadora e martelo, sendo certo que a Autora não tinha outra máquina escavadora sua pertença, pontos 16. e 17. da  base instrutória.

A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo artigo 1305° do CCivil, cfr inter alia os Ac STJ de 5 de Março de 2011 e de 22 de Janeiro de 2013 (Relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.

Todavia, como é consabido, não basta que a parte se limite a alegar que foi privada do uso, necessário se tornando a alegação e prova, concomitantes, de que houve a frustração real e efectiva de proceder à sua utilização, pois é aqui que reside o dano daquela privação e in casu, dúvidas não subsistem que a Autora logrou demonstrar, por um lado que ficou privada da máquina, a qual se encontrava em laboração na altura da penhora e remoção e que não tinha outra máquina idêntica de sua pertença, alíneas D) e F) da matéria assente e ponto 3 da base instrutória; por outro lado, que este tipo de maquinaria faz uma média de oito horas de trabalho por dia durante vinte e dois dias por mês, tendo um preço de aluguer de pelo menos € 40,00/hora, sem manobrador, pontos 19. e 18. da base instrutória (sendo irrelevante curar aqui das despesas inerentes ao seu funcionamento).

Deflui do exposto, ex adverso do que é esgrimido pela Recorrente, que a Autora não se limitou a enunciar e a provar que ficou privada do uso da retro escavadora desde a penhora e até à entrega, tendo igualmente provado que na altura da penhora a máquina se encontrava em laboração, não tendo qualquer outra de sua pertença e que esse tipo de máquina funciona, em média, oito hora por dia durante vinte e dois dias, não obstante a partir de 2010 a actividade desenvolvida pela Recorrida, como decorre do ponto 31. da base probatória tivesse entrado em declínio devido à quebra na procura dos respectivos serviços, fruto da estagnação no respectivo ramo de actividade motivada pelo decréscimo da actividade industrial e de construção em geral, sendo esta circunstância praticamente irrelevante em sede de computo indemnizatório, posto que a entrega da máquina ocorreu nesse ano.

Quer dizer, a Autora demonstrou suficientemente nos autos que se viu impossibilitada de usar a coisa por virtude da conduta ilícita da Recorrente e enquanto subsistiu aqueloutro processo, isto é, desde a penhora até à decisão final dos embargos de terceiro por si deduzidos, falecendo, também por aqui, as conclusões.

Ainda neste particular, adianta a Recorrente que tendo resultado provado, por força da resposta dada ao ponto 40. da base instrutória, que a máquina esteve sempre imobilizada e sem qualquer tipo de utilização, não terá ocorrido qualquer enriquecimento da sua parte, uma vez que não a utilizou nem dela retirou qualquer proveito e assim, sendo a medida do empobrecimento aferida pela medida do enriquecimento, e não tendo ocorrido este, também não terá aplicação o instituto do enriquecimento sem causa, carecendo de fundamento o arbitramento de qualquer montante indemnizatório a esse título.

Não podemos concordar com este raciocínio, sempre s.d.r.o.c..

Se não.

O aporema daqui consistia em determinar se a Autora sofreu dano, ou não, com a intervenção ilícita da Ré/Recorrente, tendo-se chegado à conclusão afirmativa: isto é, a actuação da Recorrente ao persistir na penhora e remoção da máquina, bem sabendo que a mesma era propriedade da Autora, fê-la incorrer em responsabilidade civil, porque agiu com culpa.

Essa intervenção da Recorrente na esfera jurídica da Recorrida, poderia em termos meramente teóricos, constitui-la, ou não, na obrigação de indemnização; poderia causar ou não um dano à sua titular; e, causando tal dano, poderia ser este igual, superior ou inferior ao seu.

Esta desconexão entre o enriquecimento e o dano resulta do facto de a exploração que a Recorrente fez da máquina – ausência total de exploração, no caso sujeito – ser manifestamente diversa da que teria sido feita pela Autora/Recorrida se a penhora e remoção não tivessem ocorrido, pois esta iria explorar o bem (essencial para sua actividade como vimos) e aquela dele não necessitou para prosseguir o seu comércio, pois que se dedica à comercialização e reparação de veículos, máquinas e peças, cfr alínea A) da matéria assente.

O que nos interessa para aferir da obrigação de indemnização por banda da Recorrente é o apuramento de que a sua actuação causou um dano à Recorrida, não tendo qualquer interesse, nesta sede, discutir se houve ou não lucro da sua parte, sendo certo que o prejuízo daquela se encontra suficientemente enunciado através da não utilização da máquina na sua indústria, posto que da mesma necessitava para laborar, cfr neste sentido Francisco Manuel Pereira Coelho, O enriquecimento e o dano, 1999, 7/10 e Ac STJ de 2 de Junho de 2009 (Relator Alves Velho) e de 15 de Novembro de 2011 (Relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt.

Claudica também por aqui o argumentário da Recorrente.

Continua a Recorrente, em abono da sua tese, alegando que conforme resulta da alínea L) dos factos assentes o Tribunal, no âmbito dos embargos em causa, determinou por despacho de 17 de Março de 2004, que não foi objecto de qualquer reclamação ou recurso, a restituição provisória à recorrida da máquina escavadora e martelo em causa, mediante a prestação de caução através de meio idóneo de valor equivalente à quantia exequenda e por força da resposta negativa dada ao ponto 53. da base instrutória, corroborada com o largo acervo documental junto na fase instrutória, resultou provado, que a recorrida tinha oportunidade, possibilidade e meios para prestar a referida caução dentro do vasto leque que o permite o nº1 do art. 624° do CCivil para concluir o seguinte: assim, ao não prestar tal caução, tendo meios, oportunidade e condições para o fazer, como desde logo resulta dos documentos de fls. 1098 a 1128 dos autos, a recorrida concorreu, com tal omissão, para o surgimento do dano cujo ressarcimento vem posteriormente a invocar e como consequência, a entender-se que houve danos, existe culpa da recorrida na sua ocorrência, cuja indemnização vindica, a par de manifesto abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.

Carece de qualquer razão a Recorrente.

Porquanto.

A entender-se como a Recorrente deixou explanado nas suas conclusões de recurso, teríamos de concluir que a restituição provisória do bem em sede executiva, mediante a prestação de caução, faria impender sobre a embargante a obrigação de proceder ao levantamento da máquina, prestando efectivamente a caução, independentemente do resultado final do processo, quando aquela decisão, porque provisória, tem um carácter facultativo para a parte a quem se destina, daí a entrega mediante a prestação de caução, a qual visa assegurar o cumprimento da decisão definitiva.

Ninguém pode ser obrigado a prestar uma caução, fazendo cumprir provisoriamente uma decisão, nem a Lei estabelece tal obrigatoriedade, posto que, sempre subsistiria o risco de tal decisão poder vir a ser alterada em sede de recurso e não nos podemos esquecer que a Recorrente interpôs recurso das decisões proferidas pelo primeiro e pelo segundo grau.

Não se poderá, assim, imputar qualquer responsabilidade à Recorrida porque esta, antes da decisão final proferenda, não estava obrigada a saber, por um lado, que aquele mesma decisão lhe seria favorável, e, por outro, que sobre si impendesse qualquer obrigatoriedade em reaver provisoriamente a máquina sua propriedade prestando para o efeito uma caução, pois esta funciona como garantia do cumprimento da obrigação, no caso, o crédito exequendo a satisfazer pelo valor da máquina em questão, cfr artigos 623º e 601º do CCivil.

Não se vislumbra que por parte da Autora, aqui Recorrida, tivesse existido uma actuação em abuso de direito, não se verificando quaisquer dos requisitos a que se alude no artigo 334º do CCivil.

Também por aqui improcedem as conclusões de recurso, inexistindo qualquer censura a fazer à decisão do segundo grau, quer a nível da culpa na produção do resultado, a qual se apurou ser da exclusividade da Recorrente, quer a nível do cálculo do montante indemnizatório, o qual, aliás, nem sequer foi posto em causa.

 

2.Do recurso da Autora.

2.1.Do ressarcimento pela desvalorização da máquina.

Pretende a Autora, no seu recurso, ser indemnizada pela desvalorização da máquina uma vez que na sua tese as máquinas dos autos estavam sujeitas ao devir do tempo, ao factor de degradação do tempo e ainda ao facto de neste decorrer dos anos terem estado imobilizadas e não utilizadas.

Falha-lhe todavia a razão.

A Autora pretende nos presentes autos ser indemnizada pelo dano decorrente da privação do uso da máquina, sendo certo que, se tivesse logrado usá-la, a mesma estaria sujeita ao desgaste normal da sua utilização, para além do desgaste natural que sempre lhe adviria pelo decurso do tempo.

Assim sendo, não pode a Autora, aqui Recorrente, pretender ser ressarcida por duas vias: a primeira pela privação do uso da máquina, sendo certo que se a tivesse usado normalmente como decorre das regras básicas da experiência, a mesma se teria naturalmente desvalorizado; a segunda por uma desvalorização que, de qualquer das formas, sempre teria ocorrido, quer pela utilização, quer pela sua não utilização, a não ser que, como bem se considerou no Aresto sob censura, a Autora tivesse demonstrado (o que não fez) que pretendeu vender a máquina e viu gorada a possibilidade de o fazer, consubstanciando assim, desta feita, uma eventual perda de ganho.

Daqui decorre, sem outras considerações, por despiciendas, a sem razão da Autora.

III Destarte, negam-se ambas as Revistas, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.

Custas das Revistas pelas Recorrentes.

Lisboa, 12 de Setembro de 2013

(Ana Paula Boularot)

(Azevedo ramos)

(Silva Salazar)