Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
229/09.6TTBRR.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
DURAÇÃO DO TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Data do Acordão: 04/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - DIREITO COLECTIVO - INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Doutrina: -Bernardo Lobo Xavier, Direito do Trabalho, com a colaboração de diversos Autores, Verbo/babel, 2011, págs. 249, 896.
Legislação Nacional: CCT ENTRE A APAT (ASSOCIAÇÃO DE TRANSITÁRIOS PORTUGUESES) E O SIMAMEVIP, PUBLICADO NO BTE N.º 20, DE 29.5.1990, GLOBALMENTE REVISTO NO BTE N.º 1/2005, DE 8 DE JANEIRO: - CLÁUSULAS 25.ª/1, 31ª/1.
CCT, REVISTO EM 2005 E PUBLICADA NO BTE N.º 8/2005, 1.ª SÉRIE, DE 8 DE JANEIRO: - CLÁUSULAS 28.ª/1, 7 E 8, 34.ª/1.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003 (CT): - ARTIGOS 1.º, 2.º, 4.º, 531.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): -ARTIGO 56.º, N.º 4.
Sumário :
I - A Convenção Colectiva, enquanto modalidade dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho negociais, constitui uma fonte específica do contrato de trabalho – artigos 1.º e 2.º, do Código do Trabalho de 2003.

II - Na relação CCT/contratos individuais de trabalho, as cláusulas de feição normativa que as integram constituem um mínimo de condições de trabalho, que apenas podem ser afastadas/alteradas na contratação individual se resultarem efectivamente em melhoria de condições para os trabalhadores, conquanto que daquelas disposições não resulte o contrário – artigos 4.º e 531.º do Código do Trabalho de 2003.

III - Dispondo o CCT que o período normal de trabalho tem a duração de sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana, e considerando-se trabalho suplementar o prestado fora do período normal de trabalho, é nulo qualquer acordo que estabeleça um horário superior, porque obviamente menos favorável para o trabalhador.

IV - Pese embora após a revisão do CCT, publicada em 8 de Janeiro de 2005, nele esteja prevista a possibilidade de o período de trabalho normal diário ser ampliado, mediante acordo expresso do trabalhador, são, in casu, irrelevantes os acordos firmados nesse sentido com os autores, na medida em que emitidos em data anterior àquela, razão pela qual lhes é devido o pagamento, a título de trabalho suplementar, da hora efectivamente prestada, diariamente, que esteja para além das 7 horas determinadas pelo CCT.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                           I –

1.

AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, todos com os sinais dos Autos, propuseram a presente acção sob a forma de processo comum, contra ‘JJ – …, S.A.’, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia total de € 234.075,99, acrescida de juros de mora desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento.

Alegaram para o efeito, em resumo útil, que, desde que iniciaram funções para a Ré, sempre prestaram uma hora a mais de trabalho, para além das sete horas diárias previstas no CCT aplicável, trabalho esse que  nunca lhes foi pago.

A Ré contestou alegando, em suma, que os Autores acordaram em prestar essa hora, a qual lhes foi paga.

Concluiu pugnando pela improcedência da presente acção e consequente absolvição dos pedidos contra si formulados.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

2.

 Inconformados com o assim ajuizado, os Autores interpuseram recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo Acórdão prolatado a fls. 362-371, alterou a sentença, condenando a R., nos termos do dispositivo, rectificado a fls. 380 e v.º, …’no pagamento a cada um dos AA., como trabalho suplementar, da hora de trabalho efectivamente prestada diariamente que esteja para além das 7 horas que o CCT determina, desde o dia 28 de Maio de 2004 – data fixada na sentença e que não foi objecto de recurso – e até à data em que os autores foram despedidos através do despedimento colectivo ocorrido em Março de 2009, a liquidar em execução de sentença.

No mais, manter a sentença recorrida’.

É contra o teor do Aresto que a R. se insurge, mediante o presente recurso de Revista, cujas alegações remata com estas conclusões:

«1ª. - O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não efectuou, com o devido respeito, uma correcta interpretação das normas constantes do CCT outorgado em 2005 entre a APAT e os Sindicatos melhor identificados nos autos;

2.ª - O primeiro contrato colectivo de trabalho aplicável às relações laborais existentes entre as entidades empregadoras inscritas na APAT e os trabalhadores, sindicalizados ou não no SIMAMEVIP, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, 1.ª Série, de 29 de Maio de 1990, dispunha expressamente, no artigo 25.º, que o período normal de trabalho tem a duração de sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana, admitindo-se apenas, nos números 2 e 3 do mesmo normativo, horários de trabalho diferentes do normal para os trabalhadores abrangidos pelo regime de jornada contínua;

3.ª - O contrato colectivo de 1990 foi revogado, tendo sido substituído, a partir do ano de 2005, pelo Contrato Colectivo de Trabalho outorgado entre a APAT e o SIMAMEVIP, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 1, 1.ª Série, de 8 de Janeiro de 2005;

4.ª - O n.º 1 da cláusula 28.ª do supra mencionado Contrato Colectivo refere que o período normal de trabalho continua a ter a duração de sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana, continuando igualmente a admitir, nos números 2 e 3 do mesmo artigo, a prática de horários diferentes para os trabalhadores abrangidos pelo regime de jornada contínua;

5.ª - Contrariamente ao que dispunha o anterior contrato colectivo de trabalho, o CCT em vigor desde 2005 permite expressamente, no n.º 6 da referida cláusula 28.ª, que, "Mediante acordo expresso do trabalhador, o período normal de trabalho diário pode ser ampliado até ao limite de dez horas, sem que a duração do trabalho semanal exceda quarenta e cinco horas para os trabalhadores de armazém e quarenta horas para os restantes trabalhadores";

6.ª - O horário de trabalho pode ser fixado em oito horas por dia para a generalidade dos trabalhadores, desde que haja consentimento expresso e não seja excedido o limite máximo de quarenta horas por semana;

7.ª - Os Autores BB, DD, FF, GG e HH, deram o seu consentimento expresso através da forma escrita, aceitando, de forma livre e voluntária, a cláusula que, nos respectivos contratos de trabalho, dispunha que o horário era de oito horas por dia e de quarenta horas por semana;

8.ª - Os Autores AA, EE e II exerceram a respectiva actividade profissional a favor da recorrente durante vários anos e sempre com um horário de trabalho de oito horas por dia e quarenta horas por semana, sem nunca terem levantado a questão do trabalho suplementar;

9.ª - As testemunhas KK e LL referiram inequivocamente que todos os colaboradores da empresa tinham a convicção de que o horário a praticar era de oito horas por dia e quarenta horas por semana e que a essa questão apenas foi suscitada após a data do despedimento colectivo;

10.ª - Tudo visto, pode concluir-se que, através do acordo expresso do trabalhador, não necessariamente escrito, pode a actividade a favor da recorrente ser exercida durante oito horas por dia e quarenta horas por semana, em conformidade com o estatuído no n.º 6 da cláusula 28.ª do CCT outorgado entre a APAT e as associações sindicais».

Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que considere legal e conforme com o CCT a prática pela recorrente de um horário de trabalho de oito horas por dia e quarenta horas por semana.

Os AA. contra-alegaram, sustentando a manutenção do julgado.

                                           __

Já neste Supremo Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, com a correcção introduzida a fls. 380 e v.º quanto ao erro material constante da parte decisória do Acórdão ora em crise, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer reacção.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

                                           __

                                           II –

A – Do objecto do recurso.

Ante o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito da impugnação – é única a questão posta, que consiste em resolver se a R. está ou não obrigada a pagar aos AA. uma hora de trabalho suplementar por cada dia de trabalho, ante o adrede clausulado no CCT aplicável.

B – Dos Fundamentos.

1. De Facto.

 Vem dada como provada a seguinte factualidade:

- Todos os Autores foram trabalhadores da Ré, durante vários anos, tendo sido contratados por esta para lhes prestar trabalho, sob as suas ordens, direcção, fiscalização e autoridade (alínea A) dos factos assentes).

- Entre a Ré e o Autor BB foi celebrado o contrato junto a folhas 134, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte conteúdo:

"CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO

JJ, Lda, na qualidade de primeiro outorgante, (…) e, BB, (o.), como segundo outorgante, celebram o presente contrato de trabalho a termo certo que se rege pelas cláusulas seguintes:

1.ª

O presente contrato é celebrado a termo certo pelo período de 6 (seis) meses, com início em 15 de Junho de 1998, considerando-se tacitamente renovado se não for denunciado por escrito por qualquer das partes até oito dias antes do termo da sua duração inicial ou dos períodos de renovação que ocorram.

2.ª

O presente contrato é celebrado ao abrigo da alínea b) do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, em virtude do acréscimo excepcional de actividade da empresa devido ao início de laboração do novo armazém.

4.ª

O segundo outorgante prestará serviço nas instalações do primeiro outorgante, sitas no Concelho de Palmela, exercendo a actividade da sua categoria profissional de servente/manobrador de empilhador.

5.a

O segundo outorgante prestará 40 (quarenta) horas de trabalho semanal, em horário de trabalho a estabelecer pelo primeiro outorgante, com o direito a dois dias de descanso semanal.

(…)

Palmela, 15 de Junho de 1998

(...)" - (alínea B) dos factos assentes).

- Entre a Ré e a Autora HH foi celebrado o contrato junto a folhas 140, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte conteúdo:

"CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO

JJ…, Lda, na qualidade de primeiro, (...) e, HH, (...) como segundo outorgante celebram o presente contrato de trabalho de trabalho a termo certo, que se rege pelas cláusulas seguintes:

(…)

4.a

O segundo outorgante prestará serviço nas instalações do primeiro outorgante, sitas no Concelho de Palmela, exercendo a actividade da sua categoria profissional de servente de armazém.

5.ª

O segundo outorgante prestará 40 (quarenta) horas de trabalho semanal, em horário de trabalho a estabelecer pelo primeiro outorgante, com o direito a dois dias de descanso semanal.

(…)

Palmela, 08 de Janeiro de 2001

(...)" -  (alínea C) dos factos assentes).

- Entre a Ré e a Autora GG foi celebrado o contrato junto a folhas 138 e 139, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte conteúdo:

"CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO

JJ …, Lda, na qualidade de primeiro, (o.) e, GG, (o.) como segundo outorgante celebram o presente contrato de trabalho de trabalho a termo certo, que se rege pelas cláusulas seguintes:

(….)

4.a

O segundo outorgante prestará serviço nas instalações do primeiro outorgante, sitas no Concelho de Palmela, exercendo a actividade da sua categoria profissional de 3.º oficial.

5.ª

O segundo outorgante prestará 40 (quarenta) horas de trabalho semanal, em horário de trabalho a estabelecer pelo primeiro outorgante, com o direito a dois dias de descanso semanal.

(…)

Palmela, 01 de Maio de 2000

(...)" - (alínea D) dos factos assentes).

- Entre a Ré e a Autora FF foi celebrado o contrato junto a folhas 137, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte conteúdo:

"CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO

JJ …, Lda, na qualidade de primeiro, (...) e, FF, (...) como segundo outorgante celebram o presente contrato de trabalho de trabalho a termo certo, que se rege pelas cláusulas seguintes:

1.ª

Pelo presente contrato, o segundo outorgante passa a trabalhar por conta, a favor e sob as ordens e direcção da primeira outorgante, desempenhando a função de 3° oficial. (…)

4.ª

1. O horário de trabalho é de 40 horas semanais, com o objectivo diário de 8 horas, a cumprir semanalmente das 08:00h às 17:00h (com um intervalo de 1h para refeição), descanso semanal ao Domingo e descanso complementar ao sábado.

2. O segundo outorgante acorda livre, irrevogável e conscientemente no cumprimento do horário de trabalho em horas diversas das estabelecidas, que por necessidade ou conveniência de serviço lhe venham a ser indicadas, para o horário normal de trabalho.

(…)

Feito em Palmela, em duplicado, no dia 03 de Janeiro de 2005 (...)" - (alínea E) dos factos assentes).

- Entre a Ré e o Autor DD foi celebrado o contrato junto a folhas 136, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte conteúdo:

"CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO

JJ …, Lda, na qualidade de primeiro outorgante, (…) e DD, (o.) como segundo outorgante, celebram o presente contrato de trabalho de trabalho a termo certo, que se rege pelas cláusulas seguintes:

(…)

4.a

O segundo outorgante prestará serviço nas instalações do primeiro outorgante, sitas no Concelho de Palmela, exercendo a actividade da sua categoria profissional de 3.º oficial.

5.ª

O segundo outorgante prestará 40 (quarenta) horas de trabalho semanal em horário de trabalho a estabelecer pelo primeiro outorgante com o direito a dois dias de descanso semanal.

(…)

Palmela, 11 de Dezembro de 2000 (...)" - (alínea F) dos factos assentes).

- Do documento junto a folhas 131, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:

"(…)

JJ

À

Direcção Geral dos Transportes Terrestres

Av. das Forças Armadas, n.º 40

1649-022 LISBOA

Assunto: Pedido de Licenciamento da Actividade Transitária nos termos do Dec.-Lei n.º  255/99.

Listagem dos elementos que integram o presente processo.

Exmos. Senhores,

De acordo com o assunto mencionado em epígrafe, para dar cumprimento ao pedido de licenciamento, junto enviamos os documentos necessários:

1. Fotocópia do cartão de pessoa colectiva;

2. Certidão da Conservatória do Registo Comercial, comprovativa de que:

a) Esta sociedade é detentora do capital social de PTE 10.000.000$00.

b) É seu gerente MM, domiciliado em Vila Nogueira de Azeitão, o qual possui a requerida idoneidade comercial e civil, conforme certificado de registo criminal anexo,

3. Identificação do Director Técnico, NN, domiciliado em Caneças, com capacidade profissional reconhecida pela DGTT, conforme documento anexo, que trabalha em regime de exclusividade, assegura a gestão corrente da empresa na qualidade de Director-Geral e cuja prova de idoneidade comercial e civil consta do certificado de registo criminal que vai igualmente anexo;

4. Apólice da Companhia de ... com a cobertura dos riscos de responsabilidade civil até PTE 20.000.000$00 (Vinte milhões de escudos) com âmbito territorial: União Europeia, Polónia, Hungria, Suíça e República Checa.

5. Juntamos PTE 10.000$00 em cheque à ordem da DGTT para pagamento da taxa de entrega do processo.

Palmela, 2001-10-15

(...)" - (alínea G) dos factos assentes).

- Do documento junto a folhas 132 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:

"(….) Associação dos Transitários de Portugal

(…)

Boletim de Inscrição (...)" -  (alínea H) dos factos assentes).

- Do documento junto a folhas 133, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:

"(---)

Direcção-Geral de Transportes Terrestres Acesso à Actividade.

(---)

X Actividade transitária

(...)

Palmela, 18 de Outubro de 2001

(...)" - (alínea 1) dos factos assentes).

- Do documento junto a folhas 141, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e no qual foi aposta pelo seu próprio punho a assinatura do Autor CC, consta:

"ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO

Eu, CC (…), funcionário efectivo na empresa JJ …,S.A„ desde 01/05/1999, com a categoria profissional de oficial de 3.a, declaro para os devidos efeitos que aceito laborar com Isenção de Horário de Trabalho, devido às minhas funções - coordenador de frota, que devido á natureza das mesmas poderem ser efectuadas fora dos limites dos horários normais de trabalho, que se traduz em 25,38%, sobre o valor do meu vencimento-base.

Palmela, 07 de Maio de 2004

(...)" - (alínea J) dos factos assentes).

- Do documento junto a folhas 142 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:

"Exmo. Senhor

Delegado do …

Praça …,

A JJ …, S.A., com sede no Parque Industrial … (…), com a actividade de Organização de Transporte (CAE 63401), (...), vem requerer a V. Exa., ao abrigo do art. 177 e 178 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, se digne a conceder a isenção de horário de trabalho para CC, com a categoria profissional de Oficial de 3.a, com o vencimento mensal de 981,12€, e a retribuição especial em caso de concessão da isenção de 249,01€ (25,38%), devido às suas funções Coordenador de frota, que devido natureza das mesmas podem ser efectuadas fora dos limites dos horários normais de trabalho.

(…)

…, 03 de Maio de 2004

(...)"  -  (alínea L) dos factos assentes).

- As relações de trabalho entre Autores e Ré perduraram no tempo até Março de 2009, data em que a empresa Ré procedeu ao despedimento colectivo (alínea M) dos factos assentes).

- Após Maio de 2004, para além das sete horas de trabalho, todos os Autores prestavam mais uma hora de trabalho - resposta ao artigo 1.º da base instrutória.

- A Ré, após o ano de 2008, foi alertada para o constante da resposta ao artigo 1.º da base instrutória por alguns dos trabalhadores - resposta ao artigo 2.º da base instrutória.

- E, conforme consta do dispositivo do Acórdão sob protesto, deu-se como não escrito que ‘[a] R. pagou aos AA. todas as quantias devidas pelo trabalho prestado além do horário de trabalho’ (resposta ao artigo 3.º da base instrutória);

-E alterou-se a resposta ao quesito 5.º da B.I., passando a ter a seguinte redacção:

‘Todos os trabalhadores, com excepção dos que não tinham contrato de trabalho escrito, deram o seu acordo expresso em relação à prática de um horário de trabalho de oito (8) horas por dia e de quarenta (40) horas por semana’.

- O Autor BB exerceu actividade nos escritórios da Ré sitos nos armazéns (resposta ao artigo 7.º da base instrutória).

                                           __

2 - O Direito.

Enquanto a sentença da 1.ª Instância considerou que os AA. aceitaram prestar uma hora a mais de trabalho, sendo que, a partir de 1.1.2007 é o próprio CCT que expressamente prevê tal possibilidade – concluindo, assim, que o trabalho prestado não podia ser qualificado como suplementar, por força do regime da adapatabilidade, que convoca, além de que, ante a factualidade provada, a R. pagou aos peticionantes as quantias devidas, e julgando, por isso, a acção consequentemente improcedente – o Acórdão ora sob censura, depois de ter alterado parcialmente a decisão relativa à matéria de facto, nos sobreditos termos, condenou a R. no pagamento a cada um dos identificados AA., …’a título de trabalho suplementar, da hora de trabalho efectivamente prestada, diariamente, que esteja para além das 7 horas que o CCT determina, desde o dia 28 de Maio de 2004 ('ut' rectificação a fls. 380)...e até à data em que os autores foram despedidos através do despedimento colectivo ocorrido em Março de 2009, a liquidar em execução de sentença’.

Na sequência da identificação do quadro legal ao abrigo do qual se dirime o litígio sujeito, contexto normativo que não sofreu nem suscita qualquer reparo –  as relações laborais entre as partes regiam-se, ao tempo da sua constituição, e continuaram a reger-se, como tal, pelo CCT entre a APAT (Associação de Transitários Portugueses) e o SIMAMEVIP, publicado no BTE n.º 20, de 29.5.1990, globalmente revisto no BTE n.º 1/2005, de 8 de Janeiro, aplicável ao caso por força das sucessivas PE’s, que se enumeram – alicerçou-se a solução alcançada nas seguintes considerações jurídicas (transcrevemos parcialmente):

“…O mencionado CCT já desde (pelo menos) 1990…sob a cl.ª 25.ª, n.º 1, que estabelecia um período normal de trabalho de 7 horas diárias e 35 horas semanais.

Nos termos da cl.ª 28.ª, n.º 1, do CCT entre a APAT e as mencionadas associações sindicais, celebrado em Janeiro de 2005, continua a mencionar-se como período normal de trabalho as 7 horas diárias e 35 horas semanais, apenas se ressalvando o disposto nos n.ºs 2 e 3 dessa mesma cláusula.

Os mencionados n.ºs 2 e 3 seguintes referem-se a ‘jornada contínua’, em que se estabelece um período normal de trabalho de 6 horas diárias de máximo, (n.º 2 da referida cláusula) ou 8 horas diárias e 40 semanais para os trabalhadores de armazém, ‘sem prejuízo de horário de menor duração em vigor’ – n.º 3 da mencionada cláusula.

Daqui se infere que, (…face) aos normativos convencionais, todos os trabalhadores administrativos a trabalhar na actividade de transitários têm como limite máximo da jornada de trabalho 7 horas diárias e 35 horas semanais.

Ora, sabendo que por força do princípio do tratamento mais favorável, as normas do Código do Trabalho podem…’ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho’ (art. 4.º, n.º 1, do Código do Trabalho/2003, aplicável ao caso dos autos) e que o ‘contrato de tabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (art. 1.º do CT/2003), claramente se tem de concluir que o estabelecimento de um horário superior ao permitido no CCT aplicável (por força, como vimos, das inúmeras Portarias de Extensão que foram saindo desde, pelo menos, 2001), é nulo, por violação das normas estabelecidas no CCT.

O horário de trabalho dos trabalhadores não podia, pois, prescrever um período normal de trabalho superior a 7 horas diárias e 35 horas semanais.

Assim, não restam dúvidas de que os trabalhadores, autores na presente acção, que não estejam sob o regime de isenção de horário de trabalho, praticaram, enquanto ao serviço da R., um horário de trabalho superior em 1 hora por dia em relação ao estabelecido legalmente.

E esta hora praticada para além do horário legal tem de ser considerada trabalho suplementar, com direito ao respectivo pagamento”.

 

Subscrevemos, no essencial, este entendimento e juízo.

Com efeito:

A Convenção Colectiva, enquanto modalidade dos IRCT’s (Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho) negociais, constitui uma fonte específica do contrato de trabalho – arts. 1.º e 2.º do Código do Trabalho/2003, diploma aplicável atenta a temporalidade dos factos relevantes.

A Convenção é, enquanto tal, a expressão fundamental da autonomia colectiva, entendida como fenómeno de auto-regulamentação de interesses entre grupos contrapostos – nas palavras de Bernardo Lobo Xavier[1] – instrumento este que envolve a aceitação, pelo Ordenamento Jurídico, do compromisso obtido pelas partes quanto às condições de trabalho que irão vigorar entre as entidades empregadoras e os trabalhadores abrangidos.

Na feliz expressão de HUECK/NIPPERDEY, invocado pelo Autor citado (ibidem), “[a] convenção colectiva é um contrato colectivo com primazia sobre os contratos individuais. Fornece uma forma jurídica que possibilita aos trabalhadores organizados em autodefesa contratar, como colectivo, as condições de trabalho com os empregadores e, assim, transformar a igualdade jurídica formal da relação individual de trabalho, baseada no princípio da liberdade contratual, numa real equiparação.

Isto é, rompe-se com a ditadura de facto do empregador, economicamente mais forte, quanto às condições do trabalho.

Se a convenção colectiva deve assumir este significado, os preceitos da sua parte normativa terão de ser direito imperativo, no sentido de condições mínimas.

A inderrogabilidade é uma repercussão necessária e conveniente”.

Das suas cláusulas normativas (as dirigidas à fixação das condições de trabalho a que têm que obedecer os contratos de trabalho celebrados entre os empregadores e trabalhadores abrangidos no seu âmbito de aplicação) constam, de entre outras regras normativamente vinculantes, as atinentes à duração do trabalho.

A força jurídica da Convenção radica, a montante, na própria Constituição da República Portuguesa – art. 56.º/4.

E na relação CCT/contratos individuais de trabalho, as cláusulas de feição normativa que as integram constituem um mínimo de condições de trabalho, que apenas podem ser afastadas/alteradas na contratação individual se resultarem efectivamente em melhoria de condições para os trabalhadores, conquanto que daquelas disposições não resulte o contrário – arts. 4.º e 531.º do Código do Trabalho/2003, correspondente ao antigo art. 14.º/1 da LRCT, e ora com expressão no homólogo art. 476.º do Código do Trabalho revisto (CT/2009), em termos significativamente alterados embora.

(As referidas normas dos dois Compêndios estão subordinadas à epígrafe ‘Princípio do tratamento mais favorável’).

Na sistematização ordenada por Bernardo Lobo Xavier, (loc. cit., pg. 896), as disposições das convenções colectivas são, em regra, imperativas relativas, (contêm, enquanto tal, cláusulas mínimas), que podem ser afastadas pelos contratos individuais, mas só/desde que/e naquilo que seja mais favorável para o trabalhador.

No caso:

Dispunha-se já na cl.ª 25.ª/1 do identificado CCT de 1990 (in BTE, 1.ª série, n.º 20/1990, de 29 de Maio) que, para o que interessa reter, …’[o] período normal de trabalho tem a duração de sete horas por dia e 35 horas por semana’, considerando-se trabalho suplementar o prestado fora do período normal de trabalho (n.º 1 da cl.ª 31.ª).

Essas regras mantiveram-se na revisão do CCT, operada em 2005 e publicada no BTE n.º 8/2005, 1.ª série, de 8 de Janeiro – cl.ªs 28.ª/1 e 34.ª/1.

Assim, neste plano de significação, os contratos individuais de trabalho, sujeitos ou não a forma escrita – e, por paridade de razão, qualquer pretendido acordo nesse âmbito e sentido – não poderiam, sem mais, sob pena de nulidade, dispor em contrário, estabelecendo um horário superior, porque obviamente menos favorável para o trabalhador.

Isto posto.

Contrapõe todavia a recorrente – perspectiva que, embora suscitada, não vimos/não foi considerada no Acórdão revidendo – que a cl.ª 28.ª do CCT de 2005 permite expressamente, no seu n.º 6, que o período normal de trabalho diário possa ser ampliado, nos termos dela constantes, mediante acordo expresso do trabalhador.

E assim, remata, podendo o horário de trabalho ser ampliado, como foi, com a condição de não exceder o limite máximo de quarenta horas semanais – havendo, como houve, consentimento expresso de cinco dos trabalhadores que intentaram a acção – a actividade a favor da recorrente podia perfeitamente ser exercida durante oito horas por dia e quarenta horas por semana, contrariamente ao decidido.

Tudo (re)visto e ponderado, cremos que a razão não está com a impetrante.

É fora de dúvida que a cl.ª 25.ª do CCT de 1990, publicada, como já se disse, no BTE n.º 20, 1.ª série, de 29 de Maio desse ano – estabelecendo a duração do período normal de trabalho, para os trabalhadores em causa, em 7 horas diárias e 35 semanais – não previa a possibilidade de qualquer ampliação desse período por consenso.

Daí a solução alcançada, que a R./recorrente afinal não excluiu… – antes reconhece que o CCT de 1990 não continha norma que permitisse, relativamente aos AA., a ampliação consensual da duração diária/semanal do período de trabalho – insurgindo-se tão-somente quanto à interpretação feita relativamente às normas constantes da CCT outorgada em 2005.

Importa, pois, considerar que a partir da revisão global daquele CCT de 1990, constante da Convenção publicada no BTE n.º 1/2005, 1.ª série, de 8 de Janeiro, a homóloga cl.ª 28.ª – reeditando no n.º 1 a regra anterior (o período normal de trabalho tem a duração de sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana) …com as excepções previstas nos seus n.ºs 2 e 3, que respeitam aos trabalhadores em regime de jornada contínua e aos trabalhadores de armazém – passou a prever no seu n.º 6 que, ‘[m]ediante acordo expresso do trabalhador, o período de trabalho normal diário pode ser ampliado’

…Mais contendo, logo a seguir, no seu n.º 7, que ‘[o] acordo referido no número anterior deverá ser obtido até dois dias úteis anteriores à data para a qual a empresa pretenda a alteração do horário de trabalho’.

E o seguinte n.º 8 prescreveu a forma de compensação das horas que excederem os limites previstos no n.º 1 da mesma cl.ª 28.ª, elencando as diversas modalidades para a concretizar, à escolha do trabalhador.

Retirando-se daqui, imediatamente, a conclusão de que a alternativa, ora convencionada, não constava do anterior CCT, é mister verificar então se o alegado acordo expresso dos identificados trabalhadores/AA. foi relevantemente conferido, como se pretende significar.

E facilmente se alcança a resposta, que é negativa.

A CCT de 2005 foi publicada em 8 de Janeiro de 2005.

É facto assente (cfr. resposta ao quesito 5.º, na redacção fixada pelo acórdão sub specie) que todos os trabalhadores, (com excepção dos que não tinham contrato de trabalho escrito), deram o seu acordo expresso em relação à prática de um horário de trabalho de 8 horas por dia e de 40 horas por semana.

Como conferimos (cfr. respectivos pontos de facto), os identificados cinco trabalhadores que intentaram a acção outorgaram contratos escritos onde se incluiu a menção respeitante ao horário mais alargado.

Simplesmente, todos os contratos (concretamente os respeitantes aos AA. BB, HH, GG, FF e DD) foram celebrados/assinados com datas anteriores à vigência da nova CCT, pelo que tais acordos são de todo irrelevantes: quando foram emitidos inexistia a previsão, posteriormente convencionada, a que ora se pretende que se destinavam.

Tais acordos não poderiam sequer – por essa óbvia limitação lógica/cronológica – respeitar o condicionalismo previsto no n.º 7 da cláusula 28.ª, só posteriormente editada.

Em resumo e conclusão:

É, pois, artificiosa e insubsistente a construção argumentativa que sustenta a tese da recorrente, que não pode ser acolhida, soçobrando consequentemente as correspondentes asserções conclusivas.

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                                           III –

                                     DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, delibera-se negar a Revista e confirmar o Acórdão impugnado, embora com fundamentação não de todo coincidente.

Custas pela recorrente.

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Anexa-se sumário (art. 713.º/7 do C.P.C.).

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Lisboa, 12 de Abril de 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

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[1] - In ‘Direito do Trabalho’, com a colaboração de diversos Autores, Verbo/babel, 2011, pg. 249.