Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2219/13.5T2SVR.P1.S1
Nº Convencional: 7º SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SUCUMBÊNCIA
REVISTA EXCEPCIONAL
REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, p. 364 e 389.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 1, 631.º, 638.º, 671.º, N.ºS 1 E 3 E 672.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 08-10-2009, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-05-2015, ACÓRDÃO N.º 10/15, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, IN DR, I SÉRIE, 123, DE 26-06-2015;
- DE 21-01-2016, IN WWW.DGSI.PT
- DE 22-06-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-07-2017, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O valor da sucumbência relevante para a admissibilidade de recurso deve ser aferido, em caso de recurso para o Supremo, pela diferença entre o valor fixado no acórdão da Relação e o fixado na sentença de 1ª instância (se este não foi oportunamente impugnado pela parte que pretende interpor recurso de revista);

II - O acesso à revista excecional não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (art.º. 671º), valor do processo ou da sucumbência (art.º. 629º, nº1), legitimidade (art.º. 631º) e tempestividade (art.º. 638º).

III - Para se determinar se é, no caso, de admitir a revista excecional, deve começar por se apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, rejeitando logo o recurso, sem necessidade de apreciação dos requisitos específicos, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe, em consequência de um acidente de viação, cuja ocorrência imputa a conduta negligente de um segurado da ré:

- A quantia de EUR 55.002,02, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e até integral pagamento, sendo EUR 2.148,66, atinente a perdas salariais durante a ITA; EUR 30.000,00, a título de indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial, e EUR 22.500,00, como compensação por danos não patrimoniais sofridos;

- A quantia que se vier a liquidar posteriormente, relativa a despesas que a autora venha, no futuro, em consequência das sequelas de que é portadora.

2. A ação foi contestada.

3. Por decisão transitada em julgado (cf. fls. 112), o valor da causa foi fixado em EUR 55.002,02.

4. Foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação condenou a ré a pagar à autora:

a) A quantia global de EUR 11.386,82, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais, sendo EUR 8.500,00 para compensar o dano biológico de que a autora ficou a padecer;

b) A quantia de EUR 6.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a sentença e até integral pagamento;

c) A quantia que se vier a liquidar posteriormente, relativa às despesas médicas e medicamentosas e demais despesas que a autora venha a fazer no futuro, e que comprovadamente sejam resultantes do sinistro em causa nos autos.

5. A autora apelou da sentença, reclamando a fixação da indemnização em EUR 30.000,00, pelo dano biológico, e em EUR. 17.500,00, pelos danos não patrimoniais.

6. A apelação foi julgada parcialmente procedente, tendo a Relação do Porto condenado a ré a pagar à autora a quantia de EUR 15.000,00, a título de indemnização pelo dano biológico e a quantia de EUR, 14.000,00, pelos danos não patrimoniais, confirmando, quanto ao mais, a decisão da 1ª instância.

7. Inconformada com o acórdão da Relação, veio a ré interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a sua admissão, ao abrigo do disposto nos arts. 671º, nºs 1 e 3 e 672º, nº1, al. a), ambos do CPC.

Nas conclusões da sua alegação, suscita unicamente a questão da quantificação da indemnização, no tocante ao dano biológico, na vertente patrimonial, e aos danos não patrimoniais, pugnando pela confirmação dos valores arbitrados na 1ª instância.

8. Por sua vez, a autora interpôs recurso subordinado, reclamando a fixação da indemnização em EUR 20.000,00, quanto ao dano biológico.

9. Neste Supremo Tribunal, pela relatora, foi proferida decisão que, atendendo ao valor da sucumbência (cf. art. 629º, nº1), rejeitou o recurso principal e não tomou conhecimento do recurso subordinado (cf. art. 633º, nº3, do CPC).

10. Deste despacho veio a ré reclamar para a Conferência, alegando, para tanto, que:

- O valor da sucumbência deve aferir-se exclusivamente em função da decisão da Relação;

- Não há dupla conforme, pelo que nada obsta à admissibilidade do recurso de revista normal;

- Em todo o caso, mostrando-se verificados os requisitos previstos no art. 672º, nº1, al. a), do CPC, sempre seria de admitir a revista, como excecional.

11. A parte contrária não respondeu.

12. Cumpre, pois, apreciar e decidir se estão verificados os pressupostos gerais de recorribilidade de que depende a admissão do recurso, seja como revista normal ou excecional.


II – Fundamentação


13. Os factos a ter em conta na apreciação desta reclamação são os que constam do relatório.

14. Dos pressupostos de recorribilidade: valor da causa e valor da sucumbência


Estabelece-se no art. 629.º, n.º 1, do CPC que “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”.

A exigência complementar em razão da sucumbência foi introduzida no Código de Processo Civil pelo DL nº 242/85, de 9 de Julho e teve em vista restringir as questões que devem ser submetidas à apreciação dos tribunais superiores, evitando que sejam confrontados com decisões em processos, cujo valor ou sucumbência não exceda determinado montante.

A lei consagra, assim, um regime misto quanto à admissibilidade do recurso, fazendo depender a recorribilidade, cumulativamente, do valor da causa (alçada) e da proporção do decaimento (sucumbência), a qual deve ser superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão impugnada.

Nesta conformidade, uma vez que o valor da alçada da Relação está fixado em EUR 30.000,00 (cf. DL 303/2007, de 24 de Agosto e art.º. 44º, da Lei nº 61/13, de 26 de Agosto), os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça estão limitados, em regra, às decisões proferidas em processos cujo valor seja igual ou superior a EUR 30.000,01 e em que o recorrente tenha ficado vencido em valor igual ou superior a EUR 15.000,01.

Importa, porém, ter presente que, para efeitos de admissibilidade da revista, segundo a tese que fez vencimento no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 10/15, de 14.5.2015, DR, I Série, 123, de 26.6.2015, cuja doutrina subscrevemos sem reservas, “a parte que aceita tacitamente, não recorrendo, uma condenação, em 1ª instância não pode, perante a procedência, total ou parcial, na Relação, do recurso interposto pela parte contrária contra aquela decisão, interpor recurso de revista deste acórdão, invocando, como sucumbência, a diferença entre o valor do pedido inicial e o valor fixado na 2ª instância (como se a sucumbência na 1ª instância não tivesse, para ela, transitado em julgado).”

Em suma:

O valor da sucumbência relevante para a admissibilidade de recurso deve ser aferido, em caso de recurso para o Supremo, pela diferença entre o valor fixado no acórdão da Relação e o fixado na sentença de 1ª instância (se este não foi oportunamente impugnado pela parte que pretende interpor recurso de revista).

15. Dito isto, voltemos ao caso em apreço.

O valor da causa está - definitivamente - fixado em EUR 55.002,02, pelo que este requisito formal de admissibilidade do recurso para o STJ está assegurado.

O mesmo não sucede, todavia, com o valor da sucumbência.

Repare-se:

A 1ª instância condenou a ré a pagar à autora EUR 11.386,82, a título de indemnização por danos patrimoniais (sendo EUR 8.500,00, pelo dano biológico), bem como EUR 6.000,00, a título de danos não patrimoniais, importâncias acrescidas dos correspondentes juros de mora.

Condenou ainda a ré a pagar à autora o montante que se vier a liquidar posteriormente, relativo às despesas médicas e medicamentosas e demais despesas que a autora venha a fazer.

A ré conformou-se com esta decisão.

A autora, porém, interpôs recurso de apelação, insurgindo-se contra os valores arbitrados para compensar o dano biológico, bem como os danos não patrimoniais, tendo a Relação fixado a indemnização em 15.000,00 e em EUR 14.000,00, respectivamente.

É deste acórdão que vem interposta a presente revista, pedindo a ré a alteração dos montantes indemnizatórios fixados pela Relação tendo em vista a reposição dos valores fixados na 1ª instância.

Todavia, no caso concreto, como decorre do exposto, é inquestionável que a sucumbência relevante da ora recorrente não é superior a EUR 15.000,00.

É, pois, forçoso concluir pela inverificação do pressuposto geral de recorribilidade exigido pelo art. 629º, nº1, do CPC, o que obsta à admissibilidade do recurso, como revista normal, no pressuposto de que não existe dupla conforme.

16. Por outro lado, ainda que se estivesse perante uma situação de dupla conforme - e não está - o acesso à revista excecional não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (art.º. 671º), valor do processo ou da sucumbência (art.º. 629º, nº1), legitimidade (art.º. 631º) e tempestividade (art.º. 638º).

Como, a propósito, salienta Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, págs. 364 e 389, a revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo n.º 3, do art.º 671.º, do CPC, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição, designadamente os que respeitam à natureza ou ao conteúdo da decisão em face do art. 671º, ao valor do processo e da sucumbência.

Isto porque não pode deixar de haver uma íntima conexão entre o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 671º, do CPC e os n.ºs 1 e 3 do art. 672º, do mesmo Código. Daí que os requisitos da revista “normal” sejam também, hoc sensu,requisitos da revista excecional - requisitos cuja verificação esta necessariamente pressupõe.

Por isso, para se determinar se é, no caso, de admitir, a título excecional, a revista, não se pode deixar de começar por apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, rejeitando logo o recurso, sem necessidade de apreciação dos requisitos específicos, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos.[1]


* * *



III – Decisão

17. Nestes termos, acorda-se em indeferir a presente reclamação para a conferência, confirmando-se integralmente o despacho proferido pela relatora.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s.

Lisboa, 22.2.2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

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[1] Cf., neste sentido, entre outros, os acs. do STJ de 04-07-2017 (Alexandre Reis), 22.6.2017 (Fernanda Isabel Pereira), de 21.1.2016 (Silva Gonçalves) e de 8.10.2009 (Silva Salazar), todos disponíveis em www.dgsi.pt.