Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
413/18.1T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
HORÁRIO DE TRABALHO
TEMPO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I. Para se poder afirmar estarmos perante um acidente de trabalho, nos termos do art. 8.º e ss. da LAT, necessário se torna a verificação cumulativa do elemento espacial, isto é, que ocorra no local de trabalho, e do elemento temporal, ou seja, que ocorra dentro do tempo do trabalho e que exista também um nexo de causalidade entre o evento infortunístico e as lesões sofridas pelo trabalhador.

II. O facto de o acidente ter ocorrido, quando o Autor se encontrava no seu local de trabalho, a exercer funções complementares da atividade desenvolvida pela sua entidade empregadora e por esta determinadas, suscetíveis de trazer “proveito económico”, num sábado, dia em que a entidade patronal não se encontrava em laboração, é, para os devido efeitos, irrelevante.

Decisão Texto Integral:


\Proc. n.º 413/18.1T8PNF.P1.S1

(Revista)

Acordam, em Conferência, na Secção social, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Na sequência de uma ação emergente de acidente de trabalho intentada pelo Autor AA contra a Ré Generali Seguros, S.A., foi proferida sentença pelo Juízo de Trabalho ..., em 20/11/2020, que condenou a referida Ré a pagar ao primeiro:

A) I – a pensão anual, vitalícia e atualizável, no montante de € 10.698,67 (dez mil, seiscentos e noventa e oito euros e sessenta e sete cêntimos), a pagar de forma adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, respetivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro, pensão essa devida a partir de 11 de Agosto de 2018, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento, deduzida das quantias já pagas ao A a título de pensões provisórias;

II - a quantia de €7.362,34 (sete mil, trezentos e sessenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos) correspondente ao montante global de indemnização por via dos períodos de incapacidades temporárias que o sinistrado sofreu em consequência direta e necessária do acidente, lesões e sequelas dele emergentes, a que acresce juros de mora, a contar sobre a quantia diária de cada uma daquelas indemnizações, desde a data a que se reporta cada uma dessas quantias diárias, à taxa de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento; e

III - a quantia de € 30 com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-legal acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir 04-02-2019 até integral pagamento.

B) ao interveniente INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL:

I - as quantias correspondentes ao subsídio de doença pago por essa entidade ao autor € 4.691,75 (quatro mil seiscentos e noventa e um euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, acrescendo juros de mora, até efetivo e integral pagamento, à taxa de juro supletiva legal, após essa data.

 

Após, em 21/06/2021, foi proferido o seguinte despacho:

“Compulsados os autos, constata-se que a sentença proferida a 15/6/2021 padece de manifesto lapso de escrita e cálculo no que toca à pensão arbitrada ao sinistrado.

Na verdade, o sinistrado ficou a padecer de IPP de 90%, pelo que lhe assiste direito a pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho no valor de € 9. 912,00 (nove mil, novecentos e doze euros) (15.733,34 x 70% x 90%) e não de € 10.698,67 como ali se escreveu.

Assim, determino que se proceda à correção de tais lapsos a fls, 21 e 23 da sentença proferida, de molde a que onde se escreveu € 10.698,67 se leia € 9.912,00 (nove mil, novecentos e doze euros) - arts.º 614º CPC e 1º, n.º 2, al. a) CPT:

Lavre cota de que a presente decisão é parte integrante da sentença de 15/6/2021.”

E, por sua vez, em 03/07/2021, a seguinte decisão:

“Considerando que, no caso dos autos o A. ficou a padecer de IPP de 90% há que atentar ao disposto no art.º artigo 47.º/1, al. d) da LAT.

As partes foram ouvidas ao abrigo dos arts. 3º e 6º CPC, aplicável “ex vi” art.º 1º, n.º 2, al. a) CPT, apenas se tendo pronunciado o A., tendo a Carroçarias Irmãos Costa, LDA aderido à posição do A.

Decidindo.

(...).

Assiste ao A Sinistrado o direito a receber subsídio por elevada incapacidade, no valor de 4.617,23€, sendo da responsabilidade da R Seguradora, sendo devido desde 1 de agosto de 2018, acrescendo juros de mora a partir de tal data, o que se condena a R Seguradora a pagar ao A.

Registe e Notifique.”

Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que viria a proferir acórdão, em 17/01/2022 (com um voto vencido de uma Senhora Desembargadora), com o seguinte dispositivo:

Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes desta Secção em alterar as alíneas I) e K) dos factos assentes, de modo que passam a ter a seguinte redação:

I) No dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da Carroçarias Irmãos Costa, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.

K) O que fazia a cerca de 516 metros de distância do pavilhão referido na alínea EE), no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio ..., num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela Carroçarias Irmãos Costa e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela Carroçarias Irmãos Costa”.

No mais confirmar a sentença recorrida,

Custas da Apelação a cargo da Ré Seguradora (dado que apesar de ser alterada a matéria de facto, manteve-se o decidido de direito em 1ª instância).

2. Uma vez mais irresignada, interpôs a Ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões, que passamos a transcrever:

I. A actividade da segurada coberta pela apólice de seguro era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques (facto da alínea CC). Não se inclui nesta actividade, nem se pode considerar como perímetro exterior ao local de trabalho, a actividade de limpeza de mata que o recorrido se encontrava a exercer sozinho, num sábado à tarde, em período de encerramento daquela actividade, em terreno contíguo ao do estaleiro daquela segurada, ainda que pertença desta, a mais de 516 metros de distância, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio ..., num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno. Ao considerar aquela actividade como coberta por aquela apólice o acórdão recorrido fez uma errada aplicação da mesma apólice e do previsto no artº 406º do CC, no artº 81º da LAT e no artº 1º e ss do RJCS.

II. Por não ter ocorrido no local e tempo de trabalho, nem a actividade, na altura, exercida pelo recorrido ter utilidade económica para a patronal o acidente em apreço não pode ser qualificado como laboral, pelo que, ao fazê-lo, o tribunal recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do artº 8º da LAT.

III. Por violar os preceitos legais atrás citados nas conclusões anteriores o acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que absolva a recorrente do pedido.

TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se, em conformidade, por novo acórdão, a recorrente do pedido com o que se fará JUSTIÇA!

2. Contra-alegou o Autor, defendendo que o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se, na íntegra, a decisão recorrida.

3. Por despacho de 03/03/2022, da Senhora Desembargadora relatora, foi admito o recurso de revista e ordenada a subida dos autos.

4. Neste Supremo Tribunal, foi admitido, em 16/03/2022, o recurso de revista, com efeito devolutivo e determinado o cumprimento do disposto no art. 87.º n.º 3, do C.P.T.

5. O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 28/04/2022, douto parecer, no sentido de ser negada a revista e confirmar-se a decisão em questão.

Apenas o Autor, no exercício do contraditório, apresentou, em 11/05/2022, resposta, para dizer que aderia ao conteúdo do parecer do Ministério Público.

6. Realizada a Conferência, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

Considerando o teor das Conclusões do recurso interposto pela recorrente e da decisão recorrida, está em causa saber-se se, atento o local e tempo de trabalho concretamente desenvolvido no momento, o acidente sofrido pelo Autor deve ser qualificado como acidente de trabalho e, em caso afirmativo, se deve ser considerado coberto pela apólice de seguro.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (Transcrição):

“A. O Autor é sócio-gerente da sociedade Carroçarias Irmãos Costa Lda., pessoa colectiva n.º 502490268, como sede na Rua da Zona Industrial, n.º 145, 4630-000 na cidade do Marco de Canaveses.

B. A referida sociedade tem por objeto o comércio e Indústria de carroçarias, fabricação de estruturas de construções metálicas e montagem dos mesmos.

C. A R Carroçarias Irmãos Costa, Lda dedica-se ao fabrico de carroçarias basculantes e metalomecânica pesada para máquinas, camiões e afins, construindo e reparando equipamentos, sobretudo equipamentos para indústria de extracção de pedra e actividade florestal.

D. A R Carroçarias Irmãos Costa, Lda está inscrita no CAE 29200–R3, 25110-R3 e 43992-R3,

E. O Sinistrado AA, foi vítima de um acidente de trabalho, no dia 09 de Dezembro de 2017, um sábado, do qual resultou amputação traumática da sua perna direita. (Eliminada, expressão sublinhada)

F. O Sinistrado é gerente da sociedade Carroçarias Irmãos Costa, Lda., pessoa colectiva 502 490 268 – certidão permanente 6831-4456-0037, com sede na Rua da Zona Industrial, 145, no concelho do Marco de Canavezes, Freguesia de Bem-Viver.

G. Enquanto gerente o A tinha regime de isenção de horário.

H. O Sinistrado habitualmente opera máquinas pesadas, nomeadamente, giratórias e dumpers, que são propriedade da empresa.

I. No dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se na sede da empresa, a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da Carroçarias Irmãos Costa, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno”.

Alterado para:

I) No dia 09 de Dezembro de 2017, por volta das 16:00, o Sinistrado encontrava-se a proceder à limpeza do terreno e abertura de acessos para veículos de emergência e socorro, utilizando para o efeito uma máquina giratória, que lhe permitia colocar uns toros de madeira queimada no “dumper”, propriedade da Carroçarias Irmãos Costa, Lda, para posteriormente os colocar num local destinado a aterro sito no próprio terreno.

J. O A estava a carregar pequenos troncos e destroços de madeira com uma máquina giratória, de marca Komatsu PC210, nº K20327, num equipamento denominado de dumper no prédio rústico, a pinhal, denominado ..., sito em ..., freguesia de ..., concelho do Marco de Canavezes, artº 1415R da matriz, com a área de 1,870000m2, inscrito em nome da sobredita segurada.

K. O que fazia a cerca de 516 metros de distância daquele dito pavilhão, no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio ..., num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela Carroçarias Irmãos Costa e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela Carroçarias Irmãos Costa”.

Alterado para:

K) O que fazia a cerca de 516 metros de distância do pavilhão referido na alínea EE), no meio do monte e floresta, já próximo e nas encostas do rio ..., num local ermo e com inclinação acentuada, de acesso só a pé ou por veículo todo terreno, mas que era usado para fazer testes a máquinas e maquinismos produzidos pela Carroçarias Irmãos Costa e para dar formação a clientes e trabalhadores da referida empresa na utilização de máquinas e maquinismos produzidos e/ou vendidos pela Carroçarias Irmãos Costa.

L. O sinistrado trabalhava com a máquina giratória que pertencia à segurada da ré.

M. Um toro de madeira resvalou do “dumper”, atingindo a giratória onde o Autor se encontrava a trabalhar.

N. Apanhando a perna direita do Autor e esmagando-a.

O. O Autor ficou encarcerado dentro da máquina várias horas.

P. Os troncos ou pedaços de madeira carregados, pela sua escassa grossura, não superior a 20 cm de diâmetro, não podiam servir para tábuas para construção de carroçarias ou para cofragem na construção.

Q. A segurada da ré, a dita sociedade Carroçarias Irmãos Costa, Lda., estava, como está, encerrada e sem laboração aos sábados à tarde.

R. Um dos destroços, de madeira de eucalipto, escorregou na traseira do dito dumper, embateu na parte de baixo do vidro frontal da referida máquina giratória, partiu-o, invadiu a cabine aonde se encontrava o autor, após o que lhe esmagou a parte inferior da perna direita.

S. A máquina giratória não tinha grade ou qualquer protecção no vidro frontal da cabine, para evitar a invasão de objectos projectados.

T. Tal grade e protecção podiam ser colocadas.

U. Os trabalhos em causa não tinham análise específica de riscos e não havia documento contendo os procedimentos específicos a adoptar.

V. O autor não tinha formação certificada naquele tipo de actividade de carga com equipamentos industriais.

W. O A foi transportado pelos serviços de urgência para o Hospital ... em ..., onde ficou internado para regularização do coto de amputação.

X. Em 20 de Dezembro de 2017, devido a necrose de pele e infeção local, fez amputação supracondiliana do joelho.

Y. Foi encaminhado, posteriormente para o Hospital ....

Z. A consolidação médico-legal foi atribuída a 10 de Agosto de 2018.

AA. Do acidente resultaram para o Autor as lesões constantes do relatório médico de fls. (...), o qual considerou-o curado com uma IPP de 90%.

BB. A Entidade Patronal Carroçarias Irmãos Costa transferiu a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho para a Ré através do contrato de seguro de acidentes de trabalho, como esta assumiu na tentativa de conciliação.

CC. A actividade da segurada coberta por essa apólice, e natureza dos trabalhos a segurar, indicada na proposta de seguro da mesma apólice, era a de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques aonde sob a epígrafe dados do risco constava actividade económica (C.A.E.) fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques e sob a epígrafe questionário geral constava natureza dos trabalhos a segurar com indicação da actividade: fabricação de carroçarias, reboque e semi-reboques.

DD. O local de trabalho do autor era na Rua Zona Industrial, nº 145, Favões, Marco de Canavezes.

EE. E correspondia ao pavilhão industrial no qual a segurada exercia a sua actividade.

FF. O Sinistrado auferia uma retribuição anual ilíquida de € 15.733,34 assim encontrada: - € 1.040,00 x 14 meses- acrescido de € 93,94 x 11 meses.

GG. Na tentativa de conciliação realizada durante a fase não contenciosa do processo, cujo auto consta de fls. (...), a Ré Seguradora:

- Aceitou a transferência do salário de € 15.733,34;

- “Recusa qualquer responsabilidade na reparação do acidente dos autos, em virtude do mesmo ter ocorrido na execução de tarefas que não tem enquadramento na actividade segura pelo acidente de trabalho em causa, pelo que não se encontra abrangido pelas respectivas garantias. E ainda se constatou as mais elementares regras de segurança e ausência de formação para a execução da tarefa em causa, facto que também afastaria a responsabilidade da sua representada na reparação do acidente”.

HH. O sinistrado nasceu em .../.../1966.

II. Ao A não foi paga a quantia de €7.362,34 relativa a diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias

JJ. O Autor gastou em deslocações ao Tribunal a quantia de € 30,00.

Por seu turno, com interesse para a decisão, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, que:

i) O A visava transportar os toros até à serração, de forma a serem convertidos em tábuas, que serviriam para a construção de carroçarias em madeira ou para tábuas de cofragem na construção.

ii) Os toros de madeira carregados pelo A não tinham qualquer préstimo para a segurada.

iii) Os toros de madeiras obtidos como referido em I) da factualidade provada eram para uso, benefício e ulterior consumo particular do A.

iv) A colocação da grade já antes do sinistro tinha sido recomendada como EPC de melhoria à segurada, entidade patronal, pela CISM 2 Europe, empresa responsável pela segurança no trabalho daquela, por relatório de avaliação dos riscos de 19.04.2017.

v) A Carroçarias Irmãos Costa sabia dessa recomendação.

vi) Tal grade e protecção evitariam a dita invasão da cabine por objectos projetados, como teria evitado.”

2. Ora, tendo-se em consideração a matéria de facto dada como assente, não restam dúvidas de que o acidente sofrido pelo Autor/sinistrado tem de ser qualificado como acidente de trabalho, nos termos do estatuído no arts. 8.º, 9.º e 10.º, da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04/09).

Com efeito, independentemente de ocorrer ou não no tempo e no local de trabalho, o que releva fundamentalmente para que um acidente possa ser considerado como de trabalho é que o trabalhador se encontre, no momento da sua verificação, sob a autoridade da entidade empregadora e se encontre a executar um serviço ou tarefa por ela determinado, como acontecia efetivamente, na situação em análise.

Na verdade, como bem salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu completo e assertivo parecer, o acidente de trabalho é um acontecimento não intencionalmente provocado (pelo menos, pela vítima), de caráter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde, imputável ao trabalho, no exercício de uma atividade profissional, ou por causa dela, de que é vítima um trabalhador (Cfr., nesse sentido, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2001, pg. 35).

Assim, para se pode afirmar estarmos perante um acidente de trabalho necessário se torna a verificação cumulativa do elemento espacial, isto é, que ocorra no local de trabalho, e do elemento temporal, ou seja, que ocorra dentro do tempo do trabalho e que exista um nexo de causalidade entre o evento infortunístico e as lesões sofridas.

Acompanhando ainda a posição do Senhor PGA, o facto do acidente ter ocorrido num sábado, dia em que a entidade patronal não se encontrava em laboração, é, para os devidos efeitos, irrelevante, dado o atual regime dos acidentes de trabalho ter como pedra de toque a denominada teoria do risco económico, também designada teoria do risco de autoridade, nos termos da qual um dos elementos preponderante para a qualificação de um acidente como laboral é a circunstância de no momento daquele evento o trabalhador estar sob a autoridade da sua entidade patronal.

Nesta conformidade, e para concluirmos, tendo ocorrido o evento infortunístico quando o Autor, gerente da Carroçarias Irmãos Costa, LDA, se encontrava no seu local de trabalho, a exercer funções complementares da atividade desenvolvida pela sua entidade empregadora e por esta determinadas, suscetíveis de trazer “proveito económico” e existindo também nexo de causalidade entre o evento e as lesões sofridas por aquele, o acidente em questão terá de ser considerado como acidente de trabalho.

Por fim, demonstrado que ficou que a entidade patronal tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré/seguradora, através de contrato de seguro, deverá ser esta última  a responsável pelas consequências indemnizatórias devidas ao Autor, em virtude do acidente que sofreu.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e, consequentemente, confirmar-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/01/2022.

Custas pela recorrente.

Anexa-se Sumário (art. 663.º n.º 7, do C.P.C.)

Notifique.

Lisboa, 07/09/2022

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Júlio Gomes

Ramalho Pinto