Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98P1409
Nº Convencional: JSTJ00037084
Relator: BRITO CÂMARA
Descritores: RELATÓRIO SOCIAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
ROUBO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONSUMPÇÃO
Nº do Documento: SJ199904140014093
Data do Acordão: 04/14/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N486 ANO1999 PAG110
Tribunal Recurso: T CIRC PORTIMÃO
Processo no Tribunal Recurso: 128/97
Data: 10/06/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO / CRIM C/PESSOAS / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPP87 ARTIGO 127 ARTIGO 370.
CP95 ARTIGO 132 N2 C F G ARTIGO 202 A ARTIGO 204 N1 A N2 F ARTIGO 210 N2 A B ARTIGO 212.
Sumário : I - O relatório social destina-se a dar testemunho de factos que interessam para a caracterização da personalidade do arguido e a fixação da pena e não, propriamente, a colocar à disposição do tribunal juízos de valor sobre o passado, o presente e o futuro daquele. Não sendo um relatório pericial (o artigo 1, n. 1, alínea g), do actual CPP, define-o como "informação") os eventuais juízos de valor nele formulados pelo técnico não vinculam o juiz e os factos a que se reportam serão dados ou não como provados de acordo com o princípio geral da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127, do mesmo código. Logo, se eventualmente aquele relatório contiver conclusões, não está o juiz obrigado a fundamentar a decisão de facto que delas divirja, como seria mister que fizesse (ex vi artigo 163, do CPP) se de um autêntico juízo técnico, científico ou artístico se tratasse.
II - O princípio "in dubio pro reo" só é aplicável na decisão sobre a matéria de facto e não, na interpretação das normas jurídicas.
III - Nos crimes de furto e roubo, não é essencial que o ofendido seja o proprietário e detentor da coisa furtada ou roubada, bastando que esta não pertença ao arguido.
IV - Se os arguidos, segundo plano previamente acordado entre todos e em acção conjunta, com uma pistola, mataram o taxista para se apropriarem, como se apropriaram, do dinheiro que este tinha consigo (cerca de 25000 escudos) e se, só depois, resolveram fazer seu, também, o táxi (no valor de 850000 escudos) que aquele conduzia mas que pertencia a um terceiro, cometem, em concurso real, dois crimes de roubo - p.p. pelos artigos 210, n. 2, alíneas a) e b), e 204, n. 2, alínea f), este conjugado com o n. 1, alínea a), do mesmo artigo, 202, alínea a), (o do automóvel) e pelos artigos 210, n. 2, alíneas a) e b), e 204, n. 2, alínea f) (o do dinheiro), todos do CP - e um de homicídio qualificado (artigo 132, n. 2, alíneas c), f), e g), do CP).
V - Já os danos causados, pelos arguidos, no veículo, designadamente, no rádio, depois de se terem apropriado dele, não são puníveis autonomamente como crime de dano do artigo 212, sob pena de violação do princípio "ne bis in idem", já que o conteúdo criminal de tal crime acha-se já consumido pela punição do roubo.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça os Juizes que a compõem nos seguintes termos:
I
Mediante acusação do Ministério Público foram julgados e condenados no Processo Comum Colectivo do Círculo de Portimão os arguidos
A, nascido em 6 de Novembro de 1979 e B, nascido em 13 de Outubro de 1980.
O arguido A foi condenado como co-autor de 1 crime de homicídio dos artigos 131 e 132, n. 1 e n. 2 alíneas c) e) f) e g) do Código Penal na pena de 19 anos de prisão - redacção de 1995.
O arguido B foi condenado como co-autor daquele crime na pena de 18 anos de prisão.
O arguido A como co-autor de um crime de furto qualificado dos artigos 203 e 204, n. 1, alíneas a) e d) do Código Penal, tendo por objecto um veículo automóvel, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão - redacção de 1995.
O arguido B como co-autor deste mesmo crime na pena de 2 anos e 4 meses de prisão.
O A como co-autor de um crime de furto simples do artigo 203 do Código Penal, relativamente a uma quantia de dinheiro, na pena de 7 meses de prisão - redacção de 1995.
O arguido B como co-autor do mesmo crime em pena idêntica à anterior.
O arguido A como co-autor de um crime de dano do artigo 212, n. 1 do Código Penal na pena de 7 meses de prisão - redacção de 1995.
O arguido B como co-autor deste crime em pena idêntica à anterior.
Em cúmulo jurídico foram condenados:
1) O A na pena de 19 anos de prisão.
2) O B na pena de 18 anos de prisão.
Inconformados recorreram ambos para este tribunal tendo apresentado as suas motivações respondendo-lhes o Senhor Procurador da República.
Não tendo renunciado a alegações orais procedeu-se ao julgamento com observância do formalismo legal como da acta consta.
II
A) Conclusões do recorrente B:
1) A decisão do tribunal "a quo" ao não provar com o grau de certeza que lhe é exigível qual o motivo certo e determinado que compeliu os agentes ao crime, bem como ao aludir atrabiliária e sucessivamente "em usarem" o dinheiro para se divertirem ou para pagarem dívidas, em gastá-lo em diversões ou no que lhes apetecesse, referindo-se aos recorrentes, bem como ao gastarem em divertimentos e no pagamento de dívidas "que tinham" em virtude de estragos praticados numa motorizada, quando se dá como provado que a dívida era da responsabilidade pessoal do arguido A, sempre aludindo aos mesmos recorrentes, incorreu no vício da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal.
2) A decisão recorrida baseia-se assim em factos contraditórios entre si, quer na matéria de facto dada como provada quer na respectiva fundamentação sendo tal contradição insanável - artigo 410, n. 2 do mesmo diploma.
3) A decisão deu como provados, por exemplo, o facto de ter havido acordo prévio entre os arguidos, tendo havido um fundamento sério na execução do crime mas não podia fazê-lo pois em simultâneo deu como assente que os arguidos, para tal, tinham "trocado umas impressões" e num espaço de tempo que mediou a meia hora. À face da experiência comum e para um observador médio tais factos são impossíveis de se verificar quando concomitantes sendo o erro manifestamente ostensivo.
4) Tal erro foi de importância vital na economia do acórdão porque desse acordo prévio foi aferida a dimensão da culpa do recorrente e ficando este em causa, tudo o mais ficará também em crise por força do princípio do nexo de causalidade adequada consagrada na lei.
Esse erro notório na apreciação da prova está previsto no artigo 410, n. 2 alínea c) do Código de Processo citado.
5) A decisão recorrida incorreu ainda no vício da insuficiência da matéria de facto - artigo 410, n. 2 alínea a) desse diploma - porque não tomou em consideração todos os factos susceptíveis de enquadrarem a actuação do recorrente na figura de cúmplice (artigo 27 do Código Penal) fazendo ingressá-la no conceito de co-autoria que não ocorreu.
6) No acórdão seguiu-se um processo ilógico, nada racional na apreciação da prova senão violadora das regras da experiência comum, deficiência que infirma a apreciação do direito por parte deste tribunal - artigo 433 do Código de Processo Penal - e que à semelhança das atrás referidas coloca ao Supremo Tribunal uma sindicância que lhe compete fazer, determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento - artigos 426 e 433 do Código de Processo Penal.
7) Apesar do artigo 127 deste diploma estatuir que a prova é apreciada segundo a livre convicção do tribunal, existem limites a essa mesma liberdade, não tendo o acórdão, ao fixar a medida concreta da pena, atendido às conclusões do relatório social.
Com efeito não atendeu ao Decreto-Lei n. 401/82 de 23 de Setembro e, sendo a discricionaridade de apreciação juridicamente vinculada, para observância correcta do princípio da igualdade, o acórdão não se baseou num juízo científico para afastar o valor do relatório que tem o valor probatório da perícia prevista no artigo 163 do Código de Processo Penal, mas antes em juízos fortemente subjectivos que não respeitaram as bases de facto do julgamento neste aspecto.
8) Assim deveria ter sido atenuada especialmente a pena, em atenção à idade e personalidade do jovem delinquente, de acordo com os artigos 72 e 73 do Código Penal, ainda que fosse com recurso ao princípio geral
"in dubio pro reo" apesar de se tratar de matéria de direito (cfr. Acórdão deste tribunal de 6 de Abril de 1994 in B.M.J. 436, 248 que sentenciou que em matéria desta natureza, quando haja dúvida não esclarecida sobre o verdadeiro sentido das normas legais, pode e deve usar-se daquele princípio).
Assim deve decretar-se o reenvio do processo ou se assim não for decidido a pena de prisão de 18 anos deve ser substancialmente reduzida - artigo 72 do C P e Decreto-Lei n. 401/82.
B) Conclusões do recorrente A:
1) Os factos apurados pelo tribunal, conjugados com os resultantes dos documentos do processo, demonstram que o arguido não cometeu o crime de homicídio voluntário pois não quis matar a vítima mas sim roubá-la.
2) Face à matéria probatória apresentada em julgamento o tribunal deveria ter concluído que o recorrente previu como possível - mas não aceitou - que da sua conduta resultasse o evento letal e, na dúvida, deveria ter dado acolhimento à versão do recorrente ("in dubio pro reo" - artigo 32 da Constituição) - houve negligência consciente.
3) E os factos constantes dos documentos invocados devem ser atendidos por este tribunal - artigo 410 n. 2 do Código Penal.
4) Ainda que se admita que o recorrente disparou voluntariamente a arma na direcção da vítima e que aceitou como possível o elemento letal, deve o seu acto ser punido pelo artigo 137 do Código Penal ou pelo artigo 145 deste diploma - homicídio preterintencional.
5) A pena deve ser substancialmente reduzida quando a conduta do arguido se deva enquadrar no artigo 132 do Código Penal pois revelou-se um grau de culpa ténue, além de que se impunha o uso da faculdade do artigo 73 do Código Penal como resultado de aplicação do
Decreto-Lei n. 401/82, ficando a pena abaixo do mínimo daquele dispositivo.
Isto no caso de o recurso não proceder por alguma das vias atrás referidas.
III
A matéria de facto provada na 1. instância é a seguinte:
1- No dia 6 de Julho de 1997, os arguidos A, B e C, amigos há
algum tempo, encontraram-se no Bar "Buraco 19", situado na Marina de Vilamoura, entre as 22 horas e as 00 horas, local onde permaneceram até cerca da 1 hora e 30 minutos.
2- Após terem saído do referido bar e enquanto passeavam na zona da Marina de Vilamoura, trocaram impressões sobre uma dívida do arguido A relativa a uns estragos que fizera num motociclo e na falta de dinheiro de ambos os arguidos e do menor C para se divertirem.
3- A certa altura lembraram-se de que seria uma boa ideia assaltar um taxista para lhe tirar o dinheiro.
4- No entanto aperceberam-se, desde logo que para não serem apanhados teriam que matar o taxista, com a arma que o arguido A possuía consigo na altura.
5- Arma essa de Marca Rech, de cor preta a gás, mas alterada para disparar projecteis de 6,35 milímetros (auto de exame de folha 107).
6- Não obstante tal facto, elaboraram um plano para atraírem um taxista, retirar-lhe o dinheiro e a vida, para depois se divertirem com o dinheiro ou o usarem para pagarem quaisquer despesas ou dívidas.
7- No seguimento de tal plano traçado e dos contributos estabelecidos de cada um para o plano, deslocaram-se a uma das cabinas telefónicas colocadas perto do actual cinema de Vilamoura e antigo casino.
8- Chegados ao local o B ligou para a praça de taxis de Vilamoura, solicitando a presença de um taxi, para se transportarem e cujo taxista pretendiam matar e retirar o dinheiro.
9- Após terem feito a chamada, entre as 2 horas e as 3 horas da madrugada do dia 7 de Julho de 1997, deslocaram-se para o passeio situado em frente ao cinema e junto a uma palmeira plantada entre o referido cinema e o edifício "Lusotur".
10- Alguns minutos depois chegou ao local o veículo "NISSAN BLUEBIRD 2.ODSLX", matrícula VA-17-01, cor preta e verde, no valor de 850000 escudos conduzido por D e pertencente a E.
11- Nos termos do plano traçado, o arguido A sentou-se atrás do taxista, local onde o podia alvejar sem resistência e sem ser notado por aquele, o arguido B sentou-se também no banco de trás do lado direito (atento o sentido de marcha do veículo) e o C sentou-se no lugar da frente junto ao motorista.
12- Pediram então ao taxista que os conduzisse para junto da Praia dos Olhos de Água, local que pensavam ser suficientemente calmo para aí matarem o taxista, o que aquele fez seguindo o trajecto descrito a folhas
114 e 167 e fotografado a folhas 118 a 120.
13- Chegados ao local e visto aí se encontrar uma brigada da G.N.R. - B.T. pediram ao taxista que os levasse a Albufeira.
14- Onde passaram pelo menos junto ao Bar "Grasshoper" e "Choque Frontal", sitos em Santa Eulália, à discoteca "KISS" em Albufeira ao restaurante residencial "Água Viva", também em Albufeira e na Avenida Sá Carneiro, em Montechoro.
15- Como não encontrassem o local ideal para concluir o plano pediram ao taxista que se deslocasse para a zona residencial de Montechoro.
16- Numa das Ruas do referido local, ao que se presume na Rua António Sérgio, quase em frente ao "Marina Sol", os arguidos pediram ao taxista que imobilizasse o veículo e o C fingiu que ia pagar a despesa, pegando na sua carteira, ficando à espera, que tal como combinado, o A disparasse sobre o taxista.
17- Após o C ter pedido a carteira aos arguidos para fingir que procurava dinheiro nestas, o arguido A apontou a arma que trazia consigo à cabeça do taxista e perto desta disparou a arma.
18- O projéctil disparado, provocou um orifício no temporal direito com cerca de 1,1 centímetros e uma ferida "(...) contusa, perfurante, ligeiramente ovalada, com bordos irregulares com 0,6 centímetros no seu maior eixo, que apresenta uma orla de contusão e zona de queimadura, em forma ligeiramente semi lunar, correspondente ao orifício de entrada do projéctil de arma de fogo" na mesma região.
19- Tendo como direcção "(...) o orifício de entrada na região temporal direita, perfuração do músculo temporal, e do osso temporal, perfuração da massa encefálica em trajecto único e rectilíneo da direita para a esquerda, perfuração do osso temporal esquerdo e extremidade do trajecto fechado em foco hemorrágico do músculo temporal esquerdo", aí provocando um orifício" circular que mede 0,4 centímetros de diâmetro.
20- Tal ferimento provocou "traumatismo do crânio, com contusão do encéfalo", com "graves lesões traumáticas cranio-encefálicas...", sendo causa necessária da morte.
21- Tal disparo atenta a posição do arguido da vítima e do arguido A, não foi por aquela percebida, estando impossibilitada de se aperceber da agressão e dela se defender, não demonstrando "sinais de defesa activa ou passiva, ou sinais de luta".
22- Em razão do disparo a vítima tombou para a frente e imediatamente o arguido A saiu do carro dizendo "despachem-se, despachem-se, ajudem-me a tirar o corpo".
23- Ajudado pelo B e pelo C colocaram o corpo da vítima no banco traseiro do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo e o arguido A tomou a direcção do táxi.
24- De imediato abandonaram o local em direcção a Silves.
25- A dada altura, em local indeterminado e numa zona de mato, o arguido A parou o carro e com a ajuda do C tirou a vítima do banco traseiro, colocando-o na bagageira e com a ajuda do arguido B procederam a uma revista ao carro com vista a procurar dinheiro.
26- Tendo encontrado, numa bolsa da porta do carro algumas notas e umas moedas junto a um compartimento na zona do travão de mão, num total indeterminado que rondaria os 25000 escudos, dos quais ainda vieram a ser apreendidos posteriormente aos arguidos 24427 escudos e 50 centavos.
27- De seguida o A arrancou o rádio comunicador do táxi e o C cortou os fios com um canivete, tendo então atirado o referido rádio para os arbustos, inutilizando-o, rádio esse avaliado em cerca de 200000 escudos e não recuperado.
28- Em virtude do transporte do corpo no banco de trás, este banco viria a ficar manchado de sangue.
29- Seguindo viagem e interrogando-se sobre o que fariam a seguir, combinaram ir para a zona do Barreiro, onde arranjariam maneira de se desfazer do carro queimando-o ou vendendo-o, dirigindo-se depois ao encontro de uns primos do arguido A.
30- Assim tomaram a estrada para Lisboa.
31- No decurso da viagem e ponderando sobre o que fazer do corpo, acabaram por sair da estrada na zona onde existe um desvio para Boião - Azilheira.
32- Percorreram cerca de 4 Quilómetros e conduziram o táxi por um local com acesso da Odelouca na área de São Bartolomeu de Messines.
33- Aí, retiraram o corpo de dentro da bagageira e transportaram-no até ao ribeiro que aí corre, tendo o A e o C puxado o corpo para dentro de água com vista a fazer que seguisse na corrente, bem como à roupa da vítima entretanto despida nas sucessivas mudanças do corpo, o que não veio a acontecer, tendo sido encontrado no mesmo local em que fora deixado.
34- Seguindo posteriormente para a Moita onde viriam a ser detidos no Lugar do Pinhal do Forno, Alhos Vedros entre as 9 horas e as 10 horas dessa mesma manhã.
35- Os arguidos agiram livre e conscientemente bem sabendo que as suas condutas, para além de bastante censuráveis eram proibidas e punidas por lei.
Os arguidos em comunhão de esforços e auxiliados pelo C quiseram tirar a vida ao taxista D.
Agiram concertadamente planeando calma, reflectida e minuciosamente o modo de execução, aproveitando o arguido A a distracção provocada pelo C e B para agir contra a vítima sem resistência desta, que foi atacada desprevenida sem hipótese de se defender.
Agiram motivados pelo propósito de apenas retirar dinheiro, fosse qual fosse a quantia, com vista a gastá-lo em diversões ou no que lhe apetecesse e motivados também pela necessidade de ocultarem os ilícitos também planeados e executados.
Os arguidos quiseram retirar o veículo ao seu legítimo dono, fazendo-o seu com vista a nele se transportarem e depois o venderem ou destruírem, conforme lhes fosse mais fácil ou útil, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade do legítimo dono.
Os arguidos quiseram retirar à vítima o dinheiro que encontraram no táxi, com vista a fazê-lo seu e a gastá-lo, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono.
Os arguidos quiseram destruir o rádio comunicador instalado no táxi para comunicar com a central e outros taxis, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia.
PROVOU-SE AINDA:
36- Ambos os arguidos são primários.
37- O arguido A não demonstrou qualquer arrependimento, assim como o arguido B.
38- O arguido B era estudante e vivia com os pais, pertencendo a família de modesta, mas de estável condição social, tendo ambos os progenitores meio de sustento certo.
O arguido B fugia frequentemente de casa, denotando um acentuado absentismo escolar, não possuindo a escolaridade mínima.
39- O arguido A morava com o pai e a madrasta sendo o seu agregado de modesta condição social.
40- O arguido A não concluiu o 2. ano do ensino básico, tinha hábitos de trabalho irregulares e incertos.
41- Os arguidos prestaram declarações no decurso do julgamento não tendo confessado os factos pelos quais vinham acusados.
42- A vítima era solteiro e vivia com o pai e uma filha menor. Trabalhava como taxista há cerca de três anos, para o ofendido E.
IV
1) Das deficiências do acórdão em matéria de facto quanto ao recorrente B.
Para acusar estas deficiências baseia-se o recorrente no argumento de que não se provaram os factos dele constantes.
E daí parte para enfraquecer a factualidade que vem seguidamente descrita fazendo juntar àquele argumento a apreciação de vícios da decisão que entende como reais.
Ora o Supremo Tribunal de Justiça não pode controlar a qualidade do juízo que o tribunal recorrido efectuou para dar como assentes ou não os factos referidos na decisão - cfr. artigo 433 do Código de Processo Penal de 1995 - Decreto-Lei n. 317/95 de 28 de Novembro.
Só nos casos referidos no artigo 410 se pode censurar o Tribunal Colectivo.
Por isso, a apreciação crítica que o recorrente faz quanto ao colectivo por ter dado como provados factos que no entender daquele não o estavam, é completamente prescrita por aqueles normativos.
Mesmo olhando apenas aos factos descritos quando confrontados entre si não existe qualquer deficiência do texto entre os previstos nas três alíneas do n. 2 do artigo 410.
A expressão verbal usada pelos arguidos, segundo o colectivo apurou, para combinarem as infracções, aparece transcrita nos ns. 2, 3 e 4, da matéria de facto e não ficam quaisquer dúvidas que os arguidos queriam apoderar-se do dinheiro da vítima, como consta do facto n. 6.
Isto é que era o fundamental para os arguidos, pouco interessando saber quais eram os objectivos últimos do uso do dinheiro pois a avidez fica bem retratada com o objectivo primacial e completada pela afirmação do colectivo sobre o divertimento com dinheiro ou uso deste para pagamento de despesas ou dívidas (consoante a necessidade que viesse a verificar-se, subentende-se) já que não era para finalidade moralmente relevante que iriam gastar o dinheiro (cfr. artigo 132, n. 2, alínea c) do Código Penal de 1982).
Ao contrário do alegado pelo recorrente o objectivo decisivo dos arguidos era a obtenção do dinheiro que está retratada designadamente no facto 6. da descrição dos factos provados.
O recorrente interpreta mal o texto pois secciona-o em frases isoladas e despreza o facto n. 6 conseguindo, assim, um involuntário afeiçoamento do texto ao seu objectivo, que era demonstrar que o colectivo não conseguiu apenas o motivo do crime.
Mas este procedimento não tem qualquer lógica e conduz normalmente à obtenção de sentido do texto que nele não se contem.
E é o caso.
O texto da decisão deve ser interpretado como um todo e não fragmentariamente.
Os factos dados como provados, quanto às infracções cometidas, demonstram totalmente o acordo prévio dos arguidos e a aceitação prévia, por cada um deles, de todos os actos que se seguissem para o executar desde que cometidos por um deles, não importando quem, o que integra a co-autoria - artigo 26 do Código Penal.
Também não é impossível, segundo a experiência comum, que tenha ficado acordado entre os arguidos matar a vítima e roubá-la nos momentos próximos do crime e que o antecedem de perto.
Improcede assim a crítica do recorrente.
O colectivo obteve factos que integram não apenas o dolo - artigo 14 do Código Penal - mas também o móbil do crime.
Ora nem sempre o móbil do crime tem de ficar provado para que o crime se consuma.
Como se refere no lapidar acórdão deste Tribunal de 9 de Novembro de 1994 (B.M.J. 441, página 49) a motivação do crime e o dolo são categorias distintas.
O móbil é o sentimento que determina a acção e define-se por uma relação ao delinquente.
A intenção define-se pela relação à infracção e é uma forma de imputação que se preenche com a representação do facto em alguma das três modalidades admitidas nos ns. 1, 2 e 3 do artigo 14 do Código Penal.
"Excepcionalmente o móbil é integrado pelo direito, se a lei o exige em elemento constitutivo da infracção de tal modo que, para este existir, é necessário provar tanto a intenção ordinária como o móbil particular exigido pela lei, então qualificado de dolo especial, com repercussão na pena.
Não é o caso dos artigos 131 e 132 do Código Penal.
Neste último o móbil aparece como uma circunstância agravante qualificativa, determinando uma pena mais grave do que no homicídio simples". E nada mais.
E eis como, por força da clareza deste acórdão e deste Supremo Tribunal de Justiça, antecedido de outros no mesmo sentido - página 52, nota, desse boletim - se põe a nú a total falta de razão do recorrente ao pretender demonstrar que o colectivo não apurou o motivo do crime.
É que o colectivo não só o apurou como, na hipótese em que não o tivesse conseguido, a sua falta não impedia que a restante factualidade fosse suficiente para integrar, só por si, o tipo legal do homicídio do artigo 132 do Código Penal.
O móbil do crime não é elemento constitutivo da infracção citada mas tão só uma circunstância qualificativa agravante.
Claro está que, apurado o móbil, sem reflexo na medida concreta da pena, tanto melhor será para a qualidade da decisão.
Mas, na sua falta, não é caso de anulação para que o tribunal o averiguasse suposto que o mesmo constasse da acusação e o tribunal não se tivesse pronunciado sobre isso.
Por isto, se existe, como diz o recorrente, um velho ditado jurídico segundo o qual "não existe crime onde não existe motivo", desconhecido para nós, então tal aforismo está errado porque pode existir crime sem motivo...
2) Do exposto decorre com evidência que houve co-autoria e esta traduzida por um acordo prévio abrangendo todos os actos que se seguiram, sendo a actuação do recorrente não apenas co-adjuvante do outro arguido e do C mas essencial para que o crime de homicídio e o de roubo fossem praticados, de tal modo que sem a actuação do arguido se pode concluir que o crime não teria sido cometido (Ed. Correia "Direito Criminal", "Col. Studium", página 116).
Com efeito o posicionamento do arguido B e do seu co-arguido na parte de trás do táxi, no assento traseiro, enquanto o C se acomodava ao lado da vítima, no banco da frente, era essencial para que aquela fosse dominada caso o tiro não fosse totalmente eficaz (cfr. artigo 27, n. 1 do Código Penal).
Houve assim co-autoria, na modalidade mais grave e não como cumplicidade, por parte do recorrente B e também do co-arguido A, improcedendo a argumentação expandida, não havendo qualquer deficiência na matéria de facto nem insuficiente subsunção por parte do colectivo neste facto particular.
Aliás, a afirmação do recorrente B de que ele não aderiu nem aproveitou do resultado do crime, é extraída do que em audiência teriam declarado o C, o recorrente e a testemunha F, assunto que não está ao alcance deste tribunal - visto que tais depoimentos não estão gravados - em face do princípio da oralidade que vigora no processo penal português.
Daí que seja desprovido de razão afirmar-se que o colectivo usou mal o poder de livre apreciação da prova referido no artigo 127 do Código de Processo Penal.
Quanto ao desrespeito do disposto no Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro não tem o recorrente razão.
O relatório social está junto aos autos e foi tomado em conta pelo colectivo como se vê da fundamentação do acórdão.
O colectivo seleccionou factos relativos à personalidade do recorrente B quer através do relatório quer, certamente, através de testemunhas de defesa inquiridas em audiência como da acta consta.
São eles os seguintes:
38. O arguido B era estudante e vivia com os pais, pertencendo a família modesta, mas de estável condição social, tendo ambos os progenitores meio de sustento certo.
O B fugia frequentemente de casa, denotando um acentuado absentismo escolar, não possuindo a escolaridade mínima.
41. Não confessou os factos.
Pretende o recorrente B que se provaram outros factos constantes do relatório social que relata a página 533 e 534 do 3. Volume na sua motivação.
Ora o colectivo se não os deu como provados foi porque não achou que se tivesse feito prova suficiente sobre isso.
E o relatório social, bem ao contrário do que o recorrente afirma, não é um relatório pericial já que é definido como uma "informação" no artigo 1, n. 1, alínea g) do Código de Processo Penal actual e não vem tratado na parte das provas como Prova Pericial, como tal definida no artigo 151 do Código de Processo Penal.
Não é assim aplicável ao caso dos autos o prescrito no artigo 163 deste diploma.
Não se trata de um juízo técnico, científico ou artístico ali feito mas apenas uma narrativa de factos que foram pesquisados por uma pessoa e que são levados ao conhecimento do tribunal para que este os julgue como provados ou não e não "para que o executor desse relatório forneça, em primeira linha, juízos de valor como é característico da prova pericial.
No "Manual de Processo Civil" de A. Varela, M. Bezerra e S. e Nora, 2. edição, página 376 entende-se que a "nota típica mais destacada da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos" mas "o trazer também a apreciação ou valoração de factos ou apenas esta".
A expressão "informação" que é dada ao relatório social parece-nos querer dizer, acentuar, que o conteúdo do documento se limita, essencialmente, a dar "testemunho" de factos que interessam para caracterização da personalidade do arguido e fixação da pena concreta e não, fundamentalmente, a por à disposição do tribunal juízos de valor sobre o passado, o presente e o futuro do relatado.
A anterior definição (do Código, antes da redacção actual) não falava em informação mas é compatível com a interpretação supra referida.
Consequentemente, embora se possam formular no relatório social juízos de valor por parte do técnico, estes não vinculam o juiz assim como o juiz não está sujeito a aceitar como provados os factos que ali vêm "testemunhados" e deve apreciá-los segundo a sua livre convicção, nos termos do artigo 127 do Código de Processo Penal.
E, se divergir das conclusões que o relatório eventualmente contenha, não está o juiz obrigado a fundamentar a divergência como seria mister que o fizesse, caso se tratasse de um juízo técnico, científico ou artístico - artigo 163 do citado diploma.
O objectivo principal do relatório social não é o de dar juízos apreciativos mas antes o de fornecer ao tribunal um acervo de factos recolhidos por pessoa especializada na recolha e pesquisa destes.
Portanto o recorrente B não tem razão quando censura o tribunal por não ter fundamentado a divergência relativamente ao conteúdo do relatório.
Não se trata de prova pericial e, por isso, o tribunal não tinha que fundamentar qualquer divergência nas conclusões e podia julgar provados ou não os factos que ali estivessem colhidos.
E é sobre os factos que o juiz dá como provados livremente que vai construir o seu juízo sobre a medida concreta da pena - cfr. a actual redacção do artigo 370 do Código de Processo Penal, particularmente no seu n. 1.
O tribunal não aplicou o regime especial do Decreto-Lei n. 401/82 mas, exactamente, não disse quais foram os motivos pelos quais, assim decidiu.
A falta de fundamentação suficiente não vem invocada pelo recorrente quanto à parte jurídica da decisão como seria mister que fosse para que nós conhecêssemos dela - cfr. artigo 379, n. 1 alínea a) e artigo 120, ns. 1 e
2 do Código de Processo Penal.
O recorrente B ataca a decisão pelo facto de o tribunal não ter dado como provada certa factualidade que, no seu entender, devia ter sido dada como assente.
Mas isto não permite a este Supremo Tribunal avançar com uma crítica do acórdão pois deste não transparece qualquer um dos vícios enumerados no artigo 410, n. 2 (cfr. artigo 434) do Código de Processo Penal.
Nem se pode lançar mão do princípio "in dubio pro reo" quando se coloca o problema da interpretação da lei sempre que esta consinta mais do que um sentido possível de modo a seguir-se a interpretação mais favorável, na sequência do acórdão deste tribunal de 6 de Abril de 1994 - B.M.J. 436, 248 citado pelo recorrente, ao próprio arguido (cfr. também o acórdão deste Tribunal de 31 de Março de 1993 - B.M.J. 425, 353). A jurisprudência dominante deste tribunal não acolhe aquela orientação por não encontrar apoio nas regras matrizes dos artigos 8 e 9 do Código Civil e limita o princípio ao domínio da matéria de facto quando se trata de julgar ou não provado um facto acerca do caso em que há dúvida sobre se foi ou não cometido pelo arguido.
Em abono da sua interpretação no sentido de que o tribunal deveria ter justificado a sua desarmonia com as conclusões do relatório cita-se um acórdão deste tribunal que não seguimos antes aderindo ao decidido no acórdão deste Supremo de 3 de Fevereiro de 1994, B.M.J. 434, pag. 438
quando se disse que o relatório social sobre a personalidade do arguido menor não reveste a natureza de acto pericial com o valor da prova vinculada, mas sim a de uma informação mais ou menos especializada - cfr. artigo 163 do Código de Processo Penal.
Do exposto decorre que o tribunal concluiu correctamente no aspecto jurídico que os factos provados não impunham a aplicação do Decreto-Lei
401/82.
A gravidade dos factos, o seu encadeamento frio de meio a fim, são motivos de repúdio cabal de uma atenuação especial. Os arguidos cometeram um conjunto de actos desrespeitadores dos mais elementares valores protegidos pelo Direito, em que sobressaiu a morte da vítima, e mostrando um completo desprezo dos resultados da sua actuação. E isto não deixa de causar a este tribunal algum espanto visto que entre os jovens, abstraindo da toxicodependência como motivo de homicídios ou ofensas corporais que eles cometem destinado a obter dinheiro, o homicídio cometido por avidez por pessoas novas, por jovens é, entre nós muito raro. Quando precisam de dinheiro, normalmente furtam ou até roubam mas não matam.
A pena em concreto aplicada ao recorrente B - e ao A - no crime de homicídio está correcta face à moldura penal abstracta de 12 a 25 anos de prisão do artigo 132 do Código Penal (igual à da actual redacção da Lei n. 65/98 de 2 de Setembro).
O arguido B não tinha bom comportamento anterior como seria de esperar da sua idade, sendo avesso à escola e nem sequer tinha obtido a escolaridade mínima.
Assim a atenuação especial - artigo 4 do Decreto-Lei n. 401/82 - não trará vantagem à sua reinserção social.
As penas fixadas para o homicídio são, como se disse, ajustadas, não tem qualquer laivo de arbitrariedade não tendo este tribunal conhecimento de que em caso idêntico foram aplicadas sanções mais benevolentes, destoando da decisão recorrida.
É muito raro haver dois casos perfeitamente iguais já que as pessoas em si são diferentes no modo de reagir e as circunstâncias também variam. Não há assim possibilidade prática de se medirem as infracções penais na sua gravidade tal como faríamos no campo das ciências exactas se o direito ali se incluísse. Estamos antes no domínio da apreciação valorativa de condutas humanas estranha a uma noção quantitativa da sua gravidade.
Reconhece-se, todavia, que tem havido uma tendência para procurar quantificar a medida da pena, compelindo o julgador à adopção de critérios quase matemáticos para punir a conduta delituosa, semelhante aquela corrente que em direito civil, por exemplo, luta para que o juiz fixe o quantitativo indemnizatório por ilícito extracontratual com estritas regras ou coeficientes matemáticos válidos no domínio do direito do trabalho, procurando fugir-se às disparidades que são realmente possíveis nas decisões (cfr. Acórdão do S.T.J. de 19 de Maio de 1981, B.M.J. 307, página 412 e anotação e Acórdão do mesmo tribunal de 5 de Maio de 1994, in "Col. Jurisp." 94, 2, 87).
Porém, tais propósitos, contrariam a nosso ver a confiança que o Código Civil de 1967 depositou no juiz quando, na sua parte geral, descreve vários institutos como a boa fé, o abuso de direito, equidade, etc. permitindo ao julgador evitar decisões menos rectas mas formalmente rigorosas deixando a cargo da jurisprudência a adaptação da lei à realidade das situações concretas.
Assim procurou obter a conciliação da certeza e da segurança do direito com a Justiça para todos os casos concretos.
Com efeito, o nosso Código Civil, tendo adoptado como tipo de formulação legal o conceito geral abstracto, isto é, tipo de situação de vida, obtido através de conceito claramente definido (conceito fixo ou determinado) ao qual o juiz deve subsumir as situações a decidir e as soluções respectivas, assente na ideia de que não é possível prever todas as hipóteses geradas na vida em sociedade e na necessidade, ou pelo menos, na conveniência, de reconhecer o carácter activo e valorativo - não apenas passivo e mecânico da intervenção do juiz ao aplicar a lei (v. "Lusíada", n. 1, Março de 1991, Série de Direito, páginas 21 e seguintes, comunicação do Professor Antunes Varela sobre a teoria e a prática na formação do Direito).
Nesta comunicação disse A. Varela que "a previsão do legislador, apoiada na razão do investigador, é de tal modo precária no espaço e limitada no tempo, perante a complexidade da vida e a rápida evolução das concepções sociais que a lei não pode, de modo nenhum virar as costas à preciosa contribuição que só a jurisprudência, permanentemente ligada às necessidades do mundo exterior, é capaz de dar à indispensável e criteriosa actualização do direito.
O sistema jurídico necessita cada vez mais, especialmente nas zonas nevrálgicas da vida social e económica do país, de fórmulas maleáveis, dos conceitos indeterminados que, sem deixarem os particulares entregues ao arbítrio individual de cada Juiz, permitam ao julgador adaptar o pensamento básico da lei aos múltiplos tipos de situações por ela abrangidas". (cfr. a este respeito "A Parte Geral do Código Civil
Português in "Teoria Geral do Direito Civil" de Horster parágrafos 228 a 232.
Mas porque confia no Juiz deixa-lhe para o uso em situações extremas da vida real, quando a menor rectidão e acerto da decisão espreitam o acto de julgar, cláusulas gerais ou escalões jurídicos, isto é, critérios valorativos de apreciação, v.g. equidade, bons costumes, "bonus paterfamilias", boa fé, etc.
No Código Penal recente (1982, com reformas posteriores) introduziram-se, em reflexo da tendência apontada no direito privado, vários conceitos indeterminados cujo preenchimento apela para o conhecimento das realidades da vida e da própria consciência jurídica da sociedade em que vivemos que o juiz deve possuir e dominar.
Portanto, tentativas de equiparar a decisão do juiz a um mero cálculo matemático para além do que é razoável e em campos em que o julgador deposita naquele a sua confiança para encontrar a solução mais justa remam contra a maré (cfr. "História do Direito Privado Moderno" de Wieacker, ed. Gulbenkian, Jurisprudência dos Interesses, páginas 664 e seguintes, 670 e 671, "Teoria Geral da Relação Jurídica" de Mota Pinto, páginas 58 e seguintes e ainda Horster, ob. e local citados).
Isto posto concluímos desde já dizendo que o Tribunal Colectivo não violou o disposto nos artigos 71 e 72 do Código Penal assim como não infringiu o princípio da igualdade quando previsto no artigo 13, n. 1 da Constituição e manteve-se rigorosamente dentro do seu campo de actuação quer no aspecto fáctico quer no jurídico.
Cabe dizer ainda em atenção à crítica feita pelo recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça tem realmente como objectivo, um dos objectivos, "A Uniformização da Jurisprudência, nos termos da lei de processo" - Lei 3/99 de 13 de Janeiro, artigo 35, n. 1 alínea a). Mas não será o objectivo principal a obtenção de uniformidade das decisões judiciais como entendeu Vaz Serra, em comentário feito na "Revista de Legisl. e Jurisprudência", ano 108, página 356 partindo da análise dos artigos 721 e 722 do Código de Processo Civil em vigor em 1976, data desse comentário (cfr. hoje aos actos citados com alterações não marcantes neste aspecto).
Afastada hoje a prolação de Assentos pelo Supremo Tribunal de Justiça a que se referia o artigo 2 do Código Civil com força obrigatória geral após o acórdão n. 743/96 de 28 de Maio in D.R. I. Série A de 18 de Julho de 1996, a função pretensamente uniformizadora deste Supremo Tribunal revela-se agora tendencialmente mais limitada, no campo processual penal onde o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência - artigos 37 e seguintes do Código de Processo Penal - tem eficácia limitada e está sujeito a ser modificado - artigos 445, n. 1 e 447, n. 2.
E na função uniformizadora é hoje bastante atenuada mais do que era até ao Acórdão do Tribunal Constitucional.
Mas isto, a nosso ver, não significa que este tribunal deva aplicar a lei ao caso concreto, de modo mecânico e automaticamente, devendo antes dar um valor rigoroso às circunstâncias do caso para melhor poder apreciar até onde vai a exigência da prevenção geral e especial que tem de respeitar.
Ao acórdão deste tribunal de 18 de Dezembro de 1974, B.M.J. 242, 169 foi feito o sumário seguinte:
"Os magistrados não podem deixar de aplicar escrupulosamente a lei, ainda que a mesma se revele injusta, defeituosa, ultrapassada ou inadaptada às condições do momento, pois que só aos órgãos legislativos compete alterá-la ou revogá-la tendo em vista as exigências sociais. Não podem, porém, os tribunais alhear-se das condições existentes no meio social para determinar a gravidade dos factos constitutivos das infracções criminais, pois que a aplicação da lei penal não é uma operação automática".
Se da aplicação da lei pelo Supremo Tribunal de Justiça resultar a final, uma uniformidade de decisões relativamente a problemáticas de ordem jurídica que lhe sejam colocadas tanto melhor será para a certeza do
Direito e que é, sem dúvida um objectivo importante a conseguir.
Improcede assim o recurso do arguido B quanto a estas questões.
2)
1) A subtracção dos 25000 escudos ao falecido e a do automóvel pertença do arguido E foram incriminados pelo colectivo como crimes de furto - qualificado o do automóvel e simples quanto ao dinheiro.
2) O prejuízo derivado da inutilização do rádio e sua perda foi considerado como constituindo crime de dano.
3) A detenção da arma utilizada que é uma arma transformada e de que era possuidor o arguido A não vem subsumida ao artigo 275 do Código Penal ns. 1 e 3 (Assento 2/98 de 17 de Dezembro de 1998 D.R. I do Supremo Tribunal de Justiça.
3)
1) Quanto às subtracções o enquadramento jurídico está errado porquanto a actuação dos arguidos na medida em que é usada uma arma para matar o dono do dinheiro e retirar-lho e que a substracção do automóvel só foi possível graças à violência anteriormente usada, só pode ser sujeita à incriminação do crime de roubo dos artigos 210, n. 2 alíneas a) e b) e 204, n. 2 alínea f) do Código Penal este conjugado com o n. 1, alínea a) do mesmo artigo e com o artigo 202 alínea a) deste Código - valor elevado, isto quanto ao veículo automóvel.
Quanto à subtracção do dinheiro, por violência como se disse, está prevista nos artigos 210, n. 2 alíneas a) e b) e 204, n. 2 alínea f) - arma aparente - do citado Código.
E há dois crimes de roubo e não apenas um porque a resolução de subtrair o veículo é posterior e distinta da subtracção do dinheiro já que o número de infracções se determina pelo número de vezes que o agente decidiu infringir o comando legal constante do tipo legal que prevê a sua conduta, desde que não haja concurso aparente entre as normas nem se verifique crime continuado.
A resolução de apropriação do automóvel é nova e diferente da relativa à subtracção do dinheiro. O objectivo fundamental para os arguidos consistia em obter dinheiro matando o taxista e só depois se resolveram apropriar-se do automóvel do E e que a vítima conduzia na ocasião em cumprimento de um contrato de trabalho feito entre esta e aquele sendo o falecido taxista um depositário ou detentor do veículo que conduzia.
É o que se depreende da matéria de facto: como estando ali implícita tal matéria.
E não há quaisquer circunstâncias exteriores para além da situação normal de passageiros que são conduzidos pelo motorista num carro alugado e que tivessem induzido os arguidos ao roubo do carro, caso em que poderia falar-se de crime continuado de roubo dada a proximidade entre as infracções e a circunstância de ser o mesmo ofendido nas duas ocasiões em que se dá a subtracção violenta.
É o que resulta da interpretação da matéria de facto e da norma do artigo 30 do Código Penal a qual consagrou o entendimento do Professor Eduardo Correia expresso na sua obra "Teoria do concurso em Direito Criminal" - cfr. "Código Penal Português Anotado de Maia Gonçalves, ed. de 1998, em nota ao artigo citado e ob. citada páginas 94, 258 - impossibilidade de crime continuado de roubo contra pessoas diferentes - 216 e 235 (Ed. Correia, "A teoria do concurso..." ed. de 1963, página
255).
Há assim um só tipo legal de crime que é violado duas vezes pelos arguidos, por resolusões distintas.
E o ofendido é o mesmo nas duas infracções visto que o taxista é depositário e detentor do automóvel e do seu rádio acessório - propriedades do E - e por outro lado é o proprietário do dinheiro subtraído pouco importando até neste aspecto que também o dinheiro fosse o apuro já feito e a entregar ao fim do dia ao E.
Mesmo neste último caso porque houve duas violações do tipo legal tal quantia teria sido subtraída a quem tinha a sua posse legítima - o motorista do táxi.
Quer no crime de furto quer no crime de roubo não é essencial que o ofendido seja o proprietário e detentor da coisa furtada ou roubada, bastando que ela não pertença ao arguido.
No crime de roubo - artigo 210 - fala-se em coisa móvel alheia e o mesmo se passa no crime de furto - artigo 203 (cfr. Código Penal Anotado, ed. de 1972, de M. Gonçalves, nota ao artigo 421).
Ora, no caso dos autos, mesmo admitindo que a vítima não fosse dono ou proprietário de todos os objectos efectivamente subtraídos ele, como depositário daqueles valores, responde em certos termos perante o proprietário deles, o dono do veículo - e do dinheiro, por hipótese - conforme resulta do disposto nos artigos 1187 alíneas a) e c) e 1199 alínea c) - visto que é o detentor dos objectos subtraídos e que lhe tinham sido entregues pelo referido dono ou que haveria de entregar a este no fim do dia. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 1983 in B.M.J. 326, 322 entre muitos) pelo contrato feito.
Portanto existem... dois roubos feitos à mesma pessoa, no caso o ofendido D.
O facto de os valores subtraídos constituírem estas duas infracções está também em harmonia com o entendimento de que, não tendo a acção criminosa e violenta, em qualquer dos dois momentos, atingido a pessoa do dono do táxi, não sendo alvo da violência de modo directo, excluída fica desde logo a possibilidade de o crime de roubo ter sido cometido sendo ofendida aquela pessoa.
A violência neste caso não seria um meio de atingir a apropriação de bens daquele sujeito pois ele não estava presente quando da acção praticada e não sofreu qualquer prejuízo de ordem física ou moral (cfr. o Acórdão deste tribunal de 16 de Junho de 1994, in "J.R., S.T.J." 94, 2, 253 onde se acentua que a violência será causa do cometimento do roubo quando serviu de meio para a apropriação e o número de crimes de roubo depende do número de pessoas que foram directamente alvo da violência usada como meio de conseguir a apropriação e, se assim não suceder, a violência caracterizará outra infracção que não o roubo), cfr. ainda Acórdão do S.T.J. de 14 de Abril de 1983 B.M.J. 326, 422).
2) O crime de homicídio vem qualificado porque entre outras circunstâncias se verificava a alínea e) do artigo 132 - ter em vista executar outro crime.
Como a execução do crime de roubo que se desejou fazer - subtracção do dinheiro para fins pessoais dos arguidos - ocorreu realmente, a qualificação por aquela alínea deixa de verificar-se de acordo com o princípio "ne bis in idem"" - artigo 29, n. 5 da Constituição da República.
3) O crime de homicídio qualificado - artigo 132, n. 2 do Código Penal de 1995, alíneas c), f) e g) concorre em concurso real de infracções - artigo 30, n. 1 do Código Penal - com os dois crimes de roubo atrás mencionados, atenta a diversidade em termos qualitativos dos bens jurídicos protegidos num e noutro delito - no homicídio a vida humana não intra-uterina
(cfr. artigos 136, 140 e 131 do Código Penal) isto é, a vida humana após o nascimento completo e com vida (Código Penal Anotado de Maia Gonçalves 12. edição, nota 3 ao artigo 131).
No roubo, a propriedade sobre a coisa subtraída com violação de bens jurídicos eminentemente pessoais - vida ou integridade física.
Neste sentido os acórdãos da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 1983, B.M.J. 332, 511, deste Supremo Tribunal de 29 de Abril de 1987, B.M.J. 366, 332, de 23 de Outubro de 1991, B.M.J. 410, 373, da Relação de Évora de 9 de Abril de 1985 "C.J." 85, 2, 310, deste Supremo Tribunal de 7 de Junho de 1993 "C.J. S.T.J." - 93, 3, 191 e de 16 de Março de 1994, mesma colectânea, 94, 1, 247 e ainda os de 25 de Junho de 1997, Recurso n. 271/97, 3. Secção deste Supremo Tribunal (Sumários do Gabinete de Assessoria n. 12, Junho 97, páginas 91 e 92) e de 30 de Setembro de 1998, Rec. n. 774/98, 3. Secção, mesma publicação, n. 23, página 96.
No douto acórdão supra referido do B.M.J. 366, de que foi relator o Excelentíssimo Conselheiro Manso Preto, justificou-se o concurso da seguinte forma: "É certo que no crime de roubo há também um aspecto ou elemento pessoal relevante - a violência contra uma pessoa ou a ameaça com um perigo iminente para a integridade física ou para a vida. E este aspecto parece não poder deixar de ser relacionado com o tipo legal de crime de homicídio posteriormente verificado, o qual protegendo um valor mais elevado - a vida - protege também necessariamente como é óbvio, os interesses menos elevados atingidos pelas violências ou ameaças relativamente à integridade física ou à vida que entram na constituição do tipo legal de roubo anteriormente cometido. Só que desta forma não protege ou consome senão por forma impura o bem jurídico plurimo tutelado pelo tipo de crime complexo de roubo.
Estar-se-á assim, segundo se crê, perante uma espécie de consunção impura, que não obsta à verificação de um concurso real de crimes entre os dois tipos legais em presença, não originando, por isso, um mero concurso aparente".
4) Na acusação e no acórdão foi imputado aos arguidos um crime de dano do artigo 212 do Código Penal relativamente ao rádio comunicador do automóvel e cometido em comparticipação pelos dois arguidos - estragos causados no rádio e carro.
E o acórdão condenou-os por esse crime de forma autónoma.
Entendemos todavia que neste caso concreto na medida em que os arguidos se apropriaram do veículo e não apenas do seu uso os estragos por eles causados no carro têm a sua punição já contida na sanção do crime de roubo pois que o detentor do mesmo a vítima do assassinato e condutor por conta do proprietário.
Com efeito a intenção do agente se apropriar da coisa que é objecto do furto - esteja ela nas mãos do seu dono esteja nas mãos de um seu detentor legítimo por força de qualquer contrato entre o dono dela e este - abrange já a sua destruição pois esta cabe nos poderes do proprietário (artigo 1305 do Código Civil).
Por outro lado a expressão "coisa alheia" tem o significado que atrás demos, no caso dos crimes de roubo, de coisa que não pertence ao seu proprietário, tal como sucede no crime de furto.
A execução do crime pode ter como alvo não apenas o proprietário da coisa mas outrém que, no momento, seja detentor do seu direito de fruição, de guarda, etc contidos no direito de propriedade.
Neste sentido se tem decidido, embora nem sempre de modo igual (cfr. Acórdão deste tribunal de 1 de Março de 1995, B.M.J. 445, 73) tendo seguido este entendimento também o acórdão da Relação do Porto de 9 de Abril de 1997 in "C.J." 97, 2, 146, citado no C.P. Anotado de Maia Gonçalves ed. de 1998, página 655.
Tal interpretação retira-se, como bem se diz neste último acórdão, a partir sobretudo do alargamento da fórmula dada à previsão anterior com o Decreto-Lei 48/95 de 15 de Março quando intercalou a expressão "no todo ou em parte" a seguir ao verbo destruir - abrangendo-se de forma mais clara a propriedade plena mas não se desprezando o significado das outras expressões "destruir", "danificar", "desfigurar" e "tornar não utilizável", que constam daquela norma e que não podem deixar de traduzir que a "coisa alheia" não é só a propriedade plena mas também o direito ao gozo, fruição e guarda dela "pois é esse o interesse próprio do sujeito passivo do crime" - Acórdão da Relação citado.
Ora o condutor e assassinado D o detentor do carro de modo que uma vez apropriado, com violência, o mesmo carro, pelos arguidos o prejuízo em que se traduziu o dano atingiu não o dono do carro mas antes o seu detentor.
No sentido do exposto mesmo no domínio da legislação anterior - Código Penal de 1886 - que não se modificou tanto que impeça esta interpretação decidiu este tribunal no seu acórdão de 20 de Março de 1968, B.M.J.
175, 209, que o "furtum rei", na medida em que o agente se apropria da coisa "animus domini" apropria-se também da totalidade das utilidades que da coisa se podem tirar, assim não havendo furto e dano mas só furto quando o agente furta coisa alheia e depois a destrói, citando-se Eduardo Correia no seu estudo "Teoria do concurso em Direito Criminal, páginas 187-189 da primitiva edição.
E o acórdão também deste tribunal de 10 de Novembro de 1965, B.M.J. 151; 132 punha em destaque que a consumpção se dava pelo menos desde que a intenção de apropriação que presidiu à subtracção do objecto corresponde à vontade de alcançar sobre ele, o objecto subtraído, todos os poderes, isto ainda de acordo com aquele Professor na citada obra.
Já vimos que no roubo do veículo "a intenção de apropriação que presidiu à subtracção deste correspondeu à vontade de alcançar sobre ele todos os poderes como se proprietário fosse e, portanto também o poder de destruir, danificar, etc. Se então e por outro lado o prejuízo objectivamente causado não aumenta em função da realização desta actividade, não se encontra fundamento para, ao lado do furto (ou roubo) considerar existente um outro crime, como o de dano: o conteúdo criminal deste acha-se já consumido pela punição do furto e, portanto, deve considerar-se excluída a aplicação da disposição que o prevê e pune", utilizando nós as palavras de Eduardo Correia - ob. citada, reimpressão de 1963, página 143.
Portanto a punição do crime de dano está consumida pela punição do crime de roubo.
Mas isto não resulta apenas da intenção inicial abranger também o propósito de destruir o objecto do roubo nem do facto de o crime de roubo para além da protecção que quer prestar à propriedade e direitos dela emergentes o fazer com penalidade mais grave do que no caso do crime de dano.
Tal absorção existe no caso ora em análise porque para além do prejudicado condutor - e vítima mortal - do veículo não houve qualquer outra pessoa que tivesse ficado prejudicada com a conduta dos arguidos ao danificarem o rádio pois caso isto se tivesse verificado então já a punição do crime de dano teria autonomia - para que fosse protegido outro interesse distinto, de outro ofendido.
Segundo aquele Professor "em princípio, pode mesmo afirmar-se que logo que uma pessoa diferente da ofendida pelo primeiro crime é prejudicada pela posterior actividade do agente, fica excluída a possibilidade de a punição desta ser consumida pela daquele", da citada página 144.
E dá como exemplo o caso em que a coisa furtada é posta em penhor pois com tal conduta acrescenta-se ao dano anteriormente produzido um outro: o que se causa ao penhorista, ob. citada página 144.
Assim como quando se pune o "furtum usus" de um automóvel não se pode considerar consumida por tal punição a conduta posterior que o danifica ou destrói.
Esta actividade não cabe, na verdade dentro da intenção que domina a prática do primeiro delito e não foi por isso abrangida pela punição dele, ob. citada, mesma página.
No nosso caso radicando-se a ofensa, no caso do roubo e na hipótese do dano, no D, detentor do veículo, claro está que não houve mais nenhuma pessoa prejudicada pelo dano feito no rádio, daí que a punição do roubo cubra capazmente a do dano.
Por consequência o princípio "ne bis in idem" é respeitado, não se punindo os arguidos e recorrentes duas vezes pela mesma ofensa, devendo ambos ficar absolvidos da prática do crime de dano pelo qual vêm condenados.
5) No acórdão e na acusação pública constava que os arguidos usaram uma arma transformada, de gás em arma de fogo mas não se fez a incriminação disso à luz do artigo 275, ns. 1 e 3, 1. parte do Código Penal e
Assento de 17 de Dezembro de 1998 deste tribunal (D.R., mesma data) interpretativo do direito anterior à lei n. 65/98 de 2 de Setembro.
Com efeito não constando da acusação a descrição do dolo, isto é, do conhecimento de que a arma tinha as características enumeradas na matéria de facto, não bastando apenas dizer-se que sabiam que a sua conduta - dos arguidos - era proibida, não pode proceder-se à incriminação em via de recurso uma vez que a deficiência emerge da acusação - cfr. Acórdãos deste tribunal de 2 de Dezembro de 1992 B.M.J. 422, página 215 e 7 de Maio de 1997 B.M.J. 467, página 419 e notas.
6) A qualificação jurídica feita por este tribunal neste recurso, relativamente aos factos que integravam crimes de furto, para o tipo legal de crime de roubo obedece ao disposto nos artigos 1, n. 1 alínea f) 358, ns. 1 e 3 do Código de Processo Penal, Acórdão do Plenário das Secções Criminais deste Tribunal de 27 de Janeiro de 1993, D.R. I A de 10 de Março, Acórdão do Tribunal Constitucional de 25 de Junho de 1997 D.R. I A de 5 de Agosto de 1997, Acórdão do mesmo Tribunal de 28 de Julho de 1995, Acórdão 279/95 - D.R. daquela data, 2. série, Acórdão do Plenário do S.T.J. de 13 de
Novembro de 1993 e Acórdão do T.C. n. 518/98, de D.R. II de 11 de Novembro de 1998 e Acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Julho de 1995, em Plenário, D.R. I de 6 de Julho de 1995.
Isto é, procedeu-se oficiosamente à alteração da qualificação jurídica dos factos prevenindo-se os arguidos previamente, conforme da acta consta, da possibilidade dessa alteração e da faculdade de requererem prazo para organizar a sua defesa jurídica acerca de tal alteração.
Dessa alteração não resultará agravamento das penalidades dado o disposto no artigo 409, n. 1 do Código de Processo Penal - proibição da "reformatio in pejus".
V - Recurso do arguido A.
1) O que se deixa exposto relativamente à qualificação jurídica nova e a não punição autónoma do crime de dano aplica-se igualmente à decisão do recurso interposto pelo arguido A visto que as infracções foram praticadas em co-autoria por este e pelo arguido B - cfr. artigo 402, ns. 1 e 2 alínea a) do Código de Processo Penal.
2) Os factos apurados pelo Tribunal da 1. instância e descritos no acórdão recorrido não permitem concluir, como se pretende, que o arguido A não queria matar a vítima.
Está provado que a quis matar e a matéria de facto não enferma de qualquer dos vícios contidos no artigo 410, n. 2 do citado diploma.
O arguido não confessou o crime, tinha hábitos de trabalho irregulares e incertos pelo que a medida da pena está bem escolhida não havendo violação do disposto no artigo 71, n. 2 do Código Penal, quanto ao crime de homicídio.
A gravidade do acto desaconselha a atenuação especial a que se refere o Decreto-Lei 401/82.
Sobre o relatório de folha 420 relativo à epilepsia de que o recorrente enferma é sabido que para esta ser causa de inimputabilidade é necessário que a infracção tenha sido praticada depois de um estado crepuscular após um ataque da doença ou num estado dessa natureza independentemente do surgimento de um ataque, estado esse que se caracteriza por uma acentuada alteração do campo da consciência que se mantém durante bastante tempo (horas ou dias).
Depois é necessário que o delito tenha sido adequadamente causado pela existência daquele estado, isto é que o crime esteja com o estado crepuscular numa relação de efeito-causa (cfr. "Psiquiatria Forense" de
Barahona Fernandes, edição copiografada A.A.F.D.L. de Lisboa, de 1995, páginas 55 e seguintes.
Nada disto ficou provado em audiência como resulta da leitura do acórdão.
Por outro lado não estamos perante a prática de um crime de homicídio intencional artigo 145, n. 1 do Código Penal - sabido que neste último caso para que este se consumasse tinha de se provar que houve apenas intenção de ofender corporalmente a vítima e não de matar, isto para além de ser possível ao julgador fazer um juízo de censura de negligência quanto ao processo executivo da infracção. O arguido não quis ofender corporalmente a vítima de causar-lhe doença. Quis matar - facto n. 35 da matéria provada.
Portanto improcede o recurso deste arguido na medida em que não se pode conceder atenuação para a pena de homicídio.
VI
Deste modo revoga-se o acórdão recorrido na faixa relativa à condenação dos dois arguidos pela co-autoria material do crime de furto qualificado e do crime de furto simples, bem como na parte em que foram condenados, também em co-autoria pelo crime de dano.
E ficam condenados como co-autores materiais de dois crimes de roubo dos artigos 210, n. 2, alíneas a) e b) do Código Penal e do artigo 204, n. 2 alínea f) deste diploma - veículo automóvel - e 210, n. 2, alíneas a) e b) e 204, n. 2 alínea f) - dinheiro - também daquele Código nas penas em que foram condenados na 1. instância pelos furtos dado o princípio da proibição da "reformatio in pejus".
Em cúmulo jurídico das penas dos crimes de roubo e homicídio pelos quais são condenados e que são as constantes do acórdão de primeira instância por força do princípio atrás mencionado e por causa da perda de autonomia do crime de dano do artigo 212, n. 1 do Código Penal e não havendo outra questão a decidir para além de que atrás expusemos no referente às conclusões dos recursos condena-se (artigo 71 do Código Penal): a) o arguido A na pena única de 18 (dezoito) anos e 9 (nove) meses de prisão; b) o arguido B na pena única de 17 (dezassete) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Dá-se assim parcial provimento aos recursos dos arguidos embora por razões distintas das apontadas por eles.
Na parte restante confirma-se o acórdão recorrido.
Condena-se cada um dos arguidos em oito ucs de taxa de justiça e solidariamente nas demais custas - artigo 87, n. 1, alínea a), do Código das Custas, 513, n. 3 e 514, n. 2 do Código de Processo Penal.
Lisboa, 14 de Abril de 1999.
Brito Câmara,
Martins Ramires,
Pires Salpico,
Duarte Soares.