Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1581/07.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO À IMAGEM
FOTOGRAFIA
CONSENTIMENTO
CONSENTIMENTO TÁCITO
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS DE PERSONALIDADE
Doutrina: - Cecília Silva Ribeiro, “do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”; ROA, ano 9, págs. 83-113.
- Fernando Pereira Rodrigues, “A Prova em Direito Civil”, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 31, 35.
- Hernández Fernández, Abelardo, “EL Honor, la Intimidad y la Imagen como Derechos Fundamentales”, Colex, Madrid, 2009, págs. 132 e 133.
- Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 201.
- Pablo Salvador, Antoni Rubí y Pablo Ramírez, “Imagenes Veladas”, publicado na revista Catalã “InDret n.º 1/2011”, pág. 53.
- Paula Costa Ribeiro, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora, 2008, págs. 389, 392 e 394.
- Revista Aranzadi de Derecho y Nuevas Tecnologias, n.º 9, “El Derecho a la Imagen desde todos los Puntos de Vista”, coordenação de José Ramón de Verda y Beamonte, capitulo I, “La Protección Constitucional del Derecho a la Propria Imagem”, Arandazi – Thomson Reuters, 2011, págs. 23, 24; capitulo II, “El Derecho a la Propria Imagen em la Ley Orgânica 171982, de 5 maio”, de José Ramón de Verda Beamonte, págs. 43, 53; Capitulo III, “El consentimiento como causa de exclusión de la Ilegimidad de la Intromissión”, José Ramón de Verda Beamonte e Enrique Soriano Martínez, págs. 68, 69.
- Taruffo, Michele, in “La Prueba”, Filosofia e Derecho, Marcial Pons, Madrid, 2008, pág. 136.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 79.º, 342.º, 358.º, 483.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 456.º, 655.º, N.º1, 690.º, N.º1, AL. B), 722.º, N.º2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12-07-2007.
-DE 13-03-2008, IN WWW.STJ.PT.
Sumário : I - Não obstante o direito à imagem ser um direito indisponível, no plano constitucional, a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem, desde que o titular do direito anua ou consinta essas actividades.
II - Exige-se que esse consentimento seja expresso, o que constitui uma garantia de que, efectivamente, o titular está de acordo com a intromissão de um terceiro num bem da personalidade do próprio.
III - Em situações limite poderá ocorrer uma presunção de consentimento, bastando para tal que a conduta do titular do direito à própria imagem revele um comportamento de tal modo alheado à sorte da captação de imagens que dele se possa inferir uma anuência desprendida ou inane ao conteúdo e destino das imagens.
IV - Se alguém aceita, ainda que de forma tácita, ser fotografado para um determinado fim, não podem as imagens ser utilizadas para fim diverso, sem que para este específico fim tenha sido obtido prévio consentimento do titular ou pelo menos que, aquando da captação de imagens, não tivesse sido adquirido um sentido inequívoco de que o titular do direito permitiria na utilização das imagens captadas para esse específico fim.
V - Para que ocorra uma situação de consentimento tácito, significação externa de autorização para a captação, reprodução e publicitação da imagem de quem quer, torna-se necessário que os sinais (significantes ou exteriorizáveis) do titular do direito se revelem ou evidenciem como inequívocos ou desprovidos de qualquer dúvida.
VI - A conduta do agente processual que, sabendo que está a usar o processo para um fim processualmente reprovável ou censurável ou pelo menos desconforme a um justo e arrimado objectivo jurídico-processualmente justo e leal, deve ser considerada desvaliosa e adversa a uma necessária adequação do meio processual ao direito que pretende fazer valer.
Decisão Texto Integral:

I. - Relatório.

Desavinda com a decisão proferida na apelação impelida pelo desconforto provocado pela decisão proferida na 5ª Vara Cível do tribunal Cível de Lisboa que havia decidido julgar improcedente a acção com processo ordinário interposta pelas recorrentes contra os recorridos com base na violação no direito à imagem – violação de um direito fundamental – recorrem, em via de revista, as recorrentes pedindo a revogação do acórdão revidendo.

Para a revista que requestam, concluem as alegações pela forma seguinte:       

“A) As AA. vieram a Tribunal solicitar que fosse efectivada a tutela de um direito de personalidade, concretamente, o direito à imagem.

B) Como direito de personalidade que é, o direito à imagem merece protecção constitucional e é inato, inalienável e irrenunciável.

C) A discussão da pretensão das AA., aqui recorrentes, parte da circunstância de terem sido colhidas fotografias quando estas se encontravam nas instalações da 1ª R.

D) Para a recolha dessas fotografias foi dado o consentimento da 1ª A., fazendo-o embora no pressuposto de que as mesmas seriam disponibilizadas apenas aos sócios.

A circunstância de não terem logrado provar esse pressuposto não implica o esvaziamento de conteúdo da pretensão das AA., uma vez que, insista-se, não existiu consentimento prestado de forma esclarecida, ou mesmo, consentimento.

E) Na 1.ª Instância foram dados como provados os seguintes factos:
·A 1.ª A. AA é mãe da 2.ª A. BB (alínea a) dos factos assentes);

• A 1.ª R. "CC – ... de DD, ..., Lda." explora o estabelecimento destinado à prática de exercício físico, designada mente ginástica, natação, ténis e outras actividades, denominado "CC, …", sito no …, em Lisboa, que se encontra aberto ao público mediante pagamento de inscrição (jóia) e mensalidade.

• As AA. frequentam o estabelecimento da 1.ª R. e foi-lhes atribuído os nºs de sócio … e …;
· A 1.ª A efectuou o pagamento anual no montante de € 875,00 (€723,14, acrescido de €151,86, a título de IVA);

• A 2.ª R. é proprietária do ..., publicação diária dedicada ao tratamento de notícias de cariz económico e financeiro;

• O "..." tem âmbito nacional e tiragem mensal média não inferior a 12.000 exemplares;
· A 1.ª R. realizou nas suas instalações uma sessão pública aberta a sócios e familiares;
· A A. e a sua filha participavam nesse evento e encontravam-se na piscina com um grupo de mães;

. As AA. aparecem retratadas na capa e na pág. 6 da revista FF" onde foram inseridas as fotografias colhidas às AA. nas instalações da 1.ª R. em 25 de Março de 2006;

• As fotografias foram tiradas quando as AA. se encontravam na piscina, nas instalações da 1.ª R.;

• A 1.ª A. consentiu que fossem tiradas fotografias suas e da sua filha no dia da reportagem;

• A revista "FF", com uma tiragem de 20.000 exemplares, foi distribuída como encarte no ..., em Abril de 2006;

• A 2.ª R. distribuiu a revista" FF" com o "...";

• A 1.ª R. cedeu as suas instalações para a realização de uma reportagem fotográfica da revista "FF" sobre o tema "…";

• A edição da revista "FF"esteve disponível no estabelecimento da 1.ª R., podendo ser consultada por todos os que, diariamente, frequentam o clube;

• A 1.ª A. é arqueóloga de profissão;

• A 1.ª A. é uma pessoa sensível;

• A publicação das fotografias da sua filha e da Autora causaram a esta mal-estar;

• A 1.ª A. sentiu-se perturbada pela exposição a que a sua filha foi sujeita;

• Com a publicação das fotografias a Autora sentiu-se chocada, envergonhada e desgostosa;

F) Em sede de Apelação, as recorrentes impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de factos, requerendo a alteração da resposta aos quesitos 5º, 6.º, 7.º, 9.º, 10.º, 11.º e 19.º., impugnação deferida parcialmente, alterando a resposta à matéria de facto nos seguintes termos

• A Revista "FF", foi promovida pelas RR (quesito 7.º).
· A publicação "FF" foi produzida e distribuída para divulgação das actividades da 1.ª R., com o intuito de captar novos clientes e divulgar a sua actividade (quesito 9.º);

• A imagem da Autora e da sua filha foram utilizadas para campanha publicitária (quesito 10.º);

G) A alteração da resposta a estes quesitos assume especial relevância para a boa decisão da causa, uma vez que contextualiza o consentimento ou a forma como este foi prestado, a responsabilidade civil das RR., e mesmo, diga-se, a questão também levantada pelas recorrentes quanto à litigância de má-fé.

H) Tudo isto não foi, no entanto, considerado na decisão.

I) Ao longo dos articulados, as RR. rejeitaram qualquer ligação entre as actividades por si desenvolvidas e a publicação em causa.

J) Nessa sequência, a 1.ª R. afirma que, de forma desinteressada – dizem as recorrentes – foi contactada pela referida publicação que pretendia fazer uma edição sobre fitness e bem estar (artigo 3.º da contestação), para concluir no artigo 22.º da contestação que é falso que aquela publicação tenha sido produzida e distribuída para divulgação das actividades do CC e para captação de novos clientes.

K) Por seu turno, a 2.ª R., ao longo da contestação, vai referindo nada ter que ver com a referida publicação, não sendo esta promovida por esta R., tendo apenas limitado a sua intervenção na distribuição daquela revista com o ....

L) A publicação, como foi entendida pela 1.ª Instancia, constitui uma reportagem, com carácter estritamente informativo, não comercial e sem cariz publicitário.

M) Voltando aos factos, é de relevo a não alteração da resposta dada ao quesito 5.º, face ao que consta do depoimento de parte prestado pela 1.ª R. e que consta da acta de fls.

N) Atendendo à posição assumida pela 1.ª R. nos articulados e sufragada na sentença da 1.ª Instância, a publicação em causa seria meramente informativa e aquela R. em nada participou para que a mesma se concretizasse.

O) Como consta da assentada (cfr. acta de 3 de Novembro de 2009, a fls.), aquela legal representante declarou, à matéria do quesito 5.º que a 1.ª Autora não foi informada em concreto dos propósitos a que se destinavam as fotografias, tendo-lhe sido dito que as mesmas se destinavam a figurar em publicação.

P) Ora, face à alteração da matéria de facto (quesitos 7.º, 9.º e 10.º), é por demais evidente que aquela R. sabia qual o finalidade e destino das fotografias colhidas naquele dia, mas decidiu omitir essa informação à 1.ª A., tendo o acórdão ora recorrido violado o artigo (ver apelação).

Q) A finalidade concreta, atendendo à alteração da matéria de facto, é o uso das fotografias para campanha publicitária, visando fins comerciais.

R) O destino das mesmas é a publicação identificada nos autos, promovida pelas RR., visando a divulgação das actividades da 1.ª R. com o intuito de captar novos clientes.

5) É, sem dúvida, a forma mais subtil de publicidade, facto que foi ocultado à 1.ª A., que, reitere-se não deu consentimento autorizante para figurar naquela publicação concreta.

T) Também ao contrário do que vem referido no acórdão, a concretização do destino das fotografias não surge como questão nova, antes decorre da relevância da prestação e obtenção do consentimento da 1.ª A., face à factualidade que é dada como provada.

U) Integrar o conceito de consentimento autorizante é questão de direito que deve ser decidida pelo Tribunal, o que o acórdão não faz.

V) Com efeito, às Instâncias cabe avaliar, face à factualidade assente, se a recolha do consentimento estabeleceu os limites e alcance desse consentimento.

W) É certo que a tese do acórdão, como já se referiu, reduz ao mínimo esses requisitos, ao arrepio do que é jurisprudência e doutrina unânime.

X) Isto é, o acórdão considera que era a 1.ª A. que deveria prever todos os cenários possíveis para o destino e finalidade daquelas fotografias, perante uma tal insuficiência de concretização por parte da 1.ª R..

Y) Ou seja, a 1.ª A., sócia do estabelecimento da 1.ª R., deveria interpretar todas as possibilidades que decorrem da captação daquelas fotografias, designadamente, qual das fotografias captadas seria utilizada, em que página da (desconhecida) publicação seriam as mesmas inseridas, prevendo também a possibilidade de uma utilização comercial, negada pelas RR. nos presentes autos.

Z) Face à factualidade assente, é forçoso concluir que a 1.ª R não foi informada da finalidade e destino das fotografias captadas naquele dia;

AA) Razão pela qual não existe consentimento autorizante.

BB) É forçoso concluir que, no caso dos autos, perante a ausência de consentimento da titular do direito de imagem para reprodução e divulgação dos retratos para fins económicos, isto é, não tendo as titulares exercido os respectivos direitos de autodeterminação sobre as suas próprias imagens, há uma clara lesão do direito de imagem das AA.,

CC) Por actuação ilícita por parte das RR.

DD) A 1.ª A. apenas consentiu na captação das fotografias.

EE) O que ficou provado a este respeito foi que a 1.ª A. consentiu que fossem tiradas fotografias suas e da sua filha no dia da reportagem"

FF) Nada mais que isso e, designadamente, nada que se reporte à utilização, para fins comerciais dessas fotografias.

GG) Assim, o cerne da discussão não deverá ser, como no acórdão recorrido, se faz crer, porque razão a 1.ª A."não fez preceder a sua autorização de esclarecimentos complementares", pois não estava ao seu alcance supor que tais retratos seriam utilizados numa campanha publicitária inserida num Jornal com distribuição a nível nacional, factos ocultados, pelo menos, pela 1.ª R.

HH) Pelo contrário, está em crise a cautela na obtenção de um consentimento suficiente para o fim prestado por parte dos RR., ora Recorridos, que no momento em que solicitaram a autorização tinha consciência dos parâmetros da utilização subsequente que iria ser dada aos referidos retratos.

II) Consequentemente, deverá ser decidido que não existiu consentimento referente à publicação dos retratos na supra descrita campanha publicitária, quando este se baseia unicamente no facto da 1.ª Ré, ora Recorrida ter afirmado que o destino a dar às fotografias era uma publicação.

JJ) O acórdão de que ora se recorre conclui pela improcedência de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, absolvendo as RR. do peticionado.

KK) Conclusão que, face à alteração da matéria de facto, não pode proceder.

LL) Efectivamente, são pressupostos da responsabilidade civil, como refere a decisão: a) o facto voluntário; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

MM) Da análise da factualidade dada como assente, consideram as recorrentes que estão verificadas todos os pressupostos da responsabilidade civil das RR.

NN) Quanto à 1.ª R. é por demais evidente que, não existindo consentimento autorizante – como se expôs – e considerando que a publicação da revista teve intuitos publicitários e, consequentemente, fins comerciais, estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.

00) Quanto à 2.ª R., o acórdão parece esquecer o que consta da assentada do depoimento de parte do legal representante da 2.ª R.

PP) Com efeito, conforme consta da acta da audiência de discussão e julgamento de 3 de Novembro de 2009 (cfr. fls.), aquele representante legal reconhece que a publicação em causa constitui encarte mensal do ..., sendo produzido por uma outra empresa com quem a Ré mantém um contrato de prestação de serviços.

QQ) Acresce que, como se pode ler no acórdão (página 30) o ... é informado de todo o alinhamento, podendo determinar alterações de conteúdo.

RR) É forçoso concluir que aquela publicação faz parte integrante do ..., o que decorre do depoimento de parte do legal representante da 2.ª R.

SS) É uma obra encomendada pelo jornal, dele fazendo parte integrante.

TI) Em consequência os conteúdos inseridos nessa publicação integram o conteúdo da publicação periódica do título detido pela 2.ª R..

UU) Mesmo que assim não fosse entendido, o que por mera hipótese se concede, sempre se dirá que as RR. tem interesse directo naquela publicação.

VV) Com efeito, as AA. lograram provar que aquele encarte foi produzido para divulgar as actividades da 1.ª R. e que a imagem destas foi utilizada em campanha publicitária.

WW) Não tem as AA. o ónus de demonstrar qual a relação comercial existente entre as RR ..

XX) Sendo claro, da análise dos factos dados como assentes, que o interesse económico é de ambas as RR.

YY) As AA. não se conformam com a tese do acórdão que considera assente que as RR. promoveram a revista em apreço e de seguida afirme que não lhes pode ser imputável qualquer actuação ilícita consequente dessa publicação.

ZZ) Ora, no caso em apreço, de acordo com o disposto no art. 79.º, n.º 1 do Código Civil, importa definir quem lançou no comércio os retratos sub judice sem o consentimento da pessoa retratada.

MA) Como refere David de Oliveira Festas (autor e obra já citados) o entendimento do conceito deve ser feito em sentido amplo, sem qualquer limitação proveniente da lei comercial, afirmando" Por "lançamento no comércio" do retrato deve entender-se o seu aproveitamento económico".

BBB) Face ao exposto, não se concebe que não seja considerada a existência de aproveitamento económico por parte de ambas as RR. quando se considera provado que ambas promoveram o encarte no qual se inserem os referidos retratos,

CCC) Devendo ser considerada a existência de uma actuação voluntária por parte das RR., os quais visando exclusivamente interesses económicos próprios, provocaram uma clara violação do direito de imagem das AA,

DDD) A qual, consequentemente, produziu danos na esfera jurídica das AA, ora Recorrentes,

EEE) Sendo inevitável que às RR., ora Recorridas, seja imputável a responsabilidade sobre o ocorrido.

FFF)    Com efeito, as RR. são civilmente responsáveis, nos termos do disposto no artigo 483.º do CC.

GGG) Sendo os danos não patrimoniais reclamados merecedores de tutela, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 1 do CC.

HHH) Face a todo o exposto, devem as RR. ser solidariamente condenadas no pagamento da (módica) quantia de € 15.000,00.

III) Face à factualidade provada, é forçoso concluir que as RR litigam com má-fé.

JJJ) Ambas as RR., como já se expôs, ao longo dos articulados, defenderam nada ter que ver com a referida publicação.

KKK) A 1.ª R. limitou-se a ceder as instalações para que fosse efectuada uma reportagem sobre bem-estar e fitness, sem carácter comercial ou fim publicitário.

LLL) A 2.ª R. reiterou ter apenas limitado a sua intervenção à distribuição da publicação com o ....

MMM) As RR. litigam pois com manifesta má-fé, alterando a verdade dos factos, devendo ambas ser condenadas no pagamento de multa a fixar de acordo com o prudente arbítrio deste Supremo Tribunal.

NNN) A decisão recorrida violou os artigos 79.º, nºs 1 e 2 e 483.º do CC, bem como o artigo 26.º, n.º 1 da CRP.

OOO) Violou também, no que concerne a valoração dos depoimentos de parte prestados pelos legais representantes das RR. os artigos 358.º, n.º 1do CC, com referencia ao artigo 563.º do CPC, ocorrendo erro na apreciação da prova e na fixação de factos materiais, o que se alega nos termos do disposto no artigo 722.º, n.º 2, in fine do CPC.

PPP) O acórdão deve pois ser revogado e substituído por decisão que considere não verificado, face à factualidade assente nas instâncias, o consentimento para publicação das fotografias por não ter sido dado, nem solicitado, na sua verdadeira extensão e alcance, condenando-se as RR, solidariamente, no pagamento de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial no montante de € 15.000,00;

QQQ) Caso se entenda não existir responsabilidade solidária, deverão as RR. ser condenadas, cada uma, a pagar às AA. a quantia de € 7.500,00;

RRR) Devem ainda as RR. ser condenadas como litigantes de má-fé, em multa a fixar por este Supremo Tribunal de Justiça.”

Respondeu a Ré, “GG – Sociedade de Publicações, S. A.” concluindo a sua argumentação com o sequente quadro conclusivo.  

 “A Recorrida não tem qualquer intervenção editorial na revista "FF", onde foram publicadas as fotografias, que foi distribuída como encarte do "...", de que a Recorrida é proprietária, tal como ponto assente no Acórdão da Relação.

A revista "FF" não é editada ou da propriedade da Recorrida.

Nos termos da Lei da Imprensa e da Constituição da República Portuguesa (CRP), a empresa jornalística está impedida de influenciar ou influir no conteúdo das publicações.

A Recorrida, enquanto empresa jornalística, apenas poderia ser responsabilizada solidariamente com o autor das fotografias, se o Director tivesse tido conhecimento prévio das imagens e não se tivesse oposto à sua publicação.

Cabia às Recorrentes o ónus de alegar quem era o responsável pela publicação das imagens dos autos, que o mesmo conhecia-as, que sabia se tinha ou não sido dada a autorização devida para a sua publicação, e que se podia opor à sua publicação, não o tendo feito, o que não aconteceu.

Dispõe o número 1 do artigo 79.º do Código Civil que "o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela ".

A Recorrente deu o seu consentimento para a publicação das fotografias pelo que a sua reprodução é lícita.

Não houve qualquer dolo ou negligência por parte da Recorrida porquanto não era exigível que a mesma actuasse de forma diferente.

Nos termos do art. 496.º do C. Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Ainda que se aceitasse que a Recorrente "sentiu mau estar, revelando choque, vergonha e desgosto" ou ''perturbação'' pela exposição a que a sua filha foi sujeita, seria sempre insuficiente para se concluir pela existência de danos relevantes, para efeitos de direito à indemnização.

As fotografias das Recorridas publicadas, quando estas posaram para o fotógrafo, não são susceptíveis de causar qualquer mal-estar, vergonha ou perturbação à 1.a Recorrente.

Deverá o pedido de Iitigância de má fé ser julgado improcedente porquanto as Recorrentes não fazem alusão à causa de pedir, estando o recurso limitado pelas conclusões apresentadas com as alegações de recurso.

Mesmo que assim não se entenda, não poderá a Recorrida ser condenada no pedido de litigância de má fé porquanto limita-se a dar uma interpretação dos factos e do direito diferente das Recorrentes, o que não se enquadra no conceito legal de má fé previsto do art. 456° do CPC.”

Sem rigor conclusivo respondeu a Ré “CC – ... DD, ..., Lda. – cfr. fls. 501 a 508 - tendo pugnado pela improcedência da revista. 

I.1. - Síntese dos antecedentes processuais com relevância para a decisão.

“AA, por si e em representação de sua filha menor, BB, intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra CC – ... e DD, ..., Lda., e EE, ..., Lda., pedindo a condenação dos RR. a pagarem solidariamente às autoras a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, a título de indemnização; ou caso se entenda que não existe responsabilidade solidária, a condenação de cada um dos RR. no pagamento de € 7.500,00.

Para o pedido que formularam induzem a factualidade que, sumariamente, a seguir se transcreve:

As AA. frequentavam o estabelecimento destinado à prática de exercício físico da 1ª Ré, denominado CC, …, sito em Lisboa no ….

Sendo a 2ª Ré proprietária do ..., publicação diária.

Entre o final do mês de Março e o princípio do mês de Abril de 2006, encontrando-se as AA. nas instalações da 1ª Ré foram tiradas fotografias da piscina onde elas se encontravam, sem que fosse fornecida qualquer informação quanto à finalidade e destino de tais fotografias, pela 1ª Ré.

A 1ª A., constatou, dias mais tarde, que tinha sido publicada uma revista – denominada FF, promovida pelas RR. e produzida e distribuída para divulgação das actividades da 1ª Ré, com o intuito de captar novos clientes – onde, sem a sua autorização, foram inseridas fotografias colhidas nas instalações da 1ª Ré, aparecendo as AA. retratadas na capa e na página 6 da identificada publicação.

A revista foi distribuída como encarte na publicação ..., no mês de Abril de 2006, e tendo estado disponível no estabelecimento da 1ª R.

A publicação foi assunto recorrente de conversa entre amigos e colegas de profissão da A.

As AA. viram afectado, ilícita e culposamente, o seu direito à imagem e à reserva da sua vida privada e intimidade.

Essa situação ocasionou profundo mau estar à 2ª A., sentindo-se a 1ª A. chocada, envergonhada, desgostosa e ansiosa tendo-se sentido profundamente atingida na sua honra, consideração e dignidade.

Na contestação a Ré, “GG – …, S.A.” contraminou, em síntese, a posição assumida pelas AA com a sequente argumentação.

Suscitou a falta de capacidade judiciária da 2ª A., em virtude de não estar regularmente representada, na circunstância de sua mãe litigar desacompanhada do seu pai.

Alegou a ausência de intervenção editorial na revista FF, que lhe é entregue já completa, quer quanto ao seu conteúdo quer quanto ao seu formato.

Nenhuma das receita publicitária lhe advêm com a publicação dessa revista, sendo aquelas inteiramente recebidas pela HH, que é a proprietária da FF, limitando-se a 2ª Ré a distribuir a revista em conjunto com a publicação de sua responsabilidade denominada ....

As AA. estavam perfeitamente cientes de que estavam a ser fotografadas.

Por seu turno a 1ª R. refere que as AA., quando participavam na sessão pública que, no dia 25-03-2006, teve lugar nas instalações daquela, aceitaram ser fotografadas, depois de esclarecidas da finalidade e destino de tais fotografias.

A 1ª A., alguns dias mais tarde, mostrou-se encantada com as fotografias publicadas.

Impugnando o mais alegado pelas AA., designadamente em sede de danos.

Remata com a sua absolvição do pedido e a condenação “da A.” como litigante de má-fé no pagamento à R. de indemnização de € 1.750,00 e em multa considerada ajustada pelo tribunal.

Replicaram as AA., arguindo a “falta de mandato” das RR., que não juntaram procuração forense com as apresentadas contestações.

Sustentaram a improcedência da arguida incapacidade judiciária da A. I..., na circunstância da autorização escrita concedida pelo pai desta para a propositura da acção.

Frisaram que apenas terão concedido autorização para fotografar, que não para publicar as fotografias.

E, mais alegando a falta de verdade dos “factos essenciais alegados na defesa”, ou a distorção dos factos, requereram a condenação da 1ª R. como litigante de má-fé, em multa a fixar pelo Tribunal e “em indemnização à 1ª R.” em quantia não inferior a € 1.500,00”, e da 2ª R., pelo mesmo título, em multa.

II.2. – Em síntese heurística do quadro conclusivo apresentado pelas recorrentes perfilam-se para conhecimento as questões sequentes:

a) - Erro na apreciação da prova, por violação do disposto no artigo 358.º do Código Civil;

b) - Violação do Direito à imagem (artigo 79.º da CRP) – Consentimento (formal e tácito);

c) - Pressupostos da responsabilidade civil – Indemnização por danos não patrimoniais;

d) - Litigância de má fé.

II.B. – Fundamentação.

II.B.1. – De Facto.

Com a reapreciação da decisão da matéria de facto a que o Tribunal da Relação procedeu (e que as recorrentes aceitam) é de considerar adquirida para a decisão a proferir a sequente factualidade.

“1. A 1ª A. AA é mãe da 2ª A. BB (alínea a) dos factos assentes);

2. A 1ª R., "CC – ... de DD, ..., Lda." explora um estabelecimento destinado à prática de exercício físico, designadamente ginástica, natação, ténis e outras actividades, denominado "CC, …", sito no …, em Lisboa, que se encontra aberto ao público mediante o pagamento de inscrição (jóia) e mensalidade (alínea b) dos factos assentes);

3. As AA. frequentam o estabelecimento da 1ª R. e foi-lhes atribuído os n.ºs de sócio … e … (facto considerado assente por acordo das partes);

4. A 1ª A. efectuou o pagamento anual no montante de € 875,00 (€ 723,14, acrescido de € 151,86, a título de IVA) (facto considerado assente por acordo das partes);

5. A 2ª R. é proprietária do ..., publicação diária dedicada ao tratamento de notícias de cariz económico e financeiro (alínea c) dos factos assentes);

6. O "..." tem âmbito nacional e tiragem mensal média não inferior a 12.000 exemplares (alínea d) dos factos assentes);

7. A primeira Ré realizou nas suas instalações uma sessão pública aberta a sócios e familiares (resposta ao quesito 21.º);

8. A Autora e a sua filha participavam nesse evento e encontravam-se na piscina com um grupo de mães (resposta ao quesito 22.º);

9. As AA. aparecem retratadas na capa e na pág. 6 da revista FF -"… onde foram inseridas as fotografias colhidas às AA. nas instalações da 1ª Ré em 25 de Março de 2006 (alínea f) dos factos assentes);

10. As fotografias foram tiradas quando as AA. se encontravam na piscina, nas instalações da primeira Ré (resposta ao quesito 3.º);

11.A 1ª A. consentiu que fossem tiradas fotografias suas e da filha no dia da reportagem (alínea g) dos factos assentes);

12. A revista "FF – …", com uma tiragem de 20.000 exemplares, foi distribuída como encarte no ..., em Abril de 2006 (alínea e) dos factos assentes);

13. A segunda Ré distribuiu a revista "FF …" com o "..." (resposta aos quesitos e 19°);

14- “A edição da revista FF – …, foi promovida pelas RR.” - resposta afirmativa por alteração da produzida pela decisão do Tribunal da relação na resposta ao quesito 7.º - cfr. fls. 366;

15 - A publicação “FF – …”, foi produzida e distribuída para divulgação das actividades da 1ª R. e com o intuito de captar novos clientes.” (procedência da impugnação enunciado sob o n.º 9 (alterado pela decisão do Tribunal da Relação - cfr. fls. 363;

16 - A imagem da A. e da sua filha foram inseridas na mesma publicação, tendo em vista esses objectivos” – resposta positiva produzida por decisão do Tribunal da Relação ao enunciado sob o n.º 10 – fls. 363;

17. A primeira Ré cedeu as suas instalações para a realização de uma reportagem fotográfica da revista "FF" sobre o tema "Fitness e bem-estar" (resposta ao quesito 20.º);

18. A edição da revista "FF – …" esteve disponível no estabelecimento da 1ª Ré, podendo ser consultada por todos os que, diariamente, frequentam o clube (resposta ao quesito 8.º);

19. A primeira Autora é arqueóloga de profissão (resposta ao quesito 15.º);

20. A primeira Autora é uma pessoa sensível (resposta ao quesito 16.º);

21. A publicação das fotografias da sua filha e da Autora causaram a esta mal-estar (resposta ao quesito 12.º);

22. A primeira Autora sentiu-se perturbada pela exposição a que a sua filha foi sujeita (resposta ao quesito 18º);

23. Com a publicação das fotografias a Autora sentiu-se chocada, envergonhada e desgostosa (resposta ao quesito 13.º).”

II.B. – De Direito.

II.B.1. – Erro na apreciação da prova, por violação do disposto no artigo 358.º do Código Civil.

Pretende a recorrente a alteração da matéria de facto – cfr. “OOO Violou também, no que concerne a valoração dos depoimentos de parte prestados pelos legais representantes das RR. os artigos 358.º, n.º 1do CC, com referencia ao artigo 563.º do CPC, ocorrendo erro na apreciação da prova e na fixação de factos materiais, o que se alega nos termos do disposto no artigo 722.º, n.º 2, in fine do CPC”.

A conclusão transcrita atina com o facto de as instâncias terem valorado o depoimento de parte do representante da 1.ª Ré e com isso ter dado como provado o enunciado fáctico proposto sob o n.º 5 da base instrutória.

Nos termos do n.º 2 do artigo 722.º do CPC (versão anterior ao DL n.º 303/2007, de 24-08, aplicável ao caso) “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Este Supremo tribunal tem reiteradamente vindo a doutrinar que é limitado o seu campo de censura/sindicância quanto à decisão de facto provinda das instâncias. Uma consulta de recentes decisões deste Supremo conduz-nos á confirmação do assertado. [[1]]

A questão ensaiada pelas recorrentes parece derivar da estatuído na segmento final do preceito “(…)salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

O Supremo Tribunal pode censurar a decisão de facto desde que: a) - tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto; b) que fixe a força a determinado meio de prova.

As recorrentes acoimam a decisão revidenda de ter violado o artigo 358.º do Código Civil. Porque se trata de erro na aplicação ou interpretação de uma norma jurídica impunha-se às recorrentes o cumprimento do disposto na alínea b) do artigo 690.º do CPC, a saber em que sentido deveria a norma ter sido aplicada ou interpretada. É que actuando este tribunal como instância de recurso de direito ao serem assacada a violação de uma norma jurídica está cometido o ónus de indicar o sentido, com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

Ainda assim releva-se a omissão, passando à apreciação da disposição que reputam ter merecido deficiente aplicação ou interpretação pelas instâncias.

Radica a divergência das recorrentes, se bem entendemos o expendido quanto a este desvio de interpretação/aplicação de um dispositivo legal, no facto de ter sido valorado de forma desconforme a confissão da gerente da 1.ª Ré quanto á resposta que as instancias forneceram ao quesito 5.º.

Recenseando o excurso processual probatório temos que: a) - as recorrentes alegaram que a 1.ª A. não tinha informada da finalidade e do destino das fotografias; b) - este facto foi transportado para a base instrutória tendo sido plasmado no enunciado fáctico sob o n.º 5 (fls. 121); c) - as AA./recorrentes requereram o depoimento de parte da 1.ª Ré “CC - ... de …, ..., Lda.” à matéria, entre outros, do enunciado fáctico inserto na base instrutória sob o n.º 5; d) - o requerido depoimento parte foi admitido aos enunciados 5.º e outros, tendo sido desatendido relativamente a outros enunciados, por a indicação se reportar a enunciados fácticos que haviam sido alegados pelos próprios RR. e não se revelando desfavorável não poder sobre os mesmos recair depoimento de parte (fls. 181); e) - a fls. 219 consta a assentada relativa ao depoimento de parte da gerente da 1.ª Ré, de que consta “À matéria do quesito 5.º a legal representante da 1.ª Ré declarou que 1.ª A. não foi informada, em concreto, dos propósitos a que se destinava as fotografias, tendo-lhe, no entanto, sido dito que as mesmas se destinavam a figurar numa publicação”.

Em face desta resposta e da sua conjugação com outros depoimentos - cfr. fls. 235 - o tribunal respondeu negativamente ao enunciado inerido na base instrutória sob o n.º 5 como não provado.

Na reapreciação a que procedeu da decisão de facto o Tribunal da Relação de fls. 11 a 15 do souto acórdão escalpelizam as declarações prestadas, tanto pela depoente de parte como por outras testemunhas, para concluir que “Não se impondo assim a alteração do decidido por reporte aos arts. 5.º, 6.º e 11.º da Base Instrutória”.                           

As recorrentes estimam que “é de relevo a não alteração da resposta dada ao quesito 5.º face ao que consta do depoimento de parte prestado pela 1.ª Ré e que consta da acta de fls.” (218 a 222, colmatamos nós).

Não se descortina qual a violação cometida pelas instâncias. As recorrentes pediram o depoimento de parte relativamente a um facto que era desfavorável à 1.ª Ré – dado ser um facto constitutivo do direito invocado pela A. e donde fazia emergir o direito ou a obrigação de indemnizar por parte da demandada. O depoimento de parte foi prestado e a parte que poderia ser significante para a apreciação da conduta da 1.ª Ré foi transcrito. O depoimento de parte foi conchavado e congraçado com outros depoimentos (de testemunhas) e do conjunto o tribunal formou a convicção de que a 1.ª A tinha sido informada da finalidade e do destino das fotografias. Em nosso juízo, a discordância ou divergência não radica na aplicação ou interpretação da norma que rege para a confissão, mas do processo formativo da convicção do julgador. Explicitando, as recorrentes pretendem extrair uma compreensão e um conteúdo significante do depoimento de parte que não é coincidente com o dos tribunais que julgaram a matéria de facto pretendendo sobrepor a sua própria percepção e compreensão à que foi a decisão do tribunal. Em resumidas contas, as recorrentes pretendem e intentam, ainda nesta instância fazer valer a sua decisão conviccional quanto ao material probatório utilizado pelas instâncias, operando uma substituição do órgão decisório, ou seja substituir o seu julgamento particular e privado ao julgamento do órgão jurisdicional.

A lei – artigo 655.º do CPC – estatui que o tribunal aprecia livremente as provas “decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” - n.º 1 - “mas quando a lei exija, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada”. 

O ordenamento jurídico-processual português, ao corredio dos sistemas da civil law, [[2]] adoptou o princípio da livre apreciação da prova. Não resolvendo todos os problemas relacionados com a decisão do tribunal ou do julgador quanto aos factos que lhe são sujeitos a apreciação, o facto é que o princípio da livre apreciação da prova pode ser valorado por um lado negativo, traduzido “na exclusão das regras de prova legal e pela liberdade do julgador para estabelecer o valor probatório dos meios de prova”. Vale por dizer na apreciação que faz da prova que é carreada para o processo, o julgador, desde que não esteja vinculada ao que soe apelidar -se de prova tarifada ou vinculada, é livre - de forma vinculada à prova testemunhal ou pericial, desde que justificadamente - de formar a sua convicção. Mister é que fundamente e justifique, de forma consentânea com a prova que lhe foi aportada, os motivos e as razões de convicção que determinaram a condução de convicção em detrimento de outro. O juiz não está apartado da realidade que lhe é trazida ao processo pelas partes, ao invés está determinado, afora os casos de disquisição processual permitida – cfr. artigo 265.º do CPC - em seguir a cartilha factual e probatória que os sujeitos processuais lhe oferecem. Daí que o legislador tenha, numa lógica de soberania institucional e de dever de Estado, permitido que, libertados os intervenientes processuais na sua tarefa de aportar todos os elementos processuais para o processo, seja o órgão jurisdicional, enquanto entidade imparcial e independente e equidistante dos “movediços” interesses das partes, a julgar de acordo com a carga probatória que cada parte teve oportunidade de trazer a juízo.

Daí que carece de justificação a atitude prepositiva das partes em se querem substituir ao juízo conviccional do órgão jurisdicional que elegeram para julgamento do caso que lhe submetem a decisão.

O julgamento da decisão de facto produzido pelas instâncias não enferma de qualquer vicio ou violação de norma de produção de prova que justifique a possibilidade de reapreciação por este tribunal superior.

Para que não venha esta decisão a ser acoimada de omissão de pronúncia dir-se-á que as respostas (alteradas) do Tribunal da Relação aos quesitos 7.º, 9.º e 10.º não se repercutem ou têm influência na resposta ao quesito 5.º. A correlação de situações conjecturada pelas recorrentes arranca de perspectivas e convicções descartadas ou desbordadas pelos tribunais das instâncias, no julgamento da decisão de facto, e este tribunal Superior, porque não foi violada nenhuma da regras contidas no n.º 2 do artigo 722.º do CPC, não pode sindicar.                

II.B.2. – Violação do Direito á imagem (artigo 79.º da CRP).

Decorrência do estatuído no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa que consagra a tutela de todos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação e imagem […] preceitua o artigo 79.º do Código Civil que “o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela […]”.

O direito à imagem, na definição de José Ramón de Verda y Beamonte “é p poder que o ordenamento jurídico atribui a uma pessoa para determinar quando é possível a sua figura, ou dito de outro modo, a faculdade de decidir quando a sua figura pode ser reproduzida ou não”. [[3]]   

A imagem surge na análise deste autor desdobrada em duas dimensões, a saber a imagem como “figura” e a imagem como “reprodução”. Como “figura” seria “um bem de personalidade, um atributo inerente à pessoa, consistente no seu aspecto exterior físico, que contribui para a individualizar e a identificar ante a sociedade”, ao passo que como “reprodução” seria “o objecto exterior à própria pessoa, isto é, o concreto procedimento através do qual se representa a figura humana de modo a ser reconhecível pela sociedade”.  

A imagem do ponto de vista constitucional reconduzir-se-ia à noção/conceito de “figura humana”, na justa medida em que consubstanciaria o “conjunto de traços físicos que configuram o aspecto exterior de uma determinada pessoa e permitem identificá-la como tal”, e que gozando de protecção constitucional concederia à pessoa o direito de determinar a sua representação gráfica pelos seus traços físicos e isto num duplo sentido: “por um lado permitindo-lhe que consinta na captação, reprodução ou publicação da sua figura (conteúdo positivo do direito à própria imagem); e, por outro lado, concedendo-lhe a faculdade de impedir a captação, reprodução ou publicação, em modo tal, que seja possível a sua identificação ou reconhecimento (conteúdo negativo do direito da própria imagem). [[4]]     

Tal como ocorre com o artigo 18.º da Constituição do Reino de Espanha, também se nos afigura que o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, consagra autonomia conceptual ao direito à imagem distinguindo-a de outros direitos fundamentais como sejam o direito à intimidade ou o direito à honra. Podendo concorrer uma ofensa ao direito à imagem com outros, mais comummente com o direito a intimidade ou à honra, como seria o caso de se a imagem representa momento da vida privada de alguém ou representa partes intimas do corpo, o facto é que, parece ser doutrina firme, que o direito à imagem possui autonomia conceptual e constitucional, o que o torna susceptível, por exemplo, no ordenamento jurídico-constitucional espanhol, de recurso de amparo ante o Tribunal Constitucional, nos casos em que a vulneracão ocorre por actos dos poderes públicos. [[5]]

Sendo considerado como um direito inerente à pessoa humana atribuem-lhe os autores um dupla significação: “por um lado, é reconhecido a todo individuo pelo simples facto de o ser, isto é, como consequência da sua intrínseca dignidade; por outro lado, a sua inseparabilidade entre o objecto e o titular do direito: ao recair sobre um bem da própria personalidade (a figura humana) não pode ser transmitido a uma pessoa distinta do seu titular originário, quer dizer, trata-se de um direito que, pela própria natureza do seu objecto, não pode mudar de sujeito”. [[6]]   

Tratando-se, no entanto, de um direito indisponível, no plano constitucional, a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem. Mister é que o titular do direito anua ou consinta na captação, reprodução e publicitação. “A imagem enquanto bem da personalidade é “res extra comercium” pelo que, tecnicamente, não é possível, relativamente a ela, um acto de disposição”. [[7]

II.B.2.A. – O consentimento.

A lei permite – cfr. artigo 79.º do Código Civil - que a indisponibilidade do direito à própria imagem seja excepcionado se o titular do direito der o seu consentimento na captação, reprodução e publicitação da sua imagem.

Exige-se que o consentimento seja “expresso” “o que constitui uma garantia de que, efectivamente, o titular está de acordo com a intromissão de um terceiro num bem da personalidade do próprio”. Não é, no entanto, exigível que o consentimento assume uma forma solene ou formal, mas tão só que ele seja dessumível ou inferível de “facta concludência”. Vale por dizer que para que alguém conceda o consentimento na captação, reprodução ou publicação da sua própria imagem não se torna imprescindível que o manifesto da sua vontade se submeta a uma forma predeterminada ou formalmente preconcebida, bastando, tão só, que a conduta actuada pelo titular do direito se torne compatível com a mencionada captação de imagem. [[8]]          

Adiantam os autores que temos vindo a acompanhar que, em situações limite, poderá ocorrer uma “presunção de consentimento” bastando para tal que a conduta do titular do direito à própria imagem revele um comportamento de tal modo alheado á sorte da captação de imagens que deles se possa dessumir uma anuência desprendida ou inane ao conteúdo e destino das imagens captadas.   

Porém, parece ser pacifico que o consentimento – ainda que dessumido de actos inequívocos ou absolutamente iniludíveis de que o titular admite a intromissão na sua esfera própria da imagem – não pode ser extensível, ou seja não pode a tomada/captação de imagem de alguém ser utilizada para fins diversos daqueles para que o predito consentimento foi percepcionado e/ou anuído. Se alguém aceita, ainda que de forma tácita, ser fotografada para um determinado fim não podem as imagens captadas ser utilizadas para fim diverso, sem que para este especifico fim tenha sido obtido prévio consentimento do titular ou pelo menos que, aquando da captação de imagens, não tivesse sido adquirido um sentido inequívoco de que o titular do direito permitiria na utilização das imagens captadas para esse especifico fim. [[9]]

Colocadas as questões nos sobreditos termos importa descer ao concreto caso que nos ocupa.

Pugna a recorrente que não conferiu o “consentimento autorizante” para que a reprodução da sua imagem e de sua filha fossem publicadas no encarte do jornal que as viria a publicitar.

Ao conceito de “consentimento autorizante” parece contrapor a decisão recorrida o de “consentimento esclarecido ou tendencialmente/necessariamente esclarecido”.

O consentimento, como decorre do já aflorado, deve ser esclarecido, e porque esclarecido, (conscientemente) autorizado. Não se concebe uma manifestação de vontade que para obter autorização (validamente formada e prestada) não deva ser previamente esclarecida. Poderão ocorrer formas de perverter a formação da vontade do sujeito autorizador, seja através do esclarecimento defeituoso ou incompleto ou omissão de elementos essenciais para a prestação de uma autorização despojada de desvios de boa fé, mas, na ocorrência de situações similares, a autorização obtida, por dolo ou reserva mental, tornar-se-ia inválida e ineficaz para obstar à ilicitude que a vulneração do direito à própria imagem supõe.

Devendo o consentimento ser esclarecido, para que possa ser tomado como autorizado, de forma “expressa” ou “tácita”, caberia perguntar, no caso concreto, se a conduta dos demandados se teria pautado por padrões intersubjectivos e objectivos compatíveis com a assumpção de um consentimento (esclarecido) por banda das Autoras, como a Autora pretende demonstrar no recurso que traz da decisão revidenda.

E dizemos caberia porque na estrutura da acção impelida pela Autora para ressarcimento de danos não patrimoniais decorrentes de facto ilícito – violação de um direito (subjectivo) de outrem (artigo 483.º do Código Civil) – ao lesado (Autora/recorrente) cabe provar os factos constitutivos do direito que reputa violado e aos Réus/recorridos os factos constitutivos de facto excludente da acção ou omissão (ilícitas) que lhe foi assacada como causação fundante do pedido de indemnização que contra si lhes foi dirigido.

Recenseando o quadro factológico adrede temos que, sinteticamente e sem preocupação formal de atinência ao acervo proposicional adquirido, a Autora e sua filha se encontravam, na qualidade de associadas de um clube de Fitness, numa aula de natação, quando lhes foi anunciado que se encontravam presentes fotógrafos de uma editora que pretendiam tomar imagens de pessoas que se encontrassem no interior da piscina. A captação de imagens da Autora e de sua filha foi-lhes previamente comunicada pelo clube de que era sócia.

Não quedou provado que “1.ª A. não foi informada da finalidade e destino das fotografias” – resposta negativa ao enunciado proposto sob o n.º 5, e que “A 1.ª A. nunca deu o seu assentimento para que fossem publicadas fotografias suas ou de sua filha” – resposta negativa ao enunciado sob o n.º 6.

Coadjuvante ou ancilar do quadro factológico essencial para o direito que pretendia fazer valer perante os Réus deu, ainda, o tribunal como não provado a matéria factual contida no enunciado sob o n.º 11 que pretendia esclarecer se “A 1.ª A, consentiu que fossem tiradas fotografias suas e da sua filha da reportagem na convicção de que as mesmas seriam disponibilizadas exclusivamente para os sócios”.

Tendo por certo que o quadro factual extractado não consente a possibilidade de estarmos perante a existência de um consentimento expresso, na medida em que não resulta que entre a Autora, por si e como representante legal de sua filha, e as empresas demandadas tenha ocorrido um acordo prévio mediante o qual tivesse sido autorizada a captação de imagens para um fim prefixo e plenamente consensuado, mediante, por exemplo, uma contraprestação ou qualquer outra vantagem. Sobraria a possibilidade de estarmos perante um quadro factual que habilitasse a qualificação da conduta da Autora como autorizante mediante um consentimento tácito.

Como se procurou assinalar nos parágrafos precedentes para que ocorra uma situação de “consentimento tácito”, significação externa de autorização para captação, reprodução ou publicitação da imagem de quem quer, torna-se necessário que os sinais (significantes e exteriorizáveis) do titular do direito se revelem ou evidenciam como inequívocos ou desertos de qualquer dúvida.

Tendo presente o quadro factual que as instâncias deram como adquirido estamos em crer que a Autora ao admitir/permitir que fossem captadas fotografias suas e de sua filha na aula de natação e ao ser informada de que as mesmas se destinavam a ser publicadas, ainda que não fosse informada da concreta publicação que as viria a publicar, consentiu: a) – que fosse captada imagem de si e de sua filha menor; b) – que essas fotografias viessem a ser publicadas. A 1.ª A. é (ou presuntivamente tem-se porque deva ser) uma pessoa esclarecida pelo que ao consentir na captação e publicação da imagem de si própria e de sua filha apartou-se e alheou-se da publicação em que as imagens seriam publicadas.  

Para exclusão da ilicitude dos Réus, como parece decorrer, da sua alegação, bastaria a convicção de que a acção desenvolvida junto das pessoas que se encontravam naquele momento na piscina foi suficientemente esclarecedor ou informativo que permitia a uma pessoa colocada na mesma situação decidir ou opcionar entre apartar-se do grupo de pessoas que aceitou ser fotografada daquelas outras que anuíram e aderiram na captação de imagens.

Um nosso juízo, estaríamos, nesta hipótese, perante um quadro de presunção de consentimento na medida em que o comportamento da Autora não evidencia oposição à utilização das imagens para quaisquer fins (lícitos) que, na jurisprudência, do Tribunal Constitucional do reino de Espanha não é juridicamente eficaz para remover a acção ilícita do lesante. [[10]]

II.B.4. – Pressupostos da responsabilidade civil – Indemnização por danos não patrimoniais. 

Traçadas as linhas orientadoras em que se movimenta o quadro conceptual do direito enjuizado, caberá inquerir se as AA. lograram fazer prova da direito que pretendem fazer valer em juízo.

Estatui o art. 342º Código Civil que: “Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Doutrinando acerca da função jurídico-processual da repartição do ónus da prova escreveu o Professor Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 201,que:

“a) Cabe ao autor a prova dos factos constitutivos do seu direito: dos momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representa o título ou causa desse direito;

b) O réu não carece de provar que tais factos não são verdadeiros: reo sufficit vincere per non ius actoris; actore non probante reus absolvitur. O que lhe compete é a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito do autor; dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas impediti­vas ou extintiva”

Às AA. cabia provar o facto lesivo de que fazem emergir o direito à indemnização por danos causados na sua intimidade e na esfera de personalizado, substanciado no direito a não verem as respectivas imagens, da A. e de sua filha, serem difundidas num meio de comunicação social.

Do mesmo passo, às Rés cabia o ónus de provar que a captação da imagem das AA. havia sido efectuada mediante prévio consentimento e com conhecimento do destino das imagens que iriam ser captadas.    

A factualidade adquirida para o processo permite concluir que a A. deu não só o seu consentimento para a captação de imagem como consentiu na publicação dessas imagens numa publicação.

Vejamos.

Para prova de uma alegação formulada na petição inicial, a saber que a A. não tinha dado o seu consentimento na divulgação da sua imagem, nem de sua filha, as AA. alegaram que a 1.ª A. não tinha sido informada da finalidade e destino das fotografias, o que acabaria por ser questionado no enunciado sob o n.º 5. Para prova deste quesito as AA. pediram o depoimento da 1.ª Ré - cfr. fls. 140 - e no depoimentos de parte extractado em acta - cfr. fls. 219 - a representante da 1.ª Ré, II - refere, apertis verbis, que (sic): “À matéria do quesito 5.º, a legal representante da 1.ª Ré, declarou que a 1.ª Autora não foi informada em concreto, dos propósitos a que se destinava (querer-se-ia dizer “destinavam”) as fotografias, tendo-lhe, no entanto, sido dito que as mesmas se destinavam a figurar numa publicação”.            

As AA., de forma incorrecta, aduziram em seu desfavor um facto que, segundo o ónus da prova, caberia aos demandados alegar e provar, a saber o consentimento da A. para a captação e publicação da sua imagem e de sua filha. Ao terem incorrido nesta reversão/perversão dos factos integradores do seu direito deram possibilidades de as demandadas, mediante a confissão por elas provocada, dar como adquirido um facto que a estas incumbiria provar e que, ao ter sido integrado no conjunto dos factos alegados e que as AA. quiseram provar, acabaria por resultar a seu favor.

Na verdade, traduzindo-se a confissão: “a) no reconhecimento expresso ou tácito; b) da realidade de um facto; c) desfavorável ao declarante e favorável á parte contrária” [[11]], o facto é que a confissão reveste uma característica, qual seja a de indivisibilidade. Vale por dizer, que “porque a confissão é indivisível, se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias _ tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão (artigo 360.º do CC).” [[12]]    

Por via da confissão da representante da 1.ª Ré, as AA. não lograram provar que a captação das respectivas imagens e da sua publicitação não lhes tinham sido explicitadas e não lhes tinha sido referenciado o destino que lhe pretendiam fornecer. Dessa mencionada confissão, bem como se apura da justificação da resposta negativa ao quesito, extrai-se a conclusão de que à 1.ª A. foi dada indicação de que as fotografias se destinavam a figurar numa publicação. Como se adianta na justificação da decisão de facto, as AA. não lograram infirmar este facto ou dar por inverificada a veracidade da confissão e da prova testemunhal produzida.      

A prova propiciada pelas AA. às Rés de que o consentimento tinha sido obtido e que deram assentimento na publicação das fotografias, faz soçobrar o fundamento do pedido de indemnização que tinham  impulsado contra as Rés.  

Queda por analisar se a confissão obtida da representante da 1.ª Ré aproveita á 2.ª Ré.

Como se alcança da configuração da petição inicial, as AA. fazem repercutir na esfera jurídica de ambas as Rés a responsabilidade pelo feito danoso, de modo a que inculcaram a ideia de que sem a captação da imagem, por parte de um fotografo da 2.ª Ré e a publicitação das respectivas imagens no encarte do jornal não ficaria satisfeita a obrigação de indemnizar. A configuração da acção, tal como as AA. a delineiam, prefigura a possibilidade de estarmos perante uma situação de litisconsórcio voluntário, porquanto o direito à indemnização tem causa num facto jurídico complexo, conjugado e decorrente de uma actividade, sequenciada e finalisticamente dirigida, que só produziria o resultado danoso se prosseguido e levado a efeito pela actividade das duas empresas, a que propiciou a captação da imagem e a que a divulgou ou publicitou. Ocorre assim um facto jurídico complexo, mas indissociável na sua estrutura material e constitutiva, que se constitui como uma causa de pedir única, a exigir, processualmente, que o pedido tenha que ser dirigido contra os dois sujeitos da relação jurídica. Estamos, nesta acepção jurídico-processual, perante uma situação que configura a existência de um litisconsórcio voluntário, porquanto o fim útil que se pretende obter com a acção – indemnização por ofensa á imagem – só poderia ser obtido, estando ambas as Rés na acção.

Neste entendimento, a utilidade confessória da legal representante da 1.ª Ré aproveita á segunda, devendo ter-se extensivo à 2.ª Ré o conteúdo do enunciado fáctico indicado sob o número 5 da base instrutória.           

II.B.5. – Litigância de má fé.

Queda por derradeira questão a apreciação do pedido das RR. como litigantes de má fé.

Para o efeito alegam as AA. que as RR. faltaram conscientemente á verdade quando, na sua contestação trouxeram ao tribunal faltos que sabiam não corresponder à verdade.    

A alegação, das RR., de que nada ter que ver com a referida publicação e que a 1.ª R. limitou-se a ceder as instalações para que fosse efectuada uma reportagem sobre bem-estar e fitness, sem carácter comercial ou fim publicitário e que a 2.ª R. reiterou ter apenas limitado a sua intervenção à distribuição da publicação com o ..., constitui factualidade que foram contraditadas por prova produzida em julgamento pelo que deverão ser sancionadas como litigantes de má fé.

Em recente aresto, quanto a esta matéria razoamos que: “A lei – cfr. artigo 456.º do CPC - faz derivar a litigância de má fé da verificação de uma actuação e condutas contrárias a uma utilização adequada de correcta de um meio processual. Aquele que sabendo que usa um meio processual para atingir um fim contrário a um fim licito e desconforme ao direito, fazendo-o de forma intencional, usa de má fé.

A conduta do agente processual que, sabendo que está a usar o processo para um fim processualmente reprovável e censurável ou pelo menos desconforme a um justo e arrimado objectivo jurídico-processualmente justo e leal, deve ser considerada desvaliosa e adversa a uma necessária adequação do meio processual ao direito que pretende fazer valer. A conduta do agente deve ser desvaliosa e intencional, o que vale por dizer que deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da acção pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. “A má fé processual, em sentido, (…) é toda a actividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de acção, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito”. [[13]]                   

A ideia de litigância de má fé está associada à necessidade de censura de “um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal que constitui a emanação do princípio de Estado de Direito”. [[14]

Nos termos do artigo 456.º do CPC litiga com má fé a parte que não devia ignorar que a pretensão ou defesa que deduz não tinha fundamento. “Quer dizer que a parte actuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, que atendendo aos aspectos de facto, integradores da potencial causa de pedir, que atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação do pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita”. [[15]]

“Se se prova que a parte sabia que a sua pretensão ou defesa careciam de fundamento e que, não obstante esse conhecimento a deduziu, a parte agirá dolosamente”. “A parte, se lhe for exigível o conhecimento de facto de falta de fundamentação, ao actuar como actuou, formulando uma pretensão ou apresentando uma defesa com falta de fundamento, terá agido negligentemente, posto que só é logicamente admissível o resultado (…) se ela houver violado deveres de indagação e cuidado.”           

A parte pratica um acto desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir devia ter observado os deveres de indagação que sobre ele impendiam; o desconhecimento da falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável”. [[16]]  

Do que deixamos dito quanto ao quadro em que se movimenta a actuação de alguém que usa o processo de forma inadequada, abusiva e contrária à boa fé processual temos que as RR. se limitaram a uma defesa por negação da sua posição respectiva na relação com a publicação que ineriu as imagens das AA. e do carácter publicitário da mesma.

A defesa pode ser temerária e contrária a uma realidade objectiva, no entanto, teria sido necessário que ficasse provado que as RR. tinham agido com dolo ou pelo menos com negligência grosseira, o que não ressalta da factualidade provada.

Pelo exposto concluímos, como nas instâncias, que não se pode assacar uma actuação anti-processual das RR. pelo que não deverão ser sancionadas como litigantes de má fé.

III. – Decisão.      

Na defluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista;

- Condenar as AA. nas custas.

                                              
Lisboa, 7 de Junho de 2011

           

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

_____________________________

[1] Por todos o Ac. STJ de 12-07-2007: “1) Cumpre ás instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1ª instância.

2) O STJ, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.
E este Supremo Tribunal tem neste âmbito uma intervenção muitíssimo limitada, apenas podendo averiguar da observância das regras de direito probatório material, artigo 722º nº2, ou mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, artigo 729º, nº 3 (Acórdão do STJ de 17 de Março de 2005 – 0SB2682 – onde ainda se decidiu caber ás “instancias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria factícia necessária para a solução do litigio, cabe à Relação a última palavra. Só à Relação compete censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida na 1ª instancia, através do exercício dos poderes conferidos pelos nºs 1 e 4 do artigo 712º” – entre muitos outros.).
È que, salvo as situações de excepção previstas na lei, o STJ conhece apenas matéria de direito, “ex vi” do artigo 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.
A regra é o Supremo Tribunal de Justiça limitar se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo tribunal “ a quo” o regime jurídico pertinente.
As situações de excepção (artigos 722º nº 2 e 729º nº 2 do Código de Processo Civil) ocorrem quando houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova. Isto é, o sindicar do modo como a Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer, no âmbito do recurso de revista, se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como não dispensável para demonstrar a sua existência ou tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (cf. Cons, Cardona Ferreira “Guia de Recursos em Processo Civil”, 103 – “ E há que ter, sempre presente, que o STJ, como se disse não julga matéria de facto (v.g.artº729º). Esta orientação não é alargada pelo artigo 727º (que ressalva os artigos 722º nº 2 e 729º nº2) porque, como não é demais sublinhar, o que pode estar em causa no STJ, é saber se se respeitou a lei quanto ao valor ou relevância dos meios de prova; e, no concernente á prova documental, na medida em que, mormente a parte interessada pode não ter podido dispor de certo documento até ao momento de se iniciar a fase de julgamento na 2ª instancia, ou não ser previsível a sua pertinência…”).
[2] Cfr. Taruffo, Michele, in “La Prueba”, Filosofia e Derecho, Marcial Pons, Madrid, 2008, pág. 136.   
[3] Cfr. Revista Aranzadi de Derecho y Nuevas Tecnologias, n.º 9, “El Derecho a la Imagen desde todos los Puntos de Vista”, coordenação de José Ramón de Verda y Beamonte, capitulo I, “La Protección Constitucional del Derecho a la Propria Imagem”, Arandazi – Thomson Reuters, 2011, pag. 23.
[4] Cfr. op. loc. cit., pag. 24. Nas sentenças do Tribunal Constitucional espanhol n.ºs 81/2001, 139/2001 e 83/2002 escreveu-se que o direito à própria imagem é “um direito da personalidade derivado da dignidade humana e dirigido a proteger a dimensão moral das pessoas, que atribui a seu titular o direito a determinar a informação gráfica gerada pelos seus traços físicos pessoais que podem ter difusão pública”, para acrescentarem, “A faculdade outorgada por este direito, enquanto direito fundamental, consiste, essencialmente, em impedir a obtenção, reprodução e publicação da própria imagem por parte de terceiro não autorizado, seja qual seja a finalidade - informativa, comercial, cientifica, cultural, etc. - perseguida por quem capta ou difunde”. No mesmo sentido a sentença do mesmo tribunal n.º 156/2001, de 2 de julho.      
[5] Cfr. op. loc. capitulo II, “El Derecho a la Propria Imagen em la Ley Orgânica 171982, de 5 maio”, de José Ramón de Verda Beamonte, pag. 43. 

Cfr. para efeito de direito comparado o recente artigo de Pablo Salvador, Antoni Rubí y Pablo Ramírez, “Imagenes Veladas”, publicado na revista Catalã  “InDret n.º 1/2011”

“Una configuración autónoma y muy amplia del derecho a la propia imagen es clásica en el derecho alemán (Recht am eigenem Bild). En éste, desde la Ley relativa a la propiedad intelectual de obras de las artes plásticas y de la fotografía (KunstUrhG) de 1907, la difusión de la imagen - esto es, de una representación gráfica del afectado aunque sólo sea recognoscible en su círculo de conocidos– es legítima sii cuenta con el consentimiento de aquél, pero antijurídica en cualquier otro caso, con salvedades. Así, se exceptúan las imágenes de personajes públicos (Personen der Zeitgeschichte)4, pero también las de personas particulares que devienen objeto de interés público por su participación en un acontecimiento noticiable (“relative” Personen der Zeitsgechichte).

 El common law estadounidense sanciona la violación del derecho a la imagen, su apropiación interesada por un tercero, un ilícito civil (tort) que conoce dos variantes: la apropiación interesada del nombre o apariencia de una persona (appropriation of name or likeness) y la apropiación del valor comercial de su identidad (appropriation of the commercial value of person’s identitiy: the right of publicity). Sin embargo, dada la intensidad de la protección de la libertad de expresión en la Primera Enmienda de la Constitución estadounidense, si la utilización del nombre o identidad de una persona es fundamentalmente expresiva, tenderá a estar amparada por el derecho. En cambio, no lo estará si es pura o predominantemente comercial. Y tampoco quedará amparada por el derecho la publicación de la imagen de una persona si viola su privacidad, si es difamatoria o si la representa distorsionada y negativamente (under a false light) con daño para ella.

Dos buenas definiciones de ambos subtipos son las que ofrece el American Law Institute (ALI): “quien se apropie para su propio uso y beneficio del nombre o apariencia de otro responde frente a éste por invasión de su privaciad” ; “quien se apropie del valor comercial de la identidad de una persona utilizando sin el consentimiento de aquélla su nombre, apariencia u otros indicios de identidad con ánimo de lucro en la medida establecida por las leyes” (sobre competencia desleal).

En cambio, los usos expresivos de la imagen están privilegiados por el derecho a la libertad de expresión garantizado por la Primera Enmienda a la Constitución, aunque no siempre es fácil distinguir entre usos expresivos y comerciales.[…]”
[6] Cfr. epigrafe citada na nota anterior, pag. 53.
[7] Cfr. op. loc. cit. Capitulo III, “El consentimiento como causa de exclusión de la Ilegimidad de la Intromissión”, José Ramón de Verda Beamonte  e Enrique Soriano Martínez, pág. 68.
[8] A STS de 25 de janeiro de 2002 refere que o consentimento há-de ser expresso “o que não equivale que necessariamente, se faça por escrito, pois pode deduzir-se de actos ou condutas de inequívoca significação, no entanto não de modo ambíguo ou duvidoso”. No mesmo sentido vão as sentenças do Tribunal supremo de 25 de setembro de 2002. Cfr. “El Honor, la Intimidad y la Imagen como Derechos Fundamentales – Su protección civil en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional y del Tribunal Supremo”, Abelardo Hernández Fernández, Colex, 2009, pags. 132 e 133.
[9] José Ramón de Verda e Beamonte, op. loc. cit. Pag. 69.
[10] Cfr. Hernández Fernández, Abelardo, “EL Honor, la Intimidad y la Imagen como Derechos Fundamentales”, Colex, Madrid, 2009, pag. 133, em que se dá nota da sentença do Tribunal Supremo de 25 de outubro de 2004 referente ao caso de um nudista fotografado num hotel para naturistas. O Tribunal Supremo estimou que o facto de s fotografias terem sido captadas num hotel para naturistas não fazia presumir que as pessoas que por lá andavam nuas, presuntivamente, não se importasse ou dessem consentimento tácito na reprodução/divulgação de fotografias suas fora do ambiente em que praticavam actos de naturismo.       
[11] Cfr. Fernando Pereira Rodrigues, “A Prova em Direito Civil”, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 31.
[12] Op. loc. cit. Pág. 35.
[13] Cfr. Cecília Silva Ribeiro, “do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”; ROA, ano 9, págs.83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora, 2008, pag. 389.   
[14] Cfr. Ac. do STJ de 13 de Março de 2008, in www.stj.pt.
[15] Cfr. op. loc. cit. (“A Litigância de má fé”), pág. 392.
[16] Cfr. op. loc. cit. Pág.394.