Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
364/14.9TAPDL.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Data do Acordão: 05/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / DECISÕES QUE NÃO ADMITEM RECURSO – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS / REGRAS ESPECIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL.
Doutrina:
- Paulo Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., p.1170-1171.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E C), 400.º, N.º 1, ALÍNEA D), 425.º, N.º 5 E 521.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 531.º.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 10.º E 27.º, N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 149/05.3PULSB.L1-B.S1;
- DE 10-05-2017 PROCESSO N.º 12806/04.7DLSB.L2-A.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 29-04-2014, PROCESSO N.º 183/12.7TBOER-A.L2-6, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 22-01-2013, PROCESSO N.º 30/10.4JASTB-C.E1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 04-05-2016, PROCESSO N.º 12/14.7TBCLD.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I -    É admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que condenar na taxa excecional prevista no art. 10.º do RCP, ao abrigo do nº 6 do art. 27º do RCP, disposição especial que prevê que, fora dos casos legalmente admissíveis, sejam sempre recorríveis as condenações em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional.
II -   A taxa sancionatória excecional em processo penal vem prevista no art. 521.º, do CPP, que se limita, quanto aos sujeitos processuais, a remeter para o art. 531.º, do CPC. Esta taxa, como a própria designação indica, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual reprovável.
III - A lei fornece um critério muito lato ou flexível para a caracterização dos atos suscetíveis desta sanção: a manifesta improcedência; e ainda (cumulativamente, portanto) a falta de prudência ou diligência devidas. E acentua no texto do artigo, como também na epígrafe, o caráter excecional da sanção, que funciona como elemento integrante da própria cominação.
IV -      O que significa, em síntese, que esta taxa poderá/deverá ser aplicada só quando o ato processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o ato um caráter excecionalmente reprovável, por constituir um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo. Tipicamente cabe nessa previsão a utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva para dificultar a marcha do processo, ou seja, a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados.
V - O uso da faculdade prevista no art. 531.º, do CPC no processo penal deve ser objeto de especial rigor, para não ser posto em causa o direito das partes a usufruir plenamente dos seus direitos de defesa ou de patrocínio dos seus interesses processuais. Ou seja, não se deve confundir a defesa enérgica e exaustiva desses interesses com um uso desviante e perverso dos mesmos. Só neste caso se justificará o sancionamento nos termos do citado art. 531.º, do CPC.
VI -      No caso dos autos, o assistente recorreu para a Relação de Lisboa, impugnando fundamentalmente a matéria de facto, sustentando que os factos imputados aos arguidos deveriam ser considerados provados e os arguidos consequentemente condenados pelos referidos crimes. Esse recurso foi julgado improcedente pela Relação de Lisboa, que remeteu a sua fundamentação para a da sentença recorrida, usando da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 425.º do CPP.
VII - Permite esse preceito que, havendo lugar a confirmação de sentença absolutória, a Relação deixe de proceder a uma fundamentação própria da sua decisão, remetendo pura e simplesmente para a da 1.ª instância. Esta disposição legislativa, animada pelo propósito de simplificação processual, não deixa porém de suscitar grande perplexidade quanto à sua conformidade constitucional, e por isso deverá ser sempre invocada com rigor e parcimónia. Deve ser utilizada apenas nos casos evidentes, em que a fundamentação da decisão recorrida é exaustiva e o recorrente nada traz de novo que justifique uma fundamentação autónoma por parte da Relação, sendo pois redundante repetir os fundamentos da decisão recorrida.
VIII - Em qualquer caso, ao recorrente não poderá ser negado o direito de reagir contra o acórdão da Relação que aplica o n.º 5 do art. 425.º do CPP, quando entender que não estão preenchidas as condições da sua aplicação. E o único meio que está ao seu alcance para tal é o de arguição de nulidade do acórdão por falta de fundamentação ou omissão de pronúncia, ao abrigo do art. 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP, já que não há lugar a recurso ordinário (art. 400.º, nº 1, al. d), do CPP).
IX -      Ora foi precisamente isso que o recorrente fez. O que quer dizer que o recorrente fez um uso normal e adequado dos meios processuais que a lei lhe concede. Consequentemente, é absolutamente insustentável condenar o recorrente na taxa sancionatória excecional.

           
Decisão Texto Integral:      

              Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. Relatório

           Por sentença de 5.12.2017 do Juízo Local Criminal de ..., da Comarca dos ..., foram os arguidos AA e BB absolvidos de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204, nº 1, a), do Código Penal e de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1, do mesmo diploma, e do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente Clube Naval de ....

           Dessa sentença recorreu o assistente para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da decisão e a condenação dos arguidos pelos crimes mencionados e no pedido cível.

            Por acórdão de 17.5.2018, a Relação, invocando a faculdade concedida pelo art. 425º, nº 5, do Código de Processo Penal (CPP)[1], aderiu à fundamentação da sentença recorrida e assim negou provimento ao recurso.

           Veio então o assistente arguir a nulidade do acórdão, por violação do disposto no ar. 379º, nº 1, a) e c), do CPP (requerimento de fls. 648-653).

            A Relação, por acórdão de 29.11.2018, indeferiu a arguição de nulidade, por manifesta falta de fundamento, e condenou o assistente, ao abrigo dos arts. 521º do CPP, 531º do Código de Processo Civil (CPC), e 10º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na taxa sancionatória excecional de 8 UC.

            Deste acórdão recorreu o assistente para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando:

I. DO OBJECTO DO RECURSO:

O ora Recorrente interpôs recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância a 17/01/2018, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Em Acórdão elaborado a 18 de Maio de 2018 os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa negaram provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão proferida em Primeira Instância, aplicando o artigo 425.°, n.°5 do CPP, decisão relativamente à qual o ora Recorrente apresentou reclamação, arguindo a nulidade daquele Acórdão.

Sucede que, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 29/11/2018, e de que ora se recorre, decidiu:

a) Indeferir a arguição de nulidade por manifesta falta de fundamento; e, adicionalmente,

b) Condenar o Recorrente no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional de 8 (oito) unidades de conta, ao abrigo do disposto nos artigos 531.° do Código de Processo Civil (CPC) ex vi 521.° do Código de Processo Penal (CPP) e artigo 10.° do Regulamento das Custas Processuais;

Termos em que o presente Recurso tem por objecto a aplicação da taxa sancionatória excepcional ao ora Recorrente, salvaguardando-se no disposto no artigo 27.° n.° 6 do Regulamento das Custas Processuais, disposição especial que prevê que cabe sempre recurso de decisões que apliquem multas, penalidades e taxas sancionatórias excepcionais.

Assim sendo:

II. DA MOTIVAÇÃO DO RECURSO:

Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente concordar com a aplicação da taxa sancionatória excepcional pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, assente na manifesta falta de fundamento da reclamação apresentada.

Os pressupostos para a aplicação da taxa sancionatória excepcional não se verificam no presente caso, mais precisamente:

a) a sua aplicação deve ser feita em casos excepcionais;

b) falta  o  requisito  da  manifesta  improcedência  da reclamação apresentada; e, sobretudo,

c) não se demonstrou que o Recorrente não tivesse actuado com a prudência ou diligência devidas, razão pela qual deve ser revogado o excerto do Acórdão que condenou o Recorrente no pagamento desta taxa.

Vejamos:

III. DA FUNDAMENTAÇÃO:

O Venerando Tribunal da Relação considerou que a nulidade arguida em sede de reclamação pelo Recorrente era manifestamente infundada, condenando-o por isso no pagamento de oito unidades de conta.

Ora, dispõe o artigo 531.° do CPC (ex vi artigo 521.° do CPP) que "por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência  devida".

O que pressupõe dois requisitos cumulativos e uma verificação excepcional.

Vejamos que este normativo visa a necessidade de sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando um uso indevido e reprovável do processo com expedientes meramente dilatórios, inúteis e até, sem qualquer fundamento, o que não sucede no presente caso.

No recurso que interpôs, o Recorrente suscitou várias questões, visando a reapreciação da prova produzida e fê-lo de forma sustentada, argumentando que:

a) O Tribunal de Primeira Instância laborou em erro na apreciação da prova por haver factos que se encontravam devidamente comprovados e que consubstanciavam a prática do crime de furto qualificado, pelo que os arguidos deveriam ter sido condenados;

b) Não deveria ter sido aplicado o princípio in dúbio pro reo, atenta a solidez da prova produzida;

c) As declarações dos arguidos foram repetidamente desmentidas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento pelos depoimentos das testemunhas que foram qualificados, na sua generalidade, como isentos pelo Tribunal a quo; e ainda que,

d) A inexistência de um inventário não inviabilizava a prova da acusação, considerando o depoimento das testemunhas.

Consequentemente, o Recorrente expôs detalhada e minuciosamente os mais proeminentes depoimentos testemunhais ocorridos ao longo da Audiência de Julgamento.

Assim, com a interposição daquele Recurso o Recorrente pretendia afectar parte substancial da Decisão de Primeira Instância quanto à matéria de facto, pedindo ao Tribunal da Relação que reapreciasse os depoimentos testemunhais e demais prova produzida, o que ia muito além da existência/inexistência de inventário, sendo que a ocorrência ou não do crime de dano nada tem que ver com o inventário, resultando antes a prova da sua consumação dos outros meios probatórios.

Neste sentido, veio o Recorrente reclamar apenas da utilização do expediente vertido no artigo 425.° n.° 5 do CPP, por se afigurar que o Venerando Tribunal apoiou exclusivamente a sua fundamentação na inexistência de um inventário, citando a resposta apresentada pelo Ministério Público.

Ou seja, não resulta do Acórdão reclamado e da sua fundamentação as razões que determinaram o Venerando Tribunal da Relação a não considerar credíveis os depoimentos transcritos pelo Recorrente ou, por exemplo, o motivo pelo qual também não se convenceu da consumação do crime de dano imputável aos arguidos.

Por isso é que o Recorrente argumentou, sem nunca pretender faltar ao respeito do Venerando Tribunal, que este havia omitido o dever de se pronunciar sobre todas as questões alegadas em sede de Recurso, até porque - a título de exemplo - não fez qualquer referência às conclusões formuladas pelo Recorrente, que rebatem a motivação apresentada na Sentença e carecem, por isso, de um novo juízo, distinto ou pelo menos mais vasto que o primeiro, que justifique, no âmbito do dever de fundamentação, porque é que uma das teses deve prevalecer sobre a outra, no confronto entre a Sentença e o Recurso interposto.

Por força destas circunstâncias é que o Recorrente arguiu (fundamentando) a referida nulidade, não obstante o disposto no artigo 425.°, n.°5 do CPP.

Razão pela qual não se pode concordar com o Venerando Tribunal da Relação quando aplicou um instituto que é de natureza sancionatória, como ainda excepcional, sendo certo que, por a reclamação apresentada ser manifestamente infundada - segundo o juízo do Venerando Tribunal - a consequência foi a do seu indeferimento, sendo excessiva/indevida a aplicação da referida sanção.

A pretensão deduzida pelo Recorrente era legal, foi tempestiva, fundamentada e observou todos os formalismos legais.

Assim, o fim do Recorrente sempre foi o de conseguir um objetivo legítimo, mais concretamente, o da apreciação da totalidade do objecto do recurso interposto, só desta forma beneficiando do duplo grau de jurisdição previsto na lei processual, bem como do direito a recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça, conforme artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.

A aplicação da taxa sancionatória excepcional parte de uma conceção do processo que, sem exceder os limites do razoável, nem permitir que se faça dele o que bem se entenda, ainda assim, não cerceie aos cidadãos a sua liberdade de alegação ou iniciativa necessárias e basilares a um processo livre e equitativo ao serviço dos cidadãos.

Haverá, por isso, que interpretar com parcimónia as possibilidades que a lei faculta ao Julgador de sancionar os intervenientes processuais, justamente para não ameaçar tais princípios, pois o aqui Recorrente limitou-se a exercer um direito que a lei lhe confere e nos termos em que lhe confere.

O Recorrente utilizou um meio facultado pela lei, fundamentou a sua posição com base na legislação processual e na prova produzida em Audiência de Julgamento, não atrasando o processo, nem mesmo afectando os efeitos da decisão recorrida - veja-se que o efeito era meramente devolutivo.

Mais importante, não visou obter resultados através de expedientes inadequados para o efeito, adulterando o desenrolar do processo.

O Recorrente não fez um mau uso do direito, que a lei lhe conferia, nem muito menos uma utilização abusiva do processo, visando apenas e sempre, a realização da justiça - ainda que os Venerandos Tribunais não concordem com a posição defendida.

 Veja-se que fazer uma utilização abusiva do processo penal mais não é do que fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.

Por tudo isto, entende-se não poder dar por verificados os requisitos exigidos pelo artigo 531.° do CPC.

E o interesse do Recorrente na reclamação que apresentou e na nulidade que arguiu é tanto maior devido às consequências do princípio da adesão previsto no artigo 71.° CPP e na obrigatoriedade de o pedido de indemnização civil ser deduzido no processo penal respectivo.

 Como tal, o Recorrente viu-lhe ser coarctada a possibilidade de uma reapreciação dos factos necessários à procedência do pedido de indemnização civil, através de um mecanismo que é exclusivo do processo penal (art. 425.° n.° 5 do CPP), o que reforça o interesse e a legitimidade do Recorrente na apresentação da referida reclamação.

A defesa de uma perspetiva dos factos diversa daquela que foi acolhida, não implica uma utilização abusiva do processo, nem qualquer manobra dilatória, pelo que não permite concluir que o Recorrente tenha, com a apresentação de tal reclamação, visado desígnios alheios à realização da justiça.

Termos em que se conclui que o Recorrente não evidenciou qualquer propósito de praticar um ato que sabia não lhe ser permitido e assim entorpecer o andamento normal do processo, não se mostrando, por isso, justificada a aplicação da taxa sancionatória excepcional.

O que se veio de dizer recebe acolhimento na jurisprudência, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.° 12/14.7TBCLD.C1, Relator Luís Ramos, datado de 04/05/2016, disponível em www. dgsi.pt, onde se lê: "sendo tão genéricos os pressupostos do art.° 531.° do Código de Processo Civil, cabe ao juiz limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual, bem como, ainda que em face de algum excesso, limitar o sancionamento a situações que tenham algum relevo na normal marcha processual." (sublinhado nosso).

Computados os autos, a reclamação apresentada em nada interferiu com a normal marcha do processo.

Já o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 29/04/2014, processo n.° 183/12.7TBOER-A.L2-6, Relator Maria de Jesus Correia, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário nos enuncia:

"Refere o citado Parecer n.° 11/06 da O. A. «Afigura-se que os valores estabelecidos são extremamente elevados e poderão "transformar-se" facilmente se não existir prudência na aplicação da norma num instrumento de "intimidação" das partes.

É certo que se assiste, por vezes, ao recurso sistemático a incidentes com fins meramente dilatórios, mas não menos exacto é que, não raramente, os Tribunais distorcem o alcance e sentido da actuação da parte, atribuindo-lhe uma intenção que esta não tem.»"

O ora Recorrente insurgiu-se contra o disposto no artigo 425.°, n.°5 e à ausência de fundamentação apresentada pelo Venerando Tribunal da Relação, porquanto parece ter-se sustentado, fundamentalmente, na inexistência do inventário à data da ocorrência dos factos relevantes, o que, como justificou o Recorrente, não interfere com a verificação do crime de dano.

A actuação do Recorrente não merece, por isso, a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional, mecanismo penalizador de intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, ‘bloqueiam' os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n° 34/2008, de 26 de Fevereiro, reservada para casos de manifesto abuso dos poderes e instrumentos processuais disponíveis, o que não sucedeu.

Importa afirmar ainda que a doutrina portuguesa, nomeadamente CC, tem contestado a própria conformidade constitucional da taxa sancionatória excepcional, por a mesma poder não passar pelo apertado crivo do artigo 18.° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, o que tem manifesta importância no campo do processo penal onde é entendimento unânime o de não aplicação do instituto da litigância de má-fé, expoente máximo da penalização dos sujeitos processuais.

IV. CONCLUSÕES

1. O Recorrente interpôs recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância a 17/01/2018, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto;

2. Por Acórdão datado de 18 de Maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso e aplicou o artigo 425.°, n.° 5 do CPP, remetendo para os fundamentos da Decisão de Primeira Instância;

3. Desta decisão o ora Recorrente apresentou reclamação, arguindo a nulidade daquele Acórdão, por não se ter pronunciado sobre a integralidade do objecto do recurso;

4. O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, então, por Acórdão datado de 29/11/2018, indeferir a arguição de nulidade por manifesta falta de fundamento e simultaneamente condenar o Recorrente no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional de 8 (oito) unidades de conta;

5. Termos em que o presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 27.° n.° 6 do Regulamento das Custas Processuais, contestando-se a aplicação da referida taxa;

6. Os pressupostos do artigo 531.° CPC não se verificam no presente caso, pois a taxa é de aplicação excepcional, visa sancionar os sujeitos processuais pela manifesta improcedência das peças apresentadas e, sobretudo, penalizá-los por não actuarem com a prudência ou diligência devidas;

7. O que, com o devido respeito, não sucedeu com a reclamação apresentada pelo Recorrente;

8. No recurso que interpôs, foram suscitadas várias questões, visando a reapreciação da prova produzida, expondo-se detalhada e minuciosamente os depoimentos testemunhais ocorridos ao longo da Audiência de Julgamento, e que extravasava, em muito, a questão da existência/inexistência de inventário;

9. Era também a própria ocorrência e prova do crime de dano que se pretendia demonstrar com os outros meios probatórios;

10. O Venerando Tribunal a quo não fez referência às conclusões formuladas pelo Recorrente, que rebatem a motivação apresentada na Sentença e careciam, por isso, de um novo juízo, distinto do primeiro, que justifique porque é que a orientação seguida na Sentença deve prevalecer sobre a que foi apresentada no recurso;

11. A pretensão deduzida pelo Recorrente foi legal, tempestiva, fundamentada e observou todos os formalismos legais, bem como não atrasou o processo, nem mesmo afectou os efeitos da decisão recorrida;

12. Não se tratou de um mau uso do processo, nem do recurso a expedientes dilatórios;

13. Para além do exposto, o Recorrente viu-se coarctado na possibilidade de uma reapreciação dos factos necessários à procedência do pedido de indemnização civil através de um mecanismo que é exclusivo do processo penal;

14. E é fundamental pugnar para que a aplicação da taxa sancionatória excepcional não se transforme num mecanismo que retire aos cidadãos a sua liberdade de alegação ou iniciativa imprescindíveis a um processo livre e equitativo;

15. A sua aplicação deve cingir-se aos casos efectivamente gravosos e que se repercutam na normal tramitação do processo;

16. Refira-se ainda que boa doutrina portuguesa, nomeadamente CC, contesta a própria conformidade constitucional da taxa sancionatória excepcional, por entender que a mesma pode não passar pelo crivo do artigo 18.° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa;

17. Por tudo isto, não se pode dar por verificados os requisitos previstos no artigo 531.° do CPC, não merecendo, deste modo, o Recorrente a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional.

Respondeu a sra. Procuradora-Geral Adjunta na Relação, dizendo:

Do douto acórdão publicado por este Tribunal da Relação de Lisboa, no passado dia 29-11-2018, interpõe recurso a assistente Clube Naval de ..., designadamente do segmento que a condenou no pagamento da taxa excepcional sancionatória no valor de 8 Ucs, nos termos do artigo 531° do CPC, artigo 521° do CPP e artigo 10° do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei 34/2008 de 26 de Fevereiro.

Alega a recorrente que tendo-se limitado a arguir uma nulidade, nos termos dos artigos 425°, n°4 e 379°, n° l, alínea c) do CPP, fundadamente, não se verifica qualquer acção meramente dilatória, desviada da normal marcha do processo ou praticada com falta de prudência ou diligência que legitime a aplicação da referida taxa.

Considera a recorrente que a referida taxa tem aplicação, apenas, em situações e casos excepcionais e designadamente, pela manifesta improcedência das peças apresentadas e por actuação sem prudência ou diligência devidas.

Conclui, assim, a recorrente, que foi feita uma má aplicação das normas constantes nos artigos 531° do CPC e 521°, n°l do CPP.

Salvo o respeito que as opiniões contrárias merecem, afigura-se-nos assistir-lhe total razão.

Dispõe o artigo 531° do CPC, aplicável ao caso por via do artigo 521°, n°l do CPP, que por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.

A aplicação da taxa sancionatória excepcional depende, assim, da verificação dos seguintes requisitos: Manifesta improcedência da pretensão e actuação, de parte, sem prudência ou diligência. Essa mesma aplicação, porém, está reservada para situações excepcionais, como o nome indica, que não podem dissociar-se da avaliação da actividade processual consubstanciada em comportamento processual que entorpeça o andamento do processo injustificadamente, ou seja, sem motivo razoável para tal— in Acórdão do TRE de 22-01-2013, processo 30/10.4JASTB-C.E1, disponível em www.dgsi.pt relatado pela Ex.a Desembargadora Ana Barata Brito.

No caso em apreço a assistente lançou mão de instrumento processual que a lei lhe faculta sem que possa configurar-se um abuso de direito, ou seja, que se mostre ultrapassado o legítimo exercício de um direito.

E não o poderá configurar porquanto, salvo melhor entendimento, não resulta patente que tenha sido feito um uso indevido do processo, independentemente do sucesso da sua pretensão.

Sendo tão genéricos os pressupostos do artigo 531° do Código de Processo Civil, cabe ao juiz limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual, bem como, ainda que em face de algum excesso, limitar o sancionamento a situações que tenham algum relevo na normal marcha processual - passagem de Acórdão do TRC de 04-05-2016, indicado nas motivações de recurso da assistente e disponível em www.dgsi.pt (relatado pelo Ex° Desembargador Luís Ramos).

Assim e em conclusão:

1- A taxa sancionatória excepcional apenas é aplicável a casos de excepção, como o nome indica, designadamente a comportamentos processuais que entorpecendo o normal andamento do processo pelo mau uso de instrumentos legais configuram a prática de actos manifestamente dilatórios e improcedentes e, como tal, injustificados.

2- Cabendo ao juiz ponderar a sua aplicação de acordo com os respectivos pressupostos, como sejam a manifesta improcedência da pretensão e a actuação sem prudência ou diligência devida, haverá sempre que salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses e pautar este sancionamento de acordo com os princípios da adequação e da proporcionalidade.

3- O pedido de arguição de nulidade do douto acórdão proferido em 2ª instância não configura um abuso de direito mas tão só o respectivo exercício.

4- Por isso não configura uma situação excepcional, por injustificada.

5- Ao aplicar a taxa sancionatória excepcional, no caso, o tribunal interpretou e aplicou erradamente as normas constantes nos artigos 531° do CPC e 521°, n° l do CPP.

6- Donde, deverá o recurso interposto pela assistente merecer total provimento.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a sra. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se desta forma:
1. Do acórdão proferido no TRL em 29.11.2018 interpõe recurso a assistente “Clube Naval de ...”, em 14.12.2018, ao abrigo do disposto no art. 27º nº6 do Regulamento das Custas Processuais, recurso circunscrito ao segmento da condenação da mesma no pagamento da taxa sancionatória excepcional de 8 unidades de conta.
2. A tal recurso respondeu com amplitude e rigor a Magistrada do MºPº junto do TRL, pronunciando-se no sentido de o recuso merecer total provimento.
3. Nada obstando ao conhecimento do recurso 1), afigura-se que o mesmo deverá ser apreciado em sede de conferência.
4. Conforme resulta da parte decisória do acórdão sob recurso, indeferindo-se arguição de nulidade suscitada pela assistente de precedente acórdão do TRL, “condenou-se o requerente nos termos dos arts. 521º do CPP , 531º do CPC e 10º do RCP na taxa sancionatória de 8 unidades”, sem que se mostre, desde logo , aduzida   qualquer fundamentação para tal decisão.
Acompanhando integralmente os fundamentos constantes da citada resposta do MºPº, cuja amplitude nos dispensa de quaisquer considerações adicionais, pronunciamo-nos igualmente pela procedência integral do recurso interposto.

Nada tendo acrescentado às alegações do Ministério Público no tribunal recorrido, não há lugar ao cumprimento do art. 417º, nº 2, do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. O presente recurso vem interposto pelo assistente do acórdão que indeferiu a invocada nulidade da decisão da Relação que negara provimento ao recurso interposto da sentença absolutória proferida em 1ª instância. Esse acórdão, quanto à matéria nele impugnada, não é recorrível, por força da al. c) do nº 1 do art. 400º do CPP.

Contudo, o assistente restringe o recurso à condenação na taxa sancionatória excecional, prevista no art. 10º do RCP. Ora, nesse âmbito restrito, a decisão em causa é suscetível de impugnação, ao abrigo do nº 6 do art. 27º do RCP, disposição especial que prevê que, fora dos casos legalmente admissíveis, sejam sempre recorríveis as condenações em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional.

Cabe pois proceder à análise do recurso.

2. Importa conhecer o teor do acórdão, que é o seguinte:

CLUBE NAVAL DE ... veio arguir a nulidade do acórdão proferido nos autos, por violação do disposto no artº 379º, nº 1 alíneas a) e c) ex vi artº 425º, nº 4 do CPP.

Entende que o Tribunal negligenciou o dever de se pronunciar sobre todas as questões de que devia conhecer por força do nº 2 do artº 608º do CPP, aplicável ao processo penal por remissão do artº 4º do mesmo CPP.

O Tribunal da Relação omitiu o dever de se pronunciar sobre as diversas questões suscitadas pelo recorrente, Clube Naval de ..., não fazendo sequer referência às conclusões formuladas pelo recorrente, nem tendo avançado qualquer juízo que abarcasse a possível fundamentação apresentada pelo Tribunal da 1ª instância.

Pede que a decisão proferida seja considerada nula, com todas as legais consequências, e se profira nova decisão que conheça das questões suscitadas.

Apreciando então da arguição de nulidade:

Dispõe o artº 425º, nº 5 do CPP que ... “Os acórdãos absolutórios enunciados no artº 400º, nº 1 d) que confirmem decisão da 1ª instância, sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.”

Foi o caso.

Analisada a decisão recorrida, o processo no seu todo, a motivação do recorrente e a resposta à mesma motivação apresentada pelo MºPº mormente quando refere que a situação de inexistência de bens do inventário apenas foi descortinada pelo Tribunal “a quo” com a perquirição da testemunha DD que admitiu ter sido por si elaborado o documento, sob orientação da recorrente, apenas em Fevereiro de 2014 o “inventário” de fls 39, em que se baseou a queixa de furto e dano, assim apresentado como inventário em sentido estrito dos bens entregues em Agosto de 2008 aos ora arguidos, e objecto da queixa de furto e dano, entendeu-se que a decisão recorrida não merecia reparo e que era de manter a decisão de absolvição.

A pretensão formulada na motivação de recurso apresentada foi apreciada, e concluiu-se que a decisão da 1ª instância não merecia reparo e que se podia usar o disposto no artº 425º referido.

A decisão não enferma de qualquer omissão de pronúncia nem negligenciou qualquer dever, já que o preceito permite concluir, conforme concluiu, e decidir conforme decidiu.

Para estar enfermada de nulidade, necessário era que não existisse preceito expresso no sentido de permitir aderir aos fundamentos da 1ª instância, tal como foi entendido.

E não cabe qualquer recurso a preceitos ínsitos no CPC porquanto este Tribunal só pode lançar mão dos mesmos quando o caso for omisso (não é, existe disposição expressa) e depois de verificar se as regras do CPP não são de aplicar por analogia.

Só então se justificará a observância das regras de processo civil que se harmonizem com o processo penal.

No que à inconstitucionalidade do preceito ínsito no artº 425º, nº 5 do CPP concerne, sempre se dirá que o facto de remeter para a fundamentação da decisão de absolver não significa, tal como parece entender o recorrente, que a motivação apresentada não seja analisada e que os fundamentos do recurso não sejam vistos, e as pretensões através dele formuladas objecto de reflexão.

Significa apenas que se o Tribunal “ad quem” concordar com a fundamentação da 1ª instância, pode remeter para os seus fundamentos, e manter a absolvição.

Ora, decidindo a Relação de facto e de direito, se após analisar os factos, se dispensar de responder, ponto por ponto, às questões suscitadas pelo recorrente, tal não significa que as mesmas não tenham sido ponderadas, e objecto de recurso, em concreto, mas sim que concordando com a prova, o Tribunal “ad quem” se dispensou de praticar actos inúteis.

Fundamentar a decisão de molde a que se perceba o raciocínio do julgador, e a que os destinatários percebam a decisão é uma coisa; daí a permitir a afirmação (injuriosa?!) de que o Tribunal de recurso negligenciou a sua obrigação de apreciar o recurso, vai um grande passo.

O facto de o documento ter sido elaborado posteriormente, e de ter sido entendido como datando da data da prática dos factos, colocou em crise tudo o que o recorrente possa afirmar, de tal forma em crise, que é o próprio MºPº que na resposta à motivação afirma que se se tivesse dado conta, não teria deduzido acusação.

Assim colocadas as questões, entendemos que em concreto, o entendimento sufragado por este Tribunal, de aplicar a norma contida no artº 425º, nº 5 do CPP, não está eivado de inconstitucionalidade, e que a referida norma ao permitir sindicar a decisão recorrida, e ao permitir ao Tribunal “ad quem” pronunciar-se, e assegurar o direito ao recurso sem praticar actos inúteis, acautela suficientemente o direito ao recurso por banda dos assistentes, não sendo por isso, em nosso entender, inconstitucional.

A presente arguição de nulidade é de indeferir, por falta de fundamento, e efectuada nos termos em que o foi, é susceptível de integrar o disposto no artº 531º do CPP, (artº 447ºB CPC 1961), e justifica a aplicação de taxa sancionatória excepcional, conforme estatuído no artº 521º do CPP e artº 10º Regulamento das Custas Processuais, entre 2 e 15 Uc.

Decisão:

Termos em que acordam, após conferência, em indeferir a arguição de nulidade apresentada por CLUBE NAVAL DE ..., por manifesta falta de fundamento, e condenam o requerente nos termos das disposições conjugadas dos artºs 521º do CPP e 531º do CPC, e artº 10º do Regulamento das Custas Processuais, na taxa sancionatória excepcional de 8 ucs.

3. A taxa sancionatória excecional em processo penal vem prevista no art. 521º do CPP, que se limita, quanto aos sujeitos processuais, a remeter para o CPC. Este no art. 531º dispõe:

Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.

O montante da taxa está previsto no art. 10º do RCP, variando entre 2 e 15 UC.

Esta taxa, como a própria designação indica, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual reprovável.[2]

A lei fornece um critério muito lato ou flexível para a caracterização dos atos suscetíveis desta sanção: a manifesta improcedência; e ainda (cumulativamente, portanto) a falta de prudência ou diligência devidas.

E acentua no texto do artigo, como também na epígrafe, o caráter excecional da sanção, que funciona como elemento integrante da própria cominação.

O que significa, em síntese, que esta taxa poderá/deverá ser aplicada quando o ato processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o ato um caráter excecionalmente reprovável, por constituir um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.

Tipicamente cabe nessa previsão a utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva para dificultar a marcha do processo, ou seja, a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados.

O uso da faculdade prevista no art. 531º do CPC, sobretudo no processo penal, deve ser objeto de especial rigor, para não ser posto em causa o direito das partes a usufruir plenamente dos seus direitos de defesa ou de patrocínio dos seus interesses processuais. Ou seja, não se deve confundir a defesa enérgica e exaustiva desses interesses com um uso desviante e perverso dos mesmos. Só neste caso se justificará o sancionamento nos termos do citado art. 531º do CPC.[3]


4. Analisemos o ato praticado pelo recorrente.
Este é assistente nos autos e simultaneamente deduziu pedido civil contra os arguidos AA e BB, acusados nos autos de um crime de furto qualificado e de outro de dano.
Realizado o julgamento, os arguidos foram absolvidos e o pedido civil julgado improcedente.
Desta sentença recorreu o assistente para a Relação de Lisboa, impugnando fundamentalmente a matéria de facto, sustentando que os factos imputados aos arguidos deveriam ser considerados provados e os arguidos consequentemente condenados pelos referidos crimes.
Esse recurso foi julgado improcedente pela Relação de Lisboa, que remeteu a sua fundamentação para a da sentença recorrida, usando da faculdade concedida pelo nº 5 do art. 425º do CPP. É o seguinte o texto completo desse acórdão:

CLUBE NAVAL DE ..., assistente nos autos, veio interpor o presente recurso por se não conformar com o teor da decisão proferida que absolveu os recorridos AA, BB e ..., Eventos Musicais, Lda, quer da prática de 1 crime de furto qualificado p.p. pelo artº 203º e 204º, nº1 1 a) todos do Código Penal, quer do pedido cível, contra todos, formulado.

Pede a revogação da decisão e substituição por outra que julgue provada a acusação e condene os arguidos e a demandada nos termos peticionados.

O MºPº na primeira instância e a Exma PGA nesta Relação defendem a improcedência do recurso.

Diz muito bem o MºPº na primeira instância…

“Quanto à inexistência de um inventário de bens … esta situação apenas foi descortinada pelo Tribunal a quo com a perquirição da testemunha DD que admitiu ter sido por si elaborado, sob orientação da recorrente, apenas em Fevereiro de 2014 o “inventário” de fls. 39, em que se baseou a queixa de furto e dano – e assim apresentado como inventário, em sentido estrito, dos bens entregues em Agosto de 2008 aos ora arguidos, furtados e danificados.

Ou seja, apresentado o “inventário” pelo recorrente, logo anexo à cópia do contrato junto com a queixa, com a descrição exaustiva dos bens e respectivos valores, como se fosse realmente um documento anexo ao contrato dos arguidos em Agosto de 2008, e produzida prova indiciária, foi deduzida acusação…

Sendo apenas com a imediação do julgamento que se descobriu a falácia, lançando o descrédito sobre a posição do recorrente e confirmando as declarações credíveis dos arguidos.”…

Assim analisado o recurso, entendem os juízes que constituem o Colectivo na 9ª Secção Criminal, aderir aos fundamentos da decisão proferida na 1ª instância, ao abrigo do disposto no artº 425º, nº 6 do CPP, e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto pelo Clube Naval de ....

Decisão:

Termos em que acordam em usar da faculdade concedida pelo artº 425º, nº 6 do CPP, em negar provimento ao recurso interposto pelo Clube Naval de ..., confirmando a decisão recorrida que absolveu os arguidos.

5. Estabelece o citado nº 5 do art. 425º do CPP:

5. Os acórdãos absolutórios enunciados na al. d) do nº 1 do art. 400º, que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.

Permite o preceito que, havendo lugar a confirmação de sentença absolutória, a Relação deixe de proceder a uma fundamentação própria da sua decisão, remetendo pura e simplesmente para a da 1ª instância.

Esta disposição legislativa, animada pelo propósito de simplificação processual, não deixa porém de suscitar grande perplexidade quanto à sua conformidade constitucional[4], e por isso deverá ser sempre invocada com rigor e parcimónia. Deve ser utilizada apenas nos casos evidentes, em que a fundamentação da decisão recorrida é exaustiva e o recorrente nada traz de novo que justifique uma fundamentação autónoma por parte da Relação, sendo pois redundante repetir os fundamentos da decisão recorrida.

Em qualquer caso, ao recorrente não poderá ser negado o direito de reagir contra o acórdão da Relação que aplica o nº 5 do art. 425º do CPP, quando entender que não estão preenchidas as condições da sua aplicação. E o único meio que está ao seu alcance para tal é o de arguição de nulidade do acórdão por falta de fundamentação ou omissão de pronúncia, ao abrigo do art. 379º, nº 1, a) e c), do CPP, já que não há lugar a recurso ordinário (art. 400º, nº 1, d), do CPP).

Ora foi precisamente isso que o recorrente fez no requerimento de fls. 648-653.

O que quer dizer que o recorrente fez um uso normal e adequado dos meios processuais que a lei lhe concede.

Consequentemente, é absolutamente insustentável condenar o recorrente na taxa sancionatória excecional.

Aliás, essa condenação não está sequer minimamente fundamentada no acórdão recorrido.

Procede, pois, o recurso interposto.

III. Decisão

Com base no exposto, e concedendo provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou o assistente Clube Naval de ... na taxa sancionatória excecional de 8 UC.

Sem custas.

                                       Lisboa, 29 de maio de 2019

Maia Costa (relator) *
       Pires da Graça

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[1] Por manifesto lapso cita o nº 6 do mesmo artigo.
[2] Outras taxas sancionatórias estão previstas no CPP, como nos arts. 223º, nº 6, 420º, nº 3, e 456º, punindo atos manifestamente infundados ou temerários.
[3] Em sentido convergente, ver os acórdãos do STJ de 4.1.2017, proc. nº 149/05.3PULSB.L1-B.S1 (cons. Rosa Tching) e de 10.5.2017 proc. nº 12806/04.7DLSB.L2-A.S1 (Cons. Pires da Graça).
[4] Arguindo-a de inconstitucional, Paulo Albuquerque, Comentário do CPP, 4ª ed., pp.1170-1171.