Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15189/15.6T8LSB-I.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PROCESSO TUTELAR
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA
ESTRANGEIRO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Quando as responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância para a vida da menor devam ser exercidas em comum por ambos os progenitores e não tenha sido possível alcançar acordo quanto à residência da criança com a mãe no estrangeiro, o tribunal deve decidir com atenção ao superior interesse da criança.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO


1. BB., instaurou incidente de resolução de diferendo entre progenitores, contra AA., relativo a questões de particular importância, pedindo:

- Que seja autorizada que a menor CC., filha de ambos, resida na companhia da mãe em … e, a frequentar a Escola Primária  …, igualmente em … .

Alega, em síntese, que se encontra desempregada e que o marido em 01.05.2019, celebrou um contrato de trabalho com a Escola …. na …. como colaborador científico, auferindo mensalmente o montante de € 7 365,00; que viajou para …. em Agosto com a sua filha CC. para conhecer Escolas e o Conservatório de Música …. para avaliar a possibilidade de mudança com a sua filha; que escolheu em … a Escola Primária …; que a CC. terá aulas de francês, gratuitas; que será integrada numa turma de alunos portugueses para facilitar a sua integração; que frequentará o Conservatório de Música … para ter aulas de piano; receberá logo que esteja a viver em … um abono de família no valor de € 184,00 e poderá utilizar os transportes públicos gratuitamente; terá um seguro de saúde; a CC. terá, pelo menos, as mesmas condições de vida que tem em …; a CC. deseja ir e está entusiasmada com a ideia; tem uma óptima relação com a mãe e com o padrasto; não tem relação com o pai e recusa-se a estar com o mesmo; que as aulas em … tiveram início a 26 de Agosto; deveria prestar provas na primeira semana de Outubro para ingressar no Conservatório de música de …; e que enquanto o Tribunal não decidir, a CC. continua a frequentar a Academia de Música … .

2. Foi designada data para a realização da conferência a que alude o artigo 35.º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo 44.º, n.º 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro.

Realizada conferência de pais e uma vez que não foi possível o acordo, opondo-se o progenitor à mudança de residência da CC., foram ambos notificados para alegar.

3. Ambos os pais apresentaram alegações e indicaram prova nos termos do artigo 39.º, n.º 4, do RGPTC.

4. Realizado o julgamento, em 5.02.2020, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:

IV. Decisão

Em face do exposto, julga-se improcedente o incidente suscitado por BB. por falta de acordo dos progenitores e, em consequência, decide-se:

A) Não autorizar que a CC. se desloque para …., na …, para residir com a sua mãe.

B) Custas pela requerente, fixando ao incidente o valor de 30 000,01”.

5. Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação, tendo, em 10.09.2020, o Tribunal da Relação … proferido Acórdão em que consta do dispositivo:

Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação …, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, autorizando a menor, CC., a deslocar-se com a mãe para …. e ali residir na companhia da mãe e a frequentar a Escola Primária …. nesse país.

Custas: pelo recorrido”.

6. Pugnando pela revogação do Acórdão e pela repristinação da sentença, é, desta vez, o requerido quem interpõe recurso de revista, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

Invoca dois fundamentos para a interposição do recurso: “violação da lei substantiva consistindo em erro de interpretação das normas nacionais e internacionais pressupostas do conceito do 'superior interesse da criança' (art.° 874°, n° 1 e al. a) e n° 2 do C.P.C.[1])” e “nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia (art.° 615°, ex vi 674°, n° 1, al. c) do C.P.C.”.

Pede que seja fixado efeito suspensivo ao recurso, “atenta as consequências derivadas da alegada nulidade”.

A terminar as suas alegações, formula as seguintes conclusões:

A) O douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação … é recorrível porque é nulo por omissão de pronúncia e,

B) Nesta medida pode criar uma situação de exclusão da competência dos Tribunais portugueses em matéria da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais em conformidade com os artigos 8o, n° 1 e 9o, n° 1 do Regulamento (CE) n° 2201/2003, de 27 de novembro e artigos 5° e 7o da Convenção de Haia 1996 - Proteção de Menores - com as dificuldades inerentes para o Recorrente;

C) É recorrível ainda porque aprecia deficientemente a prova e viola direitos fundamentais e normas de direito substantivo (dos artigos 36°, n° 3, 68°, n° 1 e 2 da C.R.P., com violação dos artigos 1878°, n° 1, 1885°, n° 1, art.° 1906°, números 5, 6 e 7, todos o C.C.) e o disposto no art.° 11°, n° 1 da Convenção sobre Direitos da Criança assinada em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990 e aprovada para ratificação por resolução de AR n° 28/90 de 12 de setembro);

D) A nulidade do douto Acórdão resulta da omissão sobre o pedido formulado pela Apelante no fecho das suas alegações que consistia no estabelecimento do regime de visitas ao Pai;

E) O Acórdão não se pronuncia sobre o tema em concreto, embora faça várias referências ao longo do texto, ao facto de se encontrarem pendentes Incidentes de Incumprimento e Alteração;

F) Todavia na ótica decisória do Tribunal a quo, este deveria ter não regulado, mas ordenado a baixa do processo ao Tribunal de Família para que estabelecesse um regime de Exercício das Responsabilidades Parentais, devendo para o efeito ouvir o Pai, aqui Recorrente;

G) Ao omitir tal pronúncia criou a possibilidade da Recorrida se ausentar de imediato, o que EFETIVAMENTE ACONTECEU;

H) Atenta a profunda alteração na vida da menor produzida pelo douto Acórdão Recorrido, o regime provisório estabelecido não é adequado, pelo que, nesta data se verifica um vazio na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais da menor CC.;

I) O facto de a Mãe/Recorrida se ter ausentado de imediato com arrimo, no Acórdão da Relação, segundo noticiou ao Recorrente, ir-lhe-á permitir no prazo de 3 meses, baseado nas disposições de tratados internacionais citados em B) destas conclusões, requerer nos Tribunais …… a Declaração de Residência Habitual da menor, excluindo a competência dos Tribunais portugueses;

J) O Recorrente deu conta da iniciativa da Recorrida ao Senhor Procurador Geral Adjunto, no Tribunal da Relação, conforme documento que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

K) O Acórdão em Revista deve ser declarado nulo, sem nenhum efeito, nos termos do art.° 615°, n° 1 ai. d) ex vi 674°, n° 1, ai. c), todos do C.P.C., e ordenado o regresso de imediato da Recorrida e da menor, a fim de se regular na Instância própria o Exercício das Responsabilidades Parentais sobre a CC., ordenando-se o regresso da Recorrida a ….;

L) Não obstante e sem conceder, o douto Acórdão deve ser revogado no segmento em que decidiu autorizar a saída da menor para …. e aí residir com a Mãe;

M) Com efeito embora fundado no superior interesse da criança o Tribunal a quo com uma visão estreita e redutora do conceito, ignorou quer as contra-alegações do Recorrente, quer a matéria de facto que claramente evidencia que a falta de convivência da filha com o Pai se deve à interferência negativa da Recorrida;

N) A figura de referência e de progenitora psicológica foi enunciada, mas não foi analisada, tendo o douto Acórdão tecido e construído a justificação para alterar a Decisão da 1a Instância, à volta desta falsa verdade e da afirmação lapidar de que o direito da filha acompanhar a Mãe se sobrepõe ao direito de visitas do Pai "com quem não convive".

O) Ora a matéria de facto revela que a falta de convivência se deve à Mãe, figura que instrumentaliza a filha, decorrendo daqui que a figura de referência e progenitora psicológica não apresenta as melhores qualidades para formar e educar a filha;

P) Mas e sobretudo não pode tal argumento ser utilizado pelo Tribunal para justificar sem mais a saída do país da menor CC. contra a vontade do Pai, impedido de ser qualquer possível referência para a sua filha;

Q) Por outro lado o douto Acórdão revidendo alterou a matéria de facto não provada no que respeita ao contrato de trabalho do marido da Recorrida, de forma não sustentada, mas criando uma estabilidade económica, que é precária;

R) Com efeito tratando-se de um contrato de trabalho a termo de um ano é imprescindível a sua redução a escrito em Portugal e na legislação …. E o que consta contratualmente é um contrato até 2021, com a expetativa de renovação anual.

S) Esta alteração factual permitiu ao Tribunal a quo sustentar em razões económicas a deslocação da menor, mas fê-lo à custa do sacrifício das razões de índole moral que devem prevalecer na densificação do conceito do superior interesse da criança;

T) Revelam os autos que a "progenitora psicológica", cujo direito a estabelecer residência onde entenda não se discute, criou paulatinamente as condições para que o direito da menor ao seu Pai e ao que ele representa, ou devia representar na sua história pessoal, fosse apagado;

U) Cortou a liberdade de relação parental da menor e impediu a concretização dos direitos do Recorrente, enquanto Pai e o direito da sua família considerarem no seu seio a menor CC.;

V) A "progenitora psicológica", "figura de referência" da menor CC. ao eliminá-la progressivamente da estrutura familiar paterna desguarneceu o suporte de segurança emocional e equilíbrio pessoal futuro da criança;

W) Pôs em questão o património afetivo da menor a que tem direito, relacionado com o seu Pai;

X) Se a "figura de referência" for construída à custa do afastamento e sacrifico da outra figura que também devia, natural e legalmente, ser referência para a filha, não pode ser referência. Pode ser figura mas não de referência modelar.

Y) O conceito de "figura de referência" significa referência modelar, valorativa, no qual não pode considerar-se quem atropela, impede e viola os direitos daquele para quem supostamente é modelo/referência.

Z) Tais atos da Recorrida não podem ser considerados de nula importância ao invocar-se o superior interesse da criança e daí que a douta sentença da 1a Instância muito bem considerou que a saída da menor seria a "machadada" final nas relações Pai/filha;

AA) Com efeito, no superior interesse da criança e na proximidade desta com os progenitores não podem considerar-se só "as visitas" como se tratasse de visitas a um tio, a um primo distante ou a um amigo... As relações a considerar entre Pais separados e filhos são as que permitam aos Pais cumprimento dos seus deveres de educação, de orientação, contemplados no n° 6 do art.° 1906°, do C.C., e no n° 1 do art.° 1885° do mesmo diploma, cumprindo o desígnio constitucional do n° 2 do art.° 68° e o n° 1 e 6o do art.° 36° da C.R.P.;

BB) Estes são os segmentos a privilegiar na densificação do conceito de superior interesse da criança que pela sua latitude e abrangência não pode permitir que nela se integrem situações e comportamentos criados por um progenitor, que inviabilizem a plenitude da filiação, posteriormente usados como argumento a favor daquele;

CC) A interpretação do douto Acórdão a quo faz do superior interesse da criança é inconstitucional por violação dos princípios supra referidos;

DD) São estas as razões de OPOSIÇÃO ao douto ACÓRDÃO REViDENDO, defendendo o Recorrente que, primeiramente a qualquer deslocação, se devem estabelecer e a Recorrida deve respeitar/cumprir, as relações Pai/filha”.

Junta ainda cópia de requerimento dirigido ao Exmo. Procurador Adjunto do Tribunal da Relação …. em que, no essencial, expõe que tomou conhecimento de que a mãe de CC. decidiu levar a filha para …. e requer a tomada das “iniciativas adequadas ao regresso da Menor a Portugal, alertando as autoridades …. da irregular permanência da Menor CC. naquele país, obrigando a Mãe da Menor a cumprir as decisões judiciais e a sua exequibilidade”.

7. A requerida apresenta, por seu turno, resposta a estas alegações.

Desde logo, alega que o efeito do recurso é devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 4, do RGPTC e 676.º, n.º 1, do CPC, e não suspensivo, como pretende o recorrente.

Nas suas conclusões, pugna pela improcedência do recurso, dizendo:

1. “A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. (…)” – cfr. Acórdão do STJ de 03.10.2017, Revista n.º 2200/16.6TVLSB.P1.S1 – 1ª Secção.

2. “É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.” – cfr. supra mencionado Acórdão.

3. O presente processo tem como objeto decidir autorizar, ou não, a deslocação da menor para …. na companhia da mãe, ora Recorrida.

4. Tendo em conta este objeto, as alegações e conclusões da ora Recorrida, apresentadas na Apelação, só se pode concluir que o Acórdão recorrido não padece da nulidade por omissão de pronúncia, porquanto, não decorre nem do objeto do processo, nem foi mencionado nas alegações ou nas conclusões qualquer questão relacionada com as visitas da menor ao pai, pelo que nada lhe competia decidir a este propósito.

5. O próprio Recorrente reconhece que a questão das visitas da menor ao pai não podia ser decidida pelo Venerando Tribunal da Relação, pois sobre tal questão não se pronunciou a 1ª instância, nem nenhum facto foi levado ao seu conhecimento sobre tal matéria, afirmando ainda que o pedido formulado na Apelação não está correto, uma vez que se estende a aspetos que apenas podem ser decididos no âmbito de processos relativos à regulação das responsabilidades parentais.

6. Isso mesmo também é expressamente referido no douto Acórdão recorrido, o qual apenas analisou os factos impugnados que julgou importantes para a decisão do incidente, nomeadamente os pontos a) e b) dos factos não provados, descorando a apreciação dos que considerou irrelevantes para a mesma decisão, referindo que: “Toda a restante factualidade afigura-se-nos irrelevante para a decisão deste incidente. Poderá ser relevante para efeitos de alteração do direito de visitas, o que deve ser ponderado e decidido nos incidentes já instaurados em apensos já existentes para o efeito e no âmbito dos quais já se procedeu a diversas averiguações e produção de prova.”

7. O Recorrente pode entender que o regime provisório estabelecido, em 18.06.2018, e que ainda se encontra em vigor, não é o mais adequado, mas não pode afirmar que em face da prolação do Acórdão recorrido passou a existir um “vazio” quanto ao regime de visitas, pois esse “vazio” já existe desde junho de 2018, pois desde então aguarda-se a realização da avaliação da equipa técnica para estabelecimento das visitas supervisionadas.

8. Em face do exposto, não assiste qualquer razão ao Recorrente, não padecendo o Acórdão recorrido de qualquer nulidade, nomeadamente a prevista no art. 615º, n.º 1 al. d) ex vi 674º n.º 1, al. c) todos do CPC, devendo, por isso, ser o mesmo confirmado.

9. No que se refere à alegada violação da lei substantiva, consistente em erro de interpretação das normas nacionais e internacionais pressupostas do conceito do “superior interesse da criança”, importa esclarecer que, contra o que o Recorrente se insurge é contra a solução dada no Acórdão recorrido, que foi proferido segundo critérios de conveniência e oportunidade e não contra a violação de qualquer norma substantiva que, aliás, o mesmo não concretiza.

10. Ora, nos termos do disposto no art. 988º n.º 2 do CPC, sendo o presente processo um processo de jurisdição voluntária e tendo o Acórdão recorrido sido proferido segundo critérios de conveniência e oportunidade, nomeadamente por recurso ao critério do “superior interesse da criança”, não é admissível o presente recurso.

11. Como efeito o douto Acórdão recorrido foi proferido por recurso ao conceito indeterminado “o superior interesse da criança” que tem uma dupla função: critério de controlo e critério de decisão.

12. “Como critério de controlo, o superior interesse da criança permite vigiar o exercício das responsabilidades parentais, estabelecendo parâmetros da mínima intervenção do Estado em relação à família, legitimando-a apenas em casos de grave perigo para a saúde física e psíquica da criança como decorre, desde logo, dos artºs 36º nºs 5 e 6 e 69º nº 1 da CRP.” – cfr. Acórdão recorrido.

13. “Como critério de decisão, usado em casos de conflitualidade, delimita a análise objectiva que orienta do juiz sobre qual a solução que, em cada caso e em cada momento, mais convém ao menor (…), em caso de desacordo e conflitualidade dos pais, o superior interesse da criança deve fazer apelo ao conceito de progenitor psicológico, expressão que apela à situação de continuidade, no dia-a-dia, de interacção, companhia, acção recíproca e mútua e que preenche as necessidades psicológicas e físicas da criança e do progenitor.” – cfr. Acórdão recorrido.

14. Usando estes critérios, o Tribunal decidiu que: “No caso dos autos, facilmente se depreende que a mãe, requerente, é o progenitor psicológico da menor: sempre viveu com ela, mesmo depois da separação dos progenitores, tendo sido a ela quem foi confiada a guarda da criança.

Esta circunstância é, como se referiu relevante, enquanto elemento critério de decisão, quanto à determinação do que constitui, no caso concreto, o que seja o superior interesse da criança: sem dúvida, que é do interesse superior da criança viver/residir com a mãe. Isso, não se discute nos autos.

15. Tendo concluído, também que: “… não há qualquer dúvida que este tribunal não pode impedir/dificultar a deslocação da mãe para …. para se juntar ao seu actual companheiro. Uma decisão nesse sentido violaria o princípio da liberdade de deslocação e emigração estabelecido no artº 44º da CRP.”

16. A própria decisão da 1ª instância refere que a menor tem na sua mãe a sua figura de suporte e segurança, o que justifica que a mesma permaneça na sua companhia, afirmando que é a mesma que vem promovendo o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, afirmando expressamente que inexistem nos autos elementos que de forma consistente abalem a capacidade da progenitora de continuar o processo educacional da menor.

17. Nunca esteve em causa nos presentes autos que a figura de referência da menor não fosse a mãe.

18. Os critérios de conveniência e oportunidade utilizados pelo Tribunal não colocam em causa qualquer norma subjetiva, seja ela nacional ou internacional, nem o Recorrente demonstra o contrário.

19. Na verdade, o que o Recorrente coloca em crise não são os critérios de conveniência e oportunidade em si mesmos, mas tão somente a sua aplicação às circunstâncias do caso, ou seja, a própria solução encontrada, pelo que, quanto a esta questão o que rege é o art. 988.º n.º 2 do CPC, não sendo por isso admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto a esta matéria, devendo quanto a esta questão o recurso ser rejeitado.

20. Todas as alegações de recurso do Recorrente estão centradas na sua visão enviesada da realidade, pois entende que a falta de convivência da filha consigo se deve à interferência negativa da mãe, ora Recorrida, colocando a génese de toda a “desavença” no facto de, em 2014, aquela ter ido para … com a filha (nota: com o consentimento do ora Recorrente) e só ter regressado por decisão dos Tribunais …, que ordenaram o regresso da menor a Portugal por retenção ilícita.

21. No entanto, o Recorrente não menciona que foi condenado por crime de violência doméstica praticado contra a mãe da menor, numa pena de dois anos e seis meses de prisão, pena essa suspensa na sua execução por igual período, por sentença proferida em 02.12.2016, pelo Juiz …, da Secção Criminal, da Instância Local do Tribunal da Comarca de …, no âmbito do processo n.º 5705/14…., que transitou em julgado em 26.02.2018, após decisão do Tribunal Constitucional.

22. Igualmente, não menciona que todos os factos que levaram à condenação do Recorrente, pelo mencionado crime de violência doméstica, foram praticados antes de a ora Recorrida ter ido para …, como se alcança da sentença que se mostra junta aos autos, tal como não menciona que é devido à ocorrência desses factos que a Recorrida não queria regressar a Portugal.

23. O Relatório de Avaliação Técnica Especializada, que também se mostra junto aos autos, refere que a CC. recusa toda e qualquer possibilidade de estar com o pai, por, segundo a criança, “ele ser mau”, explicando que se recorda das inúmeras discussões entre os pais e da forma negativa como o pai tratava a mãe.

24. Mais, o Relatório de Avaliação Técnica Especializada é muito claro nas suas conclusões: a ocorrerem convívios paterno-filiais os mesmos deverão ser supervisionados, devendo existir um período de tempo previamente definido, a fim de se aferir se a relação pai-filha é recuperável, “… sendo certo que a criança manifestará oposição e resistência a tal possibilidade e será com sofrimento pessoal, e eventualmente danos colaterais para a criança, que se procederá a tal período experimental de convívios.”

25. É em face destas possíveis visitas, que a equipa técnica ainda não avaliou, que o Recorrente quer que a filha permaneça em Portugal, exigindo o regresso desta da …, até que se consiga estabelecer um regime de visitas definitivo que esteja de acordo com a sua vontade.

26. Tal situação não só seria injusta para a criança, como para a mãe, ora Recorrida.

27. O Douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo e deve por isso ser inteiramente confirmado, pois, como ficou demonstrado, soube apreciar o efetivo superior interesse da criança e identificar a sua efetiva figura de referência, a sua mãe, devendo, por isso, a criança acompanhar a mãe na sua deslocação para… .

28. Tendo em conta a matéria de facto provada, qualquer decisão que impeça ou dificulte a ida da mãe para …., para se juntar ao seu atual marido, violará o princípio da liberdade de deslocação e emigração estabelecido no art. 44º da CRP”.

Junta três documentos.

8. Notificado das contra-alegações da requerente / recorrida e dos três documentos que as acompanhavam, o requerido / recorrente, entendendo que a junção de tais documentos é inadmissível, vem requerer o seu desentranhamento dos autos e a sua remessa à parte.

9. Em 19.11.2020, os Exmos. Desembargadores do Tribunal da Relação …, reunidos em Conferência, proferiram Acórdão em que se decidiu:

Em face do exposto, acordam em Conferência nesta .... Secção Cível do Tribunal da Relação …, indeferir a invocada nulidade do acórdão”.

10. Na sequência deste Acórdão, o requerido / recorrente vem requerer o proferimento de despacho sobre a admissão e a subida do recurso.

11. Em 13.12.2020, o Exmo. Desembargador Relator proferiu o seguinte despacho:

Admito o recurso, que é de Revista, sobe imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo (artº 32º nº 4 do RGPTC e 676º nº 1, a contrario, do CPC).

Notifique e remeta ao STJ”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são a de saber se:

1.ª) o Acórdão recorrido enferma da nulidade por omissão de pronúncia regulada no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC; e

2.º) o Acórdão recorrido incorre em violação da lei substantiva.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. Por sentença de 14 de Abril de 2016, foi homologado o acordo celebrado entre a requerente e o requerido quanto à regulação das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, CC..

2. Nesse acordo ficou estabelecido que:

a) A menor CC. fica a residir à guarda e cuidados da mãe, BB..

b) As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores definindo-se como questões de particular importância:

A alteração de residência para fora da área metropolitana de … ou para o estrangeiro;

Os tratamentos e intervenções médicas que possam causar perigo para a vida ou integridade física, ressalvadas as situações urgentes em que cada um dos progenitores pode agir singularmente e comunicar ao outro logo que possível; A opção entre ensino público ou privado;

As saídas para o estrangeiro.

c) As questões da vida corrente serão decididas individualmente por cada um dos progenitores, com a menor se encontrar nesse momento.

d) Considerando a necessidade de haver uma aproximação gradual entre o progenitor e a menor e uma vez que é do interesse que as visitas e os contactos ocorram num ambiente tranquilo e familiar e que promova o estabelecimento de vínculos afetivos seguros, as partes acordam no seguinte regime progressivo de visitas;

d.1) Nos próximos dois meses (Maio e Junho), o pai pode ver e estar com a menor todos os Sábados num dos seguinte períodos alternados (período da manhã das 10h00 às 14h00 e período da tarde das 15h às 18h00), sendo as recolhas e as entregas da menor efectuadas em casa da progenitora.

d.2) Nos dois meses subsequentes (meados de Junho a meados de Agosto) e mantendo-se o período de convívio referido em d.1), o pai pode ver e estar com a menor todas as terças-feiras e quintas-feiras, entre as 18h30 e as 21h30 sendo as recolhas e as entregas da menor efectuadas em casa da progenitora.

d.3) Nos dois meses subsequentes (meados de Agosto a final de Outubro) e mantendo-se o período de convívios referido em d.2), o pai pode ver e estar com a menor um dia inteiro de fim de semana (alternando a cada visita o dia de Sábado e Domingo), entre as 10h00 e as 21h00 sendo as recolhas e as entregas da menor efectuadas em casa da progenitora; quando estas visitas semanais ocorram em período escolar, as recolhas da menor serão efectuadas pelo pai no final das actividades escolares, sendo as entregas da menor efectuadas em casa da progenitora até às 21horas.

d.4) Decorrido este período transitório e adaptativo, o pai terá consigo a menor em fins-de-semana alternados, desde o final das actividades escolares de sexta-feira, sendo as entregas da menor efectuadas em casa da progenitora até às 21horas de Domingo.

d.5) Simultaneamente ao início dos períodos de convívio referido em d.4), o pai pode ver e estar com a menor todas as terças-feiras, recolhendo-a no estabelecimento de ensino no final das actividades escolares, aí a entregando no dia seguinte (quartas - feiras) no início das actividades escolares.

e) Os pais comprometem-se a autorizar as deslocações da menor para o estrangeiro na companhia do outro progenitor, comunicando com antecedência os períodos da deslocação, destino e meios de contacto.

f) A título de pensão de alimentos para a menor, o pai contribuirá com o montante de € 200,00 (duzentos euros) mensais, através de depósito ou transferência bancária para a conta da progenitora, até ao dia 8 de cada mês, sem qualquer encargo para esta.

g) A quantia atrás referida será actualizada anualmente, de acordo com a taxa de inflação a publicar pelo Instituto Nacional de Estatística, por referência ao ano anterior.

h) As despesas da menor com a aquisição da farda escolar, bem como as despesas médicas e medicamentosas e despesas escolares, serão suportadas em partes iguais por cada um dos progenitores, mediante a apresentação de documento comprovativo pelo progenitor que a suportou, comprometendo-se o progenitor suportar a sua quota parte nestas despesas com o pagamento da pensão de alimentos que se vencer no mês seguinte à sua apresentação.

i) Os progenitores comprometem-se reciprocamente a não denegrir a imagem um do outro, perante a menor, comprometendo-se, ainda a progenitora a colaborar no melhoramento da relação e dos convívios da CC. com o pai”.

3. Por sentença de 15 de Fevereiro de 2018, foi homologado um aditamento ao acordo celebrado entre a requerente e o requerido quanto à regulação das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, CC. nos seguintes termos:

“O progenitor que viajar com a menor para o estrangeiro compromete-se a informar o outro com a antecedência de um mês sobre as datas de partida e de regresso e o destino da viagem; o outro progenitor compromete-se a responder ao pedido no prazo máximo de 5 dias.

Após a autorização da viagem, aquele que viajar com a menor compromete-se a informar o outro progenitor, no prazo de 5 dias, sobre o número de voo, local de alojamento e forma de contacto com a menor”.

4. Em 19.06.2018 os progenitores acordaram em fixar com regime provisório, por forma a implementar um regime de visitas de forma gradual e a criação de vínculos afectivos seguros entre a menor e o seu progenitor, que a menor pode ver e estar com o progenitor mediante visitas supervisionadas, em regime a definir após avaliação da equipa técnica.

5. Por sentença de 14 de Dezembro de 2018, foi homologado um aditamento ao acordo celebrado entre a requerente e o requerido quanto à regulação das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, CC. nos seguintes termos:

“O pai pode ver e estar com a menor CC. no próximo Domingo dia 23/12/2018, entre as 12h00 e as 17h00, nos Jardins …, na presença dos avós e tio paternos, podendo a progenitora indicar pessoa de confiança da menor para acompanhar a visita em condições de privacidade.

A mãe compromete-se a identificar esta terceira pessoa até ao final da presente data.

A mãe entrega a menor CC. ao pai, junto da entrada para a bilheteira … e aí a recolhendo no final da visita.

O pai autoriza a filha CC. a viajar na companhia da mãe para …, entre os dias 16 e 22 de Dezembro de 2018, data em que a menor regressará a Portugal”.

6. Os regimes de visitas estabelecidos não se verificaram, apesar do progenitor fazer todos os esforços para conseguir conviver com a sua filha CC..

7. Algumas das visitas, nomeadamente, no Colégio …. foram impedidas pela mãe da menor, que a ia buscar mais cedo ou à hora de almoço, nos dias de visita do pai.

8. O progenitor não tem conseguido conviver com a sua filha CC., continuando a desejar fazê-lo.

9. O progenitor é um pai carinhoso e preocupado.

10. A CC. tinha boa relação com a família paterna. 11. A progenitora da CC. encontra-se desempregada.

12. O marido, padrasto da CC., celebrou com a Escola …. na …, contrato de trabalho em 01.05.2019, pelo prazo de um ano, com término em 30.04.2020, como colaborador científico.

13. Aufere mensalmente o montante de € 7 365,00.

14. A mãe da CC. viajou para …. em Agosto de 2019 com a sua filha.

15. A CC. encontra-se a frequentar a Academia de Música … no 5.º ano.

16. Está completamente integrada, é uma excelente aluna e toca piano. 17. Quer ir para … com a mãe e tem boa relação com o padrasto.

18. Em 24 de Junho de 2016 o progenitor deduziu um incidente de incumprimento, que aguarda os relatórios periciais a realizar aos progenitores.

19. Em 29 de Setembro de 2016 a progenitora requereu uma alteração das responsabilidades parentais, cujo pedido é alteração do regime de visitas e depois, requereu que a menor fosse residir consigo para …. e que passasse esta a exercer em exclusivo as responsabilidades parentais. Aguarda a realização de relatórios periciais a realizar aos progenitores.

19a. O DD. tem contrato renovável anualmente até 2023 (aditado pelo Tribunal recorrido).

19b. A menor tem vaga em escola da … e direito a aprender … (aditado pelo Tribunal recorrido).


E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

a) (eliminado pelo Tribunal recorrido)

b) (eliminado pelo Tribunal recorrido)

c) [A menor] Tem vaga no Conservatório de Música … para ter aulas de piano;

d) A requerente dispõe de emprego ou propostas de trabalho em …, na …;

e) A CC., por integrar o agregado familiar do seu padrasto, DD., logo que vá residir para …, beneficiará de um Abono de Família pago pelo Estado …., no valor de € 184,00 e de outro Abono, pago pela entidade patronal do DD., no valor de € 160,00.

f) A CC., vivendo na …, terá direito um seguro de saúde, o que terá um custo mensal de € 136,00.

g) A Requerente pretende que a relação do progenitor com a menor se faça de todas as formas.


O DIREITO

Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 652.º do CPC, o juiz a quem o processo é distribuído cumpre corrigir, se for o caso, o efeito atribuído ao recurso [cfr. al. a)], verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso [cfr. al. b)] e recusar, se for o caso, a junção de documentos [cfr. al. e)].

Neste contexto e, antes de apreciar a questão suscitada, cabe fazer três esclarecimentos: sobre o efeito do recurso, sobre a admissibilidade do recurso e sobre a junção de documentos.

Em primeiro lugar, há que dizer, no que toca ao efeito do recurso, que nada há a corrigir. O presente recurso é interposto no âmbito do incidente de resolução de diferendo entre progenitores respeitante a questão de especial importância, regulado no artigo 44.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante: RGPTC). No despacho proferido pelo Exmo. Relator do Tribunal da Relação … em 13.12.2020 foi fixado efeito devolutivo ao recurso, o que, em face do disposto no 32.º, n.º 4 do RGPTC e do artigo 676.º, n.º 1, a contrario, do CPC, corresponde à decisão correcta.

Em segundo lugar, quando à admissibilidade do recurso, já que se viu que o presente recurso é interposto no âmbito de processo tutelar cível. Este é um processo com a natureza de jurisdição voluntária (cfr. artigo 12.º do RGPTC) e que, consequentemente, está sujeito à disciplina vertida nos artigos 986.º a 988.º do CPC.

Dispõe-se no artigo 988.º, n.º 2, do CPC que “[d]as resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Significa isto, como se diz no sumário do Acórdão de 30.05.2019 proferido nesta 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista [ ] em função dos [ ] fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de 'resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade'[2].

Perscrutando as conclusões formuladas no presente recurso, verifica-se que o recorrente suscita questões susceptíveis de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC, relacionadas com a violação da lei substantiva e com uma nulidade previstas no artigo 615.º e 666.º do CPC.

Mais precisamente, o recorrente alega, por um lado, a violação das normas dos artigos 1878.º, n.º 1, 1885.º, n.º 1, 1906.º, n.ºs 5, 6 e 7, do CC [cfr., em particular, a conclusão C)] e, por outro lado, a nulidade da omissão de pronúncia regulada no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC [cfr., em particular, a conclusão K)]. Alega ainda a violação do artigo 36.º (ora do n.º 3, ora dos n.ºs 1 e 6) e do artigo 68.º, n.ºs 1 e 2, da CRP bem como do artigo 11.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança (doravante: CDC) [cfr., em particular, as conclusões C) e AA)].

Pode dizer-se, assim, que, no caso presente, “a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão[3]. Pelo exposto, o recurso é admissível.

Por fim, quanto aos documentos juntos pela recorrida com as contra-alegações, não se vê razão para ordenar o seu desentranhamento, ao invés do que entende o recorrente. O artigo 680.º do CPC admite a junção de quaisquer documentos supervenientes posto que não seja posto em causa o disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 682.º do CPC. Estes preceitos limitam os poderes do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da decisão sobre a matéria de facto: o Supremo Tribunal não pode sindicar esta decisão a não para garantir a observância das regras de Direito probatório material ou mandar ampliar esta decisão. Desde que se observem estes limites, nenhum prejuízo decorre de – e por isso nada impede que – os documentos em causa integrem os presentes autos.


*


Do objecto do recurso

Mantendo presente que “não cabe [ ] sindicar, intrinsecamente, os juízos de conveniência e oportunidade formulados pela Relação[4], passa-se a conhecer do objecto do recurso.


1.ª) Da alegada nulidade por omissão de pronúncia

O recorrente alega que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre uma questão que tinha o dever de conhecer e, assim sendo, incorreu no vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

A questão em causa respeita ao “pedido formulado pela Apelante no fecho das suas alegações que consistia no estabelecimento do regime de visitas ao Pai” [cfr. conclusão D].

No Acórdão em que se pronunciou sobre a arguição desta nulidade, o Tribunal da Relação ... afirmou o seguinte:

Segundo o ora recorrente o acórdão da Relação é nulo porque não conheceu de um “pedido” formulado pela apelante no recurso interposto da sentença da 1ª instância; e embora reconheça que (provavelmente) a Relação não podia conhecer desse “pedido”, por se tratar de questão nova não apreciada nem decidida pelo tribunal recorrido, ainda assim, acha que há nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos então.

O artº 666º do CPC (diploma a que nos referiremos doravante sem indicação de fonte diversa) sob epígrafe “Vícios e reforma do acórdão”, estabelece que “É aplicável à 2ª instância o que se acha disposto nos artigos 613º a 617º…” (nº 1).

Pois bem, lançando mão dos preceitos vertidos nos artigos 613º a 617º, com relevância para o caso em apreço e com as necessárias adaptações à 2ª instância, importa ter presente, desde logo, a regra geral do artº 613º: proferido o acórdão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional dos membros do colectivo, apenas sendo lícito: (i) rectificar erros materiais; (ii) suprir nulidades; (iii) reformar o acórdão.

As nulidades do acórdão, por remissão para as nulidades da sentença, são as elencadas nas diversas alíneas do artº 615º nº 1, de que se salienta, com relevância para a questão em análise, a omissão de pronúncia, mencionada na al. d): o juiz, rectius, o colectivo deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

E quais são as questões que o juiz ou o colectivo deve apreciar?

O vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia referido na al. d) do artº 615º nº 1, está relacionado com a norma do artº 608º. Quando na lei se comina com nulidade a sentença em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” está a referir-se às questões que constituem o objecto da sentença. Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (artº 608º nº 1). Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções peremptórias (artº 608º nº 2). Temos assim que, na 1ª instância, as questões referidas no artº 608º nº 2 e, por conseguinte, a que se reporta também o artº 615º nº 1, al. d), são as questões relacionadas com o mérito da causa, balizado pelo pedido deduzido e pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias opostas.

No fundo, as questões que o juiz deve conhecer, na 1ª instância, estão circunscritas pelo chamado objecto do processo, delimitado pelo pedido e pela causa de pedir e pelas excepções opostas.

O mesmo se passa relativamente ao acórdão da Relação: as questões que tem de apreciar são delimitadas pelo objecto do recurso.

E como se delimita o objecto do recurso?

Em Portugal, os recursos ordinários são recursos de revisão ou de reponderação da decisão recorrida (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, pág. 81) e visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, pág. 395). Ou seja, os recursos interpostos para a Relação visam normalmente reapreciar o pedido formulado na 1ª instância. O recurso ordinário consubstancia-se, pois, num pedido de reapreciação de uma decisão, ainda não transitada em julgado, dirigido ao tribunal hierarquicamente superior e com fundamento na ilegalidade da decisão, visando revoga-la ou substituí-la por outra mais favorável ao recorrente. Desta forma, os recursos ordinários incidem ou têm por objecto o juízo ou julgamento realizado pelo tribunal recorrido.

Assim, o objecto do recurso é a decisão recorrida.

Está, por isso, afastada a possibilidade de recurso de reexame que possibilitaria um julgamento novo, sem quaisquer restrições.

Portanto, nos recursos de reponderação, sistema que vigora em Portugal (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em processo Civil, 8ª edição, pág. 147) não é concedida às partes a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum) nem de modificarem o pedido e a causa de pedir (recorde-se que conforme decorre do artº 264º o pedido e a causa de pedir, na 2ª instância, apenas podem ser alterados por acordo das partes). O objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida e visa a sua revogação total ou parcial.

Assim sendo, a natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma importante limitação ao seu objecto decorrente do factor de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 97).

Por outro lado, resulta do artº 639º nº 1 que as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial ou às excepções na contestação (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 95). Devem representar os fundamentos que justificam a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, constituindo uma função delimitadora do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artº 635º nº 3. Conforme sucede com o pedido as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 131).

Ora bem, aplicando estes ensinamentos ao caso dos autos, é fácil perceber que “o pedido” – na expressão do ora recorrente - escrito pela apelante na parte final da sua alegação para que “…se converta em definitivo o regime de visitas acompanhadas, estabelecido por acordo na conferência de pais de 19/06/2018 (realizado no âmbito do apenso C), nas férias escolares da menor: uma semana no Natal, uma semana na Páscoa e 15 dias no Verão, mediante plano a elaborar por Equipa Técnica a nomear pelo Tribunal” não constitui (não pode constituir) objecto do recurso, pelas duas razões apontadas: (i) não se tratou de questão apreciada e decidida na 1ª instância (de resto não fazia parte do objecto do processo deste incidente de resolução de diferendo entre progenitores sobre questão de particular importância, nos termos do artº 44º do RGPTC) e, por isso trata-se questão nova, inadmissível em recuso de reponderação; (ii) não foi abordada nas conclusões e, por isso, não integra o objecto do recurso.

Ora, se não fazia parte do objecto do recurso, não tinha que ser apreciada e decidida no acórdão. O mesmo é dizer que não existiu qualquer omissão de pronúncia e, por conseguinte, não se verifica a apontada/pretendida nulidade do acórdão.

Em suma: a nulidade do acórdão improcede”.


As razões da improcedência da arguição da nulidade por omissão de pronúncia resultam bem claras deste excerto do Acórdão: em primeiro lugar, a questão era nova e por isso, mais do que não ter o dever de a conhecer, o Tribunal recorrido não tinha poder de a conhecer, dado que os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e / ou revogação; segundo, a questão não foi abordada pela apelante nas conclusões de recurso e, não sendo tão-pouco de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), não integra o objecto do recurso (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).

Visto isto, não pode senão confirmar-se a decisão de improcedência da arguição de nulidade por omissão de pronúncia.


2.ª) Da alegada violação da lei

Como se viu, o Tribunal recorrido decidiu revogar a sentença e conceder autorização para a menor se deslocar para … para aí residir com a sua mãe.

No Acórdão recorrido expõe-se a seguinte fundamentação:

(…) havendo desacordo entre os progenitores acerca dessa questão de particular importância – a mudança de residência do menor para o estrangeiro acompanhando somente um dos progenitores – a decisão deve ser tomada tendo em conta o critério preponderante norteador da decisão judicial: o superior interesse da criança.

Trata-se de conceito jurídico indeterminado que tem um dupla funcionalidade: critério de controlo e critério de decisão.

Como critério de controlo, o superior interesse da criança permite vigiar o exercício das responsabilidades parentais, estabelecendo parâmetros da mínima intervenção do Estado em relação à família, legitimando-a apenas em casos de grave perigo para a saúde física e psíquica da criança como decorre, desde logo, dos artºs 36º nºs 5 e 6 e 69º nº 1 da CRP. Como critério de decisão, usado em casos de conflitualidade, delimita a análise objectiva que orienta do juiz sobre qual a solução que, em cada caso e em cada momento, mais convém ao menor. A análise, ponderação e decisão de qual seja, objectivamente, em cada caso, o interesse superior da criança, não pode passar por uma apreciação de todos os aspectos da vida desta e dos pais no sentido de tentar maximizar a sua felicidade. Essa análise da totalidade dos aspectos da vida do menor seria demasiado amplo, correndo o risco de desvirtuado do caso concreto e ser objectivamente e humanamente impossível. Dificilmente há situações ideais. Ora bem, como critério de decisão, em caso de desacordo e conflitualidade dos pais, o superior interesse da criança deve fazer apelo ao conceito de progenitor psicológico, expressão que apela à situação de continuidade, no dia-a-dia, de interacção, companhia, acção recíproca e mútua e que preenche as necessidades psicológicas e físicas da criança e do progenitor (Clara Sottomayor, Exercício do Poder Paternal, 2003, pág. 78, nota 59, apud Joana Salazar Gomes, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarada, 2017, pág. 61, nota 173).

No caso dos autos, facilmente se depreende que a mãe, requerente, é o progenitor psicológico da menor: sempre viveu com ela, mesmo depois da separação dos progenitores, tendo sido a ela quem foi confiada a guarda da criança. Esta circunstância é, como se referiu relevante, enquanto elemento critério de decisão, quanto à determinação do que constitui, no caso concreto, o que seja o superior interesse da criança: sem dúvida, que é do interesse superior da criança viver/residir com a mãe. Isso, não se discute nos autos.

Por outro lado, não há qualquer dúvida que este tribunal não pode impedir/dificultar a deslocação da mãe para ……. para se juntar ao seu actual companheiro. Uma decisão nesse sentido violaria o princípio da liberdade de deslocação e emigração estabelecido no artº 44º da CRP.

Portanto, e em jeito de 1ª conclusão: a mãe/requerente pode deslocar-se para …….. e ali estabelecer residência.

E o tribunal pode/deve autorizar que a menor acompanhe a mãe?

Vimos que a mãe é o progenitor psicológico da menor e concluímos (2ª conclusão) que é do seu superior interesse viver/residir com a mãe.

É evidente que a deslocação da menor para …… constituirá factor de dificuldade ou perturbação no direito de visitas ao pai. Mas essas dificuldades ou perturbações não podem servir de fundamento para não autorizar a deslocação da menor para ……….. Como se referiu, definir o que é melhor para os interesses de uma criança não pode significar uma análise de todos os aspectos da vida desta e dos pais. E, no caso, apenas tem de ser ponderado e analisado o que é melhor para o interesse superior da criança: se permitir que acompanhe a sua mãe, progenitor de referência, para …….. ou proibir essa deslocação a pretexto de dificuldades no regime de visitas ao pai não guardião.

Como é evidente, a resposta passa por perceber que a problemática do regime de visitas, enquanto direito do pai, não é incompatível com a deslocação da menor para o estrangeiro: o regime de visitas terá de ser revisto e adaptado em função dessa mudança de residência da menor para outro país. Aliás, estão pendentes processos de modificação/alteração e de incumprimento do regime de visitas.

Em jeito de 3ª conclusão: o interesse da menor em acompanhar o progenitor de referência para passar a residir com ele na ………. é preponderante e superior ao interesse de direito de visitas ao pai com que não convive. Esse direito de visitas tem de ser adaptado a essa nova realidade.

Ora bem, como refere Clara Sottomayor (Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, 6ª edição, pág. 320, apud Clara Emanuel Coelho Silva Fernandes, O Exercício das Responsabilidades Parentais Quanto às Questões de Particular Importância, dissertação de mestrado, Coimbra 2019, edição online, pág. 47) “…em caso de desacordo do progenitor não residente, só poderá impugnar a decisão desde que prove que a deslocação provoca um perigo para a segurança, saúde, desenvolvimento ou educação da criança nos termos do artº 3º da LPCJP e do artº 1918º do CC.”

No caso dos autos, não resulta provado que a deslocação da menor para o estrangeiro a fim de aí passar a residir com a sua mãe, progenitor de referência, acarreta perigo para o desenvolvimento, segurança e saúde da criança

Apesar de o tribunal recorrido ter considerado como não provado que o contrato de trabalho do padrasto da menor é renovável até 2023, entendemos que esse facto deve ser considerado como provado face ao teor do documento 2 (com tradução a fls 17 verso) ao depoimento do padrasto da menor, DD. e ainda conjugado com o documento junto com as alegações, do qual decorre que já aconteceu a primeira renovação do contrato até 30 de Abril de 2021. Esses meios de prova apreciados à luz das regras da experiência e da normalidade das coisas são de modo a permitir dar como provado o ponto a) dos factos não provados: O DD. tem contrato renovável anualmente até 2023.

Quanto aos ponto b) dos factos não provados.

Igualmente face aos depoimentos de DD. e da mãe da menor e ainda ao teor do documento junto com o requerimento inicial, resulta que no …….. a escola é obrigatória para as crianças, o que implica que tenha vaga na escola com direito a ter aulas de …….. (folhas 22 a 35, mormente fls 26).

Por conseguinte, dá-se como provado que: A criança tem vaga em escola da …… e direito a aprender ………..

Toda a restante factualidade afigura-se-nos irrelevante para a decisão deste incidente. Poderá ser relevante para efeitos de alteração do direito de visitas, o que deve ser ponderado e decidido nos incidentes já instaurados em apensos já existentes para o efeito e no âmbito dos quais já se procedeu a diversas averiguações e produção de prova.

Como é evidente, a mãe terá de comunicar ao pai e informar nos competentes processos relativos à regulação das responsabilidades parentais qual a morada completa onde irá fixar a sua residência e informar a escola em que a menor se matricular.

Em suma: procede o recurso e autoriza-se que a menor acompanhe a sua mãe a residir na ……”.

Como resulta das conclusões de recurso, o recorrente entende que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou diversas normas jurídicas, designadamente do CC e da CRP bem como da CDC.

Analise-se por grupos.


I) Da alegada violação dos artigos 1878.º, n.º 1, 1885.º, n.º 1, 1906.º, n.ºs 5, 6 e 7, do CC

O artigo 1878.º, n.º 1, do CC, sobre o conteúdo das responsabilidades parentais, determina que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.

O artigo 1885.º, n.º 1, do CC, sobre a edução, determina que “cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos”.

Finalmente, o artigo 1906.º do CC, sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, determina que:

(…)

5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

7 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

As primeiras normas referidas não são directamente relevantes para o thema decidendum no presente incidente de resolução de diferendo entre progenitores. Não se vê, pois, como poderiam sido violadas – e, na realidade, nem o recorrente o esclarece.

Quanto à norma do artigo 1906.º do CC, ela impõe, expressis verbis, nos n.ºs 5 e 7, o interesse da criança como o critério orientador prevalente da decisão judicial sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio ou separação dos progenitores. Ora, este foi o critério (critério de controlo e critério de decisão) que determinou o Tribunal a quo a decidir como que decidiu, pelo que existe plena harmonia entre a decisão e a lei aplicável. Foi justamente ponderando o superior interesse da criança que o Tribunal concluiu que a melhor decisão era a de a menor acompanhar a mãe para passar a residir com ela na …… (este interesse era superior ao interesse de direito de visitas ao pai com que não convive).

Improcede, portanto, a alegação de violação destas normas.


II) Da alegada violação dos artigos 36.º, n.ºs 1, 3 e 6, e 68.º, n.ºs 1 e 2, da CRP

Como decorre do excerto do Acórdão acima transcrito, o Tribunal recorrido considerou expressamente a lei fundamental, designadamente o disposto nos artigos 36.º, n.ºs 5 e 6, e 69.º, n.º 1, da CRP.

Em particular no que toca às normas do artigo 36.º, n.º 1, 3 e 6, e do artigo 68.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, referidas pela recorrente, verifica-se que nada aportam que constitua impedimento à decisão adoptada a final.

O artigo 36.º da CRP refere-se, nos números mencionados, ao direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade e aos direitos iguais dos cônjuges, nomeadamente quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos, e à proibição de separação dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

O artigo 68.º da CRP refere-se, nos números indicados pelo recorrente, ao direito de protecção dos progenitores pela sociedade e pelo Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos e ao facto de a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.

Como se disse, o Tribunal recorrido foi instado à ponderação do superior interesse da criança no caso de progenitores separados e decidiu autorizar a criança a acompanhar a sua mãe para fixar residência na … . Nenhum dos valores ou princípios tutelados, de forma directa ou reflexa, na lei fundamental e, em especial, nas normas indicadas foi posto em causa por esta decisão.

Improcede, em suma, a alegação de inconstitucionalidade.


III) Da alegada violação do artigo 11.º, n.º 1, da CDC

No artigo 11.º, n.º 1, da CDC garante-se que “[o]s Estados Partes devem adotar medidas para combater a transferência ilegal de crianças para o exterior e a retenção ilícita das mesmas fora de seu país”.

É indiscutível que a decisão do Tribunal da Relação …….. não determina, permite ou implica a transferência ilegal de crianças para o exterior nem a sua retenção ilícita no exterior.

Esta alegação carece, pois, de qualquer sentido.


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Em síntese, o Acórdão recorrido não encerra qualquer vício de ilegalidade, seja decorrente da nulidade da decisão, seja decorrente da violação das normas jurídicas invocadas pelo recorrente ou de qualquer outra.

A terminar, diga-se ainda uma palavra a propósito da alegação do recorrente de que a decisão recorrida levará à exclusão da competência dos tribunais portugueses nos termos dos artigos 8.º, n.º 1, e 9.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, e dos artigos 5.º e 7.º da Convenção de Haia relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de protecção das crianças, aprovada pelo DL n.º 52/2008, de 13.11 [cfr., em particular, a conclusão B)].

É verdade que, nos termos daquelas disposições, dentro de algum tempo, se nada se alterar, os tribunais portugueses deixarão de ser territorialmente competentes em matéria de responsabilidade parental, passando esta competência a ser dos tribunais do país onde a criança tem a sua residência habitual, ou seja, … Mas esta é uma consequência prevista – rectius: determinada – na lei, que decorre do facto de a menor ter passado a ter a sua residência habitual neste país. Ora, como fica demonstrado, a decisão judicial que está na base deste facto está em absoluta conformidade com a lei, pelo que não pode impedir-se que se produza este efeito.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pelo recorrente.



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Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano


Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo.

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[1] Presume-se que se trata do artigo 674.º, n.º 1, al. a), e e n.º 2, do CPC.
[2] Cfr. Acórdão do STJ de 30.05.2019 (Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S), já antecedido pelo Acórdão do STJ de 25.05.2017 (Proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S).
[3] Cfr. o mesmo Acórdão do STJ de 30.05.2019 (Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S).
[4] Cfr. sempre o Acórdão do STJ de 30.05.2019 (Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S).