Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1376/08.7TBBNV.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: HERANÇA
INVENTÁRIO
CABEÇA DE CASAL
OMISSÃO
DEVERES FUNCIONAIS
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CREDOR
DANOS PATRIMONIAIS
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO FALIMENTAR - PAGAMENTO AOS CREDORES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSOS ESPECIAIS / INVENTÁRIO.
Doutrina:
- A. Varela, Das Obrigações em Geral 2º ed., vol. I, p. 403.
- P. Lima e A. Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, 2.ª ed., anotação ao artigo 486.º.
- Vaz Serra, no BMJ nº 84, p. 108.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 486.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 176.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 1340.º, N.º2, AL. B), 1361.º.
Sumário :
I - Estando pendente um inventário na fase seguinte à da conferência de interessados e tendo chegado nessa altura ao conhecimento do cabeça de casal a existência de um crédito sobre a herança em partilha, incumbia ao cabeça de casal relacionar esse crédito a fim de aí ser considerado.

II - A violação dessa obrigação legal (art. 1340.º n.º 2 a1. b), do CPC em vigor à data) constitui o cabeça de casal em responsabilidade pelos danos decorrentes dessa omissão, nos termos dos arts. 483.º e 486.º do C. Civil.

III - Os danos daí resultantes são os correspondentes ao montante que o credor veria ressarcido do seu crédito, se o mesmo tivesse sido relacionado pelo cabeça de casal.

IV - E havendo uma situação de insolvência da herança, para quantificação dos danos do credor, nos termos do artigo. 1361 do Código de Processo Civil (em vigor à data dos factos – 2004 –) há que observar os trâmites do processo de falência, partindo do activo e passivo, aplicando ao pagamento dos credores relacionados no inventário a respectiva proporção, conforme determina o art. 176.º do CIRE.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - Relatório


Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de … CRL intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra AA e mulher BB pedindo a condenação dos RR no pagamento da quantia de € 60.601,30 acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal.


A A fundamenta o seu pedido alegando, em síntese:


Celebrou um contrato de mútuo com o pai do R e sogro da R e, na sequência do incumprimento pelo mutuário, a A ficou credora deste, pelo montante de € 13 248,07 a título de capital e € 47 136,63 a título de juros moratórios. Entretanto, face ao falecimento do mutuário, intentou acção contra o R. e a viúva do mutuário, com vista a cobrar aquele crédito, acção que terminou por absolvição da instância destes, por ilegitimidade passiva, por se ter entendido que a acção, enquanto património autónomo, respondia pelas dívidas do de cujus. Posteriormente intentou execução contra a herança do falecido mutuário, mas nada conseguiu cobrar aí, até à propositura desta acção.

Entretanto, no âmbito do processo de inventário por óbito do mutuário, o R., aí cabeça de casal, não relacionou o crédito da A e procedeu à venda dos três únicos bens imóveis recebidos, venda esta realizada para obstar a que a A impugnasse o acto por falta de efeito útil, efectuada por valor inferior ao real e, quanto a um dos imóveis, feita aos seus sogros. Por sua vez a R agiu em conluio com o R., com vista a receber no seu património o preço das vendas dos imóveis.

Conclui que o R, de forma ilícita e culposa, violou as suas obrigações legais, enquanto cabeça de casal, impossibilitando a A de reclamar os seus créditos no processo de inventário, lesando assim os interesses patrimoniais desta, que se vê impossibilitada de cobrar o crédito de que é titular, por inexistência de bens susceptíveis de penhora, actuando a R em conluio com ele, pelo que são responsáveis pelo pagamento da indemnização peticionada.


Devidamente citados contestaram os RR. pedindo, no que à economia do presente recurso diz respeito, a improcedência da acção e absolvição do pedido.

Estribam a sua defesa excepcionando a prescrição dos juros dos cinco anos anteriores à citação e na impugnação dos factos que a A alega, por não serem de seu conhecimento pessoal e quanto aos demais, alegam que o R, ao requerer inventário, visou definir o património hereditário e os limites da responsabilidade da herança perante os credores desta, assim como limitar a sua perante possíveis credores desconhecidos, sendo-lhe indiferente perante que credores a herança responderia. Esclarecem, depois, as circunstâncias em que o R. exerceu as funções de cabeça de casal, após o falecimento da sua mãe, anterior cabeça de casal, e nessa altura estava convencido que o “assunto” da A estava resolvido, pois era a informação que tinha recebido da sua mãe. Quanto ao produto da venda dos imóveis no inventário, foi integralmente destinado ao pagamento do passivo da herança, nada tendo sido beneficiada a R., pois, os RR são casados no regime de separação de bens. No que tange ao imóvel da herança vendido ao sogro do R., tal foi feito para evitar a sua venda judicial em hasta pública, tendo sido aquele a única pessoa que o aceitou adquirir ainda com registo de penhora pendente.


Concluem que o R cumpriu com as suas obrigações, no desempenho do cargo de cabeça de casal, relacionando o passivo que conhecia e a R em nada interveio nas decisões do R ou beneficiou delas e se a A se viu impossibilitada de cobrar o seu crédito deve-o à sua inércia pois durante sete anos e meio – entre a absolvição da instância e a propositura da acção executiva – nada fez para garantir ou peticionar o seu crédito.


Na réplica a A., além de pedir a improcedência das excepções, quanto à de prescrição por não estar a peticionar juros mas antes uma indemnização, conclui como na p. i.


Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, pela inexistência de nulidades e excepções dilatórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso, tendo-se julgado improcedente a excepção de ilegitimidade da R e relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição dos juros.


Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, com reclamação por parte da A, a qual foi deferida.


Prosseguindo o processo os seus regulares termos, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo a R e condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 10.233,73, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal desde 16.09.2003 e juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.


A Ré não se conformou e interpôs recurso de apelação para o Tribunal de Relação de Lisboa que, pelo Acórdão de fls. 442 a 455, revogou a sentença da 1ª instância e absolveu o R do pedido.


A A. não se conformando com esta decisão, interpôs recurso de revista para este Supremo.


Nas suas alegações a A. formula as seguintes conclusões:


1. - Mal andou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 3 de Abril de 2014, quando, tendo-se demostrado nos autos os pressupostos da obrigação de indemnizar, decidiu:

"Pelos fundamentos expostos, (acordam os Juízes que integram a 6ª Secção Cível deste Tribunal) em julgar procedente a apelação e, em consequência, decidem revogar a decisão recorrida, absolvendo o Réu do pedido."

2. - O Douto Tribunal da Relação não fez a melhor apreciação da prova produzida nos presentes autos e aplicação do Direito aos factos considerados provados nos autos, em clara violação do disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 6740 do CPC.

3. - Porquanto o critério para apreciar a culpa estribado na " diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" bem como o nexo de causalidade entre a omissão praticada e o danai prejuízo consubstanciado no não ressarcimento do crédito da Recorrida Caixa Agrícola sobre a herança de CC, encontra-se provado nos autos, pela análise critica de todos elementos factuais assentes que o Douto Tribunal da Relação erroneamente não valorou.

4. - Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.11.2010, processo nº 856/08.9TAOER:L 1 - a, in www.dgsi.pt:

"Os Tribunais superiores têm, justamente, chamado a atenção para esse condicionamento, pois é bem verdade que "a sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reações humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter uma concretização através do princípio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Quando a opção do julgador se centra em elementos diretamente interligados com o princípio da imediação (v.g., quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido em consequência da forma como foram produzidos), o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio" (acórdão do STJ de 19.12.2007, www.dgsj.pt."

5. - Ainda que tenha sido dado como não provado que o processo de inventário não tivesse apenas visado por a salvo o património da herança de CC, a omissão do acto de identificar os credores e relacionar o crédito da Recorrida Caixa Agrícola no processo de inventário é um acto que dá lugar à obrigação de reparar o dano, por parte do Recorrido AA porquanto este tinha por força da lei a obrigação de o praticar, após dele ter conhecimento, tendo por isso o Douto Tribunal da Relação violado o disposto nos arts 483 e 486 do C.C.

6. - Ao contrário do que defendeu o Douto Tribunal da Relação, a análise crítica da sequência dos factos reveste-se de fundamental importância na apreciação crítica dos factos e consequente aplicação do Direito.

7. - Tendo ficado provado nos autos que o Recorrido AA havia sido citado em 17.02.1997 no âmbito de processo judicial intentado pela Recorrente Caixa Agrícola para cobrança do crédito detido sobre o De Cujus seu pai, mal andou o Douto Tribunal da Relação quando desconsiderou que o apelo às " regras da experiência comum" e à análise crítica de toda a prova produzida nos autos - depoimento de parte, testemunhal e documental - era suficiente para se concluir, como se concluiu que o Recorrido sabia do crédito e não o relacionou" culposamente" no processo de inventário por si interposto uns dias depois dessa citação, como era seu dever.

8. - Mal andou o Douto Tribunal da Relação quando desconsiderou o motivo pelo qual tendo o De Cujus CC falecido em 19.07.1995, só após o Recorrido AA ter sido citado, em 17.02.1997 no âmbito da acção judicial para cobrança do crédito da Recorrida Caixa Agrícola, este se tenha decidido pela interposição de processo de inventário.

9. - Da cronologia dos factos dados como assentes, o Douto Tribunal da Relação deveria ter mantido a decisão recorrida, a saber:

  I - Em 19,07.1995 faleceu o pai do Recorrido AA;

II - Em 20.11.1996, a Recorrente Caixa Agrícola intentou a Acção Ordinária contra DD e o seu filho, ora Recorrido AA pela qual foi peticionado a condenação dos Réus ao pagamento do montante mutuado a CC, à data, liquidado em Esc.:5.895.264$00 /€29.405,45 (vinte e nove mil quatrocentos e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), a qual correu termos no 1° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Benavente, sob nº 320/96.

III - Nessa sequência em 17.02.1997, conforme documento n.05 junto com a Petição Inicial os Réus DD e o seu filho, ora Recorrido AA foram citados para contestar a referida acção intentada pela Recorrente Caixa Agrícola,

IV - Em 07.03.1997 na qualidade de herdeiro do referido mutuário CC, o Recorrido DD interpôs no Tribunal Judicial da Comarca de Benavente processo de Inventário por óbito de seu pai, o qual correu termos pelo 1° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Benavente sob o nº 86/97.

V.- Na pendência do processo de inventário, em 30/10/1998, faleceu DD, deixando como único herdeiro o seu filho ora Recorrido AA qual assumiu o encargo de Cabeça de Casal a Cumulação de Inventários ( aI. n." 1 do art°.1337 do C.P.C.) - cfr. Certidão de Óbito junta de fls.

VI.- Em 12.11.2004, o Recorrido AA foi citado no âmbito de nova acção, desta feita, executiva intentada pela Recorrida Caixa Agricola contra a herança de CC, pela qual peticionou o pagamento do seu crédito no montante de €13.248,07, acrescido de juros.

VII.- Escassos 14 dias de ter sido notificado da segunda acção intentada pela Recorrente Caixa Agrícola, em 26.11.2004 no âmbito do processo de inventário, o Recorrido impulsionou a venda por Escritura Pública dos últimos dois prédios pertencentes ao acervo hereditário, cfr. doc. 10 junto com a P.I. de fls. a saber:

  -o prédio urbano sito no Bairro …, freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob a ficha n. o …/ Samora Correia pelo preço de €5.000,OO

 -o prédio urbano silo no Bairro …, freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art. … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob a ficha ... o 3010/ Samora Correia pelo preço de €5.000,00

10. - Mal andou o Douto Tribunal da Relação quando desconsiderando as circunstâncias do caso concreto, não valorou a omissão praticada pelo Recorrido depois de ter sido citado judicialmente por duas vezes para os termos de acção intentada pela Recorrida Caixa Agrícola para pagamento do crédito por si detido perante a herança.

11. - Tendo ainda - ao arrepio de uma análise ponderada de toda a prova produzida nos autos ¬desconsiderado que à data em o Recorrido foi citado, ainda havia património no acervo hereditário, e mesmo assim, enquanto cabeça de casal, o Recorrido não cumpriu o seu dever de relacionar tal crédito - o que pela segunda vez não sucedeu !!

12. - Assim como mal andou o Douto Tribunal da Relação quando não valorou o preço pelo qual um dos imóveis foi vendido aos sogros do Requerido, ou seja, a (ração autónoma descrita sob a Letra "Gil pertencente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n, rr …- CI freguesia de Samora Correia cfr. doc. 9 junto com a P.f. de fls. pelo montante de ~ 39.903,83 (trinta e nove mil novecentos e três euros e oitenta e três cêntimos), muito abaixo do seu valor de mercado à data, é fazer tábua rasa da prova produzida nos autos.

13. - Assim como mal andou o Douto Tribunal da Relação quando fez tábua rasa da ata de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 23.04.2013, aquando do pedido de escusa por parte da Juiz de Direito Drª EE (Juiz de Direito do Círculo Judicial de Vila Franca de Xira), na qual se declarou expressamente ter o Recorrido AA pedido informações acerca dos seus direitos em matéria de heranças, passando a citar -se:

 "Ao dar início à presente audiência de julgamento, mais propriamente aquando da entrada na sala de audiências do réu a quem ia ser tomado o respetivo depoimento de parte, a signatária verificou tratar-se de pessoa que conhece há já alguns anos por haver mediado a aquisição da respectiva casa. Ora, ainda que não seja pessoa das suas relações próximas, recorda a signatária que há muitos anos atrás, provavelmente por causa de questões conexas com aquelas a que os presentes autos respeitam, o réu comentou em conversa com a signatária estar a atravessar um período difícil decorrente de problemas com dívidas do seu falecido pai, cuja responsabilidade estaria a ser pedida aos herdeiros, visando informar-se sobre esse assunto.

Assim sendo, a signatária entende que em face dessa conversa e atento o objecto da presente acção, poderá suspeitar-se da sua imparcialidade, razão pela qual irá solicitar ao Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a escusa de intervir nos presentes autos, em conformidade com o disposto no art. 126.°, nºs 1 a 3 do C.P.C., pedido que só nesta data formulará porquanto ao agendara presente audiência de julgamento a signatária não reconheceu o réu apenas pelo seu nome.  

14. - Com efeito, a conduta do Recorrido AA merece a reprovação do direito, pois, pela sua capacidade, por si e tendo pedido informações jurídicas a pessoas de elevada competência técnica, em face das circunstâncias concretas, só pode concluir-se que o Recorrido AA podia e devia ter agido de outro modo, nomeadamente relacionando o crédito da aqui Recorrente Caixa Agrícola no processo de inventário.

15. - Dúvidas não subsistem que considerando TODA a factualídade assente, a conduta do Recorrido AA configura um acto voluntário, ilícito e culposo, na medida em que nos termos do disposto nos da alínea b) do nº1 do artigo 1340° e nº2 o artigo 1345° ambos do CPC, em vigor à data dos factos, o mesmo estava obrigado, enquanto cabeça de casal a relacionar todos os créditos que integravam o passivo da herança do seu pai, pelo que, ao não fazê-lo de forma reiterada, cometeu um acto ilícito por omissão (artigo 4830 e 4860 do CC).

16. - A este respeito veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto 15 - 02 2009, in www.dgsi.pt.

A prática de um facto ilícito não ocorre apenas por acção, mas também por omissão, já que o art. 486º do Código Civil comina que "As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos quando, independentemente de outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido".

17. - Por outro lado, mal andou o Douto Acórdão da Relação quando fundamenta que:

  "Partindo também do facto de que o R. apenas ter sido absolvido da instância na referida ação interposta peja A., e de o R. nem ter contestado essa ação, estriba-se depois a decisão recorrida nas "regras da experiência comum" para concluir que "o Réu marido sabia que o crédito da Autora sobre a herança se mantinha válido.

Não podemos acompanhar esta fundamentação do tribunal a quo a qual parte desde logo de um pressuposto errado qual seja o de que a falta de contestação do R., na acção interposta pela Autora, é admissão do crédito desta.

Tal falta de contestação pode ser sido apenas uma estratégia processual, por o R. saber que sempre poderia recorrer duma eventual condenação, por não se ter conhecido oficiosamente da sua ilegitimidade passiva."

18. - Não pode o Douto Tribunal da Relação - que não assistiu ao DEPOIMENTO DE PARTE do Recorrido AA - levantar suposições de que os motivos pelos quais o Recorrido AA não contestou a acção intentada pela Recorrida poderia fundar-se em estratégia processual.

19. - Atente-se que o Tribunal a quo ouviu o depoimento de parte do Recorrido AA, tendo firmado a sua convicção pela prova produzida em sede de julgamento, e não em meras suposições como faz o Tribunal da Relação.

20. - Tal como expressamente consta da Decisão Recorrida, não foi tão só e de forma isolada a experiência do senso comum, foram os factos trazidos para o processo que firmaram a convicção do Douto Tribunal a quo, conforme se passa a citar:

"Considerando que o aqui Recorrido AA foi notificado dessa sentença de absolvição da instância e tendo o mesmo constituído mandatário, pelo menos no processo de inventário, como consta de fls. 264 e 265, não pode o mesmo alegar que não compreendeu o alcance desta decisão que não tinha a virtualidade de extinguir o crédito da aqui Recorrente Caixa Agrícola, mas tão só considerar que a eventual responsável pelo pagamento deste crédito era a herança e não os herdeiros.

Nem tão pouco se pode aferir que o Recorrido AA, é uma pessoa desconhecedora das leis, e que não tem noção do que estava em causa, antes pelo contrário é uma pessoa esclarecida e bem ciente dos mecanismos legais."

21. - O Douto Tribunal da Relação - não fez assim uma avaliação de todos os factos e documentos juntos aos autos, tendo -se limitado a fazer suposições genéricas e erróneas, desvirtuando toda a prova produzida em sede de julgamento, que o Recorrido AA - não impugnou!

22. - Face à factualidade vertida nos autos, não se pode assim aceitar o entendimento do Douto Tribunal da Relação quando refere que e passa a citar-se:

 "Realça-se que a culpa do "bónus pater famílias" deve ser apreciada "em face das circunstâncias de cada caso (cfr. artigo 4870 n. 02) e, in casu, a actuação da A. de inércia durante mais de sete anos após a absolvição da instância - aliás realce-se haver incumprimento do mútuo há mais de doze anos quando em 2004 a A. vem acionar a herança (ctr. n. o 23 da f.f.) é que não é de mo/de a concluir, pelas "regra de experiência comum", na manutenção do crédito. Antes pelo contrário, foi inércia é contrária á manutenção do crédito, em face das "regras de experiência comum." (sublinhado nosso)

23. - Este raciocínio poderia ser feito, se tivesse demonstrado nos autos que o Recorrido AA desconhecia a dívida perante a Recorrente Caixa Agrícola - o que não sucedeu!

24. - O facto da Recorrida Caixa Agrícola ter intentado duas acções judiciais para cobrança do mesmo crédito espaçadas entre si por sete anos não permite concluir, como concluiu, o Douto Tribunal da Relação, de modo totalmente irrazoável e incoerente, que" tal inércia da Recorrida é contrária à manutenção do crédito"

25. - Nem por si só desculpa o não cumprimento do dever de diligência por parte do cabeça de casal / Recorrido que, sabendo da existência do crédito, não o relacionou, provocando assim um dano à Recorrida Caixa Agrícola passível de ser indemnizável.

26. - Deste modo, impõe-se concluir que a atuação do Recorrido AA foi culposa porquanto, tendo em conta a sua capacidade de entendimento, o mesmo, em face das circunstâncias podia e devia ter atuado de modo diverso, nomeadamente relacionando o crédito da Recorrente Caixa Agrícola quando foi apresentada a Relação de Bens em 24 de Outubro de 2000 e posteriormente em 14 de Outubro de 2003, enquanto cabeça de casal.

27. - Assim como não relacionou o crédito, quando foi" recordado", pela citação que lhe foi efectuada em 12.11.2004, acompanhada de títulos executivos, no âmbito do processo executivo intentado pela Recorrente Caixa Agrícola, antes e reforçando o seu comportamento culposo, tratou de impulsionar a venda dos últimos dois imóveis ainda constantes do acervo hereditário por óbito de seu pai, sem que a Recorrida Caixa Agrícola fosse chamada a intervir no processo de inventário.

28. - Com esta conduta o Recorrido AA violou o disposto nº2 do art. 1345 e a!. b) do n." 1 do art". 1340 ambos do C.P.C. e impossibilitou a Recorrente Caixa Agrícola de reclamar os seus créditos no processo de inventário para ser paga pelo produto da venda dos bens que constituíram ao acervo hereditário de CC.

29. - Pelo que lesou os interesses patrimoniais da Recorrente Caixa Agrícola., que assim se viu impossibilitada de cobrar o crédito de que é titular, por inexistência de bens susceptíveis de penhora.

30. - Pelo que a Douta Sentença proferida pejo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo fez a melhor apreciação da prova produzida nos presentes autos e aplicação do Direito aos factos considerados provados nos autos.

31. - Com esta conduta o Recorrido AA violou o disposto nº 2 do art", 1345 e ai. b) do n." 1 do art". 1340 ambos do C.P.C. e impossibilitou a Recorrente Caixa Agrícola de reclamar os seus créditos no processo de inventário para ser paga pelo produto da venda dos bens que constituíram ao acervo hereditário de CC.

32. - Pelo que lesou os interesses patrimoniais da Recorrente Caixa Agrícola., que assim se viu impossibilitada de cobrar o crédito de que é titular, por inexistência de bens susceptíveis de penhora.

33. - Aliás resulta do próprio senso comum, das mais elementares regras de experiência e do entendimento do homem médio, que nenhuma outra conclusão se poderia retirar dos factos provados - se não aquela que o Tribunal a quo chegou.

34. - Pelo que Mal andou o Douto Tribunal da Relação quando decidiu revogar a Sentença proferida em 1ª Instância.


Nestes termos e nos do Douto suprimento deve dar-se provimento ao recurso, com todas as consequências legais inerentes, designadamente, revogando-se o Douto Acórdão recorrido e, em consequência, mantendo- se Sentença Proferida em 1ª Instância, assim se fazendo a tão costumada

JUSTIÇA.


O R apresentou contra- alegações, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO

           

A factualidade que vem dada como provada é a seguinte:


1. Em virtude da revogação da autorização de funcionamento da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL, tomada por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião de 12.12.2000, em 16.10.2002 foi outorgada no Cartório Notarial de Palmela escritura de transmissão universal de activos e passivos, através do qual a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL transmitiu para a autora a titularidade de todos os seus activos e passivos (Alínea A) dos Factos Assentes);

2. A autora tem como objecto o exercício e funções de Crédito Agrícola e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária que sejam instrumentais àquelas funções e lhe não estejam especialmente vedadas (Alínea B) dos Factos Assentes);

3. No âmbito da actividade referida em 2., em 2 de Dezembro de 1991 a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL, celebrou com CC, por escrito particular, um contrato denominado “empréstimo” cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 23-24 e cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, através do qual abriu a favor daquele um crédito de 3.070.548$00, equivalentes a € 15.315,83, após aprovação da proposta de crédito n.º … daquele CC, junta aos autos a fls. 25-26 e cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, em reunião de crédito de 28/12/1990 (Alínea C) dos Factos Assentes);

4. Em execução do contrato referido em 3., a autora entregou a CC, por crédito na conta de Depósitos à Ordem n.º 115, actualmente 58001191033, o montante de 3.070.548$00, equivalentes a € 15.315,83 (Alínea D) dos Factos Assentes);

5. Para o empréstimo referido em 3. foi convencionado o pagamento de juros à taxa de 26% ao ano, com vencimento mensal (Alínea E) dos Factos Assentes);

6. Das Condições Gerais do contrato referido em 3. consta, além do mais, o seguinte:

  “10.9. No caso de mora do(s) mutuário(s) na amortização do empréstimo, incidirá sobre o respectivo montante, a contar do vencimento e até ao pagamento, a taxa de juro nominal referida em 6.1. acrescida da sobretaxa de 2% ou da que estiver legalmente estabelecida para a mora.

10.10. No caso de incumprimento pelo(s) mutuário(s) de qualquer das suas obrigações, vencer-se-á automaticamente toda a dívida, tornando-se consequentemente exigível e em mora tudo o que constituir crédito da CCAM e perdendo o(s) mutuário(s) o direito à bonificação dos juros em dívida” (Alínea F) dos Factos Assentes);

7. À data de 2 de Junho de 1992, o juro contratual devido era de 19,6% ao ano e CC havia pago à autora a quantia de € 2.067,76 por conta de capital, não lhe tendo pago pelo menos os juros remuneratórios que se tinham vencido no período compreendido entre 02/05/1992 e 02/06/1992, no montante de € 216,60 (Alínea G) dos Factos Assentes);

8. CC faleceu em 19 de Julho de 1995, deixando como únicos herdeiros a mulher, DD e o réu marido, conforme resulta da escritura de habilitação de herdeiros junta aos autos a fls. 28-31, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido (Alínea H) dos Factos Assentes);

9. Em 20 de Novembro de 1996, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL, intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra DD e o réu marido, na qual peticionava a condenação dos aí réus ao pagamento do montante mutuado a CC, à data liquidado em 5.895.264$00, equivalentes a € 29.405,45, a qual correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente sob o n.º 320/96 (Alínea I) dos Factos Assentes);

10. DD e o ora réu marido foram citados para a acção referida em 9 em 17 de Fevereiro de 1997 (Alínea J) dos Factos Assentes);

11. Por despacho proferido em 15 de Julho de 1997 no processo referido em 9., os aí réus DD e AA foram absolvidos da instância por ilegitimidade passiva, conforme documento de fls. 262 e 263 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea L) dos Factos Assentes e facto provado por certidão conforme o artigo 607.º, n.º 4, do CPC));

12. Em 7 de Março de 1997, o réu marido, na qualidade de herdeiro de CC, interpôs no Tribunal Judicial de Benavente processo de inventário por óbito deste, o qual correu termos pelo 1.º Juízo sob o n.º 86/97, fazendo constar do requerimento inicial que aceitava a herança a benefício de inventário, conforme certidão de fls. 264 e 265 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea M) dos Factos Assentes e facto provado por certidão conforme o artigo 607.º, n.º 4, do CPC e facto provado por certidão conforme o artigo 607.º, n.º 4, do CPC));

13. Na pendência do processo de inventário, faleceu, em 30 de Outubro de 1998, DD, deixando como único herdeiro o ora réu marido, o qual assumiu o encargo de cabeça-de-casal no mesmo inventário (Alínea N) dos Factos Assentes);

14. O réu marido prestou compromisso de honra de bom desempenho da sua função de cabeça-de-casal no inventário referido em 12 em 19 de Maio de 2000 e em 24 de Outubro de 2000 apresentou relação de bens, que foi objecto de rectificação, tendo em 14 de Outubro de 2003 apresentado nova relação de bens e em 19 de Outubro de 2004 sido realizada a conferência de interessados, conforme documentos de fls. 171 a 191 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea O) dos Factos Assentes e facto provado por certidão conforme o artigo 607.º, n.º 4, do CPC));

15. Aquando da apresentação da relação de bens rectificada referida em 14. e da realização da conferência de interessados, o réu marido não relacionou qualquer crédito da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL ou da autora, nem informou os autos da existência de tal crédito (Alínea P) dos Factos Assentes);

16. Em 11 de Janeiro de 2000, por escritura de habilitação de herdeiros e de compra e venda exarada a fls. 43 e segs. do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 167-F do Segundo Cartório Notarial de Vila Franca de Xira e cuja certidão se mostra junta aos autos a fls. 42-45, o réu marido vendeu a FF e GG a fracção autónoma designada pela letra C, destinada a habitação correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Avenida do …, n.º …, freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob a ficha … de Samora Correia, que se encontrava onerada por penhora, pelo preço de 8.000.000$00, correspondente a € 39.903,83 (Alínea Q) dos Factos Assentes);

17. Em 26 de Novembro de 2004, por escritura de compra e venda exarada a fls. 90 e segs. do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º …-A do Cartório Notarial de Dr.ª HH, em Vila Franca de Xira e cuja certidão se mostra junta aos autos a fls. 46-50, o réu marido vendeu a II o prédio urbano sito no Bairro …, freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob a ficha … de Samora Correia, pelo preço de € 5.000,00 e o prédio urbano sito no Bairro …, freguesia de Samora Correia, concelho de Benavente, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob a ficha … de Samora Correia, pelo preço de € 5.000,00 (Alínea R) dos Factos Assentes);

18. Os imóveis referidos em 16. e 17. foram os únicos bens imóveis relacionados no inventário referido em 12. (Alínea S) dos Factos Assentes);

19. FF e GG são sogros do réu marido e pais da ré mulher (Alínea T) dos Factos Assentes);

20. Em 23 de Junho de 2004, a autora instaurou contra a herança de CC, representada pelo ora réu marido, execução que corre seus termos no 1.º Juízo deste Tribunal sob o n.º 810/04.0TBBNV, cujo título executivo foi o escrito particular referido em 3., na qual peticiona o pagamento do capital em dívida no montante de € 13.248,07, acrescido de juros vencidos desde 12/11/1999 até efectivo e integral pagamento, na qual nada foi cobrado até à data de entrada em juízo da presente acção (Alínea U) dos Factos Assentes);

21. O réu marido foi citado para a execução referida em 20 em 12 de Novembro de 2004 (Alínea V) dos Factos Assentes);

22. Os réus são casados entre si no regime de separação de bens (Alínea X) dos Factos Assentes);

23. Em 2 de Junho de 1992, CC deixou de efectuar os pagamentos previsto no contrato referido em 3. (resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória);

24. Até à data de entrada em juízo da petição inicial e para além do montante de € 2.067,76 referido em 7., nada mais havia sido pago à autora (resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória);

25. O réu procedeu à venda descrita em 16. para obter o valor necessário para satisfazer os créditos de Miraldo e Perdigão, Empal e Metalúrgica do Vouga sobre a herança (resposta ao artigo 10.º da Base Instrutória);

26. E para evitar a venda do mesmo imóvel em hasta pública (resposta ao artigo 11.º da Base Instrutória);

27. FF foi a única pessoa que aceitou adquirir a fracção autónoma referida em 16. (resposta ao artigo 12.º da Base Instrutória).



            Apreciando:


Estamos perante uma acção com base na responsabilidade extracontratual fundada nos arts. 483 e 486 do C. Civil.

A questão que nela vem fundamentalmente colocada consiste em saber se em processo de inventário, a omissão do acto de identificar os credores da herança aí em causa e que levou, no caso dos autos, à falta de relacionação do crédito da, aqui, Autora, Caixa de Crédito Agrícola de Samora Correia CRL constitui à luz daqueles preceitos legais obrigação de reparação dos danos, estes traduzidos no crédito que a A aqui reclama dos RR.

 

Esta questão não pode ser resolvida sem considerar o circunstancialismo fáctico- processual ocorrido.


Vejamos.


No âmbito da sua actividade a, aqui, Autora, celebrou com CC, por escrito particular, um contrato denominado “ empréstimo”( fls. 23/24), através do qual abriu a favor daquele um crédito de 3.070.548$00 , equivalentes € 15.315,83( C);

Em execução desse contrato a autora entregou a CC, por crédito na conta de depósitos à ordem nº … actualmente … o montante de 3.070.548$00 equivalentes a € 15.315,83.(D);

Em 20/11/1996 a A intentou a acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra DD e o R AA, na qual peticionava a condenação dos aí réus ao pagamento do montante mutuado, à data liquidado em 5.895.264$00 equivalente a € 29.405,45, a qual correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente sob o nº 320/96.

 I);

DD e o ora réu marido foram citados para a acção referida em I) em 17 de Fevereiro de 1997.(J)

DD e o R AA por despacho proferido nessa acção em 15 de Julho de 1997 foram absolvidos da instância por ilegitimidade passiva.(L);

Em 7 de Março de 1997, o réu marido, na qualidade de herdeiro de CC, interpôs no Tribunal Judicial de Benavente processo de inventário por óbito deste, o qual correu termos pelo 1º Juízo sob o nº 86/ 97, fazendo constar do requerimento inicial que aceitava a herança a benefício de inventário, conforme certidão de fls. 264 e 265 (facto elencado sob o nº12)

Na pendência do processo de inventário, faleceu em 30 de Outubro de 1998, DD, deixando como único herdeiro o ora, réu marido, o qual assumiu o encargo de cabeça de casal no mesmo inventário .( 13)

O R marido prestou o seu compromisso de honra de bom desempenho da sua função de cabeça de casal em 19 de Maio de 2000 e em 24 de Outubro de 2000 apresentou a relação de bens, que foi objecto de rectificação, tendo em 14 de Outubro de 2003 apresentado nova relação de bens e em 19 de Outubro de 2004 sido realizada a conferência de interessados ( 14)

Aquando da apresentação da relação de bens rectificada e da realização da conferência de interessados, o réu marido não relacionou qualquer crédito da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de … ou da autora , nem informou os autos da existência de tal crédito

A autora instaurou em 23 de Junho de 2004 a autora instaurou contra a herança de CC, representada pelo ora, réu marido, execução que correu termos no 1º Juízo do Tribunal sob o nº 810/04-TBBNV, cujo título executivo foi o escrito particular referido em c) na qual peticiona o pagamento do capital em dívida no montante de € 13.248,07 acrescidos dos juros desde 12.11.199 até efectivo e integral pagamento, na qual nada foi cobrado até à data de entrada em juízo da presente acção.(U)

O réu marido foi citado para a execução referida em U) em 12 de Novembro de 2004 (V)


Dispõe o art. 483 do C. Civil que aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

São exigíveis conforme decorre do citado normativo vários requisitos para impor ao lesante a responsabilidade de indemnizar por factos ilícitos.

Como é sabido é necessário que haja facto voluntário do agente, que esse facto seja ilícito; que haja nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei advenha um dano e, finalmente que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima( cfr. Prof A. Varela, Das Obrigações em Geral 2º ed. vol..I pag. 403)..

No caso dos autos não há dúvidas que o R, enquanto cabeça de casal no inventário, não relacionou o crédito que a autora vem por este meio reclamar.

E nessa medida poder-se-á dizer que existe violação das suas obrigações, como cabeça de casal, ao não relacionar o crédito da autora no inventário que estava pendente desde 1997.

Existe aqui uma clara violação de uma obrigação legal (cfr. art. 1340 nº 2, al. b) do CPC em vigor à data dos factos)..

E essa omissão traduzida no não relacionamento do crédito da autora, não pode deixar de ser imputável ao cabeça de casal e que segundo os elementos trazidos ao processo podia e devia ter tido outro comportamento no inventário, nomeadamente quando soube da reclamação da autora pela via da execução, da qual teve conhecimento em 12.11.2004.

Ainda estava bem a tempo de relacionar o crédito no inventário, pois, a conferência de interessados tinha ocorrido apenas a 19 de Outubro de 2004, sendo que essa omissão sempre era susceptível de influir decisivamente o mapa de partilha, que também ainda não tinha ocorrido.

Uma coisa é certa quando o R faz a venda referida em 17, (26.11.2004), já tinha seguramente conhecimento da reclamação do crédito pela via da citação para a execução ocorrida em 12.11.2004. e, pelo menos aí devia ter dado conhecimento ao inventário da existência do crédito da autora para aí ser considerado.

Todo este circunstancialismo revela que o R podia e devia ter agido de outro modo como cabeça de casal e nessa medida teve culpa nesse comportamento.


Embora se verifique todos os apontados requisitos da responsabilidade por facto ilícito, importa no entanto, averiguar a existência do nexo de causalidade entre aquela omissão do Ré e o dano reclamado pela autora.

Na verdade, o art. 486 do C Civil não dispensa o elemento causal, genericamente exigido pelo citado art. 483 do mesmo diploma. A finalidade daquele normativo é tão só o de esclarecer que as omissões podem juridicamente ser havidas como causa de um facto danoso, sem dispensar, porém a prova de que o acto omitido teria obstado com certeza ou com maior probabilidade ao dano ( Prof. Vaz Serra no BMJ nº 84 pag. 108).

Como dizem também os Profs. P. Lima e A. Varela em Anotação in C. Civil vol. I 2ª ed. ao citado artigo “Para que haja indemnização exige-se que haja obrigação de agir, de praticar o acto omitido. E é necessário também, nos termos do art. 563, que haja entre a omissão e o dano um nexo de causalidade; deve tratar-se de um dano que provavelmente se não teria verificado se não fosse a omissão” (Anotação ao art. 486 dos Profs. P. Lima e A. Varela in C: Civil vol. I  2º ed.).


Em relação á prova do nexo de causalidade a matéria de facto não deixa dúvidas de que se o crédito da Autora tivesse sido relacionado no inventário receberia, como se disse na 1ª instância, “a quantia relativa ao seu crédito ou pelo menos parte dele e os danos não se teriam produzido pelo menos na dimensão que ocorreram.”


Por último e no que concerne quantificação do dano, importava aferir, como se referiu na 1ª instância, qual o montante que a autora veria ressarcido do seu crédito, caso o mesmo tivesse sido relacionado pelo R marido.

E nesse domínio não merece censura o critério utilizado pela 1ª instância, quando partindo do activo da herança e do passivo, este aditado do crédito da autora ( note-se que havia uma situação insolvência da herança e segundo o art. 1361 do CPC em, vigor à data dos factos, havia que observar os termos do processo de falência que se mostrassem adequados) aplicou a respectiva proporção  na base do art. 176 do CIRE e  encontrou o valor de € 10.233,73.

 

Em conclusão:


1 - Estando pendente um inventário na fase seguinte à da conferência de interessados e tendo chegado nessa altura ao conhecimento do cabeça de casal a existência de um crédito sobre a herança em partilha, incumbia ao cabeça de casal relacionar esse crédito a fim de aí ser considerado.

2 - A violação dessa obrigação legal (art. 1340 nº2 al. b) do CPC em vigor á data) constitui o cabeça de casal em responsabilidade pelos danos decorrentes dessa omissão, nos termos dos arts. 483 e 486 do C: Civil.

3 - E os danos daí resultantes são os correspondentes ao montante que o credor veria ressarcido do seu crédito, se o mesmo tivesse sido relacionado pelo cabeça de casal.

4 - E havendo uma situação de insolvência da herança, para quantificação dos danos do credor, nos termos do art. 1361 do CPC (em vigor à data dos factos-2004) há que observar os trâmites do processo de falência, partindo do activo e passivo, aplicando ao pagamento dos credores relacionados no inventário a respectiva proporção, conforme determina o art. 176 do CIRE.



III - Decisão:


Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes em conceder a revista, revogando o Acórdão recorrido, para subsistir a sentença da 1ª instância.


Custas pelo R e recorrente esta na proporção do seu decaimento


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 04 de Dezembro de 2014



Tavares de Paiva (Relator)


Abrantes Geraldes


Bettencourt de Faria