Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
187/13.2TBPRD.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SILVA GONÇALVES
Descritores: TRANSACÇÃO
TRANSAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
NULIDADE
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
CASO JULGADO MATERIAL
EFEITOS DA SENTENÇA
RECURSO DE REVISÃO
REVISÃO
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1998, Almedina, 250.
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. 2.º, 2.ª ed., 354.
- Miguel Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», B.M.J. 325.º, 49 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 195.º, 247.º, 1248.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 290.º, N.ºS 3 E 4, 291.º, N.ºS 1 E 2, 581.º, 619.º, N.º1, 621.º, 696.º, AL. D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21.03.2013.
Sumário :
I - A declaração de nulidade da transação não compromete a validade da sentença homologatória (transitada em julgado) que a consolidou.

II - Prevalecendo sobre a sentença que anulou a transação, esta sentença homologatória de transação prossegue na produção dos seus efeitos e porfia em ter força de caso julgado material enquanto não for jurisdicionalmente invalidada; só a procedência da sua revisão extraordinária faz desmerecer a sua autoridade jurisdicional.

III - Tomando em consideração que os pedidos que na presente ação correspondem aos pedidos formulados no processo n.º 394/99 (depois passou a ter o n.º 588/99) são, apenas, os formulados sob as als. a) a d) (cfr. 1.ª parte relatório e al. I) dos factos provados), dúvidas não temos de que, no tocante ao pedido genérico de indemnização formulado sob a al. c) - 2.ª parte, terá o processo de o prosseguir, depois de comprovada a autorização da comissão de credores.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Massa Falida da Sociedade de Construções AA, Lda” intentou a presente ação, com processo ordinário, contra BB e mulher CC, pedindo que, na procedência da ação, seja:

a) - proferida sentença que declare transmitida para a A., em execução específica do contrato promessa de compra e venda que celebrou com os RR em 30/09/88, a propriedade do prédio sito no lugar de …, freguesia de Cristelos, concelho de Lousada, inscrito na respectiva matriz no artigo 49… urbano e não descrito na Conservatória do Registo Predial, cujo preço integralmente lhes pagou;

- subsidiariamente, para a hipótese de assim se não entender, e designadamente se considerar que esse contrato promessa está ferido de invalidade, sendo insuscetível da execução específica peticionada em sede principal,

b) - declarado que a A. adquiriu, por acessão industrial imobiliária, a propriedade desse prédio, no qual construiu, à sua custa e com autorização dos RR, um edifício de cave, rés do chão, dois andares, anexos e logradouro, de valor muito superior ao que o prédio tinha antes, correspondente ao preço que a Autora por ele pagou aos Réus, inscrito na respectiva matriz urbana de Cristelos no artigo 60…, atualmente submetido ao regime da propriedade horizontal e composto por 16 frações autónomas, designadas de “A” a “Q”;

- em qualquer caso,

c) - condenados os Réus a entregarem à A, o mencionado prédio e a pagar-lhe a indemnização que se liquidar em execução de sentença.

d) - ordenado o cancelamento de todos os actos de registo de loteamento e anexações efectuadas pelos RR na Conservatória do Registo Predial de Lousada do prédio atualmente ali descrito sob o n.º 00142/060192, bem como de todos os registos, respetivos averbamentos e inscrições dos prédios nascidos daquelas desanexações, designadamente os n.ºs 00228, 00229, 00230, 00231, 00232, 00233 e 00234/210596.”

e) - ser declarado que a A. não ficou vinculada pelo denominado “Contrato Promessa de Venda e Permuta” celebrado em 07/10/92 entre os RR e um sócio gerente da A. que não tinha poderes para representar a Autora apenas com a sua intervenção e assinatura;

f) - declarado que, com inteiro conhecimento e autorização dos RR, a A construiu em terreno pertencente a estes, e que faz parte do prédio rústico inscrito no artigo 434 da freguesia de Cristelos, que se encontrava descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00142/060192, dois edifícios no regime de propriedade horizontal, ainda omissos à matriz, sendo um de cave, rés do chão, dois andares, anexos e logradouro, constituído por 29 frações autónomas, designadas de “A” a “AE”, e um outro edifico de cave, rés do chão, dois andares e logradouro, constituído por 4 frações, designadas de “A” a “D”, tendo tais edifícios o valor de 400.000,00 Euros, e o terreno dos RR valor inferior a 100.000 Euros;

g) - declarado que a A. tem o direito de adquirir a propriedade do aludido prédio dos RR com os edifícios que nele construiu, por força dos princípios da acessão industrial imobiliária, pagando aos RR o valor que o terreno tinha antes da incorporação, em montante não superior a 100.000,00 Euros;

h) - se assim se não entender, condenados os RR a pagar à Autora a quantia de 400.000,00 Euros, valor das benfeitorias por ela realizadas com a construção dos dois citados edifícios por ela ali construídos.”


Alega, em síntese, que os RR não cumpriram o contrato promessa de 30.09.88, tendo a A. pago a totalidade do preço, pedindo a sua execução específica.

Subsidiariamente sustenta que adquiriu por acessão o prédio prometido vender, onde construiu novo prédio. Por outro lado, alega não estar vinculada ao contrato promessa de permuta de celebrado em 07.10.92 entre os RR e um sócio gerente da A. que não tinha poderes para a representar e ter adquirido por acessão os três edifícios que construiu, tendo tais edifícios o valor de €400.000,00 e o terreno dos RR valor inferior a €100.000, propondo-se pagar esse valor ou receber a quantia de € 400.000,00, a título de benfeitorias.

 

Os Réus contestaram, arguindo as exceções da ineptidão da petição, da incapacidade e irregularidade de representação da A, da ilegitimidade passiva e do caso julgado, pugnando pela improcedência dos aludidos pedidos.


A A. replicou, pugnando pela improcedência das arguidas exceções.


No saneador foram julgadas improcedentes a arguida nulidade da petição e a exceção da irregularidade da representação da A.

Contudo foi julgada procedente a exceção da autoridade do caso julgado quanto aos pedidos formulados nas als. d) a g) da petição e prejudicado o conhecimento da exceção de ilegitimidade passiva.


De seguida foi a ação julgada improcedente quanto aos pedidos formulados nas als. a) a c).


Inconformada, desta sentença apelou a autora para a Relação do Porto que, por acórdão de 19.05.2016 (cfr. fls. 1236 a 1256), decidiu assim:

 - Julga-se a apelação improcedente quanto aos pedidos formulados sob as als. e) a h) e mantém-se a decisão recorrida que absolveu os RR da instância quanto aos mesmos. Confirma-se também a absolvição dos RR dos pedidos formulados sob as als. a), b) e c) 1.ª parte (pedido de entrega do prédio) e prejudicado o formulado na al. d).

- Julga-se a apelação procedente quanto ao pedido genérico de indemnização formulado sob a al. c) - 2.ª parte e revoga-se o saneador/sentença na parte em que o julgou improcedente e ordena-se o prosseguimento do processo quanto a este pedido, depois de comprovada a autorização da comissão de credores, nos termos atrás referidos.


Desagradada, recorre agora para este Supremo Tribunal a ré CC, que alegou e concluiu pelo modo seguinte:

1. A excepção de caso julgado constitui, como diz a lei (art. 577, i) CPC), uma excepção dilatória que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objectivo de evitar que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva.

2. Confrontado com tal situação, o tribunal deve abster-se de conhecer do fundo da causa. É isso que, de resto, visa a excepção de caso julgado: que o julgador se abstenha de conhecer do mérito da causa, como é próprio dos efeitos das excepções dilatórias.

3. A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira posição, como pressuposto indiscutível da primeira decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.

4. O Acórdão recorrido, ao ordenar o prosseguimento do processo quanto ao pedido genérico de indemnização formulado sob a al. c) - 2.ª parte, pretende que se proferida uma decisão de mérito sobre tal questão.

5. Ora, o Acórdão do STJ de 6 de março de 2008, cuja cópia consta de fls. 464 a 471 (proc. n.º 588/99) destes autos, proferido em acção que correu entre as mesmas partes na presente acção, decidiu que o litígio entre as partes que esteve na origem da acção n.º 204/95, que depois passou a ter o n.º 588/99, está definitivamente solucionado nos termos das cláusulas do contrato de transação que absorveu.

6. E uma das cláusulas dessa transacção/sentença homologatória é que se a A. (ali Ré) não cumprisse no prazo previsto todas as obrigações que naquela transacção assumida, pagará aos RR (ali AA) uma indemnização de Esc. 1.500.000$00 (um milhão quinhentos mil escudos) e perde todos os direitos resultantes do contrato promessa bem como as obras, edifícios e benfeitorias realizadas em todos os lotes, ficando expressamente excluída a acessão. (C) n.º 13 da factualidade documentalmente provada com interesse para a decisão do caso julgado).

7. Ou seja, se a A. não cumprisse no prazo previsto todas as obrigações que naquela transacção assumia, para além de ter que pagar aos RR uma indemnização de Esc. 1.500.000$00, perdia as obras, edifícios e benfeitorias realizadas em todos os lotes, nos quais se incluía o constituído pelo terreno que tinha sido objecto do contrato promessa de 30.09.88 registado sob o n.º 00234/210596.

8. Pelo que, tendo ficado consignado na sentença homologatória de transacção que se a A. não cumprisse no prazo previsto todas as obrigações que naquela transacção assumia, para além de ter que pagar aos RR uma indemnização de Esc. 1.500.000$00, perdia as obras, edifícios e benfeitorias realizadas em todos os lotes, é incontroverso que viola a autoridade de caso julgado formado pela aludida sentença homologatória a apreciação do pedido constante da alínea c) 2.ª parte do petitório (os RR pagarem à A. indemnização a liquidar em execução de sentença) pois o objecto da primeira decisão (pagamento de Esc. 1.500.000$00 aos RR a título de indemnização e perda a seu favor das obras, edifícios e benfeitorias realizadas em todos os lotes) constitui questão prejudicial na segunda acção (os RR pagarem à A. indemnização a liquidar em execução de sentença).

9. Ou seja, a questão do incumprimento do contrato promessa de 30.09.88 e eventual direito a indemnização está coberta pela autoridade do caso julgado formado na sentença homologatória de transacção do proc. 588/99 a qual já dá por incumprido por parte da A. o contrato promessa de venda e permuta de 7.10.92 no qual se incluiu o lote correspondente ao terreno objecto do contrato promessa de 30.09.88.

10. Ocorre por isso a excepção de autoridade de caso julgado que impede a apreciação de mérito relativamente ao pedido constante da alínea c) 2.ª parte do petitório.

11. Pelo que, revogando-se o Acórdão recorrido e proferindo-se acórdão que acolhendo as conclusões supra julgue verificada a excepção de autoridade de caso julgado e nessa medida absolva os RR do pedido constante da alínea c) 2° parte do petitório, se fará justiça.


A “Massa Falida da Sociedade de Construções AA, Lda” recorrida não contra-alegou.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A Relação considerou documentalmente provada com interesse para a decisão da questão do caso julgado a seguinte factualidade:

A) - Os aqui RR. intentaram, em 06.10.1995, no então Tribunal de Círculo de Paredes, ação declarativa de condenação, com processo ordinário, aí registada sob o n.º 204/05, da 5ª Secção (que passou a ter o nº 588/99, com a extinção do Tribunal de Círculo), contra Sociedade de Construções AA, L.da, alegando, em síntese que, sendo donos de um prédio rústico inscrito na matriz sob o nº 434, entretanto transformado em vários lotes de construção urbana com os respectivos alvarás, por contrato-promessa de venda e permuta celebrado em 7 de outubro de 1992 com a Ré, prometeram ceder-lhe determinados lotes, tendo-se a Ré comprometido, em troca, a construir e a entregar aos Autores, em determinado  prazo, todas as frações construídas no lote nº 5, à exceção do r/c desse edifício, que seria constituído por cave, r/c e 1º andar e da satisfação de outras condições previstas no contrato, alegando ainda que a Ré não cumpriu o contratado, pelas razões que explanaram no respectivo articulado.

Pediram se condenasse a Ré a ver resolvido o contrato promessa de 7 de outubro de 1992, com a consequente perda a favor dos AA de todas as benfeitorias realizadas nos lotes, a reconhecer o direito de propriedade dos AA do terreno identificados em 4 da petição inicial, bem como todas as benfeitorias identificadas em 58 do mesmo articulado, e a pagar-lhes (aos AA.) a quantia de Esc. 1.500.000$00, acrescida de juros à taxa legal anual de 15% desde a citação até integral pagamento - cfr. cópia da p. i. junta a fls. 335 a 347 dos autos.

B) - Nessa ação a Ré contestou pedindo a sua improcedência (cf. fls. 385 a 390);

C) - Em 14 de março de 1996, intervindo pelos AA o Ex.mo mandatário judicial, e, pela Ré, o sócio-gerente DD na qualidade de representante legal da Ré, acompanhado da sua Ex.ma mandatária judicial, as partes declararam, que transigiam e punham fim à ação, mediante a recíproca aceitação das cláusulas que consignaram, nos termos constantes de fls. 396 a 399 destes autos, que se transcrevem:

“1ª - a Ré ( Sociedade de Construções AA L.da) obriga-se a tapar e vedar todos os locais do edifício construído no lote número cinco por onde se infiltravam humidades, impermeabilizando-o.

2ª- A Ré obriga-se a colocar no exterior do edifício construído no lote número cinco as tampas nas caixas de água.

3ª - A Ré obriga-se a fazer todas as obras no lote número seis que se mostrassem necessárias a evitar que as águas pluviais escorressem e se acumulassem junto da cave e no logradouro do lote número cinco.

4ª - A Ré obriga-se a colocar o portão e energia eléctrica na garagem do edifício construído no lote número cinco.

5ª - Para acesso desde a Estrada Municipal ao lote número sete, AA (BB e mulher) e Ré constituem por uma faixa de terreno no lado Este do lote número quatro uma servidão de passagem para pessoas e veículos automóveis com a largura de 5,50 m, iniciando-se tal faixa na Estrada Municipal correndo na direcção Norte-Sul ao longo da extrema

Este do lote número quatro e terminado no lote número sete sempre com a largura de 5,5 m, incluindo o espaço entre a garagem do lote número quatro e a estação elevatória.

6ª - A Ré obriga-se a colocar as caixas do correio no edifício construído no lote número cinco.

7ª - A Ré obriga-se a requerer e instalar a baixada eléctrica no edifício construído no lote número cinco.

8ª - A Ré obriga-se na distribuição das garagens do lote número seis a atribuir ao Padre EE as três primeiras garagens imediata e sucessivamente contíguas ao lote número cinco.

9ª -A título de compensação e indemnização decorrente do deficiente cumprimento do contrato promessa celebrado em 07 de outubro de 1992 por parte da Ré, os lotes primeiro e segundo não seriam objecto de permuta ficando e continuando propriedade dos AA.

10ª - A Ré obriga-se a marcar e celebrar com os AA as escrituras de constituição de propriedade horizontal e permuta de todas as fracções construídas no lote número cinco, à excepção do r/c e do r/c direito do edifício construído no lote número seis, devendo para o efeito efectuar todos os registos e demais diligências prévias que se mostrassem necessárias a realização de tais escrituras, obrigando-se os AA a assinar todos do documentos necessários a estes fins.

11ª – São da conta da Ré todas as despesas com o alvará de loteamento e respectivas infraestruturas, escrituras de constituição de propriedade horizontal e permuta, respectivos registos, contribuição autárquica desde 1991, sisa e IRS (por mais-valias) que resultassem do negocio vertido no contrato promessa, quer fossem anteriores ou posteriores à permuta.

12ª - Todas as obrigações, assumidas pela R nas cláusulas anteriores deviam ser cumpridas ate ao dia 30 de Junho de 1996.

13ª - Se a Ré não cumprir no prazo previsto todas as obrigações que naquela transacção assumida, pagará aos AA (aqui RR) uma indemnização de Esc. 1.500.000$00 (um milhão quinhentos mil escudos) e perde todos os direito resultantes do contrato promessa bem como as obras, edifícios e benfeitorias realizadas em todos os lotes, ficando expressamente excluída a acessão.  

14ª – As custas em divida a juízo (…)”

D) - O Mm° Juiz de Círculo homologou essa transacção, "nos precisos termos", por sentença de 19 de Março de 1996 - fls. 400 -401.

E) - Tendo aquela sentença homologatória transitado em julgado, a R. Sociedade de Construções AA L.da interpôs, por apenso àquela ação ordinária, recurso extraordinário de revisão de sentença (apenso nº 204/B/95), nos termos do art. 771°, al. e), e visando os efeitos previstos no art. 776°, al. c) (ambos do C. Proc. Civil, na redação então vigente, anterior à reforma de 1995/96), intentando a sua revogação, sob a alegação de que na realização da transação interveio em sua representação um único sócio-gerente sem poderes para vincular nesse ato a sociedade, pois que no respectivo pacto social se exigia a assinatura de dois sócios, sendo, por isso, nula a transação, vindo, após resposta dos aí recorridos, a proferir-se sentença, em 22.05.1998, que julgou improcedente o recurso de revisão, fundamentalmente por haver sido interposto extemporaneamente e se verificar a excepção de caducidade - cf. fls. 403 a 417.

F) - Essa decisão foi confirmada pela Relação, tendo transitado em julgado em 6 de Dezembro de 2001; 

G) - Por apenso à execução instaurada pelos referidos AA, contra a R Sociedade Construções AA L.da com base na aludida transação homologada (como título executivo), esta deduziu contra aqueles embargos de executada (proc. nº 588-C/1999), vindo aí a obter sentença, em 15 de julho de 1998, a qual, julgou nula a citada transação (celebrada na Ac. Ordinária nº 204/95) e procedentes os embargos, por falta de poderes de representação do único sócio que nela interveio em representação da R.

Sentença essa que foi confirmada pela Relação e Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 15.10.2002, transitado em julgado, em 30.10.2002 - cfr. cópia da sentença de 15.07.98. a fls. 418 a 445 dos autos, estando o acórdão do STJ de 15.10.2002 transcrito na decisão recorrida a fls. 1100 a 1115.

H) - Na sequência da anulação da transação, a ação declarativa (processo este que passou a ter o nº 588/99, prosseguiu os seus termos com prolação de despacho saneador e elaboração de base instrutória, tendo sido produzida prova e realizada audiência de julgamento. (cf. doc. s de fls. 459 e 460). Porém, antes de proferir a sentença, em 19.01.2007, o Sr. Juiz da 1ª instância, entendeu que, por ter sido proferida sentença homologatória da transação, e que esta tinha transitado em julgado, tendo sido julgado improcedente o recuso de revisão extraordinário, estava esgotado o poder jurisdicional, tendo ordenado o arquivamento dos autos (cf. fls 461 e 462).

Essa decisão foi revogada pela Relação do Porto, que ordenou o prosseguimento da ação. Os aí AA, ora RR, agravaram para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual por acórdão de 6 de março de 2008, cuja cópia consta de fls. 464 a 471 destes autos, concedeu provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida para valer a da 1.ª instância.



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1. Na ação declarativa n.º 588.99/5.ª Secção/Tribunal de Círculo de Paredes (anteriormente identificada como ação ordinária n.º 204/95), os autores BB e mulher CC (aqui réus) demandaram a “Sociedade de Construções AA, L.da” pedindo que se condenasse a ré a considerar resolvido o contrato promessa de 7.10.1992; a ré contestou o pedido e rogou a sua improcedência.


Esta ação terminou com especificada transação, homologada pelo Juiz e transitada em julgado.

Em recurso extraordinário de revisão de sentença, interposto pela ré “Sociedade de Construções AA, L.da”, foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso de revisão, decisão que foi confirmada pela Relação.


Todavia, por apenso à execução que os autores, com fundamento na aludida transação homologada (título executivo), moveram contra a ré “Sociedade Construções AA, L.da”, deduziu esta executada embargos de executado (proc. n.º 588-C/1999); e, por falta de poderes de representação do único sócio que nela interveio em representação da ré, neste processo de embargos de executado foi decidido julgar nula aquela transação, celebrada na ação ordinária n.º 204/95 (depois ação declarativa n.º 588/99), a qual foi confirmada pela Relação e transitou em julgado.

    

Na sequência da declaração de nulidade da transação, a ação declarativa n.º 588/99 prosseguiu os seus termos com prolação de despacho saneador e elaboração de base instrutória; mas, o Sr. Juiz da 1ª instância, entendendo que, por ter sido proferida sentença homologatória da transação estava esgotado o seu poder jurisdicional, ordenou o arquivamento dos autos.

Tendo esta decisão sido derrogada pela Relação do Porto - que ordenou o prosseguimento da ação - o Supremo Tribunal de Justiça, contudo, revogando a resolução tomada pela Relação, repôs a validade da decisão da 1.ª instância.


Não obstante a transação, realizada na ação n.º 588/99/5.ª Secção /T/C de Paredes, ter sido judicialmente declarada nula, o que vamos apreciar e decidir na revista é, tal e qual esta temática foi também abordada pela Relação, averiguar quais os efeitos da anulação da transação judicial incidentes sobre a sentença que a homologou.


A Relação ajuizou que - aquiescendo no entendimento enunciado pela 1.ª instância - a causa não pode prosseguir os seus termos quanto aos pedidos constantes das alíneas e), f), g) e h) da petição.

Confirmou também a absolvição dos réus dos pedidos formulados sob as als. a), b) e c)/1.ª parte (pedido de entrega do prédio) e prejudicado o formulado na al. d).


Não obstante isto, quanto ao pedido genérico de indemnização formulado sob a al. c) - 2.ª parte) da petição - condenação dos réus a pagar à autora a indemnização que se liquidar em execução de sentença - a Relação não lhe reconheceu a autoridade de caso julgado e ordenou o prosseguimento do processo quanto a este pedido.


É contra esta determinação que a ré CC se insurge; para a recorrente/ré ocorre a exceção de autoridade de caso julgado também quanto a este pedido - o constante da alínea c), 2.ª parte, do petitório.


Vejamos o que temos a dizer sobre esta problemática.



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I. A transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita - a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões - art. 1248.º, n.º. 1, do Cód. Civil.
 

Ao homologar tal acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram.

A exigida exigência da presença do Juiz na homologação da transacção faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva; não toma, porém, o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado.

Ora, se é assim, a decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos (art.º 195.º do C.Civil).[1]

Neste contexto terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz, ao homologá-la, jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação".[2]

    

    Assumindo a transação judicial a natureza jurídica de um autêntico contrato, há-de ela incluir-se no regime legal acomodado para o regime geral dos negócios jurídicos (artigo 217.º e segs. do C.Civil), designadamente é permissível que se apure se, em especificada transação, ocorreu erro na declaração que a materializou, nos termos e pelo modo como está doutrinado e condensado nos artigos 247.º do Cód. Civil - quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.


II. Defronte de uma resolução jurisdicional, já transitada em julgado, havemos nós de dela retirar estes dois e evidentes desfechos jurídicas quanto aos efeitos que desta situação de caso julgado hão-de reverter: a “exceção dilatória de caso julgado” e a “autoridade de caso julgado”.


A “excepção de caso julgado” tem como objetivo que seja acautelada uma nova e desnecessária decisão noutra ação, prevenindo do ponto de vista processual que apareça uma renovada demanda; impõe a lei como pressuposto desta salvaguarda a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.

   

A “autoridade de caso julgado” consubstancia a aquiescência de uma decisão proferida noutra ação anteriormente proposta e inserida no mesmo objeto daquela que está em julgamento; visa obstar a que a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra decisão, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581.º do C.P.Civil.

Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (Prof. Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado; vol. 2.º, 2.ª ed., pág. 354, citado no Ac. STJ de 21.03.2013 - Relator EE Rodrigues).


Quer isto dizer que, porque o exige a segurança do direito, o trânsito em julgado da sentença homologatória da transação faz impor a obrigatoriedade da decisão assim corporizada, dentro e fora do processo onde tal determinação jurisdicional se materializou, por força do estatuído e com o alcance prescritos no artigo 619.º do C.P.Civil.

Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos - J. J. GOMES CANOTILHO; Direito Constitucional e Teoria da Constituição; pág. 250, 1998, Almedina.

III. Realcemos a este propósito que o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transacção não obsta a que se intente acção destinada à declaração da sua nulidade ou à sua anulação, sem prejuízo da caducidade do direito a esta última - art. 291.º, n.º 2, do C.P.Civil.

Foi isto, exatamente, o que sucedeu com a transação concretizada na ação declarativa n.º 588.99/5.ª Secção/Tribunal de Círculo de Paredes e que ora analisamos: por falta de poderes de representação do único sócio que nela interveio em representação da ré, a pedido da executada no processo de embargos de executada, que a “Sociedade Construções Lousadense L.da” deduziu contra os exequentes/autores, foi julgada nula aquela transação celebrada.


Tendo na devida conta que transitou em julgado a sentença que homologou aquela pormenorizada transação (improcedeu o recurso extraordinário de revisão interposto contra esta sentença) e, por isso, perdura a força de caso julgado material que nela se concentra, o que, racionalmente, havemos de questionar e solucionar é a questão de saber o que é que juridicamente resulta da declaração de nulidade desta transação em relação à sentença que a homologou.

 

Numa primeira abordagem que desta problemática façamos, precocemente somos levados a considerar que, se é nula a transação também o será a sentença que a comportou, ou seja, que a nulidade da transação retirou à sentença que a homologou a autoridade de caso julgado.


Mas esta primeira impressão só aparentemente assim nos é evidenciada.

Ponderando melhor o regime legal proposto para a homologação judicial da transação (artigos 291.º, n.º 1, 696.º, al. d), 619.º, n.º 1 e 621.º, todos do C.P.Civil), circunstanciadamente apreendemos que a declaração de nulidade da transação não interfere com a validade da sentença homologatória que a havia consolidado; prevalecendo sobre a sentença que anulou a transação, a sentença homologatória da transação prossegue na sua autoridade quanto à produção dos seus efeitos decisórios e, enquanto não for jurisdicionalmente invalidada, porfia em ter força de caso julgado material.

Só na procedência da sua revisão extraordinária se poderá fazer desmerecer a sua autoridade jurisdicional.


Então, uma vez que a transação judicial e a sentença judicial onde a primeira se integra, genericamente se não confundem jurídico-substancialmente, o passo a seguir para apurar se a autoridade de caso julgado foi violada no acórdão recorrido é, interpretando os termos e o alcance referentes ao que as partes efetivamente se vincularam na transação, de seguida desvendar quais os expressos pontos constantes deste ajuste judicial que se identificam com a resolução tomada na decisão impugnada.


Não se verifica a violação de autoridade de caso julgado quando as cláusulas incluídas na transação se distanciam do que foi decidido na sentença decretada contra a recorrente.

É que, porque “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” (tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat) - n.º 1 do art.º 621.º do C.P.Civil, não há violação da autoridade de caso julgado se não há oposição entre o pedido formulado numa ação e a decisão prolatada na demanda que se lhe antecedeu.

A autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior - Prof. Miguel Teixeira de Sousa; O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material; BMJ 325.º, pág. 49 e segs”.


Ora, se é assim, tomando em consideração que os pedidos que na presente ação correspondem aos pedidos formulados no processo n.º 394/99 (depois passou a ter o n.º 588/99) são, apenas, os formulados sob as als. a) a d) (cfr. 1ª parte relatório e al. I) dos factos provados, dúvidas não temos de que, no tocante ao pedido genérico de indemnização formulado sob a al. c) - 2.ª parte, terá o processo de o prosseguir, depois de comprovada a autorização da comissão de credores, como proficientemente confirma a Relação.


Assinalemos que, contrariamente ao que assevera a recorrente, a condenação dos réus a pagarem à autora a indemnização que se liquidar em execução de sentença não está em contradição com o eventual pagamento de Esc. 1.500.000$00 aos réus a título de indemnização e perda a seu favor das obras, edifícios e benfeitorias realizadas em todos os lote.


Concluindo:

1. A declaração de nulidade da transação não compromete a validade da sentença homologatória (transitada em julgado) que a consolidou;

2. Prevalecendo sobre a sentença que anulou a transação, esta sentença homologatória de transação prossegue na produção dos seus efeitos e porfia em ter força de caso julgado material enquanto não for jurisdicionalmente invalidada; só a procedência da sua revisão extraordinária faz desmerecer a sua autoridade jurisdicional;

3. Tomando em consideração que os pedidos que na presente ação correspondem aos pedidos formulados no processo n.º 394/99 (depois passou a ter o n.º 588/99) são, apenas, os formulados sob as als. a) a d) (cfr. 1.ª parte relatório e al. I) dos factos provados, dúvidas não temos de que, no tocante ao pedido genérico de indemnização formulado sob a al. c) - 2.ª parte, terá o processo de o prosseguir, depois de comprovada a autorização da comissão de credores.


Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


Custas pela recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça, 7 de dezembro de 2016.

Silva Gonçalves (Relator)

António Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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   [1] "A sentença de simples declaração e a de condenação, nada mais fazem do que declarar a vontade da lei no caso concreto. A diferença está, não no acto do Juiz, mas na diversidade da relação jurídica sobre que incide" (Ac. do S.T.J. de 28.05.1991; B.M.J.; 407.º; pág. 448).

  [2] Ac. do S.T.J. de 28.07.1994; C.J.; II; Tomo 2 - 1994; pág. 166.