Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2200/08.6TBFAF-A.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
EMENDA À PARTILHA
ÓNUS DA PROVA
ERRO
CONHECIMENTO
DECURSO DO TEMPO
PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTO CONSTITUTIVO
FACTO EXTINTIVO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
PODERES DA RELAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: BAIXA DOS AUTOS À RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTO DA REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, p. 406, 407 e 684;
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 391 e 392;
- João António Lopes Cardoso em Partilhas Judiciais, Teoria e Prática, Volume II, p. 431;
- Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, Volume 3.º, Tomo I, 2.ª Edição, p. 163.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 6.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 18-10-2018, PROCESSO N.º 3499/11.6TJVNF.G1.S2, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-01-2007, IN COL. JSTJ, 2007, TOMO I, P. 36.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 20-11-2014, PROCESSO N.º 1878/11.8TBPFR.P2, IN WWW.DGSI.PT.

Sumário :
I – Segundo o art. 46º da LOSJ, o STJ apenas conhece de matéria de direito, ressalvadas as exceções previstas na lei; na mesma linha vão os arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2 do CPC, estabelecendo o primeiro que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, e impondo o segundo a definitividade da decisão proferida pela Relação quanto à matéria de facto, ficando ressalvada a possibilidade de o STJ a alterar no caso excecional previsto na primeira das referidas normas.

II – A intervenção do STJ no campo dos factos justifica-se apenas nas situações excecionais em que se está perante erros de direito que, por natureza, integram o objeto da competência do Supremo.

III – Sendo as declarações de parte de livre apreciação pelo tribunal, podem determinar, por si sós, a convicção do julgador, sem necessidade de corroboração por outros meios de prova.

IV – A exigência de corroboração das declarações de parte por algum outro meio de prova, tal como a prevalência tendencial de juízos de apreciação caraterizados pela imediação proporcionada pela oralidade, não é mais do que um critério de avaliação da prova que o juiz poderá seguir, mas que a lei não impõe.

V – “Facto” é “(…) um acontecimento ou circunstância do mundo exterior ou da vida íntima do homem, que pode reportar-se ao passado ou ao presente, e deve estar concretizado, definido no espaço e no tempo, apresentando-se no processo com as características de objecto, seja de alegação processual, seja de prova feita em juízo”.

VI – Abrange as ocorrências concretas da vida real e, também, o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas; neste conceito cabem acontecimentos do mundo exterior e os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo.

VII – Na ação para emenda de partilha incumbe ao autor, por ser facto constitutivo do seu direito, a prova de que o conhecimento do erro é posterior à sentença homologatória da partilha; diversamente, a demonstração do decurso do prazo de um ano sobre esse conhecimento fica a cargo do réu por se tratar de matéria de exceção perentória.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I - Em 16.2.2012 AA e sua mulher BB intentaram contra CC, DD, EE e mulher FF, GG e marido HH, II e marido JJ, KK e mulher LL, MM e marido NN, OO e mulher PP, por apenso ao processo de inventário instaurado por óbito de QQ e RR, uma ação declarativa, pedindo que:

- se declare que a descrição da verba nº 1 da relação de bens apresentada no referido processo de inventário contém um erro de facto porque o respetivo prédio ocupa uma área global de 1662 m2, conforme planta topográfica junta, dele fazendo parte um logradouro no qual se localizam o tanque e as fossas da casa, várias oliveiras, ramadas com videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro;

- se proceda, em conformidade, à emenda da partilha celebrada no mesmo inventário.

Alegaram, em síntese nossa, que, ao pretenderem tomar posse da referida verba nº 1, que lhes foi adjudicada, foram impedidos de o fazer quanto a construções e plantações existentes no seu logradouro; tal oposição foi feita pelos réus GG e HH, que sustentam que o logradouro onde se acham tais construções e plantações faz parte de uma outra verba – a nº 4 – que lhes foi adjudicada.

Estes réus contestaram.

Excecionaram a caducidade do direito dos autores e apresentaram a sua versão dos factos, pedindo a absolvição do pedido.

Veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Apelaram os autores, tendo sido proferido acórdão no Tribunal da Relação de Guimarães que alterou a decisão proferida sobre os factos e julgou a ação procedente, ordenando a consequente emenda à partilha.

Os réus GG e HH interpuseram recurso de revista contra tal acórdão, tendo apresentado alegações onde pedem:

- a sua revogação e substituição por outro que repristine na totalidade a sentença da 1ª instância, mormente na parte relativa à factualidade dada como provada;

- que, a manter-se a operada alteração da decisão proferida sobre os factos, se conheça da nulidade do acórdão recorrido e se julgue verificada a exceção de caducidade do direito dos autores à emenda da partilha.

Formularam, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever[1]:

1 - O presente recurso vem interposto do douto Acórdão que, na procedência do recurso da Apelação interposto pelos Autores, revoga a douta decisão proferida na Ia instancia e, por via disso, julga procedente a ação de emenda à partilha instaurada ao abrigo do disposto no artigo 1387° do Código de Processo Civil em vigor naquela data.

2 - O Tribunal a quo procedendo à reapreciação da matéria de facto, alterou parte do ponto 1.5, e deu como provados os pontos 1.3, 1.4 e 1.13 do acervo de facto considerado não provado pela Ia instância, com o que não se concorda.

3 - A referida alteração da matéria de facto, nos pontos de facto referidos, foi feita por o Tribunal a quo considerar que as declarações de parte do Autor AA conjugadas com as declarações da testemunha QQ, seu filho, permitiam tal alteração.

4 - Acontece que na opinião dos réus/recorrentes os pontos 1.3, 1.4 e 1.13 não podiam ter sido dados como provados, pelo Tribunal a quo, um vez que a sua inclusão resulta da errada aplicação da lei do processo, mormente da relevância que o Tribunal deu ao depoimento de parte do Autor e que não podia nem devia ter sido dada.

5 - Assim, nos pontos 1.3, 1.4 e 1.13 o Tribunal a quo deu como provado que:

"1.3. O prédio descrito na verba n° l compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro.

1.4. Nunca, em especial no decurso de várias reuniões efectuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada.

1.13. Os Autores não teriam aceitado a adjudicação do prédio constante da verba n° 1 sem o logradouro e as construções integrantes melhor descritas em 1.3."

6 - Ora, lendo o Acórdão recorrido verifica-se que a alteração da matéria de facto teve por base o Auto de Inspeção e nas declarações de parte do Autor AA, bem como no testemunho de seu filho QQ, uma vez que a curta referencia aos depoimentos prestados pela ré II, pela testemunha SS e TT, diz-nos que os mesmos não depuseram sobre os aludidos pontos da matéria de facto.

7 - No caso em apreço, sabe-se que o cerne da questão está em apurar se na partilha ficou acordado entre todos os interessados se os anexos, as oliveiras e a ramada integram a casa de habitação (prédio da verba n° 1) ou se integram as leiras da cerdeira (prédio da verba n° 4), uma vez que ambos os prédios, bem como os anexos, a ramada, o terreno de logradouro e as leiras da cerdeira, faziam parte da herança dos inventariados, pais do Autor marido e da Ré GG, e por eles eram usados, sem quaisquer restrições e para os fins a que se destinavam.

8 - Ora, do Acórdão recorrido extrai-se que a matéria de facto inserida nos números 1.3, 1.4 e 1.13 foi dada como provada com base, única e exclusivamente, nas declarações de parte do Autor marido e da testemunha QQ, seu filho, pois que nenhuma outra testemunha ou documento foram apresentados por forma a corroborar tais declarações.

9 - Acontece que por mais credíveis que fossem as declarações de parte do Autor, a verdade é que as mesmas não poderiam nem podem ser tidas como um meio de prova, muito menos quando desacompanhadas de qualquer meio de prova que as corrobore, uma vez que as declarações de parte não podem valer como prova de factos favoráveis à parte. Neste sentido vide Ac. Rei. Porto de 20.11.2014 (disponível em www.dgsi.pt.

10 - De resto, não se pode olvidar o que a respeito escreveu o réu ... no requerimento que juntou aos autos a fls. 472 documento esse que não foi impugnado por nenhuma das partes, mas que o Tribunal recorrida não atendeu.

11 - Deste modo, verifica-se que o Venerando Tribunal da Relação errou na aplicação que fez dos preceitos legais em apreço, mormente do disposto no artigo 662° do Código de Processo Civil.

12 - Por outro lado, pelas razões expostas no corpo destas alegações, não foram alegados nem provados factos tendentes a identificar o logradouro que no dizer dos Autores fazia parte do prédio da verba numero 1 dos autos de Inventário, quer quanto à sua configuração, área e respetivas construções nele edificadas, sabendo-se como se sabe, que com a mencionada verba confinavam e confinam outros prédios rústicos que de igual modo faziam parte do acervo hereditário e que naqueles autos foram partilhados.

13 - Além disso, entendem os réus recorrentes que os números 1.3., 1.4 e 1.13 não contêm factos concretos, mas apenas e tão-só conclusões.

14 - De facto, dizer-se que "o prédio descrito na verba n° 1 compreende o tanque,..." sem se identificar a área concreta e limites do dito prédio (tendo em conta que os Autores alegaram uma determinada área do prédio, mas que não ficou provada, e alegaram determinados limites, com referencia a um levantamento topográfico que juntaram aos autos, mas que também não ficaram provados), é o mesmo que nada dizer, já que a respetiva resposta constitui, ela própria, a solução da questão jurídica [Neste sentido cfr. Ac. da Relação do Porto de 27/01 /2009, proc. 0827885, disponível in www.dgsi.pt/jtrp]

15 - Assim torna-se evidente que a matéria dos pontos 1.3 e 1.4 e 1.13 não podia ter a formulação conclusiva que lhes foi dada.

16 - Este mais Alto Tribunal podendo apreciar a bondade da decisão de facto, próprio sensu é-lhe lícito contudo - por se tratar já de matéria jurídica - verificar se determinada proposição, retida como facto provado, reflecte (indevidamente e em que medida) uma questão de direito ou um juízo de feição conclusiva ou valorativa, [cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2015, disponível em www.dgsi.pt]

17 - Em conformidade, devem os pontos 1.3. 1.4 e 1.13 serem excluídos da factualidade assente por a sua inclusão violar as regras do direito processual probatório.

18 - Ademais, da factualidade provada no número 1.2 resulta que o prédio descrito na verba n° 1, da respetiva relação de bens constitui uma "uma casa de habitação, com área coberta de 166m2 e 51 m2 de logradouro, ...".

19 - Ora, no artigo 8o da petição inicial os Autores alegaram que o prédio da verba n° 1 tinha uma área total de 1.062 m2 e não a área de 217m2 (correspondentes á soma dos 166 m2 de área coberta com dos 51 m2 de logradouro). Para além disso, no artigo 9o da mesma peça processual alegaram que o mencionado prédio compreende o tanque e fossas, várias videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro.

20 - Este concreto ponto consta do elenco dos factos não provados inseridos na douta sentença proferida em Ia Instância, sendo que sobre este facto o Tribunal recorrido não se pronunciou.

21 - Entendem os recorrentes que sem dar este concreto facto como provado, não podia o Tribunal da Relação considerar que o prédio da verba n° 1 da descrição da verba n° 1, compreende o tanque e fossas, várias videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro, uma vez que é precisamente nessa área que o tanque, as fossas, a garagem, o alpendre a corte e o canastro/espigueiro se encontram implantados.

22 - Por tudo o exposto não concebe nem concede que se entenda ser de manter o entendimento do Tribunal recorrido quanto à alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal da Ia instância.

23 - Em boa verdade, mostram-se violados o disposto nos artigo 466°, 662° ambos do Código de Processo Civil,

24 - Assim, seja qual for o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça sobre a modificação da matéria de facto introduzida pelo Tribunal da Relação, não pode considerar-se que na descrição do prédio da verba número I da relação de bens passem a constar as construções enunciadas no ponto 1.3, concretamente o tanque e fossas, várias videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro.

25 - Deve, pois, o douto Acórdão impugnado ser revogado e substituído por outro que mantenha, na sua totalidade, a matéria de facto dada como assente na douta sentença da Ia instância.

26 - E, por decorrência, deve revogar-se o douto Acórdão impugnado substituindo-o por outro que mantenha, na sua totalidade, a douta sentença da Ia Instancia, mormente, na parte em que procede à emenda à partilha, tudo com as legais consequências.

27 - Embora sem conceder, mas caso se entenda ser de manter o entendimento do Tribunal da Relação quanto à alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal da Ia instância, devia o Tribunal recorrido ter apreciado e decidido a invocada exceção da caducidade do direito dos Autores de emenda à partilha.

Ora,

28 - Nos precisos termos do artigo 1387° do Código de Processo Civil, "Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em ação proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença."

29 - No caso que nos ocupa, resulta da factualidade dada como assente que no incidente do próprio processo de inventário não houve acordo dos interessados para que se procedesse à emenda à partilha, daí os Autores/recorridos terem instaurado a presente ação.

30 - De igual modo, resulta dos factos provados pelo Tribunal recorrido (Cfr. pontos n° 1.5 e 1.13) que houve erro por parte dos Autores e que os mesmos tiveram conhecimento desse mesmo erro em Novembro de 2009.

31 - Também resulta provado que a sentença homologatória do mapa de partilha (proferido nos autos de inventário a que os presente autos estão apensos) transitou em julgado em 29/09/2009 (cfr. ponto 1.2 dos factos assentes) e que a presente ação deu entrada em Tribunal em 16/02/2012 (cfr. ponto 1.12 dos factos assentes).

32 - Donde, havendo erro, tal como defende o douto acórdão recorrido, o seu conhecimento por parte dos Autores/recorridos, já tinha mais de um ano aquando da propositura da presente ação.

33 - Desta feita, se os Autores/recorridos tiveram conhecimento do erro em Novembro de 2009, quando deram entrada da presente ação em tribunal em 24/12/2012 já há muito que se mostrava ultrapassado o prazo de um ano previsto no artigo 1387° do Código de Processo Civil.

34 - Portanto, o pedido formulado pelos Autores/recorridos, a ter fundamento, está caduco.

35 - A omissão de pronúncia verificada no douto acórdão recorrido, gera a nulidade prevista na alínea d) do 615° do CPC.

36 - No caso que nos ocupa, ainda que por mera razão de raciocínio se admita que o douto acórdão proferido não mereça reprovação no que se refere à pretendida alteração da matéria de facto, o Tribunal recorrido tinha obrigação de se debruçar sobre a invocada exceção da caducidade, uma vez que a sua procedência dependia da prévia procedência do pedido formulado pelos Autores/recorridos na petição inicial.

37 - Assim sendo, o douto Acórdão recorrido padece do apontado vício da nulidade previsto na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC ex vi do disposto no artigo 674° do CPC, o que deve ser apreciado e decidido em conformidade com o alegado, isto é, julgando procedente a invocada exceção da caducidade.

Nas contra-alegações apresentadas, defendeu-se a improcedência do recurso.

A Relação pronunciou-se no sentido da inexistência da nulidade invocada pelos recorrentes.

Cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas pelos recorrentes nas conclusões que formularam, ou seja, as de saber se:

- Ao julgar como provados os factos nºs 3, 4 e 13, o Tribunal da Relação fez errada aplicação da lei do processo (conclusões 2ª a 11ª);

- Esses pontos não têm natureza factual, sendo constituídos por conclusões de natureza jurídica (conclusões 12ª a 17ª); 

- Não podia o facto descrito sob o nº 3 no acórdão recorrido ser julgado como provado sem se ter julgado também como provado o facto tido como não provado na sentença e aí descrito sob o nº 2.2 (conclusões 18ª a 22ª);

- O acórdão padece da nulidade de omissão de pronúncia que os recorrentes lhe atribuem (conclusões 23ª e segs.)

   II - Para melhor análise da matéria de facto fixada, e uma vez que o acórdão recorrido deu procedência à impugnação deduzida contra a decisão proferida sobre os factos, importa atentar no julgamento que destes se fez em 1ª instância.

Foi ele o seguinte:

1. FACTOS PROVADOS

1.1. Pelo … Juízo do Tribunal de … correu termos o inventário n.º 2200/08.6TBFAF, em que foram inventariados QQ e RR;

1.2. Inventário no qual por sentença datada de 2 de Julho de 2009, foi homologado o mapa de partilha que, além do mais, formalizou a adjudicação aos autores do prédio descrito na verba n.º 1, da respetiva relação de bens: casa de habitação, com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de UU e do Poente com herdeiros de UU, não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. 183, com o valor patrimonial de 35.000,00 euros;

1.3. Os autores quiseram tomar posse do prédio supra descrito, em Novembro de 2009 e foram impedidos pelos Réus GG e marido HH de o fazer em relação ao logradouro que se situa por trás da casa e onde se localizam: o tanque da casa, fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro;

1.4. A pretexto de que tais construções não fazem parte do prédio que lhes foi adjudicado;

1.5. Logradouro ao qual se acede através de um portão cuja fechadura se encontra do lado de dentro da casa e do eido/quinteiro respetivo;

1.6. E no qual se localizam as escadas exteriores de acesso à referida casa de habitação;

1.7. No dia 10 de Setembro de 2010 os aqui autores intentaram ação de emenda de partilha, neste mesmo Tribunal, a qual veio a ter o n.º 1585/10.9TBFAF;

1.8. Por despacho datado de 04-10-2010 foram os ali (e aqui) Réus absolvidos da instância, por verificação de erro na forma de processo, tendo sido decidido aproveitar o requerimento inicial de tal ação, remetendo-o para o processo de inventário, com vista a aí ser obtido o acordo para a pretendida emenda;

1.9. No processo de inventário realizou-se uma conferência com vista a obter o acordo de todos os interessados para a emenda pretendida, a qual teve lugar no dia 24-10-2011 e na qual não foi possível obter o acordo em causa;

1.10. A presente ação deu entrada neste tribunal no dia 16-02-2012.

2. FACTOS NÃO PROVADOS

2.1. Que o facto referido em 1.3. tenha acontecido quando os autores estavam legitimados pela mencionada sentença;

2.2. Que o prédio descrito na verba nº 1 tenha a área de 1062 m2;

2.3. Que os autores não teriam aceitado a adjudicação do referido prédio sem aquela área, logradouro e construções integrantes;

2.4. Que os autores tenham tomado posse do prédio descrito na verba nº 1 da relação de bens do inventário, imediatamente após da conferência de interessados, a qual teve lugar no dia 30 de Abril de 2009, ou seja, no dia 1 de Maio de 2009, data em que lhes foram entregues as chaves da casa;

2.5. Que os réus tenham construído o muro de vedação e limitação do prédio identificado na verba nº 4, encimado com rede, um mês após a adjudicação efetuada no processo de inventário;

2.6. Que os autores tenham respeitado tal delimitação, não se tendo oposto à construção do dito muro, tendo até dado autorização para que fosse cortada a ramada do prédio que lhes fora adjudicado.

Na apelação, os autores impugnaram a decisão proferida sobre os factos em 1ª instância, pedindo que fosse julgada como provada a matéria alegada nos arts. 9º e 11º da p. i., a enunciada nos factos julgados como não provados sob os nºs 1 e 3 e, ainda, no tocante ao facto provado nº 2, a data do trânsito em julgado da sentença nele referida.

Esta impugnação obteve procedência no acórdão recorrido, nos termos do qual os factos provados são os seguintes:

1. Pelo … Juízo do Tribunal de … correu termos o inventário n.º 2200/08.6TBFAF, em que foram inventariados QQ e RR;

2. Inventário no qual por sentença datada de 2 de Julho de 2009, transitada em julgado em 29.9.2009, foi homologado o mapa de partilha que, além do mais, formalizou a adjudicação aos autores do prédio descrito na verba n.º 1, da respetiva relação de bens: casa de habitação, com área coberta de 166 m2 e 51 m2 de logradouro, a confrontar a nascente com caminho público, a sul com caminho e herdeiros de UU e do Poente com herdeiros de UU, não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz sob o art. 183, com o valor patrimonial de 35.000,00 euros[2];

3. O prédio descrito na verba nº 1 compreende o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro[3];

4. Nunca, em especial no decurso de várias reuniões efetuadas entre autores e Réus para tentarem viabilizar uma partilha amigável dos bens da herança dos Inventariados, foi posta em causa por ninguém que a composição material do prédio sub iudice era a que ficou assinalada[4];

5. Os autores quiseram tomar posse do prédio supra descrito, em Novembro de 2009 e foram impedidos pelos Réus GG e marido HH de o fazer em relação ao logradouro que se situa por trás da casa e onde se localizam: o tanque da casa, fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro[5];

6. A pretexto de que tais construções não fazem parte do prédio que lhes foi adjudicado;

7. Logradouro ao qual se acede através de um portão cuja fechadura se encontra do lado de dentro da casa e do eido/quinteiro respetivo;

8. E no qual se localizam as escadas exteriores de acesso à referida casa de habitação;

9. No dia 10 de Setembro de 2010 os aqui autores intentaram ação de emenda de partilha, neste mesmo Tribunal, a qual veio a ter o n.º 1585/10.9TBFAF;

10. Por despacho datado de 04-10-2010 foram os ali (e aqui) Réus absolvidos da instância, por verificação de erro na forma de processo, tendo sido decidido aproveitar o requerimento inicial de tal ação, remetendo-o para o processo de inventário, com vista a aí ser obtido o acordo para a pretendida emenda;

11. No processo de inventário realizou-se uma conferência com vista a obter o acordo de todos os interessados para a emenda pretendida, a qual teve lugar no dia 24-10-2011 e na qual não foi possível obter o acordo em causa;

12. A presente ação deu entrada neste tribunal no dia 16-02-2012;

13. Os Autores não teriam aceitado a adjudicação do prédio constante da verba nº1 sem o logradouro e as construções integrantes melhor descritas em 3.[6]

        

E, apesar de o acórdão recorrido lhes não fazer referência, subsistem ainda, na medida em que contra a decisão sobre eles proferida não foi deduzida impugnação, os factos julgados não provados em 1ª instância descritos sob os nºs 2, 4, 5 e 6, do seguinte teor:

2. Que o prédio descrito na verba nº 1 tenha a área de 1062 m2;

4. Que os autores tenham tomado posse do prédio descrito na verba nº 1 da relação de bens do inventário, imediatamente após a conferência de interessados, a qual teve lugar no dia 30 de Abril de 2009, ou seja, no dia 1 de Maio de 2009, data em que lhes foram entregues as chaves da casa;

5. Que os réus tenham construído o muro de vedação e limitação do prédio identificado na verba nº 4, encimado com rede, um mês após a adjudicação efetuada no processo de inventário;

6. Que os autores tenham respeitado tal delimitação, não se tendo oposto à construção do dito muro, tendo até dado autorização para que fosse cortada a ramada do prédio que lhes fora adjudicado.

III – Abordemos então as críticas que os recorrentes tecem ao acórdão impugnado.

Sobre a errada aplicação da lei do processo, ao julgarem-se como provados os factos nºs 3, 4 e 13:

Sustentam os recorrentes, ao longo das conclusões 2ª a 11ª, que, ao julgar como provados os ditos factos, a Relação procedeu a errada aplicação da lei de processo, mormente do art. 662º do CPC[7], já que tal decisão se fundou apenas nas declarações de parte do autor e da testemunha QQ, seu filho.


Segundo o art. 46º da LOSJ[8], este STJ apenas conhece de matéria de direito, ressalvadas as exceções previstas na lei.

Na mesma linha vão os arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2, estabelecendo o primeiro que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, e impondo o segundo a definitividade da decisão proferida pela Relação quanto à matéria de facto, ficando ressalvada a possibilidade de o STJ a alterar no caso excecional previsto na primeira das referidas normas.

A intervenção do STJ no campo dos factos justifica-se apenas nas situações excecionais em que, como refere Abrantes Geraldes[9], se está perante erros de direito que, por natureza, integram o objeto da competência do Supremo.

Cientes de que a este tribunal está vedado sindicar a bondade dos resultados a que o tribunal recorrido chegou através da apreciação de provas livremente valoráveis, os recorrentes procuram, em primeiro lugar, mostrar que essa apreciação envolveu uma violação ou errada aplicação da lei de processo, para assim chegarem à admissibilidade de recurso de revista ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 674º.

Defendem que a inclusão, na matéria de facto provada, dos novos factos nºs 3, 4 e 13 desrespeitou o nº 1 do art. 662º[10], na medida em que a sua consagração como verdadeiros teve “(…) base unicamente nas declarações do Autor AA (…)”[11], declarações essas que, segundo dizem, no entendimento do acórdão da Relação do Porto de 20.11.2014, acessível em www.dgsi.pt, não podem valer como prova de factos favoráveis ao declarante se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.

      Porém, e algo surpreendentemente, não fazem qualquer alusão ao que dispõe o nº 3 do art. 466º, segundo o qual: “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

     Na verdade, o autor, aqui recorrido, AA prestou declarações de parte na sessão de julgamento realizada em 27.1.2017[12], tendo estas declarações sido invocadas no acórdão recorrido como um dos elementos que determinaram a convicção formada pelos Julgadores.

     A livre apreciação pelo tribunal significa, nos termos do nº 5 do art. 607º, que as provas são apreciadas segundo a prudente convicção de quem julga, princípio este que, como aí se dispõe, só não abrange “(…) os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”

      Não se verificando, no caso, qualquer destas exceções, aquele nº 3 do art. 466º contraria, manifestamente, a tese dos recorrentes, pois não dá cobertura à mencionada exigência de corroboração por outros meios de prova.

     Diga-se, aliás, que o acórdão da Relação do Porto de 20.11.2014, invocado pelos recorrentes em seu apoio [13], desmente sua tese quanto à errada aplicação de lei processual, quando diz:

«(…) actualmente já se admite o “testemunho” de parte, a que se chama declarações de parte (art. 466 do CPC) e a lei diz que o juiz aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão. Mas a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas. Como se trata da formação da convicção do juiz, não está em causa a aplicação de regras jurídicas, para além da referência legal à livre apreciação da prova (…) Ou seja, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova. A prova dos factos favoráveis aos depoentes não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos.» – sublinhado nosso.

       Esta passagem evidencia que se teve presente a ideia de que a lei apenas consagra o princípio da livre apreciação, sendo que a exigência de corroboração das declarações de parte por algum outro meio de prova – tal como a prevalência tendencial de juízos de apreciação caraterizados pela imediação proporcionada pela oralidade – não é mais do que um critério de avaliação da prova que o juiz poderá seguir, mas que a lei não impõe, o que exclui a possibilidade de formulação, por parte do STJ, de quaisquer juízos de valor acerca da livre convicção formada sobre os factos em causa.

Improcede, deste modo, a tese defendida pelos recorrentes a este propósito.

Do conteúdo dos factos nºs 3, 4 e 13:

Defendem os recorrentes, nas conclusões 12ª a 17ª, não terem sido alegados nem provados factos tendentes a identificar o logradouro em causa, quer quanto à sua configuração, quer quanto à área e construções nele edificadas, sendo que os referidos pontos nºs 3, 4 e 13 não contêm factos concretos, mas apenas conclusões que constituem a solução da questão jurídica objeto da ação, pelo que devem ser excluídos do acervo factual assente.

        “Facto” é “(…) um acontecimento ou circunstância do mundo exterior ou da vida íntima do homem, que pode reportar-se ao passado ou ao presente, e deve estar concretizado, definido no espaço e no tempo, apresentando-se no processo com as características de objecto, seja de alegação processual, seja de prova feita em juízo[14].

     Abrange as ocorrências concretas da vida real e, também, o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas; neste conceito cabem acontecimentos do mundo exterior e os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo[15],[16].

      Perante estas noções, não se acompanha aquela afirmação dos recorrentes.

      No tocante aos pontos nºs 4 e 13 a sua leitura basta para evidenciar, de modo claro, que contêm apenas a referência a acontecimentos concretos, sem nada de conclusivo e, muito menos, de natureza jurídica.

         Já o ponto de facto nº 3 reclama uma análise mais detalhada.

       O que dele consta não é o reconhecimento da existência de um direito de propriedade por parte dos autores, aqui recorridos; é, diversamente, a constatação de que a área correspondente ao prédio descrito na verba nº 1 contém “o tanque, as fossas da casa, várias oliveiras, uma ramada com videiras, um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro”, ou, por outras palavras, de que estas construções e plantas estão dentro do logradouro que desse prédio faz parte.

         Isto é matéria de facto.

         E é matéria de facto que integra o pedido formulado na ação.

         Na verdade, em face da classificação constante do art. 10º[17], a presente ação não é uma ação de condenação, pois nela não se exige a prestação de uma coisa ou de um facto.

O primeiro dos pedidos formulados – o de que se declare que a descrição da verba nº 1 da relação de bens apresentada no referido processo de inventário contém um erro de facto porque o respetivo prédio ocupa uma área global de 1062 m2, conforme planta topográfica junta, dele fazendo parte um logradouro no qual se localizam o tanque e as fossas da casa, várias oliveiras, ramadas com videiras, uma garagem e um alpendre anexo, uma corte e um canastro/espigueiro – tem a natureza de simples declaração de existência de um facto, enquanto o segundo – o de que se proceda, em conformidade, à emenda da partilha celebrada no mesmo inventário – tem natureza constitutiva, correspondendo a um direito potestativo dos autores.

Respeitando, pois, o primeiro pedido a um facto concreto cuja existência se pretende ver declarada pelo tribunal, é natural que tal facto haja sido, como foi, alegado nos arts. 3º e 5º da p. i.; e, por isso, esse facto faz, também naturalmente, parte da materialidade fáctica que era objeto, tanto de averiguação, como de ulterior decisão por parte do tribunal, incluindo-os no elenco dos factos provados ou não provados.

         Assim, soçobra também esta argumentação dos recorrentes.

Do confronto entre os factos julgados como provados sob os nºs 2 e 3 e o facto julgado como não provado na sentença sob o nº 2.2:

Ao longo das conclusões 18ª a 22ª, os recorrentes defendem que, tendo em conta a área atribuída à verba nº 1 no facto nº 2, e uma vez que os autores alegaram que o prédio em causa tem uma área de 1062 m2, facto julgado como não provado na sentença (sob o nº 2.2), não podia o acórdão recorrido concluir no sentido do constante do facto nº 3 sem dar como provado aquele facto não provado.

Vejamos.

No nº 2 da factualidade provada alude-se ao imóvel que foi descrito como verba nº 1 no inventário a que a presente ação corre por apenso, mostrando-se certificado que esse imóvel não consta do registo predial, como resulta dos documentos que nesse inventário se encontram a fls. 34 e 48. E a respetiva caderneta predial urbana, junta a fls. 49 do mesmo processo de inventário, confirma os elementos que a seu respeito são descritos naquele ponto de facto nº 2, nomeadamente quanto a área e confrontações.

      Não obstante esta coincidência, no art. 8º da p. i. os autores alegaram que a área total do prédio é de 1062 m2, por compreender os elementos que são descritos agora no facto descrito sob o nº 3.

       É manifesto, por constituir uma evidência física, que estes elementos não podem estar localizados no logradouro com 51 m2 referido na relação de bens, o que é reconhecido na p. i., ao dizer-se que na descrição aí feita do prédio em causa se omite o logradouro onde os mesmos se situam[18].

         Porém, se deve reconhecer-se que, não dispondo de prova quanto à veracidade dessa área de 1062 m2, o tribunal de 1ª instância poderia e deveria ter diligenciado no sentido de proceder ao seu apuramento – já que, como consta da sentença a fls. 501, formou a convicção de que tal logradouro com as referidas construções integra esse imóvel –, não pode dizer-se que essa omissão impedisse a Relação de concluir, como concluiu pela demonstração da matéria que consta do facto nº 3.

Ao fazê-lo, o acórdão recorrido consagrou que os elementos constantes do ponto nº 3 acrescem ao que no ponto nº 2 se menciona como correspondendo ao imóvel, sem que se vislumbre a existência, entre esses dois pontos de facto, de uma contradição que possa justificar o recurso ao disposto no nº 3 do art. 682º, já que o dito prédio compreenderá o que consta do facto nº 2 e, ainda, a área, não apurada, do logradouro onde se encontram aqueles elementos. E a falta desse elemento de facto não averiguado – a área real do sobredito imóvel – não conduz a que se não disponha de base suficiente para a decisão de direito que a este STJ compete proferir.

         Por isso se conclui, igualmente, no sentido da improcedência desta objeção feita pelos recorrentes ao decidido.

         Da omissão de pronúncia:

      Nas conclusões 27ª a 36ª, os recorrentes atribuem ao acórdão recorrido omissão de pronúncia - 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 615º, aplicável “ex vi” art. 684º -, vício que radicam na circunstância de a Relação ter revogado a sentença que absolvera os réus do pedido, substituindo-a por decisão que julgou a ação procedente, sem haver conhecido, como lhe competia, da exceção de caducidade que por eles fora deduzida na contestação.

      Em contra-alegações os recorridos sustentaram a inexistência de tal nulidade, na medida em que não sendo exceção de conhecimento oficioso, a caducidade não foi invocado na Relação, pelo que este tribunal não tinha de conhecer dela.

       No Tribunal da Relação foi proferido acórdão onde, a este respeito, se sustentou que no acórdão recorrido a questão da caducidade “(…) foi suficientemente apreciada e decidida (…), tendo-se concluído pela inexistência de tal caducidade. Aliás, o conhecimento de tal questão resulta mesmo, de forma expressa, do que é referido a dado passo da fundamentação do acórdão em reclamação: «Ora, concluindo-se pela tempestividade da instauração da acção – depois de proferida a sentença homologatória da partilha –, haverá que verificar agora se os AA incorreram em erro sobre a partilha (…)»”. (sublinhado nosso)

        

Importa, antes de mais, analisar o direito positivo aplicável.

      Estamos perante uma ação para emenda da partilha, regulada, no caso, pelo art. 1387º do CPC revogado pela Lei nº41/2013, conjugado com o art. 1386º[19], que a permitia nos seguintes termos:

- se houvesse erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes;

- se os interessados no inventário não estivessem de acordo quanto à emenda;

- se o conhecimento do erro fosse posterior à sentença;

- se a ação fosse proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro.

      Quanto a estes dois últimos requisitos, pronunciou-se já este STJ no seu acórdão de 23.1.2007[20], no sentido de que incumbe ao autor, por ser facto constitutivo do seu direito, a prova de que o conhecimento do erro é posterior à sentença homologatória da partilha. Diversamente, a demonstração do decurso daquele prazo de um ano fica a cargo do réu por se tratar de matéria de exceção perentória.

       É entendimento que sufragamos.

Sendo o conhecimento do erro anterior à sentença, a emenda deveria ser pedida dentro do processo de inventário. A ação a que se referia o art. 1387º apenas teria lugar se o conhecimento do erro fosse posterior à sentença[21], o que faz reconduzir esta exigência ao nº 1 do art. 342º do CC[22]; já o decurso de mais de um ano sobre o conhecimento do erro levaria à extinção do direito de pedir em juízo a emenda, pelo que o respetivo ónus de prova se mostra regulado no nº 2 da mesma norma.

       Por isso mesmo, os autores procuraram, nos arts. 3º a 5º da p. i., mostrar que tiveram conhecimento do erro depois da prolação da sentença, o que se refletiu no ponto nº 1.3 da matéria de facto julgada como provada na sentença. E, pela mesma razão, os réus alegaram nos arts. 8º a 16º da contestação, que a ação foi proposta depois de ter decorrido um período de tempo superior ao previsto naquele art. 1387º como condição para a não verificação de caducidade.

       Lembremos o que decidiram as instâncias nesta matéria.

      Na 1ª instância entendeu-se não ter sido demonstrado quando foi conhecido pelos autores o erro invocado, o que equivale a não ter ficado provado que esse conhecimento tenha ocorrido em data posterior à sentença, o que, logicamente, levou à absolvição do pedido, por falta de um elemento constitutivo do direito invocado pelos autores.

Diversamente, a 2ª instância, tendo julgado como provado o novo facto descrito sob o nº 5, entendeu estar provado esse elemento essencial para que a ação pudesse ser tempestivamente proposta e, reconhecendo a existência de erro relevante, deu, sem mais, procedência à ação.

       Só que, se bem vemos as coisas, a Relação manteve-se no âmbito das questões relativas a factos constitutivos do direito dos autores, nada tendo dito quanto à exceção invocada pelos réus na contestação, nos termos da qual a ação fora proposta mais de um ano depois de os autores terem conhecido o erro.

       Isto é, a Relação não se pronunciou quanto ao verdadeiro núcleo da exceção de caducidade.

       Também o não fizera a 1ª instância, mas esta sem incorrer em omissão de pronúncia, pois a falta de demonstração de que o conhecimento do erro ocorrera depois da prolação da sentença determinando, sem mais, a improcedência da pretensão dos autores, levava também a que ficasse prejudicado o conhecimento dessoutra questão.

      O mesmo se não pode dizer do acórdão recorrido, na medida em que, tendo afirmado a verificação da condição exigida pelo citado art. 1387º, nº 1 para a propositura da acção pelos autores, devia ter apreciado a defesa, por exceção, que os réus haviam oposto à pretensão dos autores.

       É exatamente a situação prevista no nº 2 do art. 665º, preceito que, instituindo a regra da substituição ao tribunal recorrido, manda que, tendo a 1ª instância deixado de conhecer certa questão por ter ficado prejudicada pela solução dada ao litígio, deve a Relação, se nada obstar ao seu conhecimento e dispuser dos elementos necessários, proceder ao seu conhecimento.

       Logo, à Relação cabia conhecer da invocada questão da caducidade, ou, ao menos, dizer que o não podia fazer por falta de elementos indispensáveis, independentemente de as partes não terem incluído esta questão no objeto do recurso.

       O seu silêncio sobre esta problemática envolve, pois, omissão de pronúncia -1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 615º.

Dado o que dispõe o nº 2 do art. 684º, não cabe a este STJ conhecer de tal nulidade.

        

IV - Pelo exposto, anula-se o acórdão recorrido e determina-se que o processo baixe à Relação de Guimarães para que aí, se possível com intervenção dos mesmos Exmos. Desembargadores, se proceda ao conhecimento da questão cuja apreciação se omitiu, reformulando-se o acórdão em conformidade.

         Custas consoante a responsabilidade que a final se determinar.

Lisboa, 7.02.2019

Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Bernardo Domingos

João Bernardo

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[1] Com a correção do lapso de escrita nelas cometido ao numerarem-se duas conclusões como “10ª” e outras duas como “11ª”.
[2] Corresponde ao fixado na 1ª instância, com o acrescento respeitante à data do trânsito.
[3] Facto acrescentado pelo acórdão recorrido, correspondente ao art. 9º da PI.
[4] Facto acrescentado pelo acórdão recorrido, correspondente ao art. 11º da PI.
[5] Corresponde ao fixado na 1ª instância, com o acrescento “em Novembro de 2009”, assim se eliminando o facto não provado nº 1.
[6] Facto julgado como provado pelo acórdão recorrido e que alterou, eliminando-o, o facto que a 1ª instância havia tido como não provado sob o nº 3.
[7] Diploma a que pertencem as normas doravante referidas sem menção de diferente proveniência.
[8] Lei nº 62/2013, de 26 de agosto
[9] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 406 e 407
[10] Que estatui: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
[11] Afirmação feita pelos recorrentes na parte arrazoada das suas alegações, a págs. 684 verso
[12] Fls. 468 e segs.
[13] Proferido no processo nº 1878/11.8TBPFR.P2, relator Desembargador Pedro Martins
[14] Cfr. Lebre de Freitas, A Confissão …, citado em Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, Vol. 3º, Tomo I, 2ª edição, pág. 163
[15] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, págs. 391-392.
[16] Cfr. na jurisprudência, entre muitos outros, o acórdão deste STJ de 18.10.2018, proferido no processo  nº 3499/11.6TJVNF.G1.S2, relatora Conselheira Rosa Tching, subscrito pela ora relatora como adjunta, acessível em www.dgsi.pt
[17] Idêntico ao que constava do art. 5º do CPC revogado pela Lei nº 41/2013, vigente por ocasião da propositura desta ação.
[18] Cfr. arts. 5º e 6º da p. i.
[19] Ambos estes preceitos na redação emergente do DL nº 44129, de 28.12.1961.
Estabelecia o nº 1 do art. 1386º: “A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer erro susceptível de viciar a vontade das partes.
 Era do seguinte teor o nº 1 do art. 1387º “Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
[20] Relator Cons. Faria Antunes, Col. Jur. – STJ, 2007, Tomo I, pág. 36
[21] Interessa, para este efeito, a data da sentença, e não a do seu trânsito em julgado, como refere João António Lopes Cardoso em Partilhas Judiciais – Teoria e Prática, Vol. II, pg. 431, nota 3.
[22] E, se dúvida houvesse, o mesmo se concluiria face ao nº 3 do mesmo art. 342º.