Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B2772
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: AUDIÊNCIA PRELIMINAR
CELERIDADE PROCESSUAL
ACTO INÚTIL
NULIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ200609210027727
Data do Acordão: 09/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O princípio da cooperação deve ser conjugado com o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa.
2. O convite ao aperfeiçoamento dos articulados previsto no nº 3 do artigo 508º do Código de Processo Civil não comporta o suprir de omissões do núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir.
3. À luz dos princípios da celeridade processual e da proibição da prática de actos inúteis, se a natureza das questões decidendas, face aos factos assentes disponíveis e às normas jurídicas aplicáveis, se configurar de manifesta simplicidade, pode o juiz conhecer do mérito da causa, na fase da condensação do processo comum ordinário, sem designação da audiência preliminar.
4. A faculdade de prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento e de não designação da audiência preliminar, com base em julgamento segundo o prudente arbítrio do juiz não se conforma com o regime de nulidades a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.
5. Em matéria de direito, designadamente o processual, a mera sustentação de posições jurídicas, porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica por si só a conclusão de litigância de má fé por quem as sustenta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I

"AA" intentou, no dia 19 de Maio de 2004, contra BB, CC e Empresa-A, acção declarativa constitutivo-condenatória, com processo ordinário, pedido a declaração da nulidade do contrato de compra e venda de identificado prédio celebrado entre dois primeiros réus e a última ré e a anulação da respectiva inscrição registal, com fundamento em simulação, e a condenação da última ré a restituir-lhe o prédio, com a faculdade de praticar sobre ele dos actos derivados da sua garantia patrimonial.
Os réus, em contestação, afirmaram a inexistência do direito de crédito do autor e dos pressupostos da impugnação pauliana e, em reconvenção, pediram a condenação dos réus a indemnizá-los por danos patrimoniais e não patrimoniais, com a sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil, e por litigância de má fé.
Requereram, ademais, a intervenção do lado passivo de DD, EE e de FF e a apensação da acção a uma outra que pendia na 13ª Vara Cível de Lisboa.
Na réplica, o autor contrariou o afirmado pelos réus, estes treplicaram, e o primeiro invocou a inadmissibilidade da tréplica.
Na fase do saneador, no dia 16 de Junho de 2005, dispensada a audiência preliminar, foi mandado desentranhar o articulado inserto a folhas 489 a 494, indeferido o pedido de apensação de acções e recusada a intervenção principal requerida pelos réus, e conhecendo-se do mérito a causa, foram os réus absolvidos do pedido.
Apelou o autor, a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Março de 2006, negou provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- terminados os articulados, deve o juiz convidar as partes a suprir neles eventuais irregularidades;
- tendo o juiz considerado que a versão factual do autor era contraditória e incongruente, devia tê-lo convidado a esclarecer o articulado, conforme o disposto no artigo 508º, nºs 1, alínea b) e 2 do Código de Processo Civil;
- como assim não procedeu, deveria ter convocado uma audiência preliminar para facultar às partes a discussão para delimitar os termos do litígio e suprir as insuficiências ou imprecisões que julgava existirem na exposição da matéria de facto pelo autor;
- a omissão do dever de convidar o autor a aperfeiçoar a sua petição, cuja matéria de facto foi considerada pelo juiz como incongruente e contraditória e a simultânea dispensa da convocatória da audiência preliminar prevista no artigo 508º do Código de Processo Civil sob o pretexto de que a causa era simples constituem a nulidade prevista no artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil;
- deve ser declarado nulo o despacho saneador.

Responderam os recorridos em síntese de conclusão de alegação:
- não há recurso em matéria de omissão de convite ao aperfeiçoamento dos articulados, tal como o não há da decisão de convite, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes;
- o poder de proferir ou não despacho de convite ao aperfeiçoamento, de natureza essencialmente discriminatória, não é sindicável em recurso;
- os princípio do dispositivo e da responsabilidade das partes não colocam a coberto do juiz a sua irreflexão ou imprudência;
- não há insuficiência, obscuridade ou imperfeição de alegação de facto que justificasse o aperfeiçoamento, nem há nulidade processual e, se a houvesse, a sua arguição seria extemporânea;
- a incongruência ou a contradição resulta de o recorrente ter extraído de um facto errada conclusão e não de contradição de factos;
- a absolvição dos recorridos do pedido foi determinada pela insuficiência de factos que suportavam a causa de pedir;
- o juiz não estava obrigado a realizar audiência preliminar, a sua realização fica ao abrigo do prudente arbítrio do julgador, em quadro de poder discricionário, com base em razões de celeridade processual;
- a cláusula quarta do contrato-promessa e o teor da carta mencionadas na sentença revelam a inexistência de simulação, e, ao propor a acção, o recorrente agiu com abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium;
- como insiste em pretensão sem fundamento e pretende impedir o transito em julgado da decisão, deve o recorrente ser condenado como litigante de má fé a indemnizá-los.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. Em documento escrito elaborado no dia 26 de Novembro de 2002, BB e CC, por um lado, e AA, por outro, declararam, os primeiros prometer vender e o último comprar, por € 399 039 a fracção autónoma identificada pela letra B do prédio urbano sito na Rua Joaquim de Freitas, freguesia de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha nº 03410/1312888, inscrito na matriz urbana sob o artigo 2658.
2. A cláusula 4ª do módulo mencionado sob 1 expressa: a escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo de 30 dias após a licença de habitação ser emitida pela Câmara Municipal de Cascais, que se estima até 30 de Novembro de 2003, em dia, hora e cartório a designar pelos promitentes-vendedores, obrigando-se estes a avisar o promitente-comprador por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de quinze dias da data marcada; o promitente comprador, desde já aceita que a escritura pública de compra e venda seja outorgada pela firma de construção pertencente aos primeiros outorgantes - Empresa-A.
3. A cláusula 5ª do módulo mencionado sob 1 expressa: o incumprimento definitivo pelos promitentes vendedores, traduzido na não realização da escritura na data prometida, confere ao promitente comprador o direito de reaver o sinal em dobro - todas as quantias entregue ao promitente vendedor a título de sinal - e ainda, em alternativa, fazer valer o direito à execução específica nos termos e para os efeitos previstos no artigo 830º do Código Civil. Fica entretanto salvaguardada a situação de incumprimento acima prevista, caso a escritura de compra e venda não se realize devido ao atraso na obtenção da licença de habitação por culpa imputável à Câmara Municipal de Cascais, e da demais documentação legal do empreendimento
4. Em escritura realizada no dia 4 de Dezembro de 2002, no Cartório Notarial do Bombarral, BB e CC, por si, por um lado, e na qualidade de sócios e gerentes de Empresa-A, por outro, declararam eles vender e ela comprar, por € 229 000, o prédio mencionado sob 1.
5. No dia 19 de Dezembro de 2003, o autor enviou aos réus uma carta, cuja cópia consta a folhas 24, da qual consta, além do mais, o seguinte: "Como é do vosso conhecimento ficou acordado no contrato-promessa da fracção B do vosso prédio sito na Rua José Joaquim Freitas, Cascais, na cláusula 4ª, que a escritura deveria ser realizada até 30 de Novembro passado. Fui hoje à Câmara Municipal de Cascais e foi informado que nem V.Exªs nem Empresa-A requereram ainda a emissão da licença de habitabilidade, além de que a fracção não está ainda concluída. Nessas condições e por não me interessar continuar a aguardar a entrega da fracção, venho por este meio, ao abrigo da cláusula quinta do nosso contrato e da lei rescindir o contrato-promessa e requerer que me seja pago o dobro do sinal que paguei, ou seja, a quantia de € 319 232".


III
A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou não ser anulada a sentença proferida em sede de saneamento do processo.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- síntese do objecto do recurso;
- regime legal do despacho pré-saneador;
- regime legal da audiência preliminar;
- regime legal das nulidades de actos processuais em geral;
- o acórdão recorrido infringiu ou não, ao não anular a sentença, o disposto no artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil?
- há ou não, neste recurso, fundamento para a condenação do recorrente por
litigância de má fé?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela verificação do âmbito do objecto do recurso.
O ora recorrente pretendeu essencialmente com a acção que intentou contra os recorridos a anulação do contrato de compra e venda mencionado sob II 4 com fundamento na simulação a que se reporta o artigo 240º do Código Civil.
Afirmou que o preço declarado no contrato não foi estipulado nem pago, que a compra e venda foi fingida, apenas para o enganar, afirmações contrariadas pelos recorridos.
No tribunal da 1ª instância, sem prolação de despacho pré-saneador nem designação de audiência preliminar, foi proferido o designado saneador-sentença, por via do qual se conheceu do mérito da causa, absolvendo-se os ora recorridos do pedido.
Na fundamentação da mencionada sentença analisaram-se os pressupostos da simulação absoluta e relativa, salientou-se o sentido dos factos mencionados sob II 2 e 4 e acentuou-se que o autor não alegara factos que, a serem provados, relevassem que os recorridos, ao celebrarem o contrato de compra e venda, tivessem agiram com intuito de enganar terceiros.
O recorrente só põe directamente em causa no recurso as questões processuais da omissão de prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento e de realização da audiência preliminar, que enquadra no conceito de nulidade geral de actos processuais.
Assim, conforme já decorre do que acima ficou enunciado, o objecto do recurso é o decidido pela Relação no sentido de que se não verificava o referido vício de nulidade, e se o recorrente, no recurso, litiga ou não de má fé.

2.
Atentemos agora no regime legal do despacho pré-saneador, a que se reporta o artigo 508º do Código de Processo Civil.
No processo declarativo, findos os articulados, se for caso disso, o juiz profere despacho de convite às partes para o seu aperfeiçoamento (alínea b) do nº 1).
Convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (nº 2).
Pode ainda convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando-se prazo para apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido (nº 3).
Conforme resulta da expressão da lei, o referido convite só se justifica no caso de imprecisões ou insuficiências na exposição fáctica, naturalmente sem alterar a estrutura básica da causa de pedir ou afectar o que resulta dos princípios da preclusão e a estabilidade da instância.
Trata-se de deficiências meramente formais na exposição da matéria de facto, isto é, não serve para suprir omissões do núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir, ou seja, não pode o convite ao aperfeiçoamento servir para, em extensão de prazo, suprir omissões no plano do ónus de alegação da matéria de facto segundo a previsão normativa de que depende o reconhecimento do direito.
Sob pena de subversão do processo, o princípio da cooperação não pode ser aplicado sem ter em conta o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta ou justifica o suprimento por iniciativa do juiz de toda e qualquer omissão de factos estruturais da causa.
Acresce que o princípio dispositivo que envolve o nosso processo civil implica que o autor e ou o réu reconvinte devem basear os pedidos que formulem em juízo nos pertinentes factos principais e circunstanciais segundo as normas que concedem o direito.
Assim, a referida faculdade de convite ao aperfeiçoamento traduz-se em poder-dever do juiz sempre que os articulados de qualquer das partes revelem insuficiência ou imprecisão de concretização na exposição da matéria de facto nos referidos limites.
É um poder funcional não vinculado, a exercer de acordo com a ponderação que o juiz faça dos factos articulados pelas partes no confronto do direito previsivelmente aplicável, que não é arbitrário nem pode afectar o princípio do dispositivo.

3.
Vejamos agora o regime legal da audiência preliminar a que se reportam os artigos 508º-A e 508º-B do Código de Processo Civil.
Expressa a lei, no que concerne ao processo ordinário, que, concluídas as diligências respeitantes ao suprimento de excepções dilatórias e ou ao convite ao aperfeiçoamento dos articulados, se tiverem ocorrido, é convocada uma audiência preliminar (artigo 508º-A, nº 1).
Entre os fins justificativos da sua designação, em tanto quanto releva no caso vertente, contam-se, por um lado, o facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito nos casos em que tencione conhecer imediatamente no todo ou em parte do mérito da causa (artigo 508º-A, nº 1, alínea b)).
E, por outro, a discussão das posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio e a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam (artigo 508º-A, nº 1, alínea b)).
Acresce que o juiz pode dispensar a audiência preliminar, além do mais que aqui não releva, quando o seu fim for a discussão do mérito da causa e a apreciação se revista de manifesta simplicidade (artigo 508º-B, nº 1, alínea b)).
O juízo de manifesta simplicidade da apreciação há-de resultar, como é natural, da natureza das questões objecto do processo, do sentido dos factos assentes disponíveis e das normas jurídicas aplicáveis.
É uma solução legal que constitui corolário dos princípios da celeridade e da economia processual e da ilicitude da prática de actos inúteis.
Nesse caso, desde que o estado do processo o permita, sem necessidade de mais
provas, o juiz, logo que terminem os articulados, profere despacho saneador e nele conhece do mérito da causa (artigo 510º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil).

4.
Atentemos agora no regime legal das nulidades de actos processuais em geral.
Em geral, a prática de um acto que a lei não admita e a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa (artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As referidas irregularidades consubstanciam-se em desvios do formalismo processual, como é o caso, por exemplo, da citação do requerido no procedimento cautelar de arresto, da omissão de notificação ao autor do instrumento de contestação apresentado pelo réu, da omissão do juiz, antes do interrogatório das testemunhas, de lhe perguntar sobre a sua eventual ligação com as partes ou o seu interesse no desfecho da causa (artigos 408º, nº 1, 492º, nº 1, e 635º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Conforme resulta da parte final do normativo do artigo 201º, nº 1, do Código Civil, as aludidas irregularidades só produzem nulidade quando tal resulte da lei ou possam influir no exame ou na decisão da causa.
Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, mas a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes (artigo 201º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm por necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo (artigo 201º, nº 3, do Código de Processo Civil).
O tribunal conhece oficiosamente das nulidades derivadas da ineptidão da petição inicial, da falta de citação, da omissão de formalidades na citação edital ou de indicação de prazo para a defesa, de erro na forma de processo e da falta de vista ou exame ao Ministério Publico como parte acessória (artigo 202º, 1ª parte, do Código de Processo Civil).
Das restantes nulidades, incluindo a prevista no artigo 201º do mesmo diploma, o tribunal apenas conhece sob reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o seu conhecimento oficioso (artigo 202º, 2ª parte, do Código de Processo Civil).
Fora dos referidos casos de conhecimento oficioso, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (artigo 203º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Nessas situações, se a parte, por si ou pelo seu mandatário, não estiver presente aquando do cometimento da nulidade, o prazo de arguição de 10 dias conta-se da data em que, depois de cometida, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, neste caso se for de presumir que então dela tomou conhecimento ou quando dela pudesse ter conhecido se tivesse agido com a devida diligência (artigos 153º, nº 1, e 205º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As referidas nulidades devem arguidas perante o juiz do tribunal em que foram cometidas e não, em regra, em sede de recurso (artigo 205º, nºs 2 e 3, do Código de
de Processo Civil).

5.
Vejamos agora se o acórdão recorrido infringiu, ao anular a sentença, o disposto no artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.
O tribunal da primeira instância conheceu do mérito da causa no designado despacho saneador porque, manifestamente, os factos articulados pelo autor - e pelos réus - não assumiam idoneidade para a conclusão jurídica formulada pelo primeiro de nulidade do contrato de compra e venda mencionado sob II 4 por simulação.
Com efeito, a improcedência da acção resultou da consideração de que os factos alegados não permitiam o efeito pretendido pelo recorrente, antes pelo contrário.
Como não se tratava, na espécie, de meras deficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto, não se justificava o uso da faculdade do convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o nº 3 do artigo 508º do Código de Processo Civil.
Perante esse quadro de manifesta inviabilidade da pretensão formulada pelo recorrente, do que decorria a simplicidade da apreciação do respectivo mérito, cumpriu o juiz do tribunal da 1ª instância, ao dispensar a realização da audiência preliminar, o disposto no artigo 508º-B, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Assim, ao não proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial e ao decidir do mérito na fase do despacho-saneador fora da audiência preliminar não infringiu o juiz qualquer das referidas normas, incluindo a da alínea b) do nº 1 do artigo 510º do Código de Processo Civil.
Não tem qualquer fundamento a alegação do recorrente no sentido da verificação da nulidade a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Com efeito, a faculdade de prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento e de não designação da audiência preliminar, com base no julgamento segundo o prudente arbítrio do juiz, que para o caso espécie resulta da lei, não se conforma com o regime de nulidades a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Dir-se-á, no entanto que, a não ser esta a correcta interpretação da lei, por se tratar de nulidade prevista naquele normativo, como o recorrente omitiu a invocação da não realização dos mencionados actos processuais perante o tribunal da 1ª instância no decêndio posterior à notificação da sentença, certo é que sanada estaria.

6.
Atentemos, finalmente, sobre se há ou não fundamento para a condenação do recorrente por litigância de má fé.
Distingue-se nesta matéria, isto é, no plano do ilícito meramente processual, entre a lide temerária e a lide dolosa. No primeiro caso, a parte incorre em culpa grave ou erro grosseiro e, no segundo, a parte sabia não ter razão para litigar e, não obstante, litigou.
Expressa a lei que, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa entre duas e cem unidades de conta, ou seja, entre € 178 e € 8 900, e em indemnização à
parte contrária se esta a pedir (artigos 102º, alínea a), do Código das Custas Judiciais e 456º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Diz-se litigante de má fé o que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito julgado da decisão (artigo 456º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil).
Embora o proémio do nº 2 deste artigo não exclua a abrangência de qualquer das situações previstas nas suas alíneas, a da alínea d), pela sua estrutura, pressupõe necessariamente o dolo.
O objecto deste recurso, conforme resulta do exposto, é essencialmente de natureza processual, certo que incide sobre a questão de verificação ou não da nulidade de determinados actos processuais.
Ora, em matéria de direito, designadamente o processual, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta.
Da alegação do recorrente neste recurso não resulta a temerária ou a dolosa litigância a que se reportam as alínea a) e d) do nº 2 do artigo 456º Código de Processo Civil, respectivamente.
Não ocorrem, por isso, na espécie, os pressupostos de condenação do recorrente por litigância de má fé.

7.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
O convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o nº 3 do artigo 508º do Código de Processo Civil só se justifica no caso de imprecisões ou insuficiências na exposição fáctica, e não para permitir a alteração da estrutura básica da causa de pedir ou afectar o que resulta da dinâmica dos princípios da preclusão e a estabilidade da instância.
O juízo de manifesta simplicidade da apreciação do mérito da causa a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 508º-B do Código de Processo Civil há-de resultar da natureza das questões objecto do processo, do sentido dos factos assentes disponíveis e das normas jurídicas aplicáveis, solução legal que é corolário dos princípios da celeridade e da economia processual e da ilicitude da prática de actos inúteis.
O referido regime legal não se conforma com o regime das nulidades dos actos processuais em geral a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Não ocorre na espécie o vício de nulidade a que se reporta o nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil, e o acórdão da Relação, ao confirmar a sentença proferida no tribunal da 1ª instância, não o infringiu.
Não há fundamento legal para a condenação do recorrente por litigância de má fé.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, e condena-se o recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 21 de Setembro de 2006.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís