Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
933/18.8T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
INCUMPRIMENTO
ILICITUDE
CULPA
DANO
PRESUNÇÕES LEGAIS
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO
INTERMEDIÁRIO
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
“I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objectiva sobre o produto e seus riscos.

II - Se o intermediário financeiro, o Banco, faz crer ao cliente, pessoa sem experiência em investimento em matéria financeira, que o produto que propunha para subscrição tinha garantia do próprio Banco, a mesma de um depósito a prazo, e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal se tratava de obrigações emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, não cumpre o dever de informação.

III - Tendo resultado provado que o Autor não teria subscrito o produto financeiro em causa se tivesse sido cabalmente informado, nomeadamente que o produto financeiro que foi convencido a subscrever não tinha a garantia de reembolso do banco, mostra-se violado o dever de informação e é o intermediário financeiro responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor nos termos do art. 314º do CVM.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA,  residente em Quinta ..., ..., ..., demandou em acção declarativa comum Banco BIC Português, S.A., pedindo:

a) – que se declare que a aquisição do produto financeiro (traduzido na compra de obrigações SLN 2004 e SLN 2006), por parte do Autor ao Réu, BPN-(ACTUAL BANCO BIC S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO), foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento).

b) – se declare que é da Responsabilidade do BANCO BIC S.A, o reembolso do capital reportado á aquisição por parte do Autor das obrigações SLN 2004 e SLN 2006 2006, no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A, transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, (…);

c) – Para hipótese de assim se não entender, se declare que com o descrito comportamento o Réu Banco BIC, S.A., assumiu perante o Autor, a responsabilidade pelo reembolso do capital e respetivos juros;

d) - Se condene o Réu, BANCO BIC S.A, a proceder ao imediato reembolso do capital de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos correspondente ao último semestre de 2015 e ao primeiro semestre de 2016, bem como dos juros vincendos, à taxa legal, deste Outubro de 2014, para a primeira e desde Maio de 2016 até ao dia de integral pagamento, condenando ainda o Réu BANCO BIC S.A., a pagar ao Autor quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), por danos morais sofridos pelo Autor com o comportamento imputável ao Réu BANCO BIC S.A.

O Réu contestou, excepcionando a prescrição do direito invocado, a caducidade da acção, o abuso de direito, concluindo pela improcedência da acção.

Tramitados os autos e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório:

“Julga-se a ação parcialmente provada e procedente, condenando-se a ré, Banco BIC Português, S.A., a pagar ao autor, AA, a quantia, a liquidar em incidente pós-decisório (arts. 358.º, n.º 2, e 609.º, n.º 2, do CPC), correspondente ao valor de € 178.941,57 (cento e setenta e oito mil, novecentos e quarenta e um euros, e cinquenta e sete cêntimos), deduzido do valor dos cupões efetivamente pagos pelas obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006, líquido de impostos retidos na fonte.

À quantia assim apurada (valor da indemnização) acrescem juros à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civ., desde a data de citação (25 de maio de 2018) e até efetivo pagamento.

No mais, vai a ré absolvida dos pedidos.


Inconformado, o Banco Réu BIC SA apelou para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 27 de Maio de 2020, julgou o recurso totalmente improcedente e confirmou a sentença.

 Ainda inconformado, o Réu interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitida.

Com a revista, pretende o Recorrente a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que o absolva do pedido, concluindo do seguinte modo as suas alegações:

1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4)Pontificaaestepropósitoasdiferentesposiçõesquantoànecessidadeegraudeinformaçãodorisco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672.º n.º 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.


De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que  permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a  verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a). Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do

efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b). A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c). O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d). Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.


28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.


Contra alegou o Autor, pugnando pela improcedência da revista e a confirmação do acórdão recorrido.

A questão a decidir, recortada das conclusões das alegações do recurso, resume-se a saber se o Réu/recorrente violou o dever de informação no âmbito de um contrato de intermediação financeira.


///


Fundamentação.

É o seguinte o quadro factual apurado:

1.º − Em setembro de 2000, o autor abriu uma conta de depósitos no banco BPN − Banco Português de Negócios, S.A. (adiante, BPN), agência de ..., onde detinha, em depósitos a prazo, as suas poupanças.

2.º − Em outubro de 2004, o gestor de conta do BPN da referida agência contactou o autor informando-o de que poderia rentabilizar melhor essas poupanças e solicitou-lhe que se dirigisse à agência.

3.º − Em outubro de 2004, o autor, dirigiu-se à referida agência, sendo recebido pelo gestor de conta BB, que lhe disse que o BPN tinha uma proposta para lhe fazer.

4.º − BB disse ao autor que poderia aplicar o montante de € 50.000,00 num instrumento financeiro que lhe traria uma maior rentabilidade do que o depósito a prazo a um ano, sendo um produto do BPN.

5.º − BB disse ao autor que a aplicação era absolutamente segura, com a mesma segurança que o depósito a prazo aberto no BPN tinha, não correndo qualquer risco, sendo o reembolso do capital investido garantido a 100%.

6.º − BB disse ao autor que tal aplicação tinha o prazo de dez anos, mas que poderia obter o seu reembolso ao fim de cinco anos, se o banco BPN decidisse proceder ao pagamento antecipado.

7.º − BB exibiu ao autor o documento junto a fls. 34 v., onde consta, para além do mais que aqui se dá por transcrito:

“Reembolso Antecipado: O reembolso antecipado, total ou parcial, só é possível por iniciativa da SLN e a partir do 5º ano (call option), mediante aprovação prévia do Banco de Portugal. Em caso de reembolso parcial antecipado, a amortização das Obrigações será efetuada por sorteio

Capital Garantido: 100% do capital investido

Subordinação: As receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista, sendo que os Subscritores terão sempre prioridade sobre os acionistas da SLN, mas estarão subordinados aos restantes credores.

INCENTIVOS À SUBSCRIÇÃO

a)   Depósito a Prazo Intercalar

Com o objetivo de remunerar o montante a aplicar nas Obrigações, foi desenvolvido um Depósito a Prazo Intercalar com as seguintes características:

Data de Início de Comercialização: 11 de outubro de 2004 Montante: Mínimo: 50.000

Máximo: até 100% do montante a aplicar nas Obrigações Prazo: Mínimo: 3 dias

Máximo: até 2 semanas

Data de Vencimento: 25 de outubro de 2004 Taxa de Juro Máxima (TANB) 3,25% Mobilização Antecipada Não mobilizável

b) Valores mobiliários – comissões

Ao subscrever a emissão de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, e no caso de ser detentor de apenas títulos do Grupo, o Cliente ficará isento de comissão de custódia.

Sendo o SLN Rendimento Mais 2004 um produto transacionável “fora de bolsa”, todas as transações realizadas encontram-se isentas de comissão de Operações de Mercado de Balcão”.


8.º − O documento referido no ponto 7.º − factos provados − contém orientações para a rede comercial do BPN, à qual era solicitado que diligenciasse pela comercialização das obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

9.º − Com base na descrição do instrumento financeiro SLN Rendimento Mais 2004 feita pelo gestor de conta do BPN, pessoa em quem confiava, e do documento por ele exibido, o autor decidiu investir em tal instrumento.

10.º − Em 22 de outubro de 2004, visando a aplicação em tal instrumento financeiro do montante de € 50.000,00, correspondentes ao montante que detinha em depósito naquela agência do BPN, o autor subscreveu o documento intitulado SLN RENDIMENTO MAIS 2004 Boletim de Subscrição, junto a fls. 35v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

“SLN RENDIMENTO MAIS 2004 Boletim de  Subscrição

EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS NATUREZA DA  EMISSÃO

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. (…)

MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO REMUNERAÇÃO € 50.000,00 (1 obrigação)

PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO De 11 a 22 de

Outubro de 2004

DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 25 de Outubro de 2004

PRAZO E REEMBOLSO

O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

REMUNERAÇÃO

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:


CUPÕES

ANUAL NOMINAL BRUTA

1.os 10 Semestres

Restantes 10 Semestres

Líquida: 3,632%”.TAXA

4,5%*

Euribor 6 Meses + 1,75%

* Taxa Anual Efetiva


11.º − O BPN, visando satisfazer o teor do documento referido no ponto 10.º − factos provados −, subscreveu em nome do autor o instrumento financeiro SLN Rendimento Mais 2004 com fundos debitados da conta de depósitos do autor.

12.º − Em abril de 2006, o citado gestor de agência do BPN contactou o autor convidando-o a fazer uma nova aplicação financeira, no instrumento financeiro designado SLN 2006, com reembolso de capital, sem risco, melhor rentabilidade e com as mesmas características de um depósito a prazo, idêntica à aplicação referida no ponto 4.º − factos provados.

13.º − Com base na descrição do instrumento financeiro SLN 2006 feita pelo gestor de conta do BPN, o autor decidiu investir em tal instrumento.

14.º − Em 13 de abril de 2006, visando a aplicação em tal instrumento financeiro do montante de € 100.000,00, correspondentes ao montante que detinha em depósito naquela agência do BPN, o autor subscreveu o documento intitulado SLN 2006 Boletim de Subscrição, junto a fls. 36 onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

“SLN RENDIMENTO MAIS 2006 Boletim de Subscrição

EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS NATUREZA DA EMISSÃO

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. (…)

MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO REMUNERAÇÃO € 50.000,00 (1 obrigação)

PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO

De 10 de abril de 05 de maio de 2006. O período de subscrição terminará antes de 05 de maio de 2006, caso as ordens de subscrição recebidas perfaçam o montante total da emissão.

DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 08 de maio de 2006

PRAZO E REEMBOLSO

O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

REMUNERAÇÃO

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

Juros pagos  semestral e postecipadamente às seguintes taxas:

CUPÕES   TAXA

ANUAL BRUTA

1º Semestre  45%

9 cupões seguintes   Euribor 6 meses +1,15%

Restantes semestres   Euribor  meses + 1,50%

Taxa anual efectiva líquida: 3,632%       


15.º - O BPN, visando satisfazer o teor do documento referido no ponto 14º, subscreveu em nome o instrumento financeiro SLN 2006 com fundos debitados da conta de depósitos do autor.

16.º − Em outubro de 2004 e em abril de 2006, antes de ser contactado por BB, o autor pretendia aplicar o seu dinheiro num depósito a prazo no BPN.

17.º − Até outubro de 2004, o autor apenas aplicava as suas poupanças em depósitos a prazo junto do banco réu, do que o BPN tinha conhecimento, nunca tendo realizado aplicações noutros instrumentos financeiros.

18.º − Em outubro de 2004 e em abril de 2006, sem prejuízo do referido no ponto 7.º − factos provados − e do referido no ponto 14.º − factos provados −, não foi apresentada ao autor qualquer ficha técnica ou prospeto do produto.

19.º − A informação do gerente de conta segundo a qual o reembolso do capital estava garantido foi essencial para a decisão do autor de subscrever os referidos instrumentos financeiros.

20.º − Ao fazê-lo, o autor sabia que não estava a celebrar um contrato de depósito a prazo, mas a dar ordens de aquisição de produtos financeiros.

21.º − Ao fazê-lo, o autor estava convencido de que o reembolso do capital investido estava garantido, com um risco idêntico ao de um depósito a prazo.

22.º − Ao decidir subscrever o instrumento financeiro apresentado por BB, o autor estava convencido de que o investimento era feito no BPN, estando o reembolso do capital por este banco garantido, em termos idênticos à abertura de um depósito a prazo junto do mesmo.

23.º − Se o autor tivesse sido informado verbalmente por BB que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não eram emitidos pelo BPN, nunca os teria subscrito.

24.º − Se o autor tivesse sido informado que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não tinham um risco de perda de capital igual ao de um depósito a prazo aberto junto do BPN, nunca os teria subscrito.

25.º − Se o autor tivesse sido informado que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não tinham um risco de perda de capital igual ao de um depósito a prazo aberto junto do BPN e que não eram emitidos por este banco, teria aplicado o capital investido em sucessivos depósitos bancários com prazo de um ano.

26.º − No vencimento semestral dos cupões do instrumento financeiro SLN Rendimento Mais 2004, foram liquidados ao autor os respetivos juros.

27.º − No vencimento semestral dos cupões do instrumento financeiro SLN 2006, foram liquidados ao autor os respetivos juros, exceto no que respeita aos dois últimos semestres anteriores à data de vencimento da aplicação, ficando por pagar o cupão do último semestre de 2015 e o cupão do primeiro semestre de 2016.

28.º − Até 25 de outubro de 2012, estes pagamentos foram efetuados por depósito em conta do autor no BPN, assim continuando após 25 de outubro de 2012, após a incorporação e redesignação do depositário como Banco BIC Português, S.A. (adiante, BIC).

29.º − A SLN, entretanto designada de Galilei, SGPS, SA, entregou ao BPN (BIC) os fundos necessários à liquidação dos juros que foram creditados na conta bancária do autor.

30.º − Em novembro de 2011, o autor telefonou para o balcão do BPN, com vista a obter o reembolso do capital investido.

31.º − Nesse momento informado que o reembolso antecipado não teria lugar e que só decorridos 10 anos sobre a subscrição poderia proceder a tal resgate.

32.º − O autor continuou a insistir junto do banco para o resgaste dos títulos, obtendo como resposta que o banco iria proceder ao resgaste dos títulos pelo valor nominal, aquando da data de vencimento em 2016.

33.º − Em outubro de 2015, o gestor de conta do BIC da agência de ... informou o autor que os instrumentos financeiros SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006:

a. são obrigações emitidas pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (adiante, SLN);

b. não encerram garantia de reembolso do capital;


34.º − O gestor de conta do BIC informou ainda o autor que:

a. ao vender as referidas obrigações, o BPN apenas agiu como intermediário, não sendo as obrigações emitidas por esta instituição, mas tão-só vendidas nos seus balcões;

b. estando a SLN insolvente, o capital dos mencionados instrumentos financeiros não seria reembolsado;

c. poderia o autor reclamar o seu crédito no processo de insolvência.


35.º − Ao autor nunca foi restituído o valor da subscrição dos instrumentos financeiros SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006, nem liquidados os cupões deste último instrumento correspondentes ao último semestre de 2015 e ao primeiro semestre de 2016.

36.º − Os instrumentos financeiros SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não têm nem voltarão a ter qualquer valor de mercado; não proporcionam nem voltarão a proporcionar qualquer remuneração.

37.º − Os montantes aplicados pelo autor na subscrição dos mencionados instrumentos financeiros representavam a poupança de rendimentos da atividade profissional do autor.

38.º − O instrumento financeiro designado SLN Rendimento Mais 2004 foi emitido por SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., conforme consta do prospeto intitulado SLN Rendimento Mais 2004 − NOTA INFORMATIVA, junto a fls. 50, que aqui se dá por transcrito.

39.º − No prospeto intitulado SLN Rendimento Mais 2004 − NOTA INFORMATIVA consta, além do mais:

“SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

Sede Social: Av. António Augusto Aguiar, 132, 1050-020 Lisboa Capital Social: €448.500.000

Matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº 8824 Pessoa Coletiva nº 504 265 369

SLN Rendimento Mais 2004

NOTA INFORMATIVA €50.000.000

Emissão de Obrigações Subordinadas ao Portador e Escriturais com o Valor Nominal de €50.000 cada Outubro de 2004

ORGANIZAÇÃO E MONTAGEM Banco Efisa, S.A.”


40.º − No prospeto intitulado SLN Rendimento Mais 2004− NOTA INFORMATIVA consta ainda, além do mais: “1 - ADVERTÊNCIA AOS INVESTIDORES (…).

As condições da emissão obrigacionista objeto desta nota informativa foram aprovadas pelo Banco de Portugal, em 1 de Outubro de 2004, pelo que o presente empréstimo obrigacionista é considerado, para efeitos do cálculo dos fundos próprios da EMITENTE, como empréstimo subordinado. Assim, as condições do empréstimo obrigacionista prevêem que:

fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE;

Os obrigacionistas não

Não poderão solicitar o reembolso embolso antecipado da emissão

(inexistência de “put option”);

(“call option”) terá de ser precedido do acordo prévio do Banco de Portugal.

(…)”

41.º − No prospeto intitulado SLN Rendimento Mais 2004 − NOTA INFORMATIVA consta ainda, além do mais:

2 - DESCRIÇÃO DA OFERTA 2.1 – Ficha técnica

EMITENTE: SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. MONTANTE E NATUREZA:

(…)

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, em forma escritural, ao portador, com o valor nominal de € 50.000 cada perfazendo um montante total de até € 50.000.000.

PAGAMENTO DE JUROS: Semestral e postecipadamente. (…)

REEMBOLSO E PRAZO: (…)

O prazo máximo do presente empréstimo é de 10 anos, sendo amortizado ao par, de uma só vez, em 25 de Outubro de 2014, salvo se houver reembolso antecipado, nos termos previstos no ponto “CALL OPTION” abaixo.

REEMBOLSO ANTECIPADO

Não é permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas.

CALL OPTION Por iniciativa do Emitente poderá ser efetuado o reembolso antecipado da presente emissão, total ou parcialmente, neste último caso, por sorteio entre as obrigações ainda não amortizadas, a partir do quinto ano, contado da data de início do período de subscrição da primeira série, e em cada data de pagamento de juros.

O reembolso antecipado está, contudo, sujeito ao acordo prévio do Banco de Portugal. (…)

REMUNERAÇÃO: Os juros do primeiro cupão são contados desde 25 de Outubro de 2004 até 26 de Abril de 2005. Os juros dos restantes cupões são contados diariamente e vencem-se semestral e postecipadamente, em 25 de Outubro e 25 de Abril de cada ano. O cálculo dos juros é efetuado na base Atual/360.

(…)

Nos cupões vencidos até 25 de Outubro de 2009, inclusive, a taxa de juro anual nominal a aplicar será de 4,50%.

Nos restantes cupões, a taxa de juro aplicável corresponde à Euribor a seis meses, em vigor no segundo “dia útil Target” imediatamente anterior à data de início de cada um dos períodos de contagem de juros, acrescida de 1,75% (um vírgula setenta e cinco pontos percentuais). (…)

(…)

TAXA DE RENDIBILIDADE EFECTIVA:

O rendimento das obrigações é representado por uma taxa anual nominal bruta de 4,50%, com base na taxa fixada para os primeiros dez cupões; a taxa efetiva anual correspondente, líquida de deduções fiscais, para investidores singulares tributados em sede de IRS à taxa liberatória atual, é de 3,6324% (pressupondo o preço de subscrição igual ao valor nominal).

GARANTIAS E SUBORDINAÇÃO: (…)

As receitas da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista.

Em caso de falência, liquidação ou processo análogo da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., os pagamentos dos juros e do reembolso das obrigações representativas da presente emissão ficam subordinados ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo, contudo, os detentores das obrigações, prioridade sobre os acionistas da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

ADMISSÃO À COTAÇÃO: Não está prevista a solicitação da admissão à cotação do presente empréstimo obrigacionista.

COLOCAÇÃO E AGENTE PAGADOR: BPN – Banco Português de Negócios, S.A.. (…)”

42.º − O instrumento financeiro designado SLN 2006 foi emitido por SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., conforme consta do prospeto intitulado SLN 2006 − NOTA INFORMATIVA, junto a fls. 68 v., que aqui se dá por transcrito.

43.º − No prospeto intitulado SLN 2006 − NOTA INFORMATIVA tem um conteúdo idêntico ao prospeto intitulado SLN Rendimento Mais 2004 – NOTA INFORMATIVA, referido no ponto 38.º − factos provados −, apenas divergindo nas taxas de remuneração dos cupões e nas datas de emissão, e de reembolso.

44.º − A SLN foi constituída com o objetivo de adquirir e deter o controlo maioritário do capital social do BPN.

45.º − Nas datas de emissão dos instrumentos financeiros SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006, a SLN detinha 100% do capital social do BPN, através da sua participada BPN, SGPS, S.A..

46.º − Pela apresentação 11/20100719, foi registada a alteração da designação social da SLN para GALILEI, SGPS, S.A..

47.º − Pela apresentação 126/20160804, foi registado o trânsito em julgado da entrada em liquidação da GALILEI, SGPS, S.A..

48.º − O BPN era, nas datas de emissão dos instrumentos financeiros SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006, uma instituição de crédito registada no Banco de Portugal e um intermediário financeiro registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para o exercício profissional de atividades de intermediação financeira.

49.º − Em 12 de novembro de 2008, foram nacionalizadas todas as ações representativas do capital social do BPN (art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 62-A/2008, de 11 de novembro), sendo a sua gestão atribuída à Caixa Geral de Depósitos, S.A. (art. 2.º, n.º 6, da Lei n.º 62-A/2008, de 11 de novembro, e Decreto-Lei n.º 5/2009, de 6 de janeiro).

50.º − Em 6 de janeiro de 2010, foi aprovado o processo de reprivatização da totalidade do capital social do BPN (art. 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/2010, de 5 de janeiro, Decreto-Lei n.º 96/2011, de 19 de agosto, e Resolução do Conselho de Ministros n.º 36/2011).

51.º − Em 1 de setembro de 2011, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2011, procedeu-se à “adjudicação da proposta apresentada” pelo Banco BIC Português, S. A., “no âmbito da venda direta da totalidade das ações do BPN - Banco Português de Negócios, S. A.” (Diário da República n.º 171/2011, Série I, de 6 setembro).

52.º − Pela apresentação 101/20121207, foi registada a fusão, aumento do capital e alteração de estatutos do BPN, com a incorporação do BIC e com a alteração da sua designação social para Banco BIC Português, S.A..

Fundamentação de direito

O acórdão recorrido, tal como já o havia feito a sentença, qualificou como actividade de intermediação financeira a operação bancária retratada nos autos, nos termos da qual um funcionário do Banco Português de Negócios SA (BPN) convenceu o Autor, que desde 2000 era titular de uma conta de depósitos na agência daquele banco em ..., onde tinha as suas poupanças, a subscrever obrigações subordinadas, SLN Rendimento Mais 2004 e mais tarde SLN Rendimento Mais 2006.

Qualificação que o Recorrente aceita,  mas discorda que tenha praticado qualquer ilícito, defendendo não ter violado o dever de informação, pois que: i) a informação que prestou ao Autor foi a adequada e exigível nas circunstâncias em que ocorreu a subscrição das Obrigações SLN 2004 e 2006; ii)  as obrigações são um produto financeiro de baixo risco, e não se perspetivava na altura qualquer risco, nem era previsível a crise financeira.

Vejamos se lhe assiste razão.


O Código de Valores Mobiliários (CVM) estabelece no art. 289º/1 a), que são actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros.

 Trata-se, por conseguinte, do conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre a oferta e a procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular funcionamento, no quadro de uma economia capitalista.

Por sua vez, intermediários são, nos termos do art. 293º/1 a), as instituições de crédito (e as empresas de investimento), que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal.

Por último, são serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art, 290º/1, a) e b), a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

Tendo presente estes princípios, é correcto concluir que o Recorrente ao promover junto de clientes seus a subscrição de obrigações emitidas por outra sociedade exerceu actividade de intermediação financeira, estando, como tal, sujeito a um conjunto de deveres, designadamente de informação, não só decorrentes do princípio geral da boa fé plasmado no art. 227º do C.Civil,  como também da especial natureza da actividade, para que o cliente/investidor possa tomar uma “decisão esclarecida e fundamentada” (art. 312 do CVM).


Ora foi justamente este dever de informação que o acórdão recorrido considerou ter sido incumprido, como se extrai do seguinte excerto:

“A informação fornecida revelou-se incompleta e não conforme com o teor do prospeto informativo, nem adequada ao concreto investidor e nisso se consubstancia a ilicitude da conduta do réu.

O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada ( art. 304º CVM ). A informação respeitante a valores mobiliários e atividade de intermediação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita ( art. 7º CVM ).

Omitiu-se informação sobre a entidade que emitiu as obrigações e as concretas caraterísticas do produto em causa, para efeito de reembolso do capital investido considerando o concreto investidor com perfil conservador, sendo certo que o boletim de subscrição não pode, só por si, colmatar tal falta de informação, porque o mesmo é omisso a respeito de alguns aspetos essenciais do produto, como seja a informação sobre o que é uma obrigação subordinada e risco inerente.

Conclui-se, assim, que não merece censura a sentença quando concluiu no sentido de julgar verificada a ilicitude na conduta do réu, por violação do dever de informação.”           

É esta a questão a decidir na revista.

Relativamente aos deveres a que estão sujeitos os intermediários financeiros, o art. 304º do CVM, na redacção em vigor à data da subscrição das obrigações, estabelecia o seguinte:

 1. Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção os legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2. Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3. Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar (…).


Por sua vez o art. 312º do mesmo diploma estabelecia os chamados “deveres de informação” nos seguintes termos:

1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e a experiência do cliente.

(…)

E sobre a responsabilidade civil dos intermediários financeiros estabelecia o art. 314º:

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação dos deveres de informação.


O dever de informação que impende sobre o intermediário financeiro, como se tem reiteradamente decidido, é de geometria variável, ou seja, a sua intensidade varia em função do tipo contratual e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação. (Ac. STJ de 04.10.2018, P. 1236/15, entre muitos outros).

Dito isto, é altura de olhar para a matéria de facto provada, na qual avulta a circunstância de estarmos perante um cliente de perfil conservador, que apenas aplicava as suas poupanças em depósitos a prazo junto do banco réu, do que o BPN tinha conhecimento, nunca tendo realizado aplicações noutros instrumentos financeiros.

- Em 2004, foi contactado pelo gestor de conta da agência de que era cliente que lhe sugeriu aplicar as suas poupanças num produto que lhe foi apresentado como tendo maior rendibilidade do que um depósito a prazo, que a aplicação era absolutamente segura, com a mesma segurança que o depósito a prazo que ali tinha, não correndo qualquer risco, sendo o reembolso do capital investido garantido a 100%;

- O gestor de conta disse ao autor que tal aplicação tinha o prazo de dez anos, mas que poderia obter o seu reembolso ao fim de cinco anos, se o banco BPN decidisse proceder ao pagamento antecipado;

- Sugestão que o Autor aceitou, vindo a subscrever, em 22.10.2004, uma Obrigação Subordinada Rendimento Mais 2004, no valor de €50.000,00, com prazo de emissão de 10 anos;

- Em 2006, o Autor voltou a ser contactado pelo gestor da conta da referida agência no sentido de subscrever Obrigações Subordinadas Rendimento Mais 2006, o que aceitou, vindo, em Abril de 2006, a subscrever uma Obrigação Subordinada Rendimento Mais 2006, no valor de €100.000,00, também com prazo de emissão de 10 anos, estando, pois, o reembolso previsto para 2016.

- A informação do gerente de conta segundo a qual o reembolso do capital estava garantido foi essencial para a decisão do autor de subscrever os referidos instrumentos financeiros.

− Ao fazê-lo, o autor sabia que não estava a celebrar um contrato de depósito a prazo, mas a dar ordens de aquisição de produtos financeiros.

- O  autor estava convencido de que o reembolso do capital investido estava garantido, com um risco idêntico ao de um depósito a prazo.

− Ao decidir subscrever o instrumento financeiro apresentado por BB, o autor estava convencido de que o investimento era feito no BPN, estando o reembolso do capital por este banco garantido, em termos idênticos à abertura de um depósito a prazo junto do mesmo.

− Se o autor tivesse sido informado verbalmente por BB que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não eram emitidos pelo BPN, nunca os teria subscrito.

− Se o autor tivesse sido informado que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não tinham um risco de perda de capital igual ao de um depósito a prazo aberto junto do BPN, nunca os teria subscrito.

− Se o autor tivesse sido informado que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não eram emitidos pelo BPN teria aplicado o capital investido em sucessivos depósitos bancários com prazo de um ano.

Perante esta factualidade não temos dúvida em acompanhar a Relação quando considerou que a informação prestada ao Autor, um cliente não versado em investimentos financeiros, não foi completa, verdadeira, clara e objectiva.

Com efeito,  

 O Réu, e note-se que foi um funcionário do Banco quem tomou a iniciativa de dar a conhecer ao Autor a possibilidade de aquisição de obrigações, não lhe explicou o que eram obrigações, nem o que eram obrigações subordinadas, nem o informou quem era a entidade que as emitia e sobre a relação dela com o banco. 

Sendo as obrigações um valor mobiliário que representam um empréstimo contraído junto dos investidores pela entidade que as emite, o Réu tinha o dever de informar o Autor que a obrigação de restituir o capital investido recaía sobre a Sociedade Lusa de Negócios e não sobre o BPN.


Este facto não é inócuo. O produto subscrito pelo Autor tinha associado um risco não comum, anormal, na medida em que o investimento subjacente, obrigações subordinadas, em caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas seria reembolsado após a satisfação dos créditos e dos demais credores por dívida não subordinada, (art. 48º do CIRE).

Tudo isto foi omitido ao Autor.

Mais. A informação prestada - que se tratava de uma aplicação pelo prazo de dez anos, mas que poderia obter o seu reembolso ao fim de cinco anos, se o BPN decidisse proceder ao pagamento antecipado - , à luz dos critérios fixados no art. 236º do CCivil, e que remetem para a percepção do declaratário médio ou normal, foi razoavelmente interpretada pelo Autor como um compromisso contratual por parte do Banco réu para com o Autor de garantia do reembolso do capital aplicado.


Daí que o Autor tenha confiado que o “investimento era feito no BPN estando o reembolso do capital por este banco garantido, em termos idênticos à abertura de um depósito a prazo junto do mesmo.” (nºs 21 e 22 da matéria de facto).


Os factos apurados demonstram que o Banco não prestou ao Autor, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada quando: não explicou ao Autor o que eram obrigações subordinadas, e a explicação era necessária porque o Autor sempre aplicara o seu dinheiro em depósitos a prazo; que havia uma clara diferença de liquidez entre uma obrigação a 10 anos e um depósito a prazo; não o informou que o devedor do produto que a adquirira era SLN e a explicação era necessária porque o Autor ficou convencido de que se tratava de um produto BPN.


Neste sentido, decidiu o Ac. STJ de 19.03.2019, P. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, em cujo sumário se lê:

“É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objectiva sobre o produto e sue riscos, assim é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

 Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, o Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal se tratava de obrigações emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do banco.


No mesmo sentido decidiram os acórdãos deste STJ de 10.04.2018, P. 753/16, de 18.09.2018, P. 20329/16, de 07.02.2019, P. 31/17.

Mostra-se assim claramente violado o dever de informação que nos termos do art. 7º do CVM, a respeito da qualidade da informação respeitante a valores mobiliários, estatui que “deve ser completa, verdadeira, actual, clara”.

Mostra-se igualmente violado o  art. 77º, nº1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras de 31.12., estatui que “as instituições  de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.” (sublinhado nosso).

Este entendimento veio a ser consagrado no recente AUJ, proferido no âmbito do P. 1479/164T8LRA.C2.S1, sobre a responsabilidade civil dos intermediários financeiros, no qual o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Provada a ilicitude consistente na violação dos deveres de informação, e a culpa, que se presume (art. 314º/2), importa verificar da existência de um nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido, que são, como se sabe, além da ilicitude e da culpa, pressupostos da obrigação de indemnizar. (art. 483º do CCivil).


O dano corresponde à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro em causa, e está também provado face à insolvência da SLN e ao carácter subordinado do crédito do Autor (art. 48º do CIRE), não se antevendo que algo venha a receber na Massa Insolvente da SLN.

No que tange ao nexo de causalidade, a lei civil (art. 563º do CC), adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.


Na aplicação deste princípio aos casos de responsabilidade civil do intermediário financeiro, o Supremo Tribunal de Justiça vinha decidindo que provando-se que o autor não teria subscrito as obrigações se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, estava demonstrado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano (cf., entre outros, Acórdãos de 17.03.2016, P. nº 70/13, de 05.06.2018, P. 18331/16, de 19.03.2019, P. 3922/16).

Jurisprudência que veio a ser consagrada no já referido AUJ, pontos 3 e 4:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 


No caso vertente, tendo-se provado que “se o Autor tivesse sido informado que os instrumentos intitulados SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 não eram emitidos pelo BPN não teria subscrito as obrigações”, ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.


Conclui-se do exposto que no caso se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, o que conduz à inevitável improcedência da revista e à confirmação da decisão recorrida. 


Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, negando-se a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 29.11.2022


Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva