Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO SILVA MIGUEL | ||
Descritores: | RECURSO PENAL PENA DE PRISÃO CONCURSO DE INFRACÇÕES CONCURSO DE INFRAÇÕES CÚMULO JURÍDICO PENA ÚNICA ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS PARENTESCO IDADE ARGUIDO BEM JURÍDICO PROTEGIDO IMAGEM GLOBAL DO FACTO ILICITUDE CULPA ANTECEDENTES CRIMINAIS PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
Data do Acordão: | 05/27/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL. | ||
Doutrina: | - Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral II – Penas e medidas de Segurança, Almedina, Reimpressão da edição de janeiro 1989, 2010, p. 155. - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial -Tomo 1 (artigos 131.º a 201.º), 2.ª edição, 2012, Coimbra Editora, Coimbra, p. 834. - Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 56-57. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 41.º, N.º2, 71.º, 77.º, N.ºS 1 E 2, 171.º, N.ºS 1 E 3, 177.º, N.º 1, AL. A). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 4 DE NOVEMBRO DE 2004, PROCESSO N.º 3502/04. NO MESMO SENTIDO O ACÓRDÃO DE 25 DE MARÇO DE 2015, PROCESSO N.º 1101/09.6PGLRS.L1.S1, E DE 9 DE FEVEREIRO DE 2012, PROCESSO N.º 1/09.3FAHRT.L1.S1. -DE 3 DE NOVEMBRO DE 2005, PROCESSO N.º 2952/05. -DE 11 DE FEVEREIRO DE 2009, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 4131/2008. -DE 27 DE JUNHO DE 2012, PROCESSO N.º 70/07.0JBLSB-D.S1. -DE 9 DE DEZEMBRO DE 2012, PROCESSO N.º 1/09.3FAHRT.L1.S1. -DE 12 DE SETEMBRO DE 2012, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 605/09.4PBMTA.L1.S1. -DE 29 DE MARÇO DE 2012, PROCESSO N.º 18/10.5GBTNV.C1.S1. NO MESMO SENTIDO, ENTRE OUTROS ACÓRDÃOS NELES CITADOS, OS DE 8 DE JANEIRO DE 2014, PROCESSO N.º 104/07.9JBLSB.C1.S1, E DE 6 DE FEVEREIRO DE 2014, PROCESSO N.º 417/11.5BBLLE.E1.S1, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2014, PROCESSO N.º 1572/11.0JAPRT.P1.S2, DE 26 DE JUNHO DE 2013, PROCESSO N.º 230/05.9GBMMN.E1.S1, E DE 24 DE JANEIRO DE 2013, PROCESSO N.º 184/03.6TASTB.E2.S1. -DE 26 DE JUNHO DE 2013, PROCESSO N.º 230/05.9GBMMN.E1.S1. -DE 4 DE JULHO DE 2013, PROCESSO N.º 39/10.8JBLSB.L1.S1. -DE 20 DE NOVEMBRO DE 2013, PROCESSO N.º 1181/12.6JAPRT.P1.S1. -DE 15 DE OUTUBRO DE 2014, PROCESSO N.º 2504/14.9T2SNT.S1 -DE 10 DE DEZEMBRO DE 2014, PROCESSO N.º 659/12.6JDLSB.L1.S1. | ||
Sumário : | I - O recorrente, de 75 anos de idade, foi condenado pela autoria de 18 crimes de abuso sexual, p. e p. pelos arts. 171.º, n.os 1 e 3, e 177.º, n.º 1, al. a), ambos do CP, e avô das 3 menores, cometidos no período de cerca de quase 2 anos, sendo ofendidas as suas netas de 13, 11 e 7 anos, na pena conjunta de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, numa submoldura para efeitos de efetivação do cúmulo de 5 a 25 anos de prisão. II - Apesar de a idade superior a 70 anos, ao contrário do que ocorria no Código Penal de 1886 e mercê da nova técnica utilizada a propósito, não ser mencionada expressamente no texto do Código Penal, não lhe retira particular valor atenuativo geral, pelo fator mitigador da culpa do agente e pela diminuição da necessidade da pena em razão das menores exigências de prevenção especial. III - A pena única a impor deverá, na sua duração, espelhar a intensidade da ilicitude e as necessidades de prevenção geral, mas também ter uma dimensão humanizada, modelada pela diminuição da culpa em razão da avançada idade do agente, com ausência de antecedentes criminais e menor necessidade de pena, por mais diluída a exigência de prevenção especial. IV - É em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa, que é determinada a medida da pena, cuja concretização há de atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime. V - Na formação da pena única importa atender à visão de conjunto dos factos dados como provados e à conexão entre eles, e surpreender da atividade desenvolvida pelo agente uma compreensão dos factos por referência à sua personalidade e aos demais critérios legais enunciados, aos quais se conforme e encaixe a pena única a aplicar, tendo presente as exigências de prevenção especial e de prevenção geral. VI - A pena única de 10 (dez) anos de prisão, em vez da pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão mostra-se adequada por satisfazer os interesses da prevenção, especial e geral, e não ultrapassar a medida da culpa, enquadrando-se numa relação de proporcionalidade, de justa medida, entre a pena única ora determinada, cuja gravosidade se projeta na medida fixada, e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, derivada da severidade do facto global. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório AA, nascido em ..., filho de ... e de ..., ..., residente, antes de preso, na ..., pela prática dos factos constitutivos dos crimes e nas penas adiante descritas, relativas a cada uma das vítimas seguintes: Operando o cúmulo jurídico das penas antes mencionadas, foi condenado na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão. «1 – O acórdão recorrido, ao sustentar a sentença proferida pelo Trib. da Comarca de Leiria violou o princípio “ne bis in idem” princípio, com assento no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que “Ninguém pode ser julgado (condenado) mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, ao condenar o Arguido em três crimes perpetrados na pessoa da DD numa garagem junto a sua casa, já que segundo a prova junta aos autos, é manifesto que nesse local apenas praticou um deles, cujo modo operandi se encontra devidamente descrito. 2 - O acórdão recorrido, ao sustentar a sentença proferida pelo Trib. da Comarca de Leiria violou o art. 171º nº 1 do CP ao interpretar e condenar o comportamento do Arguido como um acto sexual de relevo o facto daquele ter tocado no sexo da ofendida DD quando a ensinava a nadar. 3 - O acórdão recorrido, ao sustentar a sentença proferida pelo Trib. da Comarca de Leiria violou o art. 171º nº 1 do CP ao interpretar e condenar o comportamento do Arguido como um acto sexual de relevo o facto daquele colocar a mão na perna da DD. 4 - O acórdão recorrido, ao sustentar a sentença proferida pelo Trib. da Comarca de Leiria violou o art. 171º nº 1 do CP ao interpretar e condenar o comportamento do Arguido como um acto sexual de relevo o facto daquele ter tocado na DD quando com ela se cruzou em casa do padrinho. 5 - O acórdão recorrido, ao sustentar a sentença proferida pelo Trib. da Comarca de Leiria violou os arts. 40º, 70º e 71º do C. Penal já que não teve em conta a culpabilidade do Arguido e a ilicitude dos actos que cometeu, por um lado, e as exigências de medidas de prevenção por outro, ao aplicar as penas ao Arguido e ao efectuar o cúmulo jurídico.» «A) - O douto acórdão recorrido não padece de falta de fundamentação, insuficiências, erro de apreciação ou qualquer irregularidade ou nulidade; B) - As pretensões do Recorrente, AA, carecem de fundamento, pelo que devem ser julgadas improcedentes e negado provimento ao recurso; C) - O acórdão recorrido é correcto, não violou qualquer dispositivo legal, nem os direitos de defesa do arguido, pelo que, não merecendo censura, deve ser mantido e confirmado nos seus precisos termos.»
II. Fundamentação 1. O Senhor Procurador-Geral Adjunto suscita a questão da inadmissibilidade do recurso. Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso. i. Matéria de facto «1. O arguido é avô materno de: a) BB, filha de ... e de ..., nascida do dia ...; b) DD, filha de ... e de ..., nascida no dia ...; c) CC, filha de ... e de ..., nascida no dia .... 2- O arguido residia na Rua ... e as netas residiam com os seus progenitores na Rua .... 3- Desde o Verão de 2011 até, pelo menos ao período pascal de 2013, que o arguido quase diariamente falava ao telefone com as suas netas BB, DD e CC, dizendo-lhes que “aquilo” estava sempre a crescer, que estava com “tesão” e que queria “foder”. 4- DD passou as férias de Verão em casa dos avós maternos, nos anos de 2011 e 2012. 5- Numa ocasião, no Verão de 2011, quando a DD ali passava férias, na garagem da sua residência, mostrou-lhe uma revista de conteúdo pornográfico. 6- Em data indeterminada do Verão de 2012, na praia, o arguido agarrou no corpo de DD com o pretexto de a ajudar a nadar e mexeu-lhe insistentemente na zona da vagina para satisfazer os seus instintos sexuais. 7- Desde Setembro de 2012 que o arguido transportava no seu veículo automóvel as suas netas CC e DD de e para a escola. 8- Por vezes, a DD seguia no banco da frente, ao lado do condutor e nessas ocasiões, por múltiplas vezes, colocou as mãos nas pernas daquela apalpando-as e acariciando os genitais da mesma. 9- Em período temporal não concretamente apurado, mas situado entre o Verão de 2011 e a Páscoa de 2013, pelo menos por três vezes, o arguido, no interior da sua garagem, colocou a sua neta DD em cima de algumas gavetas, que ali se encontravam, para que esta ficasse à sua altura, ordenou-lhe que despisse as calças e as cuecas, despiu-se pelo menos parcialmente, e disse-lhe que queria “foder”. 10- Após, o arguido encostava o seu pénis à vagina da DD e ejaculava. 11- Num fim de semana do ano de 2013, num domingo, levou as netas BB, DD e CC até S. Pedro de Moel. 12- No percurso de regresso a sua casa, o arguido imobilizou o veículo num pinhal e disse a CC para ir para o banco da frente e a DD e BB para o banco de trás. 13- Na presença da DD e da CC, disse à BB para se despir. 14- Por isso, obedecendo, no banco de trás a BB despiu as calças e as cuecas e colocou-se à frente do arguido que havia puxado as calças e as cuecas para baixo e observando os genitais da neta, encostou o seu pénis à vagina daquela, a qual, quase de imediato lhe tirou o pénis e vestiu-se. 15- Logo de seguida, o arguido dirigiu-se a DD, a qual, por ordem daquele, desceu as calças e as cuecas, após o que ele a sentou ao seu colo, de frente para ele e encostou o pénis na vagina da menor. 16- Após, alguns momentos, mandou-a virar e sentou-a ao seu colo, de costas para ele, encostando o pénis no ânus dela, até ejacular, nomeadamente em cima dos genitais da DD e de seguida, limpou-se com um pano, tendo aquela feito o mesmo. 17- BB e CC presenciaram os factos descritos em 15 e 16. 18- Numa sexta-feira do ano de 2013, o arguido deslocou-se a casa das netas, tendo levado a DD para um quarto, encostou o pénis na vagina daquela e ejaculou. 19- Após ejacular, o arguido colocou na televisão um filme com imagens de adultos em práticas sexuais de conteúdo explícito e exibição de órgãos sexuais, filme esse que visualizou com a neta DD. 20- Na ocasião referida em 18, a menor BB foi para a casa de banho onde se trancou. 21- No domingo de Páscoa de 2013, em casa do padrinho da DD, o arguido, ao cruzar-se com esta, apalpou-lhe os órgãos genitais. 22- Em dia indeterminado do ano de 2013, no interior de sua garagem, o arguido exibiu à sua neta CC uma revista de mulheres com exibição de órgãos genitais, bem como a apalpou na zona do traseiro. 23- O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sendo conhecedor da idade das suas netas e actuando com o propósito de dar satisfação à sua luxúria e obtenção de prazer sexual, bem sabendo que ofendia a liberdade e os sentimentos daquelas. 24- O arguido previu e quis proferir palavras de teor sexual e imagens de conteúdo pornográfico, no sentido de constranger as suas netas a sofrer contactos de natureza sexual e cercear a liberdade sexual das mesmas., para lograr, como logrou, os seus intentos de satisfação sexual. 25- Do relatório social do arguido consta, além do mais, o seguinte: O arguido frequentou a escola apenas por um curto período, tendo começado a trabalhar numa quinta como guardador de perus com 7 anos de idade e mais tarde numa outra quinta, onde trabalhava o pai como guardador de porcos. Aos 13/14 anos trabalhou na construção civil, área onde se especializou como pintor e estucador, estabelecendo-se por conta própria, após casar aos 24 anos de idade. Não obstante não ter concluído qualquer grau de ensino, ao longo dos anos, adquiriu algumas noções básicas de literacia e de escrita. O arguido, antes da reclusão residia com a mulher e com o neto e companheira deste, neto este que vivia com o casal desde os 4 anos de idade, após a mãe ter contraído nova relação marital. O arguido encontra-se reformado desde há cerca de 8 anos, é referido como adequado no relacionamento interpessoal e pessoa activa no apoio prestado ao cônjuge, que padece de várias patologias clínicas relacionadas com deficiências físicas e diabetes. Este agregado residia em moradia própria, de construção humilde, inserida em meio rural e com adequadas condições de habitabilidade. No valor global, o arguido e esposa auferiam reformas de € 700,00, montante suficiente para assegurarem a sua subsistência, sendo que o arguido praticava alguma agricultura de subsistência e criação de animais domésticos. O arguido tem juntamente com a mulher um filho e uma filha (mãe das menores), os quais mantêm, desde há alguns anos, um relacionamento distante e superficial com os pais. A situação de reclusão é sentida pelo arguido com, alguma angústia, devido à privação de liberdade e às necessidades de apoio à mulher, para quem a situação jurídico-penal do arguido causou forte impacto. O arguido, de início teve algumas dificuldades de adaptação ao meio prisional, entretanto ultrapassadas. Mantém comportamento cumpridor das regras e uma atitude de algum isolamento/confinação à cela. 26- O arguido não tem antecedentes criminais. 27- Desde Abril de 2013, em consequência da conduta do arguido, as menores têm tido acompanhamento psicológico. 28- Os actos praticados pelo arguido sobre as menores poderão afectar negativamente o seu desenvolvimento físico, sexual e psíquico.» Foram dados como não provados os factos que se transcrevem: «Para além de factos manifestamente conclusivos ou contrários aos dados como provados, não se provaram quaisquer outros, a saber: a) Quando o arguido se encontrava sozinho com a BB, tocava-lhe nos órgãos genitais e perguntava-lhe “quando é que vamos foder?”; b) Na ocasião referida em 5, o arguido tenha perguntado à neta DD se queria ter relações sexuais com ele; c) A praia referida em 6 seja em S. Pedro de Moel; d) Num dia de fim de semana, no ano de 2013, o arguido levou as netas a passear até S. Pedro de Moel e, no regresso, numa zona de pinhal, parou o veículo, saiu para o exterior, informando-as de ia urinar; e) Após ao regressar não fechou as calças, mantendo o pénis de fora e dirigiu-se ao veículo, exibindo o pénis às netas; f) Nas circunstâncias referidas em 7, o arguido transportava também a sua neta BB; g) Nas ocasiões referidas em 9, o arguido tenha beijado a DD na boca; h) Nas ocasiões referidas em 9, o arguido tenha perguntado a DD “se tinha sido bom”, “se ela tinha gostado” e disse-lhe que o que tinham estado a fazer é que era “foder”; i) Nas circunstâncias referidas em 9 e 10, o arguido tenha penetrado com o pénis na vagina de DD; j) Na ocasião referida em 13 e 14, o arguido tenha dito a BB que se não se despisse contava tudo ao pai dela; l) Na ocasião referida em 14, o arguido tenha penetrado com o pénis na vagina de BB; m) Após a ocasião referida em 14, BB tenha abandonado o veículo; n) Na ocasião referida em 15, DD tenha acariciado o pénis do arguido; o) O facto referido em 18 tenha ocorrido no dia 22 de Março; p) Na ocasião referida em 18 o arguido sabia que a mãe das menores e a CC não estavam em casa; q) Na ocasião referida em 18, o arguido tenha dito que queria “foder” e que tenha levado também BB para o quarto; r) Na ocasião referida em 18, o arguido tentou encostar o pénis dele na vagina de BB para assim a penetrar; s) Na ocasião referida em 18, o arguido tenha penetrado com o pénis na vagina da DD; t) Na ocasião referida em 21, o arguido olhava para DD, com insistência, enquanto mordia os lábios; u) As menores, aquando dos actos praticados pelo arguido sofreram fortes dores físicas;». Pelos factos que lhe foram imputados e dados como provados, o arguido veio a ser condenado na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão. ii. O regime jurídico relativo à pena única 1. Quando o agente pratica uma pluralidade de crimes, formando um concurso efetivo de infrações, quer seja concurso real, quer seja concurso ideal, homogéneo ou heterogéneo, sem que tenha sido julgado e condenado, com decisão transitada, é-lhe aplicada uma pena única. Cavaleiro de Ferreira[5] afirma que «[à] pluralidade de crimes (concurso real e ideal de crimes) corresponde uma pluralidade de penas aplicáveis. Mas a soma ou cúmulo material das penas, ainda que seja o princípio de que parte o sistema do código, é corrigida pela proclamação de um outro princípio, o princípio de que uma só pena - única e total – será imposta ao delinquente». Os princípios gerais de determinação da pena única constam do artigo 77.º do Código Penal (CP), que estabelece as regras da punição do concurso. No n.º 1 prevê-se que, «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente», e no n.º 2, prescreve-se que «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes». iii. Idade avançada e atenuação da pena «Essa circunstância, como sustentou o Ministério Público em alegações orais perante este Tribunal, não sendo hoje fundamento de atenuação especial da pena, deve funcionar como factor de atenuação geral. Como se viu, o art. 71.º do C. Penal manda atender à culpa, às condições pessoais do agente e à sua conduta anterior ao facto, o que aconteceu, mas em medida insuficiente. Com efeito, o Código Penal de 1886 previa como circunstância atenuante da responsabilidade criminal do agente o «ser menor de catorze (sendo punível), dezoito ou vinte e um anos, ou maior de setenta anos» (art. 39.º, circunstância 3.ª) (sublinhado agora), com atenuação especial nos art.ºs 107.º (menores de 21 anos) e 108.º (menores de 18 anos) Escrevia, a propósito Maia Gonçalves (Código Penal Anotado, 3.º Ed., 1977, pág. 118) que é «uma circunstância de natureza pessoal, baseada em diminuição de culpa» (cfr. Ac. do STJ de 31.8.61, BMJ 107-432). E Eduardo Correia: «compreende-se que uma idade avançada, fazendo voltar como que a uma segunda infância, produza sobre a imputabilidade efectivas consequências. Por isso, se manda atenuar a pena quando se é maior de setenta anos.» (Direito Criminal, II, 382). O mesmo Autor acrescentara anteriormente: «possível é também, a consideração de que é uma circunstância de ter mais de setenta anos exige uma maior benevolência pelo respeito devido aos velhos. A entender-se, todavia, assim, como parece ser mais razoável, será o momento do julgamento, e não da prática do crime que determina a possibilidade de atenuação.» (Apontamentos Sobre as Penas e sua Graduação no Direito Criminal Português, Coimbra, 1953, págs. 296-7). Pode ainda dizer-se que a idade superior ao 70 anos, dá um outro e muito mais majorado sentido ao tempo de encarceramento, dado o limitado tempo de vida previsível. O não ter sido indicada expressamente esta circunstância como atenuante no texto do C. Penal, mercê da nova técnica utilizada a propósito, não lhe retira actualmente o valor atenuativo que acima se analisou. Neste sentido se pronunciou já este Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 8.7.2003, proc. n.º 2155/03-5, com o mesmo Relator (cfr. sobre esta problemática os Acs. 27.3.2003, proc. n.º 513/03-5, Relator: Cons. Santos Carvalho, de 22.4.04, proc. n.º 224/04-5 e de 11.12.2003, proc. n.º 2152/03-5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa, de 5.5.04-3, proc. n.º 1130/04-3, Relator: Cons. Silva Flor e de 29.9.04, proc. nº 2695/04-3, Relator: Cons. Silva Flor)» c. A determinação da medida concreta da pena única 1. O tribunal coletivo condenou o recorrente AA, pela prática de 18 crimes de abuso sexual de crianças, sendo 6 deles previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b), e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP, nas pessoas das suas netas: BB, 1 crime, sendo imposta a pena de 10 meses de prisão; CC, dois crimes, sendo impostas as penas de 10 e 8 meses de prisão, e DD, 3 crimes, sendo impostas as penas de 10 (dez), 8 (oito) e 10 (dez) meses de prisão; 3 crimes previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP a cada uma das suas netas BB, CC e DD, sendo condenado por cada um na pena de 1 (um) ano de prisão), e 9 crimes, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP, sendo vítima de um dos crimes a sua neta CC, pelo qual foi imposta a pena de 5 (cinco) anos de prisão, e 8 (oito) crimes, sendo vítima a neta DD, 5 deles punidos, cada um, com uma pena de 5 (cinco) anos de prisão) e 3 deles punidos, cada um, com a pena de 3 (três) anos de prisão), e, em cumulo jurídico, na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis ) meses de prisão. Para a determinação dessas penas parcelares dentro dos limites definidos pela lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, à luz dos critérios estabelecidos no artigo 71.º do CP, o tribunal considerou «(…) o circunstancialismo do caso concreto» e «intensidade do dolo demonstrada na multiplicidade de crimes praticados, a revelar a necessidade de acautelar particulares necessidades de prevenção especial», o «circunstancialismo que [o arguido] relata, praticamente a culpabilizar as netas do sucedido com a inerente desculpabilização dos seus actos», revelando «uma fraca noção da gravidade dos actos praticados», tendo em conta «a idade das menores, que no ano de 2011 tinham respectivamente 13, 11 e 7 anos, e as consequências que os actos praticados pelo arguido poderão acarretar no seu são e saudável desenvolvimento psicológico», as «elevadas (…) necessidades de prevenção geral, dada a divulgação frequente da prática de actos do género, com o consequente alarme social que tal provoca, a significar que só uma resposta firme satisfaz a confiança da comunidade na validade e vigência das normas violadas, importando «considerar que dada a relação de parentesco existente entre o arguido e as vítimas BB, DD e CC, nos termos do art.º 177.º n.º 1 aI. a) as penas são agravadas de 1/3 nos seus limites mínimos e máximo», e, «[d]este modo, quanto aos crimes previstos no art.º 171.º n.º 1, cuja moldura penal abstracta se situa entre 1 a 8 anos de prisão, é a mesma alargada para 1 ano e 4 meses de prisão a 10 anos e 4 meses de prisão e quanto aos crimes previsto no art.º 171.º n.º 3, cuja moldura penal se situa entre 1 mês a 3 anos de prisão é a mesma alargada para 1 mês e 10 dias de prisão a 4 anos de prisão». «Nos termos do art.º 77.º do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única, tendo como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas. Por força do n.º 1 do art.º 77.º, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. No caso concreto, a punição do concurso será encontrada dentro de uma moldura abstracta fixada entre 5 anos de prisão e 46 anos e 8 meses de prisão, reduzida a 25 anos, por força do disposto no art.º 41.° n.º 2. Atendendo ao conjunto de circunstâncias anteriormente enunciadas, entende-se adequado condenar o arguido na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão.» «Compulsando o que consta do acórdão recorrido sobre o doseamento das penas parcelares, verifica-se que as penas aplicadas se situam no patamar mínimo exigido pelas necessidades de prevenção geral, sendo certo que a aplicação de penas inferiores colocaria em causa as exigências mínimas irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. E relativamente à pena única encontrada mais se acentua que pena inferior à aplicada (muito próxima do limite mínimo e muito distante do limite máximo) atentaria de forma grave contra a eficaz defesa do ordenamento jurídico. E apenas se pode justificar a pena aplicada e não outra mais gravosa atendendo à idade já avançada do arguido, sendo certo que neste domínio a integração social não pode adquirir significante valor atenuante, porque não corresponde a uma postura de respeito por valores penalmente protegidos de considerável importância.» Tudo ponderado, valorando globalmente os factos e a personalidade do arguido, tendo presente que a pena há de ser fixada nos limites da moldura abstrata de 5 a 25 anos de prisão, afigura-se ajustada a pena única de 10 (dez) anos de prisão, em substituição da pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão fixada pelas instâncias, por satisfazer os interesses da prevenção, especial e geral, e não ultrapassar a medida da culpa, enquadrando-se numa relação de proporcionalidade, de justa medida, entre a pena única ora determinada, cuja gravosidade se projeta na medida fixada, e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, derivada da severidade do facto global. Termos em que, nesta parte, concede-se provimento ao recurso, reduzindo-se a pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses para 10 (dez) anos de prisão. Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em: * Supremo Tribunal de Justiça, 27 de maio de 2015 Texto elaborado e revisto pelo relator (artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
João Silva Miguel (Relator) Armindo Monteiro ------------
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