Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
41/17.9GBTVD.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECLAMAÇÃO
RECURSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRISÃO PREVENTIVA
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
Data do Acordão: 03/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Perante o STJ Só se admitem recursos que encontrem abrigo no disposto no art.º 432º do CPP.  O que não sucede com a impugnação do despacho que decreta medidas coativas, incluindo a prisão preventiva (a não ser quando a Relação funciona como 1ª instância).

II. Também não cabe nos poderes de cognição do STJ sindicar, em primeira linha, as condições em que se executa a prisão preventiva do arguido.

III. Nos termos da lei, - CEPMPL – Compete ao TEP “garantir os direitos dos reclusos”, um dos quais é, precisamente, o direito a que “os espaços de alojamento respeitam a dignidade do recluso e satisfazem as exigências de segurança e de habitabilidade, designadamente quanto a higiene, luz natural e artificial, adequação às condições climatéricas, ventilação, cubicagem e mobiliário”.

IV. as petições do recluso destinadas a obter melhores condições de habitabilidade e assistência, devem ser apresentadas aos serviços e se indeferidas impugnar a decisão administrativa perante TEP. peticionando, em primeira instância, àquele tribunal de competência especializada que determine aos serviços prisionais a efetivação daquele seu direito, enquanto estiver preso.

V. Se a decisão do TEP lhe for desfavorável, pode recorrer impugna-la através de recurso ordinário.

VI. O STJ não é instância nem tem poderes de cognição em matéria de facto, quando é chamado a decidir na fase de recurso, no processo penal.

Decisão Texto Integral:
O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda:


I. RELATÓRIO:

a. a reclamação:

AA, arguido no processo em epígrafe, notificado do acórdão deste Supremo Tribunal, proferido nos autos em 5 de fevereiro de 2020, veio “RECLAMAR do mesmo”, pretendendo que as questões suscitadas nas conclusões 3 a 8 sejam aqui e agora apreciadas e decididas pelo STJ.

Ampara a pretensão argumentando:

Portugal foi recentemente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no “affaire PETRESCU contra Portugal”, acórdão de conhecimento oficioso e notificado à Exma Procuradora Geral da República, não podendo nem devendo este Alto Tribunal alhear-se de questões relacionadas com os direitos humanos.

Acresce que as regras de recurso para este Alto Tribunal constituem “formalismo excessivo” - “affaire POIROT contra França, nº 29938/07, de 15-2-2011 e S.A. “SOTIRIS and NIKOS KOUTRAS ATTTE” contra Grécia, nº 39442/98 de 16-11-2000, com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a impor respeito pelo artº 6º -1 da CEDH face à dificuldade de acesso aos Tribunais.

Peticiona “e espera que as questões sejam apreciadas e decididas de acordo com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que é direito positivo português sob o artº. 8º da nossa Lei Fundamental”.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO:

1. as conclusões visadas:

O reclamante, rematando o seu recurso perante o STJ, sob os números – 3 a 8 – (transcrevendo o alegado), concluiu ispsis literis:

3 - vai para 14 meses que o arguido jaz numa cela fria e húmida de 5m2; cela sombria, minúscula, sem ventilação, fechado muitas horas, sem tratamento médico condigno aos problemas de que sofre como a toxicodependência, hepatite e acompanhamento psiquiátrico que comunicou ao processo sem resultados até hoje.

4 - a alimentação no EP …… é péssima face ao orçamento miserabilista de 1,29€ por dia por recluso para 4 refeições!! a manutenção do arguido numa prisão sem condições mínimas de dignidade humana, sem ventilação, sem espaço útil mínimo de 4m2, sem alimentação condigna, sem privacidade sem telefone, sem internet, sem motivação para retomar a vida em sociedade traduz insensibilidade do Tribunal a quo e da Direção Geral dos Serviços Prisionais; este statu quo é dramático porquanto,

5 - representa tratamento degradante à luz do artº 3º da Convenção Europeia conforme os Senhores Juízes da Cour Europeenne vêm decidindo há muito; o Relatório do C.P.T. censura Portugal pela sobrelotação prisional e péssimas condições prisionais; deve ser declarada a incompatibilidade da situação prisional do arguido com o artº. 3º da CEDH; se não for neste Alto Tribunal será em Estrasburgo.

6 - o arguido está preso há 14 meses e 25 dias numa cela fria e húmida de 5m2; pediu a restituição à liberdade sem sucesso; recorreu e viu o TRL rejeitar a aplicação de medida menos gravosa que a prisão; entre 3-7-2018 e a data de hoje o arguido nunca foi ouvido pelo Sr Juiz de Instrução de 3 em 3 meses como impõe o art. 213 do CPP.; a prisão é mantida desde 3-7-2018 até hoje sob argumentos estereotipados, isto é, os mesmos de sempre ... é assim a traditio lusitana ….

7 - o Tribunal nunca curou de ouvir o arguido nem de procurar oficiosamente medida menos gravosa que a prisão preventiva como a vigilância eletrónica, apresentações no OPC etc. mas é “normal” que assim seja: “... quando o assunto se refere a encarceramento de um ser humano por outro, no contexto jurídico em vigor, o poder conferido àquele que decide sobre a liberdade do outro é sedutor e destruidor, principalmente quando os ideais de quem julga estão intimamente ligados a uma política repressiva e de estratégias de controle mais do que à própria criminalidade em si ...-Thiago M. Minagé- Em Busca das Garantias Perdidas, pag 251- Ed. Empório do Direito

8[1]- a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem impõe que, à luz do artigo 5º-3 da Convenção Europeia, os Estados nacionais procurem oficiosamente medidas alternativas à prisão preventiva: neste sentido o Affaire LELIEVRE contra Bélgica de 8-11-2007 in www.echr.coe.; o artº. 5º-3 da Convenção, imposto pelo artº 8º da Constituição da Republica deve ser compatível com as decisões dos Senhores Juízes nacionais; as decisões dos Tribunais Portugueses devem ser compatíveis com a Convenção sob pena de desrespeito por um Tratado Internacional: Acórdão QING contra Portugal, proc. 69861/11 de 5-2-2016 in www.gddc.pt, sitio na internet de apoio à Procuradoria Geral da Republica, de conhecimento oficioso; estão vedados “argumentos estereotipados; o perigo de obstruir o bom desenrolar do processo não pode ser invocado em abstrato pelas Autoridades, deve ser baseado em provas factuais concretas; affaire IDALOV contra Russia, proc. 2366/07, §86, de 29-5-2012 case ERDEM contra Alemanha, proc. 38321/97 de 5-10-2001; e GORAL contra Polonia, proc. 38654/97 de 30-10-2003 in www.echr.coe;

Sintetizando, pretende que o STJ, aprecie no vertente recurso também das condições prisionais em que cumpre a medida coativa de prisão preventiva, as quais considera degradantes, por alegada falta de habitabilidade (espaço e conforto), péssima alimentação, ausência de assistência médica e privação de meios de comunicação à distância (telefone, internet).

Diz ter pedido a restituição à liberdade sem sucesso; recorreu e viu o TRL rejeitar a aplicação de medida menos gravosa que a prisão preventiva.

Pretende que o STJ declare a incompatibilidade da situação prisional do arguido com o art.º 3º da CEDH”.

2.  o procedimento:

O Reclamante foi julgado no Juízo Central Criminal de … –Juiz .. e, por acórdão de 9 de setembro de 2019, condenado pela prática, como autor material, de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-A anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão

Inconformado com a condenação, recorreu diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Que, pelo acórdão inicialmente referido, julgou parcialmente procedente o recurso do arguido, reduzindo a pena aplicada para 5 anos de prisão.

3. no acórdão reclamado:

Delimitando o objeto de conhecimento do STJ, decidiu-se no aresto reclamado:

«questões suscitadas:

i. não admitidas no vertente recurso:

O recorrente, irresignado com a improcedência – vd. cls 10 - do recurso que apresentou na Relação de Lisboa visando a revogação da medida de coativa que lhe foi imposta nos autos, dedica mais de metade das conclusões – cls 3 a 9 e 19 a 21 - da sua alegação em consignas contra a prisão preventiva e de denúncia das condições em que se executa. Que considera degradantes e, nessa medida, ofensivas do disposto no art.º 3º - cls. 5 -, e ainda do artigo 5º n.º 3 – cls 8 -, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Não deveria ignorar que o acórdão da Relação que confirmou a prisão preventiva não admite recurso ordinário em duplo grau, ainda que “disfarçado” no pedido de reponderação da decisão condenatória. Nem pode desconhecer que perante este Tribunal Supremo só se admitem recursos que encontrem abrigo no disposto no art.º 432º do CPP. O que não sucede com a impugnação do despacho que decreta medidas coativas, incluindo a prisão preventiva (a não ser quando a Relação funciona como 1ª instância). E que também não cabe nos poderes de cognição do STJ sindicar, em primeira linha, as condições em que se executa a prisão preventiva.

Quanto à invocação do art.º 5º n.º 3 da CEDH não devia o recorrente saltar sobre a norma que imediatamente antecede aquela, ou seja o n.º 2 al.ª c) que consente a privação da liberdade  de arguido em processo penal “quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido”[2].

Assim, porque legalmente inadmissível perante esta instância e no presente recurso, não se conhece da manutenção da prisão preventiva e das condições em que se executa».

4. da medida de coação:

Ainda que o reclamante se tenha reportado ao acórdão da 2ª instância que julgou improcedente a impugnação da decisão que lhe impôs a medida coativa de prisão preventiva, não resulta explicitamente daquela sua peça processual e menos se pode extrair da presente reclamação que com o recurso perante o STJ tenha querido impugnar o acórdão da Relação que confirmou a decisão de que aguardasse os ulteriores termos do processo preventivamente preso.

Todavia, se o seu pensamento e escopo era o de impugnar o julgado nesse acórdão da Relação – e não cremos que fosse -, não podia, evidentemente, deixar de ser rejeitado por inadmissibilidade legal (ademais que, se hipoteticamente fosse admissível, sempre teria de rejeitar-se por extemporaneidade).

Quanto à restrição do recurso no que respeita à impugnação das medidas de coação, basta realçar que está uniformemente assente na jurisprudência dos tribunais judiciais, e do Tribunal Constitucional que a direito ao recurso é, nesse domínio, assegurado e se esgota num só grau de jurisdição.

Evidentemente, sem postergação de o preso poder, concorrentemente, lançar mão da providência de habeas corpus.

E o reclamante não indica, certamente porque não existe, jurisprudência do TEDH que obrigue a um duplo grau de recurso e o consequente acesso a um terceiro grau de jurisdição, quando está em causa a impugnação da decisão que aplicou medidas de coação – incluindo a prisão preventiva. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, designadamente o Protocolo 7, artigo 2º n.º 1, garantindo o direito ao recurso perante uma jurisdição superior, em caso de condenação, não confere um direito de recorrer sempre de qualquer decisão e perante todos os graus de jurisdição.

Também assim a Constituição da República Portuguesa no artigo 32º n.º 1. E na execução deste comando, o artigo 432º n.º 1 al.ª b) do CPP, não permite recorrer perante o STJ de acórdão da Relação que julgou recurso da decisão do juiz de instrução que aplicou medidas de coação, incluindo as que são privativas da liberdade ambulatória.

Consequentemente, neste aspeto, nada há a retificar ou reparar.

5. das condições da prisão:

O reclamante pretende que o STJ, neste recurso, conheça e declare que a sua prisão preventiva está a executar-se em condições degradantes, pelas razões que enuncia.

Convoca em apoio a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) e, concretamente, decisão recente que condenou o Estado Português.

Vejamos:

a. caso Petrescu c. Portugal:

Assinala o reclamante que Portugal foi condenado pelo TEDH – affaire Petrescu c. Portugal, sentença (arret) de 3 de dezembro 2019 -, por violação do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Objeto da causa eram os as questões seguintes:

- art 3 • Tratamento desumano e degradante • Condições de detenção • Problema estrutural da sobrelotação das prisões

- art 35 § 1 • ausência de remédios preventivos ou compensatórios suficientemente acessíveis e eficazes.

O cidadão romeno Daniel Andrei Petrescu alegou, relativamente à primeira questão, “que as células que ocupou tanto a prisão PJ de Lisboa como na prisão de Pinheiro da Cruz estavam superlotadas e insalubres, e que eram frias no inverno. Alegou também que os sanitários não ofereciam suficiente privacidade”.

Na segunda questão estava em causa saber se a lei portuguesa ofereceu ao ali requerente D. Petrescu procedimentos que lhe permitissem reagir e pugnar pela melhoria das condições da sua detenção nos estabelecimentos prisionais.

O THDH, quanto a esta segunda questão estimou que, no caso, não é possível concluir, com um grau suficiente de certeza, que a lei portuguesa ofereceu ao requerente um remédio preventivo e / ou compensatório referente às suas condições de detenção na prisão PJ de Lisboa e na prisão Pinheiro da Cruz.

Não obstante o requerente não tivesse feito reclamações, petições, queixas e exposições relativas à execução das medidas privativas da liberdade para defesa dos seus direitos, o THDH, admitiu a queixa, rejeitando a objeção do governo baseada em que não tinham sido esgotados os recursos internos legalmente previstos.

Recomendou ao Estado português conferir aos reclusos um procedimento (recurso) que lhes permita prevenir a continuação de uma suposta violação ou permitir que o interessado obtenha uma melhoria efetiva das condições de detenção.

O TEDH, quanto à segunda questão, recomendou ao Estado português adotar medidas para garantir as condições de detenção de acordo com o artigo 3 da Convenção

b. jurisdição competente:

Como de certo modo corrobora aquela condenação do Estado português, a nossa organização judiciária, na sua arquitetura constitucional e normativa, é realmente complexa, senão mesmo sui generis. Obviamente – porque é de lei expressa[3] - a aplicação de uma medida coativa, concretamente da prisão preventiva, decretada pelo juiz que preside a cada fase do processo penal, a não ser pela via do recurso ordinário para um tribunal superior da mesma jurisdição e competência material ou através da providência de habeas corpus perante o STJ, não pode ser anulada, substituída, suspensa ou retardada por nenhum tribunal das outras jurisdições ou da mesma jurisdição que não tenha essa competência material e funcional, seja com que fundamento for e designadamente com o pressuposto de são deficientes as condições do estabelecimento prisional em que tenha de executar-se. Ademais da falta de jurisdição e da incompetência – de que poderia resultar o cometimento do crime de prevaricação -, as razões materiais e jurídicas que a determinaram e a sua finalidade – perigo de fuga, perigo de continuação da atividade criminosa, perturbação da ordem e da tranquilidade pública -, são tão evidentes que bem dispensam pormenorizar a justificação para que a prisão preventiva, tenha de executar-se assim mesmo, imediatamente e sem óbices de qualquer natureza.

Contudo, a inevitabilidade da execução da prisão preventiva judicialmente decretada não deve, não pode de modo nenhum, traduzir-se no encarceramento ou confinamento a espaços que coloquem o arguido em condições prisionais desumanas e degradantes. Estas são condições que um Estado de Direito não pode oferecer aos seus detidos ou presos. Com exceção da privação do direito à liberdade ambulatória – e nalgumas situações da restrição de comunicação com o exterior – ou de outras consequências legalmente previstas impostas na condenação definitiva, o preso não deve ser privado de nenhum outro direito fundamental cujo gozo não seja incompatível com a privação da liberdade ou a condenação. Por isso, num Estado de Direito que confina os presos em espaços suficientemente amplos e equipados, os mantem recluídos em condições condignas, e lhes oferece assistência e programas ocupacionais de reabilitação social, questões como a apreciada pelo TEDH, nem sequer deveriam ter base factual para poder prosperar. Nessa linha, a nossa lei obriga a que “os espaços de alojamento respeitam a dignidade do recluso e satisfazem as exigências de segurança e de habitabilidade, designadamente quanto a higiene, luz natural e artificial, adequação às condições climatéricas, ventilação, cubicagem e mobiliário. –art. 26º n.º 4 do Código de Processo de Execução das Penas e Medidas de Segurança Privativas da Liberdade (CEPMPL ou simplesmente e doravante CEP).

Todavia, como a realidade não é a ideal, importa ver, ainda que muito sumariamente, como o regime jurídico interno se conforma para permitir que os presos coloquem ao Estado, aos serviços prisionais, pretensões e como este providencia pela resolução de questões como a que o reclamante pretende que este Supremo Tribunal aprecie e decida no âmbito do vertente recurso.

Entre os vários direitos do recluso, um deles é o de “apresentar pedidos, reclamações, queixas e recursos e a impugnar perante o tribunal de execução das penas a legalidade de decisões dos serviços prisionais” –art.º 7º n.º 2 al.ª m) do CEP.

O disposto no artigo 116º do, no Título XIV (Salvaguarda de direitos e meios de tutela), regendo sobre o “direito de reclamação, petição, queixa e exposição” dos presos, estatui:

“1 - O recluso tem direito a apresentar, por escrito, individual ou coletivamente, reclamações, petições, queixas e exposições relativas à execução das medidas privativas da liberdade para defesa dos seus direitos.

2 - As reclamações, petições, queixas e exposições podem ser dirigidas ao director do estabelecimento prisional, que:

a) Recorre à mediação, para alcançar soluções consensuais;

b) Se pronuncia sobre as reclamações, petições, queixas e exposições que lhe são dirigidas, no prazo máximo de 30 dias; ou

c) As envia de imediato às entidades ou organismos competentes, dando conhecimento ao recluso.

3 - As reclamações, petições, queixas e exposições podem também ser dirigidas ao director-geral dos Serviços Prisionais e ao Serviço de Auditoria e Inspeção da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o recluso pode igualmente apresentar petições, queixas e exposições aos órgãos de soberania e a outras entidades, designadamente à Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça, ao Provedor de Justiça, à Ordem dos Advogados, ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e ao Comité contra a Tortura da Organização das Nações Unidas.

5 - O Regulamento Geral concretiza as condições de exercício dos direitos referidos nos números anteriores.”

A execução das penas e medidas privativas da liberdade está jurisdicionalizada, competindo “aos tribunais judiciais administrar a justiça penal em matéria de execução das penas e medidas privativas da liberdade” – art.º 133.º do CEP. Jurisdição e competência material e funcional que é exercida em 1ª instancia pelos Tribunais de Execução de Penas (TEP), na 2ª instância e no STJ pelas respetivas secções criminais.

Regendo sobre a competência material, estabelece a lei – art. 138.º, n.º 1 do CEP -: “1 - Compete ao tribunal de execução das penas garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei.

No n.º4  dispõe: “Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria: (…):

g) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais;

As decisões dos serviços prisionais são impugnáveis perante o tribunal de execução das penas –art. 200º.

A decisão do tribunal de execução das penas quanto à legalidade ou ilegalidade da resolução dos serviços prisionais não pode ser afetada nos seus efeitos por sentença proferida em tribunal de outra ordem – art. 211º.

Competindo ao TEP “garantir os direitos dos reclusos”, um dos quais é, precisamente, o direito a que “os espaços de alojamento respeitam a dignidade do recluso e satisfazem as exigências de segurança e de habitabilidade, designadamente quanto a higiene, luz natural e artificial, adequação às condições climatéricas, ventilação, cubicagem e mobiliário”, deve, pois, o reclamante, invocando o seu estatuto de preso preventivo, (ou, depois, enquanto preso em cumprimento de pena), peticionar, em primeira instância, àquele tribunal de competência especializada que determine aos serviços prisionais a efetivação daquele seu direito, enquanto estiver preso.

Se a decisão do TEP lhe for desfavorável, pode recorrer para a Relação.

c. poderes de cognição do STJ:

O que não é legalmente admissível é apresentar aquela sua pretensão, direta e inovatoriamente, perante o STJ e, designadamente, enquanto objeto de um recurso ordinário da decisão da 1ª instância criminal que o julgou e condenou pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art.º 21º n.º 1 do DL. n.º 15/93 de 22 de janeiro. E não pode porque a Constituição da República não permite aceder, sempre e em qualquer caso, diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça. Pode sim aceder-se visando a reapreciação da decisão da instância recorrida, mas apenas em matéria de direito. A Constituição da República e o ordenamento legal, assegurando o direito ao recurso, não impõem que possa exercer-se ilimitadamente e perante tribunal de qualquer hierarquia.

A lei ordinária, isto é, o CPP – art. 434.º -, não confere ao STJ poderes de cognição em matéria de facto. No caso, a decisão de mérito sobre a pretensão que o arguido pretende que aqui se decida, exigia averiguar e julgar, provadas ou não provadas, a alegada deficiência das condições em que se executa a medida de coação de prisão preventiva a que está sujeito. Evidentemente e como bem compreenderá, não é minimamente suficiente a sua mera alegação, por mais que repita e veemente afirme que são desumanas e degradantes as condições em que se executa a privação da sua liberdade para que este, ou qualquer outro tribunal – incluindo também o TEDH – as possa dar por assentes. A averiguação das condições concretas tem de fazer-se num processo contraditório, com audição dos serviços prisionais (ou do Estado português), e o julgamento decorrer em audiência pública.

Assim exposto e interpretado o pertinente regime convencional, constitucional e legal, melhor compreenderá o reclamante o sentido da decisão adotada no acórdão reclamado, na parte em que decidiu não julgar, por para tanto carecer de poderes de cognição, as questões suscitadas nas conclusões 3 a 8 do seu recurso.

É certo que no caso Petrescu contra Portugal, aquele não lançou mão dos procedimentos legalmente previstos e, não obstante, o TEDH não deixou de conhecer a sua pretensão, (mesmo depois de se ter conciliado com o Estado português) e, julgando a pretensão do requerente, proferir condenação nos termos citados.

Mas, também certifica a sentença (arret) em referência que o TEDH, para julgar do mérito da pretensão de D Petrescu, averiguou, num processo contraditório, das concretas condições das celas em que o requerente esteve preso no EP da PJ em Lisboa e no EP de Pinheiro da Cruz. Averiguou, pois, matéria de facto, porque os poderes de que está dotado assim lhe permitem (e exigem).

O STJ não tem poderes de cognição em matéria de facto, quando é chamado a decidir na fase de recurso, no processo penal. No sistema de recursos em processo penal, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP

A jurisprudência deste Supremo Tribunal é no sentido de que “o julgamento em recurso não é o da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objeto da causa. Não pode, assim, o tribunal superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao tribunal de que se recorre”. No caso o STJ não pode conhecer de questões que não foram suscitadas perante a 1.ª instância, de cuja decisão se recorreu – Ac. de 25/05/2016, proc. 171/12.3JBLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional vai no sentido de que a limitação do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça à matéria de direito, “trata-se, afinal, da concretização possível da limitação dos graus de recurso baseada em fundamento razoável e não arbitrário e que não implica um sacrifício desproporcionado dos direitos” de defesa do arguido. “Trata-se de uma opção que encontra cabimento ainda na margem de conformação que ao legislador ordinário assiste no âmbito da definição das decisões recorríveis”.

No caso, como se decidiu no acórdão reclamado, o recorrente, na parte visada com a vertente reclamação, desconsiderou, completamente, os poderes de cognição do STJ. Por isso, a sua pretensão, nesse aspeto particular (julgamento e decisão das condições em que se executa a prisão preventiva), não tinha, não tem, qualquer suporte jurídico-processual para poder ser conhecida, no âmbito daquele seu recurso.

É, pois, manifestamente inviável, por infunda, a reclamação deduzida pelo recorrente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, decide indeferir, porque manifestamente infundada, a reclamação do recorrente.

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs (art. 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).


Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Março de 2019.


Nuno Gonçalves (relator)

Paulo Ferreira da Cunha (adjunto)

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[1] Seguramente por lapso de caligrafia o recorrente numerou duas conclusões com 9 e nenhuma com 8.
[2] O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem firmada a seguinte jurisprudência - vd. AFFAIRE MERABISHVILI c. GÉORGIE. (Requête no 72508/13), Grande Chambre, Arret du 28 novembre 2017):
183. Para ser compatível com essa disposição, uma prisão ou detenção deve atender a três condições. 
184. Primeiro, deve basear-se em uma "suspeita razoável" de que a pessoa em causa cometeu um crime, o que pressupõe a existência de factos ou informações que satisfariam um observador objetivo de que a pessoa em causa possa ter cometido um crime. O que é “razoável” dependerá das circunstâncias, mas os factos que fundamentam a suspeita não são do mesmo nível que os necessários para justificar uma condenação, ou mesmo a dedução de uma acusação (…).
185. Em segundo lugar, o objetivo da prisão ou detenção deve ser levar a pessoa em causa a uma "autoridade legal competente" - um ponto a ser considerado independentemente de se esse objetivo foi alcançado (…).
186 . Em terceiro lugar, uma prisão ou detenção de acordo com o subparágrafo (c) deve, como qualquer privação de liberdade prevista no artigo 5, § 1, da Convenção, ser "lícita" e "de acordo com um procedimento prescrito por lei. (,,,)”.
[3] Estatui o artigo 123º n.º 2 do CEP: “2- A prisão preventiva executa-se de acordo com o disposto na decisão judicial que determinou a sua aplicação.”