Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1621/14.0T8MTS-E.P1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
LEGALIDADE
DISCRICIONARIEDADE
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS / EFEITOS DO DIVÓRCIO / ALIMENTOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, p. 72.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 987.º E 988.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1793.º, N.º 3 E 2012.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 701/06.0TBETR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-09-2015, PROCESSO N.º 202/08.1TMLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-01-2018, PROCESSO N.º 68886/13.1TBALM.L1.S1, IN SASTJ, JAN. 2018, P. 33.
Sumário :
Resultando do acórdão recorrido que a decisão de modificar o acordado relativamente à casa de morada de família assentou num julgamento discricionário ditado por uma apreciação casuística e não estando em causa, na revista, os pressupostos ou requisitos abstractamente considerados dessa alteração (mas antes e apenas os factos provados que os perfectibilizam), há que concluir pela rejeição do recurso.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[2]



I – RELATÓRIO


1. AA intentou contra BB o presente incidente de alteração de atribuição da casa de morada da família, pedindo que a mesma seja a si atribuída.

Complementarmente, requer que se ordene às empresas prestadoras de água e energia “E........... S.A.” e “........... M.......- Gestão de Águas de M......., S.A.” para indicarem os contratos e consumos referentes à casa de morada de família.

Para tanto, alegou que, no âmbito do processo de Divórcio sem Consentimento, que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, 3.ª Secção, com o n.º 1621/14.0T8MTS, a casa de morada de família, sita na A..........., n.º ..........., habitação n.º ..., ...., ficou entregue ao Requerido até venda ou partilha da mesma.

Porém – prosseguiu -, circunstâncias supervenientes à referida atribuição tornam imperioso proceder à alteração deste regime.

Com efeito – mais alegou – a Requerente reside actualmente em casa dos seus pais, de tipologia T3, juntamente com os seus dois filhos menores, CC e DD de, respectivamente, 15 e 6 anos de idade, para além dos seus pais e de uma neta dos mesmos, filha da sua irmã.

Ora, atendendo à actual idade das crianças, esta situação não lhes proporciona as condições necessárias para o seu desenvolvimento quer a nível psicológico, quer a nível emocional, estando designadamente a menor CC a dormir no sofá da sala de estar.

Por outro lado – mais aduziu -, actualmente são os seus pais, na qualidade de fiadores do imóvel, que se encontram a proceder ao pagamento das prestações mensais do mesmo, pois o Requerido deixou de o fazer, incumprindo com o que ficou estabelecido na Ata de Divórcio.

Por fim, referiu que o Requerido não se encontra a residir na casa de morada de família, residindo actualmente na Rua ........., n.º ...., ............


2. Frustrada a tentativa de conciliação, apresentou-se o Requerido a contestar, impugnando a generalidade da matéria alegada no requerimento Inicial.

Contrapôs, com particular relevo, que ficou desempregado no início de 2016, o que motivou que não pudesse pagar as prestações à instituição de crédito.

Alegou que tais dificuldades financeiras foram igualmente determinantes para que deixasse de poder viver na casa de morada de família durante um período de tempo, uma vez que não conseguia pagar o condomínio, as contas da água, luz, tv/telefone, serviços que acabaram por ser cortados e/ou cancelados. Pelo que passou a ocupar uma casa, sita na Rua ........., n.º ..... em ..........., pertencente à herança do seu falecido pai, com as ajudas da mãe, irmã e cunhado.

Porém – mais disse -, a partir do momento em que conseguiu arranjar trabalho [finais de 2016] e com a ajuda financeira da actual companheira, voltou a viver na casa de morada de família dos autos.

Concluiu pedindo que o presente incidente seja julgado improcedente, por não provado.


3. Efectuada a instrução, foi proferida a decisão final, finda com o seguinte dispositivo:

- “Face a tudo quanto supra se expendeu decide-se julgar procedente por provado o presente incidente e em consequência alterar a resolução tomado por acordo entre a requerente AA e o requerido BB quanto ao uso da casa de morada de família sita na Avenida das ..........., n.º ..........., Habitação n.º...., .... e atribuir o seu uso à requerente até venda ou partilha, devendo o requerido abandoná-la livre de pessoas e coisas.”


4. Irresignado com o assim decidido, o Requerido interpôs o competente recurso de apelação, o qual, por Acórdão proferido a fls. 160 e ss., foi julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.


5. De novo inconformado, o Requerido interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo, apelando para o disposto nos arts. 671.º, n.º 1, e 672.º, n.º,1 als. a) e b), ambos do Cód. Proc. Civil[3].

A encerrar a respectiva alegação, formulou as seguintes conclusões:

  1 - É o presente recurso de revista, interposto do aliás douto Acórdão proferido em 11 de Julho de 2018;

2 - Porquanto, data vénia, padece de erro de julgamento (erro in judicando), dado distorcer quer a realidade factual (error facti), assim como na aplicação do direito (error juris), uma vez que o decidido não corresponde à realidade fáctica e normativa invocada e aplicada.

3 - Em suma, ao contrário do decidido, não se verifica nos presentes autos uma alteração das circunstâncias supervenientes nem a alteração da "necessidade” - segundo a estrita legalidade exigida-, que justifique e legitime a alteração do acordo celebrado e homologado pelo tribunal.

4 - Perante os factos dados como provados - que aqui se dão, por economia processual, reproduzidos e integrados -, a apreciação da verificação dos pressupostos legais imperativamente fixados e atinentes à ponderação do juízo de "conveniência e oportunidade", não legitimavam a alteração do acordo celebrado e homologado pelo tribunal.

5 - Pelo que o douto acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas anteriormente citadas v.g. 1793°, 201.2°, ambos do C.C.; 988° e 990°, estes do C.P.C.. ‑ o que se invoca para todos os efeitos legais v.g. art°. 682.°, CPC.”


E assim remata no sentido de ser concedido provimento ao recurso e proferida decisão em conformidade com o defendido por ele, Requerido.


6. Não foi apresentada qualquer resposta.


7. Apresentados os autos à Formação Complementar aludida no n.º 3, do art. 672.º, pela mesma foi proferido o douto Acórdão constante de 224 e ss., no qual, entre o mais, se estatuiu:

- “[…]

5. A montante da questão relativa à admissibilidade da revista excecional está a de saber se, tratando-se de incidente de jurisdição voluntária, não temos o bloqueio recursório constante do n.°2 do artigo 988.° do dito código.

6. O juízo sobre tal não é adequado aos juízos liminares assentes em evidência que esta Formação tem feito sobre os pressupostos gerais de admissibilidade da revista, pelo que - na sequência do que tem sido orientação constante desta mesma Formação - devem os autos ir à distribuição como revista normal.

Se se entender que o recurso não é admissível face àquele n.° 2 do artigo 988.°, finda a instância recursória.

Se se entender o contrário, passa a relevar a dupla conformidade e vêm ao de cima as regras de admissibilidade próprias da revista excecional, cuja apreciação nos cabe.”

E assim se concluiu, determinando “[…] a distribuição como revista normal, voltando os autos se for caso disso.”

8. Nada a tal opondo, cumpre decidir.


II – FACTOS

- No douto Acórdão foram considerados factos provados os que seguem:

1) Requerente e Requerida contraíram casamente, sem convenção antenupcial, no dia 01 de setembro de 2001.

2) Na constância do casamento nasceram os filhos do casal, CC, no dia 14 de setembro de 2002 e DD, no dia 19 de junho de 2011.

3) No dia 07 de janeiro de 2016 foi proferida sentença que declarou dissolvido por divórcio por mútuo consentimento o casamento entre requerente e requerido.

4) Na mesma data (07 de janeiro de 2016) foi homologado o acordo entre requerente e requerido firmado no dia 20 de janeiro de 2015, quanto ao destino a dar à casa de morada de família, sita na A..........., n.º ..........., habitação n.º ....., ..., concelho de Matosinhos, que ficou atribuída ao requerido até à sua venda ou partilha.

5) Na mesma data (07 de janeiro de 2016) foi homologado, por sentença, acordo entre requerente e requerido quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos do casal, cuja residência ficou atribuída à requerente, cabendo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das crianças e definido um regime de convívio das crianças com o progenitor.

6) A requerente reside em casa dos seus pais com os seus dois filhos.

7) À data da interposição da presente ação o requerido residia na Rua ......., n.º ......, ............

8) O requerido esteve na situação de desempregado entre o mês de janeiro de 2016 e o mês de setembro de 2016.

9) O requerido residiu na morada referida em 7) desde que ficou desempregado e até ao passado mês de dezembro de 2017.

10) Atualmente o requerido reside na casa de morada de família.

11) Requerente e requerida contraíram empréstimo bancário destinado à compra da casa de morada de família, tendo os pais da requerente assumido a garantia do seu pagamento na qualidade de fiadores.

12) Quanto ficou desempregado o requerido deixou de pagar a prestação mensal para amortização do empréstimo referido em 11).

13) Nos meses de janeiro de 2017 a setembro de 2017 o requerido pagou metade da prestação devida ao banco Millenium BCP, para amortização do empréstimo bancário referido em 11).

14) Corre termos no Cartório Notarial inventário para partilha dos bens comuns do casal, a qual ainda não se mostra concluída.

- E foram considerados factos não provados os seguintes:

I. Na residência dos pais da requerente também habite uma outra neta, filha da irmã da requerente;

II. A CC não tenha quarto próprio e tenha de dormir no sofá da sala de estar;

III. Para além do que se teve por provado em 13), que o requerido tenha vindo a pagar todos os meses as prestações para amortização do empréstimo bancário referido em 11).

IV. O Requerido tenha deixado de viver na casa de morada de família por dificuldades económicas.


Nada a tal opondo, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO


1. Como claramente emerge do estatuído em sede do final segmento do douto Acórdão prolatado pela Formação Complementar, e que acima deixámos transcrito, a questão que ora nos cumpre, desde já, dilucidar, traduz-se em saber se o recurso de revista excepcional a que o Recorrido, em ordem a ultrapassar o impedimento recursório decorrente da bi-confomidade verificada entre ambas as decisões das Instâncias, lançou mão, é ou não admissível, tendo em conta a especial natureza do vertente processo – de jurisdição voluntária ou graciosa – e o normativamente disposto no n.º 2, do art. 988.º.

Na verdade, depois de no precedente art. 987.º - com a epígrafe “Critério de julgamento” -, se preceituar que “[nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, nesse art. 988.º, n.º 2, dispõe-se, por sua vez, que “das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”

Deste modo, pois, a dilucidação dessa equacionada questão passa por essoutra de apurar se o Acórdão ora recorrendo, que, tal como a decisão por ele sindicada, conhecendo do mérito do requerimento deduzido pela Recorrida, endereçado à alteração da atribuição da casa de morada da família outrora pertencente a ela e ao Recorrente, se determinou por essa pretendida alteração – se tal Acórdão recorrendo, dizíamos, se configura como uma decisão circunscrita ao campo da estrita legalidade, da interpretação e aplicação da lei – caso em que o enfocado recurso se quadra admissível -, ou, ao invés, como uma decisão tomada em função de critérios de conveniência e oportunidade – hipótese em que, já se vê, o dito recurso não logra tal admissibilidade.

  Com efeito, e tal como se lê na síntese descritiva do Acórdão deste Supremo de 20.01.2010 [4] “[a] intervenção do STJ nos processos configuráveis como de jurisdição voluntária cinge-se à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade subjacentes à decisão, de modo a verificar se se encontram preenchidos os pressupostos ou requisitos legalmente exigidos para o decretamento de certa medida ou providência, em aspectos que se não esgotem na formulação de um juízo prudencial ou casuístico, iluminado por considerações de conveniência ou oportunidade a propósito do caso concreto[5].”

   E ainda no mesmo douto aresto – e agora considerando a sua parte expositiva –é também dado ler que “[…] o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (cfr. nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil[6], na redacção aplicável) ou adjectiva (cfr. artigo 755º do mesmo diploma[7]), não po[de], nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 1410º do Código de Processo Civil[8]. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram[9]/[10]; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 729º[11] e 722º [12]do Código de Processo Civil, na redacção aplicável), a lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação.”


2. De posse destes mui doutos considerandos, e baixando à problemática dos autos, constata-se que no Acórdão ora em causa se começou por ponderar a posição do ali Recorrente/Requerido, a tal respeito escrevendo:

- “Entende [o Recorrente] que não se mostram provados os pressupostos legais no âmbito da previsão v.g. do n.º 3 do artigo 1793.º do Código Civil, a saber: as necessidades (concretas e atuais) de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do dissolvido casal (cf. igualmente o art.º 2012.º do C Civil e artigo 988.º n.º 1, do CP Civil). Bem como que, ao contrário do decidido, não se verificam nos presentes autos uma alteração das circunstâncias - segundo os critérios legalmente exigidos -, que legitime a alteração do acordo celebrado e homologado pelo tribunal

Seguindo, após se tecer várias considerações a respeito da noção de casa de morada de família e, bem assim, sobre o regime legal – civil e registral -, a tal respeito presentemente em vigor, passando a considerar o caso ajuizado, consignou-se:

- No caso dos autos, as partes optaram por estabelecer um regime provisório de utilização da casa de morada de família para o período de pendência da ação de divórcio e até à partilha dos bens comuns, o qual foi homologado por sentença.

No entanto, o n.º 3 do art.º 1793.º do C Civil determina que “O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer pela decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.

O acordo ou decisão sobre a utilização provisória da casa de morada de família, atenta a natureza de processo de jurisdição voluntária, pode ser revisto a todo o tempo.

As circunstâncias em que este acordo ou decisão pode ser alterado encontram-se tipificadas no art.º 988.º, n.º 1, do CP Civil: “Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.”

Depois, e passando a considerar-se os factos alegados pela Requerente/Recorrida a filiar a sua pretensão, mais se expendeu:

- “Tendo-se provado a essencialidade desta matéria de facto, entendemos – em contrário da tese exposta pelo Recorrente – que se verifica nos presentes autos uma alteração das circunstâncias, segundo os critérios legalmente exigidos, que legitima a alteração do acordo celebrado e homologado pelo tribunal.

Em consonância com o tribunal recorrido, concordamos que “este facto  de que a casa de morada de família não está a ser ocupada pelo requerido, dela tendo necessidade a requerente, posto que vive em casa de seus pais -, é circunstância superveniente suscetível de permitir a ponderação da mudança da resolução tomada por acordo entre ambos quanto à utilização da casa de morada de família até á venda ou partilha, de acordo com critérios de conveniência, ou seja, devendo na fixação desse regime provisório, antecâmara do definitivo, atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa de morada de família, previstas nos arts. 1793.º, n.º 1, do Código Civil (…).”

Cumpre especialmente atentar que o Recorrente não provou a tese por si exposta, de que foram dificuldades financeiras que o obrigaram a deixar de viver na casa de morada de família. Nem, por inerência, que tivesse regressado a viver nesta quando arranjou emprego e, por esta via, passou a dispor de condições económico-financeiras suficientes.

Continuando a acompanhar o tribunal recorrido, diremos que “se poderá concluir, então, que (o Requerido) não necessita da casa de morada de família e a ocupação que vem a fazer dela já depois de intentada a presente ação e depois de oferecida a contestação tem como único objetivo impedir que a sua ocupação temporária seja atribuída à requerente como vem requerido.”

E esta explanação vertida, a conformar o seu remate final, outrossim se plasmou:

- “Sequencialmente, a nossa conclusão é  - tal como a do tribunal recorrido – que “Ponderado o interesse de um e de outro, vemos que a circunstância superveniente e demonstrada de que o réu não ocupou a casa de morada de família desde que lhe foi atribuída, determina que, em face do interesse dos filhos do casal, que neste momento habitam em casa dos avós maternos com a requerente, não tendo sido demonstrado (ou sequer alegado) que a requerente dispor de outra solução para a sua habitação e para a das crianças, determina que seja alterada a resolução tomada por acordo aquando do divórcio, alterando-se o uso da casa de morada de família do requerido para a requerente.”

3. Pois bem; é contra toda esta reproduzida – no essencial – explanação e final conclusivo, em função da mesma extraído, que o aqui Recorrente ora esgrime, proclamando, como retro noticiado, que – e reiterando – “[…] ao contrário do decidido, não se verifica nos presentes autos uma alteração das circunstâncias supervenientes nem a alteração da "necessidade” - segundo a estrita legalidade exigida-, que justifique e legitime a alteração do acordo celebrado e homologado pelo tribunal”, que o mesmo é dizer que “[…] perante os factos dados como provados a apreciação da verificação dos pressupostos legais imperativamente fixados e atinentes à ponderação do juízo de "conveniência e oportunidade", não legitimavam a alteração do acordo celebrado e homologado pelo tribunal, pelo que o douto acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas anteriormente citadas v.g. 1793°, 2012°, ambos do C.C.; 988° e 990°, estes do C.P.C..”

Como logo se alcança, se bem cuidamos, o Recorrente, com a sua douta impugnação ora em apreço, apenas e só põe em causa a violação pelo aresto ora recorrendo, quanto aos requisitos legalmente exigidos para o decretamento da alteração do acordado quanto ao uso da casa de morada de família, tendo por base – e fazendo de novo eco da lição plasmada no aludido douto Acórdão deste Supremo de 20.01.2010‑ “[…] aspectos que se esgotam na formulação de um juízo prudencial ou casuístico, iluminado por considerações de conveniência ou oportunidade a propósito do caso concreto.”

Na verdade, e passando em revista tudo o que vimos explanado no aresto ora em crise, força é concluir que no mesmo, tal como na decisão por ele sufragada da 1.ª Instância – e pautando-nos aqui, “mutatis mutandis”, pela judiciosa e impressiva ponderação, em sede do Acórdão deste Alto Tribunal de 24.09.2015[13], firmada – “[…] mais não se fez que “descobrir“ dentro do universo legal que teve por assente , designadamente os comandos legais dos arts. 1793.º do Cód. Civil, e 987.º, 988.º. n.º 1 [e logo também, a considerar-se aplicável, 2012.º, do Cód. Civil] e 980.º, o juízo de oportunidade ou de conveniência conducente à solução justa a respeito da reclamada alteração de atribuição da casa de morada de família outrora de ambos os aqui Litigantes.


4. Nestes termos, pois, dúvidas não subsistem que foi um juízo de conveniência ou oportunidade – um julgamento discricionário, nuclearmente ditado por uma apreciação casuística – aquele levado sintonicamente a efeito pelas Instâncias, notadamente a ora recorrenda, com integral respeito pelos pressupostos ou requisitos normativos para a prolação desse juízo demandados.

Razão por que, não estando em causa a interpretação e aplicação de critérios de legalidade estrita – é dizer, tais pressupostos ou requisitos, abstratamente considerados, e enquanto mister para a alteração de morada pretendida e decretada, mas apenas e só que os factos alegados e provados preencham/perfecticizem tais postulados[14] - , o recurso ora em apreço não é nem era admissível.

Como assim, e a despeito da sua tramitação até aqui ocorrida, inviável se torna nela prosseguir e conhecer do respectivo objecto, impondo-se, diversamente, pôr-lhe sumário termo e à atinente instância.


IV – DECISÃO

Nestes termos, e sem mais considerações, em face do disposto no art. 988.º, n.º 2, não se recebe o recurso em apreço, indeferindo o atinente requerimento.

Custas pelo Requerido/Recorrente.

                                                                            *

                                                                            *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 06 de Junho de 2019

Helder Almeida (Relator)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins.

____________

[3] Ao qual pertencem os demais preceitos doravante a citar sem menção de proveniência.

[4] Proferido no Proc. n.º 701/06.0TBETR.P1.S1, e acessível in dgsi.pt.

[5] Sublinhado nosso.

[6] Actual art. 674.º, n.º 2.

[7] Actual art. 674.º, n.º 1, als. b) e c).

[8] Actual art. 987º.

[9] Sublinhado nosso.

[10] No mesmo sentido, expende o Prof. Antunes Varela – cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª ed., C. Editora, p. 72 – “[…] precisamente porque não está em causa, na área da jurisdição voluntária, a resolução de questões de direito da competência específica dos tribunais de revista, mas a simples opção pela mais sensata ou mais conveniente de determinadas situações de facto, das resoluções tomadas nesses processos nunca é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”; de igual modo, o Prof. Artur Anselmo de Castro – cfr. Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, p. 156 – o qual após referir que o n.º 2 do art. 1411.º [como visto, actual art. 988.º, n.º 2] “acrescenta ainda outra peculiaridade aos processos de jurisdição graciosa: a inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça[…]”, logo aduz “o que se deve a o S.T.J. apenas curar da interpretação e aplicação da lei e estes processos serem julgados, não segundo o direito estrito, mas segundo a equidade.”

[11] Actual art. 682.º.

[12] Como visto, actual art. 674.º.

[13] Proferido no Proc. n.º 202/08.1TMLSB.L1.S1, e acessível in dgsi.pt.

[14] Vide, a propósito, Ac. S.T.J. de 18.01.2018, proferido no Proc. n.º 68886/13.1TBALM.L1.S1, subscrito pelo aqui Relator como 1.º Adjunto, e acessível in Sumários, Jan. 2018, p. 33.