Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2837
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
MEDIDA DA PENA
CULPA
FINS DAS PENAS
Nº do Documento: SJ200812180028375
Data do Acordão: 12/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :


I - É sabido que só se deve optar pela suspensão da execução da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
II - Esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (cf. Figueiredo Dias in, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 344).
III - De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado; por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.
IV - A aposta que a opção pela suspensão, sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta: personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.
V - O ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40.º do CP, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
VI - Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa.
VII - Quando pois o art. 71.º do CP nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias (cf. ob. cit., págs. 227 e ss.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:
VIII - A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” – cf. idem, pág. 229.
IX - Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

Decisão Texto Integral:





No processo 641/06.2PBSNT da 2ª Vara Mista de Sintra, por acórdão de 18 de Dezembro de 2007, foram julgadas, entre outros:
- AA, ajudante de cozinha, nascida a 16/4/1964 em Arcos de Valdevez, e residente em Sintra, Rio de Mouro;
- BB, caixeira no “Cascais Shopping”, nascida a 8/5/1984 em Lisboa e residente em Sintra, Rinchoa.
AA foi condenada na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo do artigo 210°, n°s 1 e 2 do Código Penal, e na pena de 1 ano de prisão pela prática de um crime de sequestro, do artigo 158°, n° 1 do Código Penal. Em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de 4 anos e 8 meses de prisão.
BB foi condenada na pena de 4 anos de prisão, e na pena de 8 meses de prisão, respectivamente, pela prática dos mesmos crimes.Em cúmulo, foi condenada na pena única de 4 anos de prisão, com a respectiva execução suspensa pelo período de 4 anos, com regime de prova, de acordo com plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social.
Desta decisão recorreram o Mº Pº e a arguida AA, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por decisão de 29/4/2008, decidiu conceder parcial provimento ao recurso da arguida AA e consequentemente absolvê-la bem como à arguida BB do crime de sequestro pelo qual foram condenadas, e conceder também provimento parcial, ao recurso do Mº Pº, condenando a arguida AA na pena de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão e a arguida BB na pena de cinco (5) anos de prisão, ambas, só pelo crime de roubo qualificado.

É desta decisão que, agora, recorrem as duas arguidas, para este Supremo Tribunal de Justiça.

A – Matéria de facto dada por provada e por não provada, em primeira instância, e respectiva fundamentação.

Foram os seguintes os factos dados por provados (transcrição):
“ - A arguida AA conheceu CC e envolveram-se ambos em relacionamento amoroso, por volta do ano de 2001, quando a arguida trabalhava numa casa de massagens em Lisboa;
- No âmbito desse relacionamento, CC prestou-lhe apoio financeiro, deu-lhe jóias, pagou-lhe despesas e emprestou-lhe dinheiro;
- Em data não apurada, a arguida AA terminou o relacionamento em causa e deixou de ter qualquer contacto com CC;
- No entanto, em meados de Agosto de 2006, a mesma arguida telefonou àquele dizendo-lhe que estava desempregada e que precisava de dinheiro e recomeçaram a relacionar-se telefonicamente;
- Num dos contactos telefónicos a ora arguida pediu a CC que lhe desse €350.00, o que este recusou, mesmo após lhe ter sido sugerido que o dinheiro fosse dado a troco de sexo;
- Após insistência da arguida veio o ofendido a aceitar proposta para ter relações sexuais ao mesmo tempo consigo e com uma sua amiga de nome DD;
- A arguida AA planeou então, com a co-arguida BB, subtrair dinheiro e outros bens e objectos a CC;
- Para o efeito, levá-lo-iam para um local isolado onde apareceria um grupo de indivíduos que o assaltariam;
- Em execução do plano acordado, a arguida AA telefonou a CC e propôs-lhe que se encontrassem nessa noite a fim de se deslocarem a casa da arguida BB, referindo-se a esta como DD, e de ali manterem os três relações de sexo;
- CC aceitou, após ter sido afastada a hipótese que pretendia, do encontro ter lugar na sua residência;
- Pelas 03H00 do dia 19 de Setembro de 2006, quando regressava a casa o ofendido viu as duas arguidas à porta do prédio onde residia e, por ter tido medo, dirigiu-se à esquadra da PSP do Palácio da Justiça, verificando que, no seu regresso, as ora arguidas já lá não se encontravam;
- Insistindo na execução do plano acordado, a arguida BB, dizendo ser a DD, amiga da AA, telefonou a CC e combinou com este encontrarem-se os três naquela noite para manterem relações de sexo em conjunto na sua residência, sita na Amadora;
- No dia 26 de Setembro de 2006, pelas 03H00 as arguidas enviaram mensagem de telemóvel ao ofendido dizendo que o aguardavam num veículo marca Peugeot, junto à paragem de autocarros, na Rua de Campolide, em Lisboa;
- CC dirigiu-se para o local levando consigo uma garrafa de champanhe, o porta-moedas com a quantia de €40,00 em dinheiro, o passe social, as chaves da residência e o telemóvel;
- Aí chegado entrou no banco do referido veículo marca Peugeot, modelo 206;
- Após a arguida AA lhe ter apresentado a arguida BB como sendo DD, seguiram no mesmo veículo, conduzido por esta última, em direcção ao IC19;
- CC estranhou o percurso e perguntou se não iam para a Amadora, tendo as arguidas respondido que iam antes a um sítio giro ao ar livre, dirigindo-se para o Castelo dos Mouros, em Sintra;
- Durante o percurso a arguida AA perguntou-lhe se não trazia consigo os cartões de crédito, tendo o ofendido respondido que não;
- Já na Serra de Sintra e alegando pretenderem satisfazer necessidades fisiológicas, pararam o veículo num local isolado e escuro, junto à berma da estrada e saíram ambas da viatura;
- Após as arguidas regressarem ao veículo, parou mais à frente um outro veículo, saindo do seu interior três indivíduos, usando capuzes e, conforme previamente acordado com as arguidas, simularam um assalto aos três;
- Abriram as portas da viatura e gritaram a todos para que saíssem, agarrando as arguidas;
- Puxaram CC para fora do veículo e obrigaram-no a deitar-se no chão;
- Para dar credibilidade à encenação, a arguida AA disse aos referidos indivíduos "não lhe façam mal, façam-no antes a mim";
- Com o ofendido deitado no chão, os referidos indivíduos apontaram-lhe à cabeça arma de fogo e desferiram-lhe murros e pontapés, perguntando-lhe pelo dinheiro;
- Descalçaram-no, tiram-lhe as meias, os atacadores das sapatilhas e o cinto das calças, utilizando estes objectos para lhe amarrar as mãos atrás das costas e colocaram-lhe as meias na boca para o impedir de gritar;
- De seguida levantaram-no e revistaram-no, retirando-lhe o telemóvel marca Nokia 7210, com o IMEI ..., no qual se encontrava o cartão com o n° 96 ..., adquirido pelo preço de €500,00, as chaves de casa e a quantia de €40,00;
- Os referidos indivíduos ordenaram-lhe que lhes dissesse onde estavam os cartões de débito e crédito que tivesse, dizendo-lhe que se não acedesse o matariam e que sabiam onde morava e onde trabalhava;
- Temendo pela própria vida CC acabou por lhes dizer os códigos dos cartões e entregou as chaves da residência às arguidas, tendo os outros indivíduos ordenado que estas fossem a casa do ofendido buscar os cartões;
- As arguidas entraram na viatura, dando a entender que estavam sob ameaça e dirigiram-se de imediato à residência daquele, permanecendo no local os três indivíduos e o ofendido, este com as mãos amarradas atrás das costas, tendo os primeiros dito que o matariam se participasse o sucedido às autoridades;
- Passado algum tempo a arguida AA telefonou para o telemóvel de CC, tendo um dos outros indivíduos atendido a chamada e encostado o telemóvel ao ouvido daquele;
- A mesma perguntou-lhe então onde estavam os cartões e se tinha mais dinheiro, tendo CC dito que tinha dinheiro na gaveta da cozinha e que os cartões se encontravam numa caixa de medicamentos, numa gaveta da mesa-de-cabeceira ao lado da janela;
- As arguidas encontraram os seguintes cartões: um cartão privilégio dourado do Banif; um cartão Visa Classic do Banif; um cartão n° 1 do BPI, um cartão Zoom do BPI; um cartão dos campeões do BPI; um cartão de crédito e de débito, ambos do BPI;
- De seguida e a pedido da arguida AA, o ofendido deu os códigos (PIN) dos outros três cartões que aquela havia encontrado, ao mesmo tempo que um dos indivíduos lhe disse que após confirmação, se os códigos estivessem errados o matavam;
- As arguidas retiraram ainda da residência do ofendido os seguintes telemóveis, pertença deste:
. um telemóvel marca Samsung X4, com o IMEI ...;
. um telemóvel marca Nokia 6630, com o IMEI ...;
. um telemóvel marca Nokia 8210, com o IMEI ...;
. um telemóvel marca Motorola com o IMEI ..., no valor de € 170,00;
. um telemóvel marca Motorola, com o IMEI ...;
. um telemóvel marca Motorola, com o IMEI ...;
. um telemóvel marca Motorola, com o IMEI ...;
. um telemóvel marca Nokia, com o IMEI ...;
. um telemóvel marca Sony Ericson, com o IMEI ...;
- Algum tempo depois os referidos indivíduos receberam uma chamada telefónica e abandonaram o local, após dizerem a CC que "se te chibas à bófia, matamos-te", pretendendo dizer-lhe que se contasse o sucedido às autoridades policiais o matariam, dizendo-lhe ainda para não sair dali porque voltariam dentro de meia hora;
- Na posse dos cartões de débito e dos respectivos códigos, as arguidas procederam a dois levantamentos de €200,00; pelas 05H0 na caixa de ATM, sita no edifício da sociedade “Auto Mecânica, Lda”, em Vale Mourão, Rio de Mouro, um, com o cartão do BPI, referente à conta número ... e outro com o cartão do Barclays, com o número ...;
- Depois de ter sido deixado na Serra de Sintra, com as mãos amarradas e após algum tempo por ter receio de que os assaltantes voltassem, CC começou a caminhar e foi encontrado por elementos da PSP que circulavam em viatura policial e que o conduziram à esquadra;
- Em resultado das pancadas sofridas e de ser obrigado a estar deitado no chão, o ofendido sofreu escoriação no cotovelo esquerdo e hematoma no 1/3 inferior da face externa da coxa esquerda, lesões que lhe determinaram 15 dias de doença, sendo os 3 primeiros de incapacidade para o trabalho;
- O ofendido sofre de epilepsia e ficou abalado com os factos de que foi vítima;
- As arguidas actuaram de forma concertada com os restantes indivíduos, com intenção, conseguida, de lhe subtraírem dinheiro, objectos e outros valores de que o ofendido pudesse ser possuidor, sabendo que actuavam contra a vontade deste e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
- Para o efeito, não se coibiram de o levar para um local isolado, de o amarrar e de o manter preso no local, contra a sua vontade, nem de usar de violência física contra o mesmo, amedrontando-o e impedindo-o de reagir;
- Quiseram os restantes indivíduos intimidar o ofendido e impedi-lo de se dirigir às autoridades policiais;
- Sabiam as arguidas que toda a sua conduta era proibida e punida por lei e quiseram actuar da forma descrita;
- Os arguidos não têm antecedentes criminais;
- Após os factos as arguidas revelaram ter tido pena do ofendido;
- A arguida AA é casada e está separada do marido;
- Tem três filhos de 14, 23 e 24 anos de idade;
- É ajudante de cozinha;
- Estava desempregada há cerca de um ano antes dos factos;
- A arguida BB é solteira;
- Trabalhava como caixeira no Cascaishopping;
- Vive com os pais;
- Está socialmente inserida.”

Quanto aos factos não provados, foram os seguintes (transcrição):

“Não se provou que os arguidos EE e FF tenham sido dois dos três indivíduos que planearam com as arguidas assaltar o ofendido, nem que tenham sido os mesmos a participar nos factos descritos supra, não se provando também que tenha sido o arguido FF a conduzir o segundo veículo onde seguiam os indivíduos. Não se provou que os três indivíduos estivessem munidos de armas de fogo.
Não se provou que as arguidas tenham dividido entre elas o dinheiro e que tenham entregue aos outros indivíduos a quantia de € 90,00 e oito dos telemóveis subtraídos.
Não se provou que o arguido EE tenha ficado com o telemóvel marca Nokia, com o IMEI 350 613 100, em resultado da divisão do produto do assalto.
Não se provou também o valor de todos os telemóveis subtraídos, nem que tenham sido adquiridos pelos valores constantes da acusação.”

A fundamentação da matéria de facto apresentada, foi (transcrição):

Os factos provados e não provados resultaram da conjugação dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, com as declarações do ofendido, tendo-se ainda ponderado o teor dos documentos e exames juntos aos autos.
O ofendido, que depôs de forma credível e sentida, afirmou que antes mantivera relacionamento íntimo com a arguida AA, ajudando-a financeiramente e que, tempos após aquela o ter deixado, voltou a contactá-lo para lhe pedir dinheiro (€350,00), insistindo consigo e acabando por o fazer ceder da forma como se deu por provada. Referiu apenas poder identificar, para além de AA, a arguida BB, que lhe foi apresentada como sendo DD. E, quanto a esta, considerou-se também o auto de reconhecimento de fls. 133. Quanto aos outros indivíduos afirmou que tinham a cabeça tapada, estava escuro e que foi tudo muito rápido, não tendo alguma vez conseguido reconhecê-los Note-se que os reconhecimentos destes, constantes dos autos, foram efectuados pelas co-arguidas que em julgamento nem sequer prestaram declarações.. Descreveu não só a forma como foi abordado, agredido, amarrado e intimidado pelos restantes indivíduos, como a encenação mantida pelas arguidas que, na altura, julgou terem sido também vítimas. Confirmou os objectos que lhe foram subtraídos, tendo-se igualmente considerado o extracto bancário com o registo do levantamento de valores e dos quais foi reembolsado pelo banco.
Considerou-se o depoimento da testemunha E...P..., Inspectora da Polícia Judiciária, que referiu ter começado por considerar AA ofendida (face à forma como na altura o ofendido descreveu os factos), estranhando, no entanto e desde logo, que a mesma não tivesse também apresentado qualquer queixa nas autoridades policiais. Referiu-se também a trocas de mensagens de telemóvel relativas aos factos e cujos registos constam nos autos, em particular, a fls. 62 e ss., onde a arguida AA refere ter tido pena do CC, perguntando-se como é que ele teria regressado a casa. Tal mensagem constitui meio de prova que não pode deixar de ser tido em conta no que prejudica e no que beneficia a arguida, pese embora não tenha prestado declarações Tal como os restantes arguidos.. É que, se, por um lado, é um dos elementos de prova que corroboram as declarações do ofendido quanto à participação das arguidas, por outro, permite denotar alguma auto-censura por parte da arguida AA ou, ao menos, alguma sua preocupação com o mal causado ao ofendido.
Teve-se também em conta o depoimento da testemunha N... que deu conta da abordagem que lhe foi feita, antes dos factos, por parte das arguidas no sentido de ser encontrado alguém que fosse capaz de recuperar do ofendido CC jóias da arguida AA e de que este, supostamente, se teria apropriado. No seu depoimento, prestado de forma constrangida Por se sentir, de algum modo, envolvida nos factos., a ora testemunha afirmou ter então referido que o “Totu” Alcunha do arguido FF é que poderia conhecer alguém para o efeito. A mesma testemunha referiu-se ainda ao que lhe terá sido dito pelo arguido FF que terá afirmado "terem feito o CC". Ora, quanto a este arguido, não foi produzida em audiência qualquer outra prova, entendendo-se que tal referência, por si só, é insuficiente para concluir, com a segurança que é exigida, pela sua participação nos factos, sendo que nenhuma prova foi feita quanto à participação do outro arguido EE.
Não se deu como provado que todos os indivíduos estivessem munidos de arma de fogo, já que o ofendido apenas referiu duas, embora sem as ter visualizado, tendo apenas sentido o contacto com elas.
Considerou-se que o ofendido sofre de epilepsia porque isso foi dito pelo próprio e consta de declaração médica junta aos autos.
Teve-se em conta o teor dos relatórios do IRS juntos aos autos e as declarações das arguidas quanto aos factos referentes à respectiva condição económica e social Não obstante não terem prestado declarações quanto aos factos fizeram-no quanto à respectiva condição económica e social., bem como o teor dos CRC quanto à inexistência de antecedentes criminais.”

B – Recursos

I – De BB
A recorrente terminou a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

A) - Assim, considerando a violação dos Art°s 50 e 53 do C.Penal, e o consequente afastamento da aplicação da medida de suspensão de execução da pena de prisão aplicada, bem como do regime de prova de acordo com um plano de reinserção social elaborado pelos serviços competentes da reinserção social, medidas que seriam bastantes para assegurar as finalidades de punição, discorda-se da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no caso em apreço.

B)- Consequentemente deve a decisão proferida ser alterada ,no sentido de á pena de 5 (cinco) anos de prisão imposta, ser aplicada a suspensão da sua execução, por se configurar adequada á situação em apreço, dando relevo ao facto de a arguida não possuir antecedentes criminais , estar integrada familiar, laboral e socialmente, dando-se assim cumprimento ás disposições legais previstas nos Art°s. 50, Art.53, Art.70 e Art°.71 do C.Penal.

TERMOS EM QUE,
Nesta conformidade, deve a arguida BB ser condenada numa pena de prisão até 5 anos, sujeita ao regime de suspensão de execução da pena e tanto quanto possível acompanhada de regime de prova, de acordo com os serviços de reinserção social, fazendo-se assim devida
JUSTIÇA”

II – De AA
Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso da recorrente AA (transcrição):

“1ª
Da leitura dos Art°s 71 e 72, ambos do CP, infere-se que:
- O seu conteúdo supõe que tenha de ser tido em consideração a perspectiva ético -retributiva, as eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes (não incluídas no tipo de crime) tendo em vista as necessidades de prevenção.

Assim, para uma avaliação da medida da pena, importa não só considerar os factores relativos ao facto praticado, mas também a personalidade do agente.
Tendo como suporte o facto praticado, existem elementos que fornecem a medida da sua gravidade - os respeitantes ao ilícito (típico) e à culpa do facto.

Importa também considerar a avaliação das circunstâncias extra típicas, cujo fundamento é relevante para a medida da pena da prevenção, por poderem íigar-se à " necessidade da pend\ com vista à satisfação das exigências de prevenção geral e especial. Assim sendo, há que ter em conta o seguinte:
- o grau da ilicitude do facto
- a intensidade do dolo
- os fins que motivaram a recorrente / - as suas condições pessoais
- o facto de ter ou não ter antecedentes criminais
- A consideração que dela fazem no meio social em que se insere
- O bom comportamento anterior e posterior aos factos
- a confissão ou não confissão.

Em função dos parâmetros que se têm vindo a referir nas conclusões 1ª a 4ª Conclusões, há que recordar o que disse a decisão de Ia Instância, no que concerne á determinação da medida da pena: " Quanto ao crime de roubo, partindo a moldura abstracta referida ponderando o elevado grau de ilicitude dos factos; a forte intensidade do dolo mais acentuada no que respeita á arguida AA, a quem, além do mais , se tem de ( censurar o aproveitamento da confiança em si depositada pelo ofendido, bem como o
aproveitamento das fraquezas deste; o modo de actuação, as elevadas exigências de prevenção geral e o forte sentimento de insegurança que estes crimes potenciam; as diminutas exigências de prevenção especial, já que ambas as arguidas estão social e familiarmente integradas; a inexistência de antecedentes criminais; (...)"

Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa, concedendo provimento parcial ao recurso apresentado pelo Ministério Público, veio agravar a medida da pena aplicada á recorrente AA, atendendo, apenas, ao modo de execução do crime. Nesta perspectiva, o acórdão do TRL, considerou ter havido aspectos que não foram ponderados na decisão de Ia Instância, no que respeita ao modo de execução do crime, designadamente a preparação levada a cabo para a concretização do plano criminoso, a planificação da sua actuação, o modo de atrair o ofendido, a articulação com os indivíduos que com elas consumaram o crime, a persistência com que foi mantida a intenção criminosa o que e revelador de um dolo directo intensíssimo.

Contudo, entende a Recorrente, que todas estas circunstâncias específicas e factuais, verificadas na acção concreta e que resultam dos factos assentes, contrariamente ao referido pelo TRL, foram devidamente ponderadas e valoradas para a determinação da medida da pena pelo tribunal de Ia Instância, motivo pelo concluiu este tribunal, estar-se perante um dolo com forte intensidade.

Acresce que, o TRL não valorizou a interiorização pela arguida AA do seu errado procedimento, conforme vem expressamente mencionado no texto da sentença da Ia instância, no segmento da fundamentação, quando refere. "(..) permite denotar alguma auto - censura por parte da arguida AA ou, pelo menos, alguma preocupação com o mal causado ao ofendido".

Por outro lado, censura-se ainda o facto de o TRL, no acórdão em crise, ter subestimado " as diminutas exigências de prevenção especiaV\ no que respeita à recorrente, tidas então pelo Tribunal de Ia Instância.
10ª
Efectivamente, foram devidamente ponderadas, pelo tribunal de Ia Instância dentro dos factores relevantes para a determinação da pena, no âmbito do estabelecido pelo Art ° 71 do CP, a ausência de antecedentes criminais, a boa inserção social do ponto de vista familiar e profissional, que apontam para as diminutas exigências de prevenção especial ou de socialização.
11ª
Deste modo e tendo em conta os parâmetros acima invocados, mostra-se censurável a pena encontrada pelo TRL, por não ter ido de encontro aos critérios de determinação da sanção do ponto de vista da prevenção e da culpa, bem como das finalidades da pena.
12ª
Donde, perante uma moldura abstracta, cujo limite mínimo é de 3 anos e limite máximo de 15 anos de prisão, consideramos que será adequado graduar a pena concreta a aplicar à arguida, de 4 anos de prisão.
13ª
O instituto da suspensão da execução da pena, na sequência das alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n° 59/07 de 4 de Setembro, passou a ser aplicável a penas de prisão até 5 anos - Art.° 50, n°l.
14ª
Deste modo e caso o STJ venha graduar a pena concreta a aplicar a esta arguida, até ao limite de cinco anos de prisão, atento o que preceituado em matéria de aplicação da lei penal no tempo pela Constituição da República Portuguesa e o Código Penal ( Art°s 29, n°4 e Art.° 2, n°4, respectivamente), há que averiguar se a pena de 4 anos de prisão aplicada à arguida AA, deve ou não ser objecto de suspensão na sua execução.
15ª
No que respeita à arguida AA, atenta a sua primariedade, a auto censura por aquela manifestada, a circunstância de se mostrar integrada social e familiarmente e bem ainda profissionalmente, o que levou o Tribunal de Ia Instância a considerar serem diminutas as exigências de prevenção especial, entende-se encontrarem preenchidos os pressupostos estabelecidos no Art.°50 do Código Penal, e como tal, deverá ser suspensa a execução da pena, em caso de procedência da primeira questão suscitada no presente recurso e sujeita a regime de prova.
Nestes termos e nos melhores de Direito sempre com o mui douto suprimento de V. Kx.s, Senhores Juízes Conselheiros, requer-se que seja concedido provimento ao presente recurso. 64

Assim, em conclusão:
1- A pena aplicada à arguida AA foi criteriosamente graduada, não merecendo censura;
2- Excluindo, por ser superior a 5 anos de prisão, a possibilidade de suspensão da sua execução.
3- Fortes exigências de prevenção geral e, no caso concreto, também de prevenção especial, inviabilizam a substituição da pena de prisão aplicada à arguida BB pela suspensão da sua execução.”

III – Resposta
A resposta apresentada pelo Mº Pº terminou com as conclusões que se seguem (transcrição):

“1 – A pena aplicada à arguida AA foi criteriosamente graduada, não merecendo censura;
2 – Excluindo, por ser superior a 5 anos de prisão, a possibilidade de suspensão da sua execução.
3 – Fortes exigências de prevenção geral e, no caso concreto, também de prevenção especial, inviabilizam a substituição da pena de prisão aplicada à arguida BB pela suspensão da sua execução.
Pelo que,
Deve ser negado provimento aos recursos,
Mantendo-se o acórdão recorrido.”

Colhidos os vistos foram os autos presentes a conferência.

C – Apreciação

I – Do recurso de BB
A arguida foi condenada pelo crime de roubo qualificado do artº 210º nº 1 e 2 do C.P..
A qualificação advém, tendo em conta a factualidade provada, da conjugação do disposto na al. b) desse nº 2, e na al. f) dos nºs 1 e 2 do artº 204 do C.P.. Numa moldura de três a quinze anos de prisão, a recorrente foi condenada em cinco anos de prisão, pena que não nos oferece qualquer reparo.
Pretende esta recorrente, no recurso interposto, ver suspensa na sua execução essa pena de cinco anos de prisão, “tanto quanto possível acompanhada de regime de prova, de acordo com os serviços de reinserção social”.
É este, pois, o ponto sobre o qual nos devemos debruçar.
Recorde-se que o acórdão recorrido a tal propósito disse:

“A decisão recorrida considerou que, ao abrigo do art. 50º do C. Penal, se justificava a suspensão da execução da pena da arguida BB atendendo à idade e à ausência de antecedentes criminais (são estas as únicas razões aduzidas). Entende-se o contrário, com o devido respeito.
Na avaliação a fazer quanto à ocorrência de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento de determinado arguido no sentido de criar um convencimento de que a ameaça da pena possa ser adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição deve o tribunal orientar-se de forma a concluir ser de excluir (ou não) esse juízo com fundamento predominantemente em necessidades de prevenção especial. O Supremo Tribunal de Justiça considerou já até que são essas necessidades de prevenção especial aquelas a que exclusivamente há que atender (cfr Ac de 2006.11.29, no proc. 3121/06, disponível em www.dgsi.pt) .
Porém, tida a pena, qualquer pena e por conseguinte também as penas de substituição, como instrumento de política criminal destinado a actuar sobre a generalidade dos cidadãos – logo no sentido da prevenção geral – afastando-os da prática dos crimes através da ameaça penal que o Estado consagra na lei, essa intervenção punitiva costuma ver-se numa dupla perspectiva.
Na perspectiva da prevenção geral negativa ou de intimidação através da imposição da pena, para esse efeito, a quem delinquiu ou na perspectiva mais moderna da prevenção geral positiva ou de integração em que se pretende demonstrar a validade das normas jurídicas violadas e a efectiva tutela jurídica dos bens que elas visam proteger. Em que se procura, em suma, que os padrões de comportamento se adequem a essas normas para garantir a restauração da paz jurídica tendo embora como pano de fundo o limite inultrapassável da aferição da culpa do delinquente que «legitimará» a sua justeza e adequação. É este o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias [Direito Penal, Parte Geral, 2ª ed.. pags 49 e ss] que precisamente chama a atenção para a circunstância de este «programa político-criminal» ter sido assumido pelo legislador no art. 40º do C. Penal a partir da sua versão de 1995 [ob. cit. pag 84].
A admitir-se que estaria prefigurada uma prognose favorável que, desse ponto de vista, poderia justificar a preferência pela pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão o certo é que, ainda assim, na perspectiva da prevenção geral positiva, no tocante à demonstração da validade das normas jurídicas violadas e à tutela dos bens que elas visam proteger crê-se que tal não acontece. Perante a proliferação de comportamentos de especial e inusitada violência física e psicológica com o uso de armas de fogo e da privação de liberdade, exponenciando sentimentos de pânico e de insegurança (ainda que por vezes anormalmente amplificados) a necessidade concreta de fazer prevalecer a defesa de bens jurídicos de primeira grandeza leva a que, por apelo a considerações desta ordem, portanto de prevenção geral, se afaste a possibilidade de suspender a execução da pena a impor à arguida BB.
Mas a verdade, também, é que mesmo no prisma da prevenção especial se crê desadequada a aplicação de tal pena de substituição. Já acima se deixou dito: pouco ou nada abona em favor de um juízo de prognose favorável e perante a ausência de «justificações» de ordem económica e social o que se sedimenta é a ideia de uma personalidade a apontar para a predominância de exigências de prevenção especial.”

Vejamos então.

O artº 70º do C. P. refere que,

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

O nº 1 do artº 50º do C. P.(redacção da Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro) estipula, a seu turno,

“ O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Segundo o nº 2 do preceito,

“O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada do regime de prova.”

É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.

Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 344).

De um lado, cumpre assegurar em que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.

Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.

Por outro lado, a aposta que a opção pela suspensão, sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta. Personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.

Volvendo ao caso dos autos, estamos perante um quadro, cada vez mais frequente, de roubo cometido com grande violência, não só física como psicológica.
Como se assinalou no acórdão recorrido, confluem no presente episódio um conjunto de circunstâncias que lhe conferem uma especial gravidade. Podem enumerar-se:
- Uma preparação cuidada e antecipada de actuação, evidente ao nível dos contactos e articulação com os restantes agentes.
- A persistência na efectivação do crime que contou com uma primeira tentativa a 19 de Setembro de 2006, em que foi esta arguida, fazendo-se passar por uma tal DD, que procurou convencer o ofendido a encontrar-se com as duas, embora sem sucesso, no que toca a essa noite.
- A escolha do lugar do assalto, na Serra de Sintra, ermo e de madrugada.
- A superioridade numérica dos intervenientes convocados, o emprego de arma de fogo para ameaçar o ofendido, as agressões físicas, o uso dos cordões dos sapatos e cinto da vítima com que foi manietada, metendo-lhe as próprias meias na boca para o impedir de falar.
- O ter-se deslocado, inclusive, a casa dele, para levar a bom termo as subtracções, enquanto o ofendido estava preso, guardado pelos comparsas.
É certo que os vinte e dois anos desta recorrente, à data, devem ser tidos em conta. No entanto, esse mesmo facto acaba por retirar relevo á circunstância de não ter antecedentes criminais, o que já teria outro significado se a idade fosse mais avançada.
As circunstâncias da recorrente ter emprego, e estar normalmente inserida na família, contribuem para que só se possa atribuir o crime à mera labilidade, sem justificações relacionadas com a grave carência económica ou o abandono da família.
Quanto ao ascendente da co-arguida AA, sobre si, trata-se de uma ocorrência que não resulta da matéria de facto provada, certo que, sinais inequívocos de arrependimento, também se não detectam.
Assim, se razões evidentes de prevenção geral, só por si, já impediam a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, um juízo de prognose favorável, quanto ao comportamento futuro da recorrente, também iria assentar em demasiado pouco.
Improcede pois o decurso de BB.

II – Do recurso de AA

Face às conclusões apresentadas por esta recorrente, que mais do que síntese da motivação, a reproduzem, importa abordar duas questões: medida da pena e suspensão da execução da mesma.

A respeito da medida da pena aplicada, retomam-se as considerações que a tal propósito temos tecido, e que partem da ideia de que a escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa aplicação do direito autêntica, e não num exercício do que possa ser apelidado, simplesmente, de “arte de julgar”. Mas tal não impede que, em sede de recurso de revista para este S.T.J., a controlabilidade da determinação da pena deva sofrer limites.
Assim, podem ser apreciadas “a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais. (…) E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. Já tem considerado, por outro lado, este Supremo Tribunal de Justiça e a Doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada” (do Ac. deste S.T.J. e 5ª Secção, de 13/12/07, Pº 3292/07, relatado pelo Cons. Simas Santos. Cfr. também Figueiredo Dias in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 197).
Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta.

Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no artº 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa, assim se divergindo da posição revelada pela recorrente.

Quando pois o artº 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele artº 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229).

Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir.

O nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

Regressando ao caso concreto, vemos que a ilicitude da conduta da recorrente é grave, sobretudo ao nível do desvalor da acção, pelo que se tem que partir logo dum “quantum” que se não confunda com o limite inferior da moldura. . O dolo foi também intenso e daí o correspondente grau de culpa assacável à recorrente.
As necessidades de prevenção geral fazem-se sentir com relevo, dado o sentimento de insegurança que se vem difundindo à conta dos crimes de roubo, que proliferam cada vez mais.
As necessidades de prevenção especial mostram-se razoáveis, tanto quanto os autos revelam. É que não pode passar em branco o facto de ter sido a recorrente AA que conhecia o ofendido, de anteriores contactos amorosos, os quais duraram dois anos. Além disso, o CC tinha-a apoiado, já, economicamente.
Não obstante, a recorrente teve a ideia de explorar a confiança e intimidade que os ligava, e pôs em prática o crime dos autos. O que não abona nada a favor da sua personalidade.
Já a propósito do recurso da co-arguida BB se enumeraram circunstâncias que revestiram o crime cometido de especial censurabilidade. Dão-se por reproduzidas, acrescentando-se o seguinte:
A recorrente contava à data dos factos 42 anos. Separada do marido, tinha então três filhos, mas não se sabe se viviam consigo ou eram de si dependentes.
Do registo criminal da recorrente nada consta.
Resulta do registo de mensagens de telemóvel, junto aos autos, que a recorrente acabou por ter tido pena do ofendido, interrogando-se, até, como é que ele teria chegado a casa depois do roubo (cf. fls 1238). Porém, também é certo que a arguida não quis prestar declarações em que verbalizasse o seu arrependimento.
Deve ser tido em conta o facto de, embora ajudante de cozinha de profissão, a recorrente estar desempregada, há cerca de um ano, antes dos factos.
Ponderando todas estas circunstâncias, e sabido que, numa moldura penal de três a quinze anos de prisão, lhe foi aplicada uma pena de cinco anos e seis meses de prisão, tem-se por adequada a pena aplicada.

Do que dito fica já decorre, que a suspensão da execução da pena aplicada, se mostra inviabilizada pelo disposto no artº 50º nº 1 do C.P., na actual redacção, de acordo com o qual, importa que a pena aplicada não seja superior a cinco anos de prisão. Por maioria de razão, seria impossível a suspensão pretendida, se tivéssemos em conta a redacção do preceito anterior à Lei 59/2007 de 4 de Setembro, lei vigente à data dos factos, e em que o limite apontado era de três anos.
Assim, improcede também o recurso de AA.

D – Decisão

Por todo o exposto se decide neste Supremo Tribunal de Justiça e em conferência que:
1) Fortes exigências de prevenção geral, e, no caso concreto também razões de prevenção especial inviabilizam a substituição da pena de prisão aplicada à arguida BB pela de suspensão da sua execução;
2) A pena aplicada à arguida AA foi criteriosamente graduada, não merecendo censura, e, porque superior a cinco anos de prisão, fica excluída a possibilidade de suspensão da sus execução.

Assim se nega provimento a ambos os recursos interpostos, mantendo-se a decisão recorrida.

Taxa de justiça: 6 U.C. por cada recorrente.


Lisboa, 18 de Dezembro de 2008

Souto Moura (Relator)
Soares Ramos