Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2334/10.7TBGDM.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
SEGURO FACULTATIVO
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
REGIME APLICÁVEL
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
BOA FÉ
TOMADOR
SEGURADORA
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 09/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO DOS SEGUROS / CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS / DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / PROCESSO CIVIL
Doutrina: José Vasques Osório, Contrato de Seguro, pág. 355;
- Mário Júlio de Almeida e Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;
- Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato, as Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 2003, págs. 570 e 579 a 583;
- José Manuel Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei 446/85, anotado, Coimbra Editora, 2010, pág. 172;
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, pág. 261;
- Moitinho de Almeida, Contratos de Seguro (Estudos), págs. 91, 97 e 99.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ARTS. 286.º, 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, D), 639.º, N.º 1, 682.º;
CÓDIGO COMERCIAL: ARTS. 425.º E SEGS.;
DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO;
DECRETO-LEI N.º 176/95, DE 28 DE JULHO;
DECRETO-LEI N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL.
Jurisprudência Nacional: ACS. DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 20-01-2010, PROC. N.º 294/06.8TBOAZ.P1.S1;
- DE 13-01-2011, PROC. N.º 1443/04.6TBGDM.P1.S1;
- DE 29-03-2011, PROC. N.º 1295/04.6TBMFR.L1.S1.;
- DE 16-03-2011, PROC. N.º 558/03.2TVPRT.P1.S1;
- DE 24-05-2012, PROC. N.º 1288/08.4TBAGD.C1.S1;
- DE 13-02-2014, PROC. N.º 1115/05.4TCGMR.G1.S1
Sumário :
I - Seguro de grupo é aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum e que pode ser contributivo ou não contributivo consoante os segurados contribuam ou não para o pagamento dos prémios, distinguindo-se do seguro individual por este ser efectuado relativamente a uma pessoa, ainda que o contrato inclua no âmbito de cobertura o agregado familiar ou um conjunto de pessoas que vivam em economia comum ou o que é efectuado conjuntamente sobre duas ou mais cabeças.

II - Reveste a natureza de contrato de adesão, o contrato de seguro de Vida-Grupo, cujo clausulado é negociado apenas entre um Banco e uma seguradora, que, para garantia de contratos de mútuo para aquisição de habitação ou para obras na habitação que celebraram com o Banco tomador do seguro, os particulares segurados se limitam a subscrever ou aceitar, através de simples declaração individual de adesão.

III - Pelo que lhes é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais do DL n.º 446/85, de 25-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 220/95, de 31-10, que o republicou, e pelo DL n.º 249/99, de 07-07, designadamente o dever de informação plasmado no art. 5.º do primeiro dos citados diplomas.

IV - Tratando-se de um seguro de grupo, é ao tomador do seguro que incumbe o ónus de informação – e respectiva prova – aos segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito.

V - O incumprimento do dever de informar o segurado implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.

VI - É contrária ao principio da boa-fé e consequentemente proibida, por abusiva, uma cláusula segundo a qual para a atribuição da indemnização contratada em caso de invalidez total ou permanente essa invalidez terá de ser de tal monta que o segurado fique total e definitivamente incapacitado de exercer qualquer profissão mas que, para além disso, o obrigue a recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária.

VII - A incapacidade para o exercício de toda e qualquer profissão deve ser aferida em face da actividade anteriormente desenvolvida bem como das capacidades e habilitações literárias da pessoa segura.

VIII - São do conhecimento oficioso – ficando excluída da regra de que o juiz só pode conhecer das questões suscitadas pelas partes – as nulidades das cláusulas contratuais gerais, pelo que não enferma do vício de excesso de pronúncia o acórdão que dela conhece, ainda que tal questão não haja sido suscitada nas alegações de recurso.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.

AA intentou contra Caixa BB, SA, e CC – Companhia de Seguros, SA, acção declarativa comum de condenação, sob a forma ordinária, pedindo:

a) – O reconhecimento pelas rés da validade do acordo (contrato de adesão) estabelecido com o autor aquando da formalização do contrato de mútuo, bem como a reconhecerem a invalidez do autor com efeitos desde Maio de 2006;

b) – A condenação das rés a indemnizar o autor, nos termos contratuais, nomeadamente entregando à instituição de crédito beneficiária do seguro o capital em dívida, na quantia de € 53.683,03;

c) – A condenação solidária das rés a reembolsarem o autor das importâncias que entretanto lhe foram (e venham a ser) debitadas, ao mesmo título, na respectiva conta bancária, com efeitos a partir de Maio de 2006;

d) – A condenação solidária das rés a pagarem ao autor os juros moratórios calculados (a liquidar em execução de sentença), à taxa legal, sobre as prestações entretanto debitadas e acima referidas, (a partir de Maio de 2006), e contados até efectivo pagamento.


Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, haver, conjuntamente com sua mulher, contraído um empréstimo perante a 1ª ré, para aquisição de um prédio, com hipoteca deste, e, na mesma altura, como condição necessária à aprovação do referido mútuo, autor e mulher terem subscrito um seguro de vida (ramo Vida Grupo), com capital seguro igual ao do empréstimo, sendo o autor e a mulher os seus beneficiários, de modo a garantir, em caso de morte ou invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos. Este seguro foi-lhes apresentado pela 1ª ré como uma proposta de adesão daqueles a uma apólice de seguro de vida de grupo.

Tendo o autor sido afectado por doença que o incapacitou total e definitivamente para o trabalho, viu todavia recusado pelas rés o accionamento do dito contrato, entendendo que, por força de cláusula do mesmo, para a verificação da situação de invalidez seria necessário que a pessoa segurada necessitasse de recorrer de modo contínuo à assistência de uma 3ª pessoa, por forma a realizar os actos normais da vida diária.


Regularmente citadas, contestaram ambas as rés.

A ré CC reconhece que celebrou com o Banco DD, ora Caixa BB, um contrato de seguro do ramo vida e explica que, de acordo com as condições gerais e especiais da apólice, ficaram cobertos os riscos de falecimento da pessoa segura, invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura e invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura.

Explicita que, de acordo com o contratado e que ficou a constar das condições especiais da apólice, a pessoa segurada é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva por doença, quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”, sendo, portanto, necessário que se verifiquem cumulativamente aquelas três situações, para que se considere que existe uma situação de invalidez absoluta e definitiva.

Tal como consta das condições particulares da apólice, o beneficiário do seguro é o respectivo tomador do seguro, ou seja, a Caixa BB, considerando-se como pessoas seguras os clientes do segurado que recorram ao sistema do crédito à habitação e satisfaçam as condições exigidas pela Caixa para a concessão do crédito.

O autor aderiu, em 1 de Junho de 1998, tendo sido aceite pela ré, em 29/07/1998, data a partir da qual o seguro começou a vigorar em relação ao autor.

Não sendo responsável pela actuação dos funcionários da Caixa BB, mas tanto quanto chegou ao seu conhecimento os funcionários da Caixa deram a conhecer ao Autor o teor da apólice do contrato.

Reconhece que o Autor, em 17/07/2009, lhe enviou a participação de sinistro, a qual foi recebida em 6/08/2009, a fim de fazer funcionar a garantia de invalidez absoluta e definitiva do aludido contrato de seguro, mas nunca enviou à Ré qualquer documento, nomeadamente, declaração médica, comprovativa de que estava impedido de efectuar os actos normais da vida diária e que só os podia executar com a assistência de terceira pessoa, pelo que concluiu que, não integrando o estado clínico do Autor uma situação de invalidez absoluta e definitiva por doença, não tem obrigação de pagar qualquer quantia.

Impugna, ainda, alguns dos factos, alegando que não os conhece nem tem de conhecer por não serem pessoais.

A ré Caixa BB contestou, sustentando que na concessão do financiamento foi exigido que os mutuários subscrevessem seguro de vida, o qual garantisse o capital em dívida em caso de morte ou de invalidez total e permanente, tratando-se, consequentemente, de um contrato de seguro celebrado entre o autor e a seguradora CC, sendo a Caixa beneficiária irrevogável até ao capital máximo em dívida em cada anuidade.

Assim, as pretensões deduzidas não têm qualquer fundamento em relação a si, não obstante reconhecer a celebração dos contratos de mútuo com hipoteca e de seguro. Na verdade, em caso de procedência desta acção, apenas a 2ª ré deveria ser condenada a pagar à 1ª ré o montante necessário para a amortização do empréstimo, desobrigando dessa forma o autor e a esposa.

Impugna ainda alguns dos factos articulados na petição inicial, pugnando pela improcedência da acção no que lhe diz respeito.

Tendo sido dispensada a realização da audiência preliminar, proferiu-se então despacho saneador e organizou-se a base instrutória, a qual mereceu uma reclamação por parte da ré “CC”, parcialmente deferida (Fls. 145/146).

Foi produzida prova pericial (vide fls. 160 e seguintes e 231 e seguintes) e indeferiu-se a realização de uma 2ª perícia.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, onde, além do mais, se alterou a redacção do quesito 30º, despacho do qual foi interposto recurso mas que não foi admitido, encontrando-se a matéria de facto controvertida respondida nos autos por despacho datado de 15/07/2013.

Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, reconhecendo a validade e eficácia do contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº …, estabelecido com o autor (e mulher) aquando da formalização do contrato de mútuo a que se reportam os pontos 1º a 3º dos factos provados, mas considerando que, para que o núcleo essencial das pretensões aduzidas pelo autor pudessem ser acolhidas, teria sido necessário que, além do mais, da matéria de facto provada se pudesse concluir que a invalidez resultante de doença do autor era absoluta e definitiva, na acepção prevista no artigo 2º, n.º 3 das “Condições Especiais da Apólice”, isto é, que não só seja incapacitante para o autor do exercício de qualquer profissão, mas também que ele necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, retirou a conclusão que se não verificavam todos os requisitos exigidos pelo n.º 3 do artigo 2º das referidas Condições Especiais.

Com efeito, continua a sentença, se é certo que “a incapacidade do autor resultante da doença do foro cardíaco de que padece o torna incapaz para o exercício de qualquer profissão”, não é menos certo que “a matéria de facto provada não é suficiente para que se possa concluir que ele está dependente de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”, pelo que, “nessa medida, o sinistro não cai no âmbito de cobertura da apólice, de sorte que o núcleo essencial das pretensões deduzidas terá de ser julgado improcedente” e, desse modo, absolveu, no mais, as rés do pedido, com custas a cargo do autor.


Inconformado, o Autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2014, na procedência da apelação, revogando a sentença recorrida, condenou as rés Caixa BB, SA, e CC – Companhia de Seguros, SA:

1º - A reconhecerem a validade do acordo (contrato de adesão) estabelecido com o autor AA, aquando da formalização do contrato de mútuo, reconhecendo a ocorrência de invalidez do autor como factor de caracterização de situação contemplada no seguro por aquele pactuado, com efeitos desde Maio de 2006;

2º - A que pela ré seguradora seja assegurada, nos termos contratuais, a restituição à primeira ré, instituição de crédito beneficiária do seguro, do capital em dívida do referido contrato, no montante de € 53.683,03;

3º - A, solidariamente, reembolsarem o autor das importâncias que entretanto lhe foram (e venham a ser) debitadas, ao mesmo título, na respectiva conta bancária, com efeitos a partir de Maio de 2006;

4º - A pagarem ao autor os juros moratórios calculados (a liquidar em execução de sentença), à taxa legal, sobre as prestações entretanto debitadas e acima referidas (a partir de Maio de 2006), e contados até efectivo pagamento.

5º - Custas pelas rés e recorridas, nas duas instâncias - artigo 527º do Código de Processo Civil.


Para a revogação da sentença e condenação das rés nos moldes supra - mencionados, o Tribunal da Relação considerou que, como condição necessária à aprovação do mútuo contraído junto da Caixa BB, o autor e a mulher subscreveram um seguro de vida (Ramo – Vida Grupo), com capital seguro igual ao do empréstimo, de modo a garantir, em caso de morte e invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação do montante em dívida do capital e dos juros vencidos, de acordo com as condições gerias e especiais da apólice, ficando cobertos os riscos de falecimento da pessoa segura, bem como de invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura e de invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura.

E, depois de considerar o que, de acordo com as condições especiais da apólice desse seguro, se deve entender por estado de invalidez absoluta e definitiva em consequência de doença, veio salientar que, nos termos do artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável aos contratos não negociados, «consideram-se excluídas dos contratos singulares não só as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º, mas também as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”, sendo certo que, “face á não prova da matéria questionada no quesito 30º, terá de ser considerada inexistente a cláusula em que as rés se estribam para pretender negar ao autor a sua pretensão”.

Aliás, “a obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 (ora artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008), informar «os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora», tem uma eficácia confinada às relações dele com a seguradora, não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, que a desresponsabilize perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada.

Além disso, “a parte da cláusula que, figurando nas condições especiais do seguro, faz depender a verificação do estado de invalidez absoluta e definitiva, em consequência de doença, não só da incapacidade definitiva de exercer qualquer profissão, mas também da necessidade de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, pelo seu carácter anómalo, atento o tipo de contrato e os interesses que lhe subjazem, bem como o figurar em local pouco explícito do mesmo, surge num contexto em que qualquer mutuário só dificilmente se aperceberia das suas virtualidades descaracterizadoras, pelo que deve ser considerada uma cláusula - surpresa, a excluir do contrato, conforme à previsão da alínea c) do artigo 8º do DL nº 446/85.

Em suma, o Tribunal da Relação julgou a acção procedente, pois que, tendo alterado a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância, considerou que a cláusula 2ª, n.º 3 das Condições Especiais da Apólice estava excluída do contrato de seguro, a que o autor aderiu, por um lado, por violação do dever de informação e, por outro lado, por considerar que tal cláusula é uma cláusula surpresa, logo, despercebida.

Assim, perante a exclusão da aludida cláusula do contrato, tendo resultado provado que o autor ficou em estado de invalidez absoluta e definitiva, em consequência de doença, que o incapacitou total e definitivamente, verifica-se o circunstancialismo necessário ao acionamento da garantia do seguro.


Inconformadas, recorrem, agora, de revista a CC – Companhia de Seguros e a Caixa BB.


I - Conclusões apresentadas pela CC – COMPANHIA DE SEGUROS, SA:

1ª - A entender-se que o Tribunal recorrido considerou nula a segunda parte da cláusula constante do n.º 3 do artigo 2º das condições gerais da apólice, o douto acórdão recorrido é nulo;

2ª – Pois que conheceu de matéria que lhe estava vedada conhecer, na medida em que a nulidade do contrato de seguro, a que os autos dizem respeito, não havia sido suscitada pelo Autor em 1ª Instância, que até havia considerado válido o referido contrato de seguro.

3ª - O recurso não se destina a conhecer matérias novas, pelo que, ao conhecer da nulidade do contrato de seguro, o Tribunal recorrido cometeu a nulidade processual prevista no artigo 668º, n.º 1, alínea d) do CPC (artigo 615º do NCPC), o que implica a anulação do douto acórdão recorrido.

4ª - Mas mesmo que assim se não entenda, sempre existe nulidade do douto acórdão recorrido, porquanto o Tribunal recorrido conheceu de questão de que não podia conhecer ­referimo-nos à exclusão de segunda parte do n.º 3 do artigo 2º das condições especiais da apólice.

5ª - E que o Autor não suscitou essa questão nas suas alegações de recurso de apelação - trata-se, pois de uma questão nova, que não fazia parte do recurso de apelação;

6ª - Pelo que, não fazendo parte dos assuntos de que o Tribunal é obrigado a conhecer, não podia este conhecer de tal matéria - conheceu, assim, de matéria de que não podia conhecer, pelo que ocorreu nulidade processual (artigo 668º, n.º 1, alínea d) do CPC e artigo 615º do NCPC), o que conduz à anulação do douto acórdão recorrido.

7ª - Atenta a decisão do Tribunal recorrido quanto à alteração das respostas aos quesitos 1º e 30º da Base Instrutória, do mesmo resulta que não foi violado o disposto no artigo 5º do DL nº 446/85, pois que a omissão de informação não se refere a nenhuma cláusula do contrato de seguro;

8ª - Pelo que não pode concluir-se, como faz o Tribunal recorrido, pela exclusão da segunda parte do nº 3 da cláusula 2ª das condições gerais da apólice (a considerar-se que tal diploma legal é aplicável aos contratos de seguro).

9ª - Mas admitindo que haja contradição nas respostas aos quesitos 1º e 30º, importa que este Colendo Tribunal anule o julgamento, nos termos do artigo 729º do CPC (artigo 682º do NCPC), a fim de que seja suprida a contradição.

10ª - O Tribunal recorrido entendeu que ao caso dos autos se aplica o disposto no artigo 5º do DL 446/85 e que, porque no seu entendimento, houve violação do dever de informação por parte do Banco tomador do seguro, no que se refere à segunda parte do nº 3 da cláusula 2ª das condições especiais da apólice, considerou-a excluída do contrato de seguro.

11ª - Tal norma não se aplica ao caso dos autos, pois que ao caso dos autos aplica-se a lei especial constante do artigo 4º do DL 176/95.

12ª - E mesmo que tal tivesse acontecido, o que não se aceita face à resposta dada ao quesito 30º, tal facto é irrelevante para a Ré, pelo que não se lhe pode opor a exclusão das cláusulas contratuais do seguro.

13ª - Deve, assim, ser revogado o douto acórdão recorrido, por manifesta violação do disposto no artigo 5º do DL 446/85 e no artigo 4º do DL 176/95.

14ª - A admitir-se que o disposto no DL 446/85 é aplicável ao seguro contratado nos autos (trata-se de um seguro de grupo negociado entre um banco e uma seguradora), o certo é que a segunda parte do nº 3 da cláusula 2ª das condições especiais da apólice não integra o disposto no artigo 8º do citado diploma legal;

15ª - Pois que, atenta a sua localização, o seu enquadramento no contrato, a sua configuração, a sua escrita e até o contexto em que foi negociada, não constitui cláusula despercebida.

16ª - Assim, ao declarar a exclusão de parte do nº 3 da cláusula 2ª das condições especiais da apólice, o Tribunal recorrido violou o disposto na citada norma do artigo 8º do DL 446/85.

17ª – Mas, caso se entenda que tal cláusula integra a citada norma do DL 446/85, nunca tal exclusão conduzia à solução seguida pelo Tribunal recorrido, pois que a havia que integrar ou no limite de considerar nulo todo o contrato, sendo que a integração terá de conduzir ao que a Recorrente contratou com o banco tomador.

18ª - Assim, o douto acórdão recorrido deve ser revogado, por violar o disposto no artigo 9º do DL 446/85.

19ª - Finalmente importa ter presente que - a não proceder nada do que se disse anteriormente - sempre o douto acórdão recorrido deve ser revogado;

20ª - Pois que não ficou provado que o Autor tivesse ficado incapacitado por força da doença de que sofre para o exercício de toda e qualquer profissão, como se estabelece no nº 3 da cláusula 2ª das condições gerais da apólice.

21ª - E ao Autor competia essa prova.

22ª - Assim e atento o disposto nos artigos 342º e 397º do Código Civil, que se mostram violados, deve ser revogado o douto acórdão recorrido e, consequentemente, deve a Ré ser absolvida do pedido.

CAIXA BB, SA[1].

1ª - Entende a Ré Caixa BB, S.A. que os fundamentos em que se alicerça o acórdão recorrido estão em contradição com a decisão.

2ª - O Acórdão recorrido julgou como não provado o quesito 30º, razão pela qual entendeu ter sido violado o dever de informação prescrito no artigo 6º do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais que, consequentemente, determina a inexistência da referida cláusula do contrato de seguro.

3ª - Segundo o mesmo Acórdão, nas relações estabelecidas entre o segurado e a seguradora, o dever de informação das cláusulas contratuais gerais impende sobre a seguradora, não sendo o mesmo oponível pelo segurado relativamente ao tomador do seguro, pelo que o preceito prescrito no n.º 1 do artigo 4º do DL n.º 176/95 não colide com o regime do DL n.º 446/85, relativamente ao dever de informação, uma vez que o primeiro restringe-se às relações entre a seguradora e a tomadora.

4ª – Pelo exposto, pela falta de informação das cláusulas contratuais gerais, neste caso da cláusula 13ª do Contrato de Seguro responde tão só a seguradora perante o segurado.

5ª – Assim, de acordo com a fundamentação do acórdão, perante o segurado, o dever de informação das cláusulas constantes do contrato de seguro recai unicamente sobre a seguradora, não sendo a falta de informação pelo tomador do seguro oponível ao segurado, pelo que, sendo a presente acção instaurada pelo Segurado não pode, por isso, a Ré Caixa BB, enquanto tomadora do seguro, ser responsabilizada pela falta de informação das cláusulas do contrato de seguro.

6ª – Todavia, não foi esse o sentido do dispositivo do acórdão recorrido que, por um lado, condenou a Ré CC a restituir o capital em dívida seguro no valor de € 53.683,03 e, por outro, condenou a Ré Caixa BB a pagar ao Autor os juros moratórios sobre as prestações entretanto debitadas desde Maio de 2006.

7ª – Ou seja, a decisão final sai fora do trilho da lógica percorrida pela fundamentação e, descarrilando, condena a Ré CBB, intermediária, no pagamento ao Autor, segurado, dos juros moratórios sobre as prestações debitadas pelo Autor, quando defende a inoponibilidade da falta de informação da tomadora relativamente ao segurado.

8ª – Existe, pois, uma contradição entre os fundamentos do douto acórdão e a decisão inscrita no dispositivo do mesmo, o que integra a invocada e identificada nulidade do acórdão.

Sem prescindir:

9ª - Não pode a Ré/Recorrente Caixa BB ser condenada no pagamento dos juros moratórios calculados sobre as prestações debitadas desde Maio de 2006.

10ª - Os juros moratórios são devidos pelo atraso no cumprimento de uma determinada obrigação, que se consubstancia no accionamento do contrato de seguro pela 2ª Ré CC - Companhia de Seguros, com a restituição à 1ª Ré CBB do capital em dívida do contrato de mútuo outorgado.

11ª – A obrigação de accionar o contrato de seguro e de restituir o capital segurado recai somente sobre a Seguradora CC, pelo que a Ré CBB, tendo tido conhecimento da ocorrência do sinistro, nunca poderia deixar de debitar as prestações mensais devidas do contrato de mútuo quando poderiam nem estar preenchidos todos os requisitos para o acionamento do contrato de seguro.

12ª – Para deixar de debitar as prestações mensais devidas pelo contrato de mútuo outorgado, a Ré CBB tinha necessariamente de receber a comunicação do acionamento do contrato de seguro pela Ré CC.

13ª – A Ré CBB/recorrente, enquanto mera tomadora do contrato de seguro, não sabe, nem tem qualquer forma de saber se estão preenchidos todos os requisitos para o acionamento do contrato de seguro.

14ª – Caso o Autor tivesse deixado de debitar as prestações e não sendo o contrato de seguro accionado, estaria o Autor numa situação ainda mais penosa, pois, a acrescer ao capital mutuado, teria as prestações mensais em atraso, acrescidas dos juros de mora, bem como o necessário registo de incumprimento junto do Banco de Portugal.

15ª – A Ré CBB foi condenada ao pagamento dos juros moratórios devidos sobre as prestações pagas pelo Autor desde maio de 2006.

16ª – Os juros moratórios são devidos em virtude do atraso no cumprimento de uma determinada obrigação, aqui a restituição pela Ré CC à Ré CBB do capital em dívida seguro de € 53.683,03 e por via do acórdão recorrido a Ré CC foi condenada a restituir à Ré CBB, instituição de crédito beneficiária do seguro do capital em dívida do referido contrato, no montante de € 53.683,03.

17ª - A obrigação de restituição do capital em dívida recai, por isso, unicamente sobre a Seguradora CC, ou seja, o atraso no cumprimento da restituição do montante em dívida deveu-se à seguradora, a qual entendeu não estarem previstos os requisitos para o acionamento do contrato de seguro.

18ª - Tendo sido recusado pela 2ª Ré o acionamento do contrato de seguro e, portanto, o pagamento da dívida segurada, somente pode recair sobre a mesma o pagamento dos juros moratórios sobre as prestações mensais debitadas desde Maio 2006.

19ª - Se a Seguradora comunica o não accionamento do contrato de seguro, a CBB tem naturalmente de continuar a exigir o pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo, nos termos contratualizados, sob pena de não ser ressarcida da quantia por si mutuada.

20ª - Há um nexo de causalidade entre uma acção e um evento, quando a acção do agente coloca, no processo causal que desembocou no evento, uma condição sem a qual esse processo causal não se teria formado, desde que a condição posta pelo agente contribua para a produção desse resultado.

21ª – Ora, a não restituição pela Ré CC à Ré CBB do capital em dívida em virtude do contrato de mútuo foi determinado pela decisão da 2ª Ré do não accionamento do contrato de seguro.

22ª - Ou seja, o resultado alcançado não foi causado por acto/acção da 1ª ré CBB, pelo que não há uma relação de causalidade entre o atraso no cumprimento da obrigação de restituição do capital segurado pela 2ª Ré e a conduta da 1ª Ré que continuou a debitar as prestações mensais do contrato de mútuo desde Maio de 2006.

23ª - Pelo exposto, não pode a 1ª Ré CBB ser condenada pelo pagamento dos juros moratórias sobre as prestações debitadas pelo Autor, desde Maio de 2006, quando a 1ª Ré não teve qualquer intervenção na decisão de recusa de acionamento do contrato de seguro e, consequentemente, da não restituição do capital seguro.

24ª - Na presente acção instaurada pelo segurado, a CBB, enquanto tomadora, não pode vir a ser condenada pelo pagamento de quaisquer quantias ao Autor, uma vez que não incumpriu qualquer dever que lhe seja legalmente oponível, pelo que o presente acórdão deve ser revogado na parte em que condena a CBB ao pagamento dos juros moratórias sobre as prestações mensais debitadas desde Maio de 2006, bem como ao seu reembolso.


Houve contra – alegações, devidamente ponderadas, mas que se não transcrevem pela extensão das mesmas.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

3.

Com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação, julgando provado o quesito 1º da Base Instrutória e não provado o quesito 30º, as instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - Por escritura notarial de mútuo com hipoteca, outorgada em 29 de Julho de 1998, o autor e a mulher (EE) confessaram-se devedores do então “Banco DD”, hoje “Caixa BB”, da quantia global de 13.500.000$00 (€ 67.337,72), tendo tal quantia sido creditada na conta do autor e da mulher junto da 1ª ré, na agência do “Banco DD” do Marquês de Pombal, no Porto, com o nº …, pelo produto do valor mutuado (alínea a).

2º - O empréstimo concedido pela 1ª ré ao autor e à mulher destinou-se à aquisição de habitação própria e permanente, pelo montante de 10.900.000$00, hoje € 54.500,00, bem como à realização de obras de beneficiação no imóvel adquirido, no valor de 2.600.000$00, hoje € 13.000,00, tendo o referido mútuo sido efectuado pelo prazo de 30 (trinta) anos, a liquidar em 360 (trezentas e sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas (alínea b).

3º - Para garantia do pagamento da quantia mutuada, dos juros e das despesas que a 1ª ré houvesse de fazer, o autor e a mulher constituíram uma hipoteca voluntária sobre o imóvel objecto do referido financiamento (alínea c).

4º - Como condição necessária à aprovação do referido mútuo, o autor e a mulher subscreveram um “seguro de vida” (Ramo – Vida Grupo), com capital seguro igual ao do empréstimo, sendo o autor e a mulher seus beneficiários, de modo a garantir, em caso de morte e invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos (alínea d).

5º - Esse “seguro de vida” foi apresentado pela 1ª ré ao autor e à mulher e foi contratado com a aqui 2ª ré, subscrevendo os autores o contrato a que foi atribuído o n.º 1105000500 (alínea e).

6º - Em 19 de Maio de 2009, constava como capital de garantia (capital seguro) o valor de € 54.133,50 (alínea f).

7º - A subscrição do dito “contrato de seguro” ocorreu nas instalações da 1ª ré (alínea g).

8º - De acordo com as condições gerais e especiais da apólice nº …., ficaram cobertos os seguintes riscos:

Falecimento da pessoa segura;

Invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura;

Invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura (alínea h).

9º - De acordo com as condições especiais da apólice, “entende-se por doença toda a alteração involuntária do estado de saúde da pessoa segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva” (alínea i).

10º - Também de acordo com as condições especiais da apólice, por invalidez absoluta e definitiva por doença, entende-se “a pessoa segura é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária” (alínea j).

11º - De acordo com as condições especiais da apólice 5.000.500, para que se considere que existe uma situação de invalidez absoluta e definitiva da pessoa segura, por doença, é necessário que se verifiquem cumulativamente aquelas três situações referidas no ponto precedente (alínea k).

12º - Ainda segundo as condições particulares da apólice, o beneficiário do seguro é o respectivo tomador do seguro, ou seja, a “Caixa BB, SA”, considerando-se como pessoas seguras os clientes do segurado que recorram ao sistema de crédito à habitação – regime geral de empréstimos, que tenham idade inferior a 65 anos e que tenham preenchido o boletim de participante e satisfaçam as condições exigidas no quadro de provas básicas de selecção médica e outras provas adicionais que a seguradora exija para mais completo esclarecimento do risco proposto (alínea l).

13º - O autor encontra-se reformado por invalidez desde 22 de Julho de 2009 (alínea m).

14º - A partir daquela data passou a informar sucessivamente a 1ª ré da sua condição de invalidez (alínea n).

15º - A 1ª ré aconselhou o autor no sentido de este comunicar à 2ª ré o seu estado de invalidez (por virtude da sua doença cardíaca), resultante de doença reportada ao ano de 2007 (alínea o).

16º - Em sede de junta médica foi fixado ao autor uma incapacidade permanente global de 72% (então) susceptível de variações futuras (alínea p).

17º - Após a comunicação à ré “CBB” da situação de invalidez do autor, aquela continuou a debitar na sua conta à ordem as prestações mensais relativas à amortização do empréstimo (capital e juros), bem como os sucessivos prémios de seguro em causa (alínea q).

18º - A 2ª ré teve conhecimento da invalidez do autor por carta datada de 17 de Julho de 2009, recebida pela ré em 6 de Agosto de 2009 (alínea r).

19º - Em 17 de Julho de 2009, enviou à (2ª) ré a participação do sinistro – a qual foi recebida em 6 de Agosto de 2009 - a fim de fazer funcionar a garantia de invalidez absoluta e definitiva do aludido “contrato de seguro” (alínea t).

20º - Após o descrito no ponto 18º, a 2ª ré recusou a pretensão do autor, informando que, para ser activada a cobertura de invalidez, seria necessário que a pessoa segura necessitasse de recorrer de modo contínuo à assistência de uma terceira pessoa por forma a realizar os actos normais da vida diária (alínea s).

21º - O autor foi presente a Junta Médica em 22 de Julho de 2009 (alínea u).

21º/A[2] – O autor celebrou o contrato identificado na alínea F) na convicção de que no caso de ele ou da Autora mulher falecerem ou passarem à invalidez, ficava ele ou os herdeiros desobrigados do pagamento de mútuo concedido pela ré Caixa BB (resposta ao quesito 1º).

22º - O autor é seguido na Consulta Externa de Cardiologia, no Centro Hospitalar do Porto, por taquicardia ventricular que degenerou em fibrilhação ventricular, sendo certo que a 1ª manifestação da doença ocorreu em Maio de 2006 (resposta ao quesito 2º).

23º - Foi implantado ao autor um cardioversor – desfribilhador, para prevenção da morte súbita, no internamento ocorrido entre Maio e Junho de 2006 (resposta ao quesito 3º).

24º - Desde essa data, o autor sofreu episódios de taquidisritmias ventriculares, ao longo dos anos de 2006 e 2007, que foram tratadas com choque por desfibrilhador (resposta ao quesito 4º).

25º - Em meados de Maio do ano de 2006, e na sequência de se ter sentido muito mal, com intensas palpitações, o autor viu-se forçado a recorrer ao Serviço de Urgência do Hospital de Santo António, onde foi assistido pelos respectivos clínicos, tendo na altura apresentado um quadro clínico compatível com taquicardia ventricular que degenerou em fibrilhação ventricular (resposta ao quesito 5º).

26º - Nesse internamento realizou cataterismo cardíaco que evidenciou uma alteração da fracção de ejecção do ventrículo esquerdo (FE 39%) e ausência de doença coronária (resposta ao quesito 6º).

27º - Posteriormente, o autor implantou um cardioversor-desfibrilhador para prevenção de morte súbita cardíaca (resposta ao quesito 7º).

28º - Após vários meses ocorreram vários episódios de taquidisritmias ventriculares, que conduziram a terapêuticas com choque pelo desfibrilhador (resposta aos quesitos 8º e 9º).

29º - Em consequência do descrito nos pontos 22º a 25º foram realizados internamentos, intervenções cirúrgicas, consultas e exames cardiovasculares (resposta ao quesito 10º).

30º - A partir de então o autor passou a viver com um aparelho designado por “CDI” (resposta ao quesito 11º).

31º - Tendo implantado “CDI” com pacemaker (resposta ao quesito 12º).

32º - Em consequência da doença, devido ao risco de morte súbita em caso de ocorrência de episódio de taquidisritmia ventricular e sobretudo de tempestade arrítmica (mais do que três episódios de taquidisritmia ventricular em 24 horas), risco esse potenciado quando o autor faz esforços, passou a ser acompanhado no seu dia-a-dia quando toma banho (tarefa que executa pelos seus próprios meios) (resposta aos quesitos 13º, 16º e 17º).

33º - Quando se desloca ao supermercado (o que faz pelos seus próprios meios), tendo de ser auxiliado a transportar um saco de compras (resposta ao quesito 14º).

34º - E sempre que se desloca para qualquer lado (resposta ao quesito 15º).

35º - O autor vive preocupado que lhe aconteça uma crise (resposta ao quesito 18º).

36º - E sem aquele acompanhamento por terceiro viverá sobressaltado (resposta ao quesito 19º).

37º - Em consequência da mencionada doença, o autor deixou de poder levar o filho à escola, por receio de ser acometido de qualquer ataque cardíaco durante esse percurso e, por outro lado, porque se sente muito cansado quando realiza qualquer trajecto de automóvel, por mais curto que seja (resposta aos quesitos 21º e 22º).

38º - A partir da data em que ocorreu a doença, o autor passou a não conduzir mais do que 15 km seguidos (resposta ao quesito 24º).

39º - Por esse motivo, o filho do autor passou a viver em casa da avó, aí dormindo e tomando as refeições (resposta ao quesito 25º).

40º - Por forma, também, a que a mulher do autor tenha mais disponibilidade para tratar daquele, em virtude das crises de que é alvo surgirem com especial incidência durante a noite (resposta ao quesito 26º).

41º - Então raramente conduzia, sendo certo que, em Março de 2013, foi considerado inapto para o exercício da condução (resposta ao quesito 23º).

42º - O autor não consegue realizar percursos a pé em passo acelerado ou caminhadas com alguma duração (resposta ao quesito 27º).

43º - Para além de que nunca sai de casa acompanhado, com receio de que ocorra um episódio de taquidisritmia ventricular (resposta ao quesito 28º).

44º - A partir do momento em que lhe foi detectada doença do foro cardíaco, o autor ficou totalmente incapacitado para o desenvolvimento da sua actividade ou de quaisquer outras compatíveis com as suas habilitações (6º ano), conhecimentos e experiência (resposta ao quesito 29º).

45º - (…)[3].

46º - Juntamente com a carta remetida pelo autor à 2ª ré, datada de 17/07/2009, aquele enviou a esta os documentos constantes de fls. 88 a 91 (resposta ao quesito 31º).

4.

Sendo o objecto de recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas respectivas conclusões de recurso, salvo se outras forem de conhecimento oficioso, as questões colocadas à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:

1ª – Se acórdão recorrido conheceu para além do que lhe era pedido ou permitido, violando desse modo a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º NCPC, o que o faz incorrer em nulidade que implica a sua anulação;

2ª – Se, face às respostas dadas aos quesitos 1º e 30º, terá havido violação do artigo 5º do DL nº 446/85, havendo antes fundamentação para anulação do acórdão recorrido;

3ª – Se, aplicando-se ao caso dos autos o disposto no artigo 5º do DL 446/85, houve, no que se refere à segunda parte do nº 3 da cláusula 2ª das condições especiais da apólice, incumprimento do dever de informação por parte do Banco tomador do seguro ou, pelo contrário, por parte da Seguradora;

4ª – Se, a ter havido incumprimento do dever de informação por parte do Banco, quanto à aludida cláusula, poderá a Seguradora ser responsabilizada pelos danos que daí advieram para o Autor;

5ª – E, se acaso tal cláusula for declarada nula, será ainda o Banco o responsável pela falta do dever de informação;

5.

DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

A Recorrente CC, nas questões colocadas à apreciação deste Tribunal, começa por suscitar a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, por duas ordens de razões. Entende, por um lado, que o Tribunal da Relação conheceu de matéria que lhe estava vedada conhecer, na medida em que a nulidade do contrato de seguro, a que os autos dizem respeito, não havia sido suscitada pelo autor na 1ª instância.

Mas mesmo que assim se não entenda, sempre existe nulidade do acórdão recorrido, porquanto o Tribunal da Relação conheceu de questão de que não podia conhecer, ao considerar a exclusão da segunda parte do n.º 3 do artigo 2º das Condições Especiais da Apólice, (na parte em que se refere à necessidade de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária), questão de que não podia conhecer, uma vez que o Autor se limitou a suscitar a nulidade dessa cláusula.


Entendemos que nesta parte não assiste razão à Recorrente.


Os recursos podem definir-se como os meios processuais pelos quais se submetem as decisões judiciais a uma nova apreciação por outro tribunal.

Daqui resulta, como corolário lógico, que os recursos visam decidir sobre questões já levantadas nos autos e não decidir sobre questões novas só trazidas aos autos em sede de recurso.

Assim, muito embora, nos termos do artigo 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sejam as conclusões da alegação que delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, tem que se interpretar esta norma no sentido de que o recorrente pode restringir as questões que foram objecto de apreciação no tribunal inferior, mas não será lícito invocar nas alegações questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas nem devendo conhecer-se nelas de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.

Mas esta regra comporta duas excepções: (i) situações em que a lei expressamente determina o contrário e (ii) situações em que está em causa matéria de conhecimento oficioso.

Assim, não é lícito às partes invocar nas alegações questões que não tenham sido objecto da decisão impugnada nem tão – pouco é possível apreciar questões que não foram suscitadas nos tribunais inferiores, excepto as de conhecimento oficioso.

Como determina o n.º 2 do artigo 608º do NCPC, a que corresponde o artigo 660º, n.º 2, na anterior redacção, “o juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Ora, dispõe o artigo 286º do Código Civil que “a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”.

Assim sendo, as nulidades das cláusulas contratuais, ainda que não suscitadas pelas partes, são de conhecimento oficioso do tribunal ad quem (vide artigo 24º do DL 446/85 de 25 de Outubro.

No caso concreto, o autor, no recurso de apelação, suscitou a nulidade da parte final da cláusula 3ª do artigo 2º das Condições Especiais, por ofensiva do princípio da boa – fé.

O acórdão recorrido na consideração que fez sobre esta questão, antes de se pronunciar quanto à sua nulidade, apreciou a questão numa fase anterior, decidindo-se pela exclusão da referida cláusula, (exclusão que o autor tinha, aliás, pedido na respectiva apelação, aquando da alteração da matéria de facto), e fê-lo pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, porque entendeu que não resultou provado que aquela parte da cláusula, prejudicial aos interesses do autor e da mulher, tivesse sido comunicada ou informada aos aderentes, (tendo em conta a alteração da resposta dada aos quesitos 1º e 30º).

Depois, porque entendeu que aquela cláusula constituía uma verdadeira cláusula – surpresa. Isto é, considerou-se, além do mais, que aquela cláusula, mostrando-se limitativa da cobertura do risco, encontrava-se inserida nas condições especiais do contrato, no fim do texto da apólice, ou seja, depois das condições particulares, surgindo, em primeiro lugar, as condições particulares e, em segundo lugar, as condições especiais, nas quais se prevê a cobertura do risco de invalidez por doença.

Assim sendo, não há fundamento para a anulação do acórdão, com fundamento na alegada nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, que, in casu, se não verifica.

Improcede, assim, esta primeira parte do recurso.

6.

Defende, seguidamente, a Recorrente que, atenta a decisão do Tribunal recorrido quanto à alteração das respostas aos quesitos 1º e 30º da Base Instrutória, disso resulta que não foi violado o disposto no artigo 5º do DL nº 446/85, pois que a omissão de informação não se refere a nenhuma cláusula do contrato de seguro, pelo que não poderá concluir-se, como faz o Tribunal recorrido, pela exclusão da segunda parte do nº 3 da cláusula 2ª das condições gerais da apólice (a considerar-se que tal diploma legal é aplicável aos contratos de seguro), devendo o acórdão ser anulado.


Vejamos:

Ao contrário do que havia sido decidido na 1ª instância, o Tribunal da Relação considerou provado que o autor celebrou o contrato identificado na alínea F), na convicção de que, no caso de ele ou de a autora mulher falecerem ou passarem a invalidez, ficava ele ou os herdeiros desobrigados do pagamento do mútuo concedido pela ré Caixa BB (vide alteração introduzida pela Relação à resposta que havia sido dada ao quesito 1º).

Escusado será dizer que o contrato identificado na alínea F) é o contrato de seguro que o autor e a mulher subscreveram, como condição necessária à aprovação do mútuo que haviam solicitado ao Banco DD, hoje Caixa BB, para aquisição de habitação própria. Trata-se, como melhor se explicita na alínea D), de um contrato de seguro de vida (Ramo – Vida Grupo), com capital seguro igual ao empréstimo, sendo o autor e a mulher seus beneficiários, de modo a garantir, em caso de morte e invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários a liquidação do montante em dívida do capital e dos juros.

Resulta, pois, inequivocamente provado que o autor e a mulher subscreveram um contrato de seguro do Ramo Vida- Grupo.


Mas o Tribunal da Relação alterou também a resposta que havia sido dada ao quesito 30, cuja matéria está directamente relacionada com a matéria assente nas alíneas A) e D).

A alínea A) é referente à escritura do mútuo com hipoteca, enquanto a matéria assente em D) é referente ao seguro de vida que o Autor e a mulher subscreveram, cuja matéria atrás se explicitou.

Finalmente consta da cláusula 13ª do documento complementar que “os mutuários obrigam-se a fazer seguro de vida do capital mutuado, cuja apólice e actas adicionais respectivas ficarão em poder do Banco DD como interessado na qualidade de credor hipotecário”.


Assim, ao contrário do que pretende demonstrar a ré CC, o que se perguntava no quesito 30º, era precisamente se a 1ª Ré (Banco) tinha explicado ao autor e á mulher o sentido e o alcance das cláusulas referentes ao contrato de seguro de vida, às quais o autor e a mulher aderiram como condição necessária à aprovação do mútuo dos autos.

Pretendia-se, portanto, saber se a 1ª ré anteriormente à escritura pública referida em A) e ao contrato seguro referido em D), havia explicado ao autor e à mulher, na qualidade de mutuários, o sentido e alcance das cláusulas que faziam parte do seguro de vida que ambos se viram obrigados a subscrever e cuja apólice e actas adicionais ficaram em poder da 1ª Ré.

Aliás e tanto assim é que, como se infere da fundamentação da matéria de facto e da própria sentença, que não foi infirmada pelas Rés, a instância das Rés no que respeitava á prova em concreto do quesito 30º (antes e depois da correspondente alteração), limitou-se às questões relacionadas com a prova da comunicação e informação da cobertura do contrato de seguro, pretendendo as Rés, desse modo, demonstrar que as cláusulas da apólice, subscrita pelo autor e mulher, foram devidamente comunicadas e informadas, nomeadamente a constante do n.º 3 do artigo 2º das condições especiais da apólice, onde se refere “… e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”.

Por outro lado, o autor alegou e provou que celebrou o contrato de seguro identificado em F), na convicção de que, no caso de ele ou a mulher falecerem ou passarem à invalidez, (desconhecendo outro conceito de invalidez que não o comum), ficava ele e os herdeiros desobrigados do pagamento do mútuo concedido pela 1ª Ré (Banco).

Tal matéria foi alegada pelo autor na petição inicial.

Ora, pondo-se, deste modo, em causa a validade daquela cláusula (constante das condições especiais da apólice), logo as rés impugnaram tal matéria.

Resulta do exposto que a 2ª Ré não tem razão quando pretende convencer este Supremo Tribunal que o sentido e alcance da cláusula 13ª do documento complementar apenas remete para o contrato de mútuo.

Ao contrário. O que ali se questionou tem apenas a ver com o cumprimento do dever de informação da cobertura do contrato de seguro, ou seja se as suas cláusulas foram comunicadas e informadas nos termos em que a lei o impõe, numa fase pré-contratual.

Deste modo, tendo em conta a resposta dada pela Relação, não resultou provado que o Banco DD (hoje, Caixa BB), anteriormente à realização da escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada em 29 de Julho de 1998, com o autor e com a mulher e anteriormente à celebração do contrato de seguro acima mencionado, haja explicado o sentido e o alcance da segunda parte do n.º 3º da cláusula 2ª das Condições Especiais da Apólice.


Relembrando, segundo tal cláusula, para ser activada a cobertura de invalidez, seria necessário que a Pessoa Segura necessitasse de recorrer de modo contínuo à assistência de uma terceira pessoa para conseguir efectuar os actos normais da vida diária.

Encontra-se, pois, demonstrado que foi celebrado um contrato de seguro, figurando como tomador a Caixa BB, que o apresentou ao Autor e à mulher e foi contratado com a Seguradora CC, subscrevendo o autor e a mulher o aludido contrato, não se tendo provado que nem o Banco nem a Seguradora hajam informado o autor do sentido e alcance da segunda parte do n.º 3 do artigo 2º das Condições Especiais da Apólice.

Assim sendo, não existe qualquer contradição nas respostas dadas aos quesitos 1º e 30º, nem, consequentemente, fundamento para a anulação do julgamento, nos termos do disposto no artigo 682º do CPC.

7.

Antes de indagarmos a quem competiria este dever de informação, importará saber se ao caso dos autos se aplica o disposto no artigo 5º do DL 446/85.

O Tribunal recorrido entendeu que ao caso dos autos se aplica o disposto no artigo 5º do DL 446/85 e porque houve violação do dever de informação por parte do Banco tomador do seguro, no que se refere à segunda parte do nº 3 da cláusula 2ª das condições especiais da apólice, considerou-a excluída do contrato de seguro.

Defende a Ré CC que tal norma não se aplica ao caso dos autos, pois que ao caso se aplica a lei especial constante do artigo 4º do DL 176/95.

E acrescenta:

“Mesmo que tal tivesse acontecido, o que não se aceita face à resposta dada ao quesito 30º, tal facto é irrelevante para a Ré, pelo que não se lhe pode opor a exclusão das cláusulas contratuais do seguro.

Conclui que deve ser revogado o acórdão recorrido, por manifesta violação do disposto no artigo 5º do DL 446/85 e no artigo 4º do DL 176/95.


Vejamos:

O contrato de seguro é “aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de pretensão a realizar em data determinada[4]”.


Antes da entrada em vigor do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril, que aqui se não aplica, o regime do contrato de seguro achava-se contido nos artigos 425º e seguintes do Código Comercial, encontrando-se diversos aspectos regulados em diplomas avulsos atinentes à actividade seguradora, merecendo particular destaque, no que ao contrato e ao consumidor de seguros respeita, o Decreto-Lei 176/95, de 28 de Julho.

Lê-se no preâmbulo deste diploma:

“A criação do mercado único no sector de seguros veio abrir um novo espaço à concorrência, que se traduz por uma maior e mais complexa oferta de produtos, sobretudo nos seguros de pessoas”.

“A diversidade de coberturas, exclusões e demais condições, com maior ou menor grau de explicitação no contrato, justifica que (…) se introduzam regras mínimas de transparência nas relações pré e pós – contratuais”.

“Pretende-se, assim, definir algumas regras sobre a informação que, em matéria de condições contratuais e tarifárias, deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro pelas seguradoras que exercem a sua actividade em Portugal”.

“Pretende-se igualmente com esta nova regulamentação reduzir o potencial de conflito entre as seguradoras e os tomadores de seguro, minimizando as suas principais causas e clarificando direitos e obrigações”.

“Além disso, o diploma contém ainda disposições complementares relativas ao regime jurídico do próprio contrato, aplicável quando este cubra riscos ou compromissos situados em território nacional”.

Traçados os objectivos deste diploma, logo no artigo 1º se admite, no âmbito do contrato de seguro, a par do seguro individual, o seguro de grupo.

O seguro individual é aquele que é efectuado relativamente a uma pessoa, podendo o contrato incluir no âmbito de cobertura o agregado familiar ou um conjunto de pessoas que vivam em economia comum ou o que é efectuado conjuntamente sobre duas ou mais cabeças. Seguro de grupo é aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum e que pode ser contributivo ou não contributivo consoante os segurados contribuam ou não para o pagamento dos prémios (vide artigo 1º do DL 146/95).

Portando dentro do contrato de seguro, as regras a adoptar nos contratos individuais não são necessariamente coincidentes com as regras dos seguros em grupo, salientando-se, desde logo, que este diploma consagrou algumas regras sobre a informação que, em matéria de condições contratuais, deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro pelas seguradoras que exercem a sua actividade em Portugal.


Para se determinar se ao contrato de seguro de grupo se aplicam ou não as regras das cláusulas contratuais gerais, tornar-se-á necessário indagar se este contrato se poderá considerar um contrato de adesão.

Os contratos de adesão são aqueles cujas cláusulas contratuais gerais foram elaborados sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou a aceitar.

Ora, no contrato de seguro ramo vida, tal como no seguro individual, é a Seguradora quem estabelece as cláusulas a que o contrato de seguro há-de obedecer, vertendo-as na respectiva apólice e a que os segurados se subordinarão, caso queiram aderir à sua subscrição.

Por isso mesmo, uma característica central do contrato de seguro, seja ele individual ou de grupo, é ser ele considerado um contrato de adesão, porque uma das partes se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não ajustando as partes todos os termos do contrato.

O facto de as cláusulas serem predispostas por apenas uma das partes não afasta o carácter contratual, não havendo distinção, sob este ponto de vista, entre adesão e a aceitação em qualquer outro tipo de contrato.

Significa isto que o regime das cláusulas contratuais gerais do DL 446º/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31 de Outubro, que o republicou, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho, é aplicável aos contratos de seguro, sejam eles individuais ou de grupo.

Assim, o artigo 5º, n.º 1, da LCCG, reporta o dever de comunicação, na íntegra, aos aderentes das cláusulas contratuais gerais que estes se limitem a subscrever e a aceitar, comunicação que deve ser efectuada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo, por quem use de normal diligência, cabendo o ónus dessa prova efectiva e adequada ao contratante que submeta a outrem as ditas cláusulas contratuais gerais[5].

Não restam dúvidas de que, in casu, estamos perante um seguro de grupo – ramo vida. Se o normal é o facto de o contrato de seguro ser celebrado apenas entre a seguradora e um tomador, isso não se verifica no seguro de grupo. Aqui o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador e posteriormente aderem pessoas ligadas ao tomador que serão os segurados (no caso dos autos, pessoas que celebram contratos de mútuo com o tomador para aquisição de casas de habitação) mas isso não impede, como vimos, que esteja igualmente sujeito às regras contidas no diploma que regula as cláusulas contratuais gerais.

Relativamente à questão da actividade da Ré Seguradora estar regulada e ser controlada por um organismo público de supervisão – o Instituto de Seguros de Portugal -, muito embora se reconheça esse controlo, o certo é que tal circunstância não subtrai os contratos de seguro do regime previsto no DL 446/85.

Resulta do exposto que, aplicando, como se aplica, o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, assiste ao segurado o direito de ser informado sobre as coberturas e exclusões.

8.

A dúvida, in casu, reside sobre quem compete informar o segurador das condições contratadas no seguro de grupo (no ramo vida), se ao Banco tomador, ou se à Seguradora.

O artigo 4º esclarece esta dúvida.

Se o contrato não prever que, nos seguros de grupo, a obrigação de informar os segurados seja assumida pela seguradora, é o tomador do seguro que, nos termos do n.º 1 do artigo 4º do DL n.º 176/95, de 26 de Junho, deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, sobre as obrigações e direitos e casos de sinistro e sobre as alterações posteriores que ocorram nesse âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora[6].

E, por expressa disposição do n.º 2 desse artigo 4º, compete-lhe o ónus da prova de ter fornecido essas informações.

Daqui resulta que é, com efeito, obrigação da instituição bancária, tomadora do seguro, ao promover a adesão ao mesmo dos respectivos clientes, para garantia do pontual pagamento dos mútuos com eles celebrados no âmbito do crédito á habitação, dar as devidas informações e a comunicação das condições e das cláusulas constantes da apólice emitida, competindo só depois à seguradora apreciar a proposta em função do nela declarado sobre o valor do capital seguro e das respostas ao questionário sobre as condições de saúde e idade do segurado, para avaliação do risco próprio dos seguros de vida, e emitir, em caso de aceitação, o competente certificado[7].

Ou seja, no campo dos seguros de grupo, o dever de informação ao aderente impende sobre o banco tomador do seguro e não sobre a seguradora[8].

Não era, pois, à seguradora CC que competia informar o segurado das condições contratadas no seguro de grupo (ramo vida) a que o autor aderiu, mas antes à Caixa BB.

9.

E quais as consequências resultantes do incumprimento do dever de informação?

Tal como flui do n.º 3 do artigo 4º do DL 176/95, nos seguros de grupo contributivo, o incumprimento do dever de informar o segurado implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.

Donde, se o dever de violação tiver sido cometido pelo tomador do seguro, não pode a mesma ser imputada e estender-se a responsabilização por esse acto ilícito à seguradora, contanto que se trate de cláusulas que não sejam proibidas.

Pois, tratando-se de cláusulas proibidas e consequentemente nulas, a Caixa BB não estará obrigada ao dever de informação dessas cláusulas, não lhe sendo as mesmas oponíveis.

10.

Enquanto a Seguradora defende que o sinistro se não enquadra nas garantias compreendidas no contrato de seguro, considera o acórdão recorrido que se o sinistro não se enquadra nessas alegadas garantias, mas devia enquadrar, isso se ficou a dever à circunstância de uma dessas cláusulas ser manifestamente uma cláusula surpresa, devendo, consequentemente, ser excluída.


Vejamos:

Estamos perante um seguro, pactuado conjuntamente com um mútuo, que garante, em caso de morte ou de invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação à mutuante do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos.

Analisando os referidos contratos, nomeadamente o escopo específico do contrato de seguro, verifica-se que o interesse dos segurados é que, caso um deles morra ou se veja incapacitado de trabalhar, fique assegurado o pagamento do montante em dívida, libertando o outro desse encargo. Já o interesse da Caixa BB, como mutuante, consiste em ver reforçada a garantia de que o montante emprestado e respectivos juros vai ser pago, acautelando as situações em que os mutuários possam ter acrescidas dificuldades em o restituir.

Os riscos tipificados no contrato de seguro são o falecimento, a invalidez absoluta e definitiva por doença ou a invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura.

Como se torna evidente, tais eventos relevam na medida em que afectam a capacidade de os mutuários auferirem rendimentos que lhes permitam pagar a dívida que assumiram.

Assim, no que particularmente concerne ao estado de invalidez absoluta e definitiva, compreende-se a cláusula complementar das condições especiais da apólice, onde se explicita que «a pessoa segura é considerada de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão”, pois, em tal situação, deixa de poder auferir rendimentos que lhe permitam pagar a dívida.

Pretender ainda, como pretende a seguradora, fazer depender a verificação do estado de invalidez permanente e definitiva, em consequência de doença, não só da incapacidade definitiva de exercer qualquer profissão, mas também da necessidade de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, mais não é do que um artifício pelo qual a seguradora, predisponente da cláusula, intenta sub – reptícia e encapotadamente restringir de modo drástico o alcance da cobertura do seguro, como se considerou no acórdão recorrido.


Em nosso entender, tal cláusula é abusiva e, consequentemente, proibida.


No Decreto-Lei 446/85, dá-se particular importância às chamadas cláusulas abusivas, pretendendo-se evitar que os proponentes fiquem sujeitos a empresas em situação de força no mercado, que facilmente se podem fazer valer da sua posição dominante para inserir cláusulas abusivas nos contratos que celebram.

As cláusulas abusivas caracterizam-se por a sua aplicação (i) resultar numa limitação ou supressão de obrigações a cargo do predisponente, com alteração da relação de equivalência; (ii) favorecer excessiva ou desproporcionadamente a posição contratual do predisponente e prejudicar inequitativa e danosamente a do aderente; (iii) implicar uma incompatibilidade com os princípios legais essenciais[9].

Teve, pois, o legislador como objectivo central a proibição absoluta ou relativa de cláusulas injustas, inconvenientes ou inadequadas.

Como princípio geral, e de acordo com o artigo 15º do DL 446/85, são proibidas as cláusulas contrárias à boa – fé.

E o artigo 16º concretiza:

Na aplicação da norma anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito relevantes em face da situação considerada e, especialmente:

a) – A confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;

b) – O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.

A boa – fé, tida em vista neste diploma, é a boa – fé objectiva, exprimindo um princípio normativo que não fornece ao julgador uma regra apta á aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, “ficando aberta deste modo a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça[10]”.

Assim, quem tem o poder de pré – estabelecer os termos dos negócios jurídicos na área onde exerce a sua actividade antecipadamente à própria determinação da contra – parte, deve sopesar também os interesses previsíveis dos aderentes, em ordem a atingir um equilíbrio para cuja avaliação as soluções dispositivas ou supletivas constituem um padrão de referência[11].

Deste modo, poder-se-á concluir que uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva, quando, a despeito da exigência da boa – fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. Ou seja, «uma cláusula será contrária à boa – fé se a confiança depositada pela contra – parte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável[12].


Escreve, a este propósito, Almeno de Sá[13]:

"A consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procurar garantir, de antemão, os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesses da parte contrária. O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa-fé, pelo que somos assim levados á necessidade de um" ponderação de interesses. (…) Nesta ponderação, haverá de concluir-se por um" violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder "à medida" do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador (…) Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos".


Saliente-se que o controlo da natureza abusiva de uma cláusula deve ser feito em concreto, considerando-se quaisquer elementos atendíveis, que incluem as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, importando ter em consideração, na apreciação do desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa-fé, todas as circunstâncias que envolvem o contrato, que devem ser apreciadas objectivamente, na perspectiva de um observador razoável e com referência, não ao momento da celebração do contrato, mas daquele em que é feita valer a nulidade da cláusula.

Sendo, ainda, certo que, na apreciação da natureza abusiva de uma cláusula, se deve ponderar a finalidade do contrato, e, assim, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo com que o tomador ou o segurado pudessem, de boa - fé, contar, tais cláusulas devem considerar-se nulas[14].


Como atrás se disse, no contrato de seguro em análise foi estipulada uma cláusula segundo a qual para a atribuição da indemnização contratada em caso de invalidez total ou permanente essa invalidez terá de ser de tal monta que o segurado fique total e definitivamente incapacitado de exercer qualquer profissão mas que, para além disso, o obrigue a recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”.

Assim, face ao disposto no artigo 2º, n.º 3 das cláusulas especiais, para que a invalidez total e permanente se verifique, não bastam, nos termos da apólice, os requisitos especificados na primeira parte desse n.º 3 do artigo 2º, mas é ainda necessário esse requisito restritivo, com cuja inclusão o predisponente mais não pretendeu senão reduzir drasticamente os declarados incapazes, em consonância com a legislação em vigor, pelo médico da seguradora.

Ou seja, a pessoa segura, depois de consolidada e clinicamente comprovada a invalidez total e permanente, tem o ónus de apresentar reclamação junto da Seguradora, comprovando que para os actos normais da sua vida diária carece da assistência de uma terceira pessoa.

E o relatório médico, onde se descreva com pormenor a data de início, evolução, causas e natureza da invalidez, bem como qual a conclusão clínica, que o segurado teve de obrigatoriamente apresentar à Junta Médica, para que esta emitisse a sua decisão, terá de ser novamente apresentado perante o médico da seguradora, pois a este compete, em suma, analisar se, segundo o seu critério, a Junta Médica decidiu bem ou mal e confirmar ou infirmar essa a decisão, se assim o entender.

É manifesto que esta cláusula se assume contrária à boa-fé, por implicar um desequilíbrio desproporcionado e, a final, uma penalização gravosa para o autor.

Na verdade, conhecedor da existência de um contrato de seguro de que era beneficiário, designadamente em caso de invalidez total e permanente, o autor adquiriu a confiança de que, caso se viesse a encontrar em tal situação, teria direito de ver a seguradora satisfazer as prestações ainda em falta do contrato de mútuo. E era também isso o que exactamente pretendia o Banco, pois, a partir do momento em que o segurado/mutuário deixasse de poder satisfazer essas prestações, por incapacidade, o Banco encontrava-se salvaguardado com o contrato de seguro firmado.

Pode, por isso, afirmar-se que a confiança depositada pelo autor no referido contrato de seguro foi defraudado, sendo que da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes resulta para a seguradora uma vantagem injustificável, já que lhe compete decidir se deve ou não satisfazer ao Banco o mútuo solicitado pelo segurado, para além de drasticamente reduzir o número de segurados que, apesar de impossibilitados de auferirem qualquer remuneração, nem assim deixam de se ver coagidos a satisfazer a prestação mutuada, sob pena se verem privados da habitação adquirida, devendo ainda acrescentar-se que tal cláusula nem sequer foi trazida ao conhecimento do autor.

Resultou também provado que o Banco figura como tomador do seguro porque é do seu interesse ser reembolsado do crédito mutuado.

Para não correr o risco de perder o capital mutuado, além de outras garantias, os aderentes são obrigados a subscrever o seguro de grupo, reforçando o Banco a salvaguardar da situação do mutuário não poder eventualmente satisfazer as respectivas prestações por invalidez permanente e definitiva. Ou seja, ficar impossibilitado de exercer a sua profissão e auferir os meios financeiros indispensáveis para satisfação da prestação mensal resultante do mútuo.

Entende-se, assim, desproporcionada esta cláusula contratual, favorecendo excessiva ou desproporcionadamente a posição contratual do predisponente e prejudicando inequitativa e danosamente a do aderente, sendo, consequentemente, abusiva nos termos dos artigos 15º e 16º do DL 446/85, de 25 de Outubro, ficando a cobertura do contrato de seguro, aquém daquilo que o autor podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do acordo firmado.

E, sendo abusiva, terá de ser declarada a sua nulidade, nos termos gerais do direito, subsistindo obviamente a obrigação de cumprimento por parte da Seguradora.

11.

Nas conclusões 19º a 22ª, a Ré CC pede a revogação do acórdão recorrido, por entender que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 342º e 397º do Código Civil, já que entende que não ficou provado que o autor, por força da doença de que sofre, ficasse incapacitado para o exercício de toda e qualquer profissão.


A Recorrente não tem razão.

Relembramos que, relativamente, a esta matéria se provou, além do mais, o seguinte:

“A partir do momento em que lhe foi detectada doença do foro cardíaco, o autor ficou totalmente incapacitado para o desenvolvimento da sua actividade ou de quaisquer outras compatíveis com as suas habilitações (6º ano), conhecimento e experiência”.

A propósito desta questão, em concreto, escreveu-se na sentença o seguinte:

“Em face dos factos demonstrados, entendemos que a incapacidade do autor, resultante de doença do foro cardíaco de que padece, o torna incapaz para o exercício de qualquer profissão, naturalmente que de acordo com as suas capacidades e habilitações literárias (é com referência à pessoa do segurado que o artigo 2º, n.º 3 das Condições Especiais deve ser perspectivado, sob pena de se esvaziar o conteúdo).

Porém, entendemos que a matéria de facto provada não é suficiente para que se possa concluir que ele está dependente de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária.

Ora, sendo nula esta cláusula (sublinhada), e resultando, ainda, provado que ao autor foi fixada uma incapacidade permanente global de 72%, passando a mesma a definitiva, quando foi reavaliada, verificam-se os requisitos indispensáveis ao preenchimento do conceito de invalidez absoluta e definitiva prevista na apólice (vide artigo 2º, n.º 3 das Condições Especiais).

Verificados tais requisitos, como se demonstrou, tendo presentes as considerações antes produzidas, não pode deixar de ser reconhecida pela 1ª e 2ª Ré a invalidez do autor com efeitos, desde Maio de 2006 e a ré Seguradora ser condenada a indemnizar o autor nos termos contratuais, entregando nomeadamente à instituição de crédito o capital em dívida, a quantia de € 53.683,03 (cinquenta e três mil, seiscentos e oitenta e três euros e três cêntimos) e juros moratórios.

Como entretanto, ao autor foram debitadas pela Caixa BB as prestações devidas pelo mútuo, como se o autor não estivesse incapaz, terá esta de reembolsar o autor dessas prestações depositadas a partir de Maio de 2006, e das que porventura ainda lhe venham a ser depositadas, bem como dos respectivos juros moratórios, até que a Seguradora CC venha a depositar o capital em dívida e respectivos juros moratórios.

12.

Sumariando:

I - Seguro de grupo é aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum e que pode ser contributivo ou não contributivo consoante os segurados contribuam ou não para o pagamento dos prémios, distinguindo-se do seguro individual por este ser efectuado relativamente a uma pessoa, ainda que o contrato inclua no âmbito de cobertura o agregado familiar ou um conjunto de pessoas que vivam em economia comum ou o que é efectuado conjuntamente sobre duas ou mais cabeças.

II - Reveste a natureza de contrato de adesão, o contrato de seguro de Vida-Grupo, cujo clausulado é negociado apenas entre um Banco e uma seguradora, que, para garantia de contratos de mútuo para aquisição de habitação ou para obras na habitação que celebraram com o Banco tomador do seguro, os particulares segurados se limitam a subscrever ou aceitar, através de simples declaração individual de adesão.

III - Pelo que lhes é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais do DL n.º 446/85, de 25-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 220/95, de 31-10, que o republicou, e pelo DL n.º 249/99, de 07-07, designadamente o dever de informação plasmado no artigo 5.º do primeiro dos citados diplomas.

IV - Tratando-se de um seguro de grupo, é ao tomador do seguro que incumbe o ónus de informação – e respectiva prova – aos segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito.

V - O incumprimento do dever de informar o segurado implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.

VI - É contrária ao principio da boa-fé e consequentemente proibida, por abusiva, uma cláusula segundo a qual para a atribuição da indemnização contratada em caso de invalidez total ou permanente essa invalidez terá de ser de tal monta que o segurado fique total e definitivamente incapacitado de exercer qualquer profissão mas que, para além disso, o obrigue a recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária.

VII - A incapacidade para o exercício de toda e qualquer profissão deve ser aferida em face da actividade anteriormente desenvolvida bem como das capacidades e habilitações literárias da pessoa segura.

VIII - São do conhecimento oficioso – ficando excluída da regra de que o juiz só pode conhecer das questões suscitadas pelas partes – as nulidades das cláusulas contratuais gerais, pelo que não enferma do vício de excesso de pronúncia o acórdão que dela conhece, ainda que tal questão não haja sido suscitada nas alegações de recurso.

DECISÃO:

Pelo exposto, na parcial procedência da revista da Ré Caixa BB e na improcedência da revista da Ré CC, confirma-se a decisão recorrida, embora com outros fundamentos, decidindo-se:

1º - Condenar a 1ª e a 2ª Ré a reconhecerem a invalidez total e definitiva do autor, desde Maio de 2006.

2º - Condenar a Ré CC a indemnizar o autor nos termos contratuais, entregando nomeadamente à instituição de crédito o capital em dívida, ou seja a quantia de € 53.683,03 (cinquenta e três mil, seiscentos e oitenta e três euros e três cêntimos) e juros moratórios.

3º - Condenar a Ré Caixa BB a reembolsar o Autor das prestações que foi obrigado a depositar nesse Banco, desde Maio de 2006, e das que ainda lhe possam vir a ser exigidas, bem como dos respectivos juros moratórios, até que a Seguradora CC venha a depositar o capital em dívida e respectivos juros moratórios.

4º - Custas pelas Rés em função do decaimento.


Lisboa, 18 de Setembro de 2014


Manuel F. Granja da Fonseca (Relator)

António da Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira


_____________________________
[1] As conclusões da CAA, dada a sua extensão, serão sintetizadas, salientando-se as questões que pretende colocar.
[2] Matéria aditada pelo Tribunal da Relação.

[3] Matéria eliminada pelo Tribunal da Relação: “A 1ª ré, anteriormente à realização da escritura pública referida no ponto 1º e do contrato referido no ponto 4º, explicou o sentido e alcance da cláusula 13ª do documento complementar (resposta ao quesito 30º).
[4] Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa, 1971, página 23-24.
[5] Ac. do STJ de 20/01/2010, Revista n.º 294/06.8TBOAZ.P1.S1 -6ª Secção.
[6] Ac. STJ de 13/01/2011, revista n.º 1443/04.6TBGDM.P1.S1 – 2ª Secção.
[7] Acórdão do STJ de 20/01/2010, citado.
[8] Ac. STJ de 29/03/2011, Revista n.º 1295/04.6TBMFR.L1.S1. - 1ª Secção.
[9] José Vasques Osório, Contrato de Seguro, página 355.
[10] Mário Júlio de Almeida e Costa e António Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao DL 446/85, de 15 de Outubro, 1986, página 39.
[11] Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato, as Cláusulas Contratuais gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 2003, páginas 570 e 579 a 583.
[12] José Manuel Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL 446/85, anotado, Coimbra Editora, 2010, página 172.
[13] Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, página 261.
[14] Vide Moitinho de Almeida, Contratos de Seguro (Estudos) páginas 91, 97, 99.
Ac. STJ de 7/10/2010, in www.dgsi.pt.