Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
806/12.8TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: SEGURADORA
REPRESENTAÇÃO
SUCURSAL
PERSONALIDADE JURÍDICA
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO JUDICIAL ( AÇÃO JUDICIAL ) / LEGITIMIDADE DAS PARTES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 564.º, 566.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2013: - ARTIGOS 13.º, N.º 2, 32.º.
DECRETO-LEI N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO: - ARTIGO 67.º, N.ºS 3 E 7.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14/06/2005, PROC. N.º 1648/05, DE 02/02/2010, PROC. N.º 660/05.6TBPVZ.P1.S1, OU DE 19/01/2012, PROC. N.º 275/07.4TBMGL.C1.S1, CUJOS SUMÁRIOS SE ENCONTRAM DISPONÍVEIS EM WWW.STJ.PT .
-DE 10/02/2012, PROC. N.º 632/2001.G1.S1.
-DE 29/11/2012, PROC. N.º 3714/03, C1.S1.
-DE 07/02/2013, PROC. N.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I - O representante para sinistros em Portugal, designado por empresa de seguros estrangeira, embora disponha de poderes para regularizar sinistros ocorridos com lesado português no estrangeiro, não dispõe, nessa qualidade, com base no disposto no artigo 67.º/3 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, de poderes de representação judicial da seguradora salvo se esta os conferir, não podendo, assim, enquanto representante de sinistros, ser demandado em ação judicial proposta pelo lesado que não viu ser aceite pelo representante de sinistros o pedido de indemnização pelos danos emergentes de acidente de viação que junto daquele reclamou.

II - O representante de sinistros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal e, por isso, não dispõe de legitimidade passiva para ser demandado em ações de indemnização propostas contra as suas seguradas (artigo 67.º/7 do Decreto-Lei n.º 291/2007).

III - No entanto, se, independentemente da qualidade de representante de seguros, a entidade que procede à regularização de sinistros for uma sucursal em Portugal da seguradora, ela pode ser demandada, verificada a previsão constante do artigo 13.º/2 do CPC/2013 desde que os tribunais portugueses sejam competentes em razão da nacionalidade.

IV - Não pode, no entanto, a sucursal ser demandada juntamente com a seguradora como se houvesse litisconsórcio voluntário, pois a relação material controvertida respeita apenas à seguradora, o interesse da sucursal é o interesse da ré, não podendo, assim, a sucursal, agência, filial ou delegação litigar em posição litisconsorcial com a parte principal que foi demandada, no caso, a empresa de seguros (artigo 32.º do CPC/2013).

V - A indemnização por danos morais e por danos patrimoniais, estes relativos à perda de capacidade remuneratória do lesado, são ressarcíveis em montantes a fixar com base em juízos de equidade, impondo-se ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se a decisão recorrida respeitou, à luz dos factos provados e da jurisprudência mais atualizada, os limites em que opera o juízo de equidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou no dia 13-3-2012 ação declarativa com processo comum contra BB - Mútua de Seguros e contra BB - Mútua de Seguros Sucursal em Portugal pedindo (a) a condenação solidária das rés no pagamento da indemnização global líquida de 88.873,24€, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até efetivo pagamento e (b) a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 164.º a 177.º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564.º/2 do Código Civil) ou vier a ser liquidada em execução de sentença (artigo 661.º/2 e 805.º - atual artigo 378.º/2 do CPC).

2. Os danos emergem de acidente de viação ocorrido em Espanha no dia 6-4-2009 entre o veículo auto pesado de mercadorias, de matrícula portuguesa, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula espanhola que invadiu a faixa de rodagem em que circulava o pesado.

3. O condutor do pesado, que contava à data do acidente 45 anos de idade, reclamou 20.000€ a título de danos não patrimoniais considerando os ferimentos sofridos, a sua gravidade e o tempo de recuperação dos mesmos; considerando um vencimento mensal de 1.1000€ e o tempo de incapacidade temporária absoluta para o trabalho entre 6-4-2009 e 16-3-2010 e ainda os trabalhos que efetuava em terrenos que amanhava para consumo próprio de onde obtinha um rendimento nunca inferior a 250€/mês, o autor deixou de receber 17.409,34€ (12.100€, produto de 1100€ x 11meses, + 367€, produto de 1100€ x 10 dias, + 2108,34€, proporcional dos subsídios de férias e de Natal, + 2834€, produto de 250€ x 11 meses e 10 dias correspondente ao rendimento do agricultor).

4. Alegou o autor que nunca mais vai poder exercer as suas funções de motorista e de agricultor, que vai continuar a ser medicado com analgésicos até ao fim da vida, que das lesões lhe adveio uma IPP de 8,92‰; assim, considerando um período laboral de 30 anos (dos 45 aos 75 anos) a indemnização por danos futuros, deve contabilizar-se em 50.000€.

5. Reclama ainda 375€ de despesas várias e 1088,90€ com a perda de objetos de uso pessoal.

6. O pedido ilíquido deduzido tem em vista as despesas médicas e sessões de fisioterapia a realizar.

7. As rés, na contestação, para além de impugnarem o montante pedido a título de indemnização, sustentaram a falta de personalidade judiciária da 2ª ré considerando que os factos alegados pelo autor não têm nenhuma relação com a 2ª ré, enquanto sucursal da 1ª ré, dispondo sobre esta matéria o artigo 7.º/1 do CPC que as sucursais, agências, filiais ou delegações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado, não existindo no caso nenhuma relação entre os factos alegados e a demandada sucursal.

8. O A. sustentou que a seguradora responde em consequência do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 30..., respondendo igualmente a sucursal por ser, como correspondente, representante da seguradora em Portugal, tendo sido com ela que o autor estabeleceu contactos e tendo ela assumido a responsabilidade pelas consequências danosas emergentes do acidente; sustentou ainda que, caso o segurador tenha correspondente em Portugal, constitui-se este em verdadeiro responsável pelo pagamento da indemnização aos lesados como resulta do Despacho Normativo n.º 20/78, de 24 de janeiro, que prescreve no n.º 3 que " no caso de a companhia inscrita no gabinete emissor do certificado ter em Portugal um 'correspondente', ao abrigo do artigo 4º da Convenção Tipo Intergabinetes, a Secção da Carta Verde abandonará a instrução do processo e a liquidação dos sinistros ao referido 'correspondente'".

9. A exceção foi julgada improcedente na 1ª instância por se entender que a responsabilidade da ré advém do disposto no artigo 7.º/2 do CPC na medida em que está em causa uma obrigação indemnizatória ou de ressarcimento contraída junto de um cidadão português.

10. A ação foi julgada parcialmente procedente condenando-se as rés no pagamento à autora de 38.257,13€ a título de danos patrimoniais e 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais com juros desde a citação até integral pagamento no que respeita a danos patrimoniais e desde a data da sentença até integral pagamento no que respeita a danos não patrimoniais.

11. O referido montante de 38.257,13€ resulta do somatório da quantia de 5.797,32€ (resultado da diferença entre a quantia que o autor não recebeu de vencimento e subsídios, considerando o valor anual de vencimento de 13.853,98€ e o valor diário de 37,95€ e 345 dias de incapacidade para o exercício da profissão, e a quantia de 7.295,43€ que lhe foi paga pela seguradora a título de adiantamento) com a quantia 750,00€ de despesas de vestuário inutilizado no acidente e outros gastos e ainda com a quantia de 31.701,98€ (resultado da diferença entre 35.000,00€, valor equitativo de perda de capacidade aquisitiva pela incapacidade permanente de 6 pontos que o passou a afetar tendo em vista esperança de vida entre 75/80 anos deduzidos quantias recebidas no âmbito do processo laboral de 2.632,67€ e 657,52€).

12. O A. defendeu, na apelação, que a indemnização por danos futuros deve ser aumentada para 50.000€ e que o valor de indemnização a título de danos morais deve ser aumentado para 20.000,00€

13. Por sua vez as rés, na apelação, defendem que a personalidade judiciária conferida às sucursais se destina a assegurar a representação da sociedade cuja sede é domiciliada no estrangeiro só que, no caso vertente, a ação foi intentada desde o início contra a própria sociedade pelo que a sociedade não pode estar em juízo por si própria e simultaneamente através do seu representante, não tendo o autor querido, quando optou por demandar a sociedade, prevalecer-se da faculdade que a lei lhe conferia de demandar a sucursal, impondo-se, assim, a absolvição da instância da 2ª ré, sucursal da 1º ré.

14. No que respeita aos danos as rés defendem que dos recibos de vencimento do autor resulta que a sua retribuição bruta era de 13.433,88€ sendo, líquida de descontos para IRS e segurança social de 11.884,99€; a retribuição mensal líquida por 14 meses era de 849,93€; impugnam igualmente a matéria de facto considerando que o autor sofreu uma ITA (incapacidade temporária absoluta) de 250 dias e uma ITP (incapacidade temporária parcial) de 50% durante 30 dias, de 35% durante 26 dias e de 40% durante 39 dias. As suas perdas salariais são de 9.478,14€ a que importa deduzir 7295,43€, sendo, assim, devida apenas a indemnização de 2.182,71€ a que se impõe reduzir as verbas recebidas a título de subsídio de férias e remuneração de férias pelo que o valor de indemnização a considerar é de 1138,71€.

15. Quanto ao valor a atribuir pela perda de capacidade aquisitiva, considerada a retribuição anual líquida e a incapacidade de 6 pontos, o valor a atribuir é de 13.535,19€ atenta uma taxa de capitalização de 3% e, por isso, deduzido o já recebido, o valor indemnizatório deve ser fixado em 10.245,00€, considerando as rés, no recurso subordinado que interpuseram para o STJ, que esse valor devia ser fixado em 12.000,00€.

16. No que respeita a danos morais deve este ser reduzido para 7.000,00€, pretensão que reafirmaram no recurso subordinado interposto para o STJ.

17. O Tribunal da Relação julgou procedente a exceção dilatória de falta do pressuposto da personalidade judiciária e de legitimidade da 2ª ré que absolveu da instância; julgou parcialmente procedente a apelação dos RR no que respeita ao valor de indemnização por danos patrimoniais, condenando a 1ª autora a pagar a quantia de 18.598,52€ somatório de 1.138,71€ de perdas patrimoniais com 16.709,81€ de perda de capacidade aquisitiva e com os 750€ de despesas, mantendo-se a condenação de 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais e o demais decidido.

18. O autor interpôs recurso de revista finalizando a minuta de recurso com as seguintes conclusões:

Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação na parte em que pelo mesmo se determinou, além do mais, a revogação da sentença de primeira instância e julgamento dos recursos interpostos nos seguintes aspetos:

a) procedência da exceção dilatória de falta de pressuposto de personalidade judiciária e legitimidade da ré, com a consequência absolvição da instância da mesma;

b) improcedência total da apelação deduzida pelo Autor, ora recorrente;

c) procedência parcial do recurso interposto pelas RR. no que concerne o valor da indemnização por danos patrimoniais a pagar ao A., reduzindo a mesma do valor originalmente fixado de 38.257,13€ para 18.598,52€;

a) Das exceções dilatórias

Entendeu o Tribunal da Relação, quanto a esta matéria, que assiste razão às recorrentes quando as mesmas defendem que não podia o Autor ter demandado, simultaneamente, a lª Ré, sociedade mãe do grupo AMA, e a 2ã ré, sucursal em território português do referido grupo e pessoa coletiva.

Entendendo que a ação em apreço nos autos já havia sido intentada, originalmente, contra a sociedade, e estando esta representada devidamente por advogado, não podia esta ré estar em juízo "por si própria e, simultaneamente, através do seu representante", aqui entendido como sendo a sucursal 2ª ré.

Toma assim o Tribunal recorrido a posição de que o disposto no art. 7º, n.º 2 do CPC se configura como uma opção que o Autor tem de tomar quanto à demanda da sociedade propriamente dita ou da sucursal sua representante, em regime estrito de alternativa de legitimidade passiva.

Nesta interpretação, o Autor teria de escolher demandar ou uma (a sociedade) ou outra (a sucursal), mas nunca as duas em simultâneo, designadamente porque seria "incompatível o prosseguimento da ação contra a devedora e a entidade que dela é mera representante."

Defende o Tribunal no acórdão recorrido que a mera "circunstância de a ação ter sido intentada contra a própria sociedade (...) impede que seja reconhecida personalidade judiciária e legitimidade à sua sucursal, por se tratar de uma a mesma pessoa, que não pode estar em juízo por si própria e, do mesmo passo, por via de um representante." - nosso sublinhado.

Por economia, o Autor dá por reproduzida nestas alegações a fundamentação invocada pelo Tribunal de primeira instância para julgar da referida improcedência, concretamente vertida no despacho saneador notificado às partes em 1-3-2013 e constante dos autos a fls., a qual não é merecedora de qualquer censura.

O Autor reproduz também, por economia, o vertido nos artigos 177º até 186.º da sua petição inicial.

A 2ª Ré age como correspondente, representante e agente da lâ Ré no território português: esta matéria fáctica resultou provada em primeira instância: vide factos n 1.54, 1.55, 1.56 e 1.57 e é da maior importância no julgamento da matéria de exceção posta em causa pelo acórdão a quo.

A este propósito repristina-se nesta sede o douto acórdão, emanado deste Supremo Tribunal e decisão de 18-12-2003, processo n.º 03B3010, já citado no art. 185º da petição inicial.

Esta noção de representação/correspondência da legitimidade passiva da 2g Ré.

É que a função de representante não é despicienda, nem do ponto de vista legal, enquanto requisito para o exercício da atividade de seguros em território português.

Nem do ponto de vista prático, enquanto fator de proximidade e garantia de justo tratamento e ressarcimento do lesados perante a entidade seguradora responsável.

Veja-se a este propósito o tratamento dado pela Relação de Coimbra em acórdão de 26-2-2013, citado supra, em alegações, para as quais se remete.

A lógica que preside a todo o sistema supra descrito é precisamente o de fazer garantir aos lesados uma instância diretamente responsável - inclusive por via judicial - pela tramitação e ressarcimento dos danos causados pelo segurado daquela que seja próxima da sua residência e esfera de ação quotidiana.

Dizer-se que, se a sociedade mãe estiver já a ser demandada no processo judicial de indemnização, isso implicará a obrigatória retirada da sucursal/representante dessa mesma contenda judicial e, por inerência, dos efeitos diretamente aplicáveis da sentença a proferir, seria subverter a lógica intrínseca do sistema.

A lógica subjacente de proximidade da seguradora via representante (de constituição legalmente obrigatória) seria, repete-se, totalmente subvertida se, no desfecho destes autos, fosse subtraída ao Autor a faculdade de executar diretamente a 2ª ré para cobrança das quantias arbitradas, "tirando-lhe das mãos" uma sentença em que a mesma foi diretamente condenada.

E também é atentatório e contrário à ratio legis entender-se que assim terá de ser pela mera circunstância de estar já em juízo a sociedade mãe, com sede a milhares de quilómetros da residência do Autor, cujos serviços operam em idioma diverso do seu, assim se penalizando o zelo e diligência do Autor - que, por cautela, instaurou a ação também contra a sociedade mãe - com a absolvição da Ré sucursal e representante, impedindo-o de, com maior conveniência, obter sentença judicial diretamente exequível perante entidade existente no seu ordenamento jurídico, e não em ordenamento estrangeiro.

E esvaziando a razão de ser da obrigatoriedade legal de representante em solo nacional de seguradora sediada em território estrangeiro.

Pelas razões expostas, a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo é totalmente avessa à ratio legis subjacente à criação e finalidade do "representante de seguros", independentemente da sua qualidade de "sucursal".

A decisão recorrida, nesta parte, configura uma frontal violação das normas legais previstas nos artigos 7º, 278º, n.º 1, alínea c)e d) e 577º, alíneas c) e e] do CPC, o n.º 3 do art.e 76.º e os artigos 65.º a 68.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto.

Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que afirme a personalidade judiciária e legitimidade passiva da 2ª Ré.

b) Da improcedência do recurso de apelação interposto pelo Autor

O Autor discorda do montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial:

O valor de 10.000,00€, fixado pela douta sentença recorrida e mantido no acórdão recorrido, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pelo Autor, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes - cf. factualidade dada como provada;

Pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 20.000,00€ e que, como se fez na petição inicial, ora se reclama.

Com a manutenção do montante arbitrado a este título pelo Tribunal de primeira instância, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 496.º do Cód. Civil.

c) Da redução do quantum indemnizatório a título de "danos patrimoniais"

O Tribunal a quo procedeu a uma drástica redução das quantias atribuídas ao Autor neste capítulo, nas categorias de "perdas salariais" e "dano de perda ou diminuição de capacidade aquisitiva"/"incapacidade permanente".

I - Do decidido quanto às perdas salariais

Em primeiro lugar, entendeu o Tribunal de segunda instância alterar a redação do facto provado 1.43 bem como o teor dos factos 1.47, 1.48 e 1.49.

Não assiste razão, nesta parte, ao defendido pelo Tribunal recorrido.

O período que deve considerar-se para cômputo da indemnização por perdas salariais do Autor é o fixado em primeira instância - 345 dias.

Isto porque assim o impõe o teor do relatório pericial elaborado à ordem dos autos - fls. 368 e ss.

É o período que aí se fixa que deve vincular o julgamento do Tribunal nesta matéria - e não os períodos de ITA fixados pela seguradora laboral ao contrário do que defendem as rés e o Tribunal recorrido.

Não podem agora as rés querer aproveitar-se de períodos de incapacidade fixados ao Autor no âmbito de um processo de que não fizeram parte.

Períodos esses com que o Autor não concordou necessariamente e em rigor, tendo apenas aceitado genericamente o resultado do exame médico-legal do foro laboral tendo em vista a sua conciliação com a entidade seguradora.

Pelo que de nenhum efeito pode produzir a verificação de tais períodos de incapacidade.

Foi promovida, nestes autos, uma perícia médica a abrigo destes autos - fls. 368 e ss.

No âmbito de tal perícia, umas das questões a responder pelos Srs. Peritos foi a determinação do período de repercussão das lesões sofridas em consequência do acidente na atividade profissional do Autor.

A resposta a tal quesito foi clara - o período de 345 dias.

Não dispunha o Tribunal a quo de margem para determinar um período contrário àquele doutamente fixado pela perícia,

Pelo que deve manter-se intacta a redação dos factos 1.47, 1.48 e 1.49, revogando-se a decisão recorrida nesta parte.

Lavra em erro o Tribunal a quo ao defender o entendimento que a indemnização a fixar a este título deve ater-se à "remuneração líquida" do Autor.

Não é exatamente "pacífico" na nossa jurisprudência que deva atender-se à remuneração "líquida" do lesado neste cômputo indemnizatório, ao contrário do que se afirma na nota de rodapé do acórdão recorrido - aliás, é no próprio sumário do acórdão da Relação de Guimarães invocado (de 11.6.2015) que se faz referência, no primeiro ponto, a um acórdão em sentido contrário, deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 13 de janeiro de 2009.

É na esteira desta última decisão citada que o Autor assenta a sua defesa, neste particular.

Com efeito, o termo "remuneração líquida" é uma ficção de mera ordem prática.

A única e real retribuição pelo desempenho de uma atividade profissional é a remuneração vulgarmente designada "em bruto."

No caso concreto dos autos, o Autor auferia, como produto económico e contrapartida pecuniária da sua prestação de trabalho, a quantia anual de 13.438.88€.

A questão é que, no exercício de uma atividade profissional por conta de outrem, acontece, originariamente (vulgo "na fonte") uma alocacão obrigatória e de imposição legal de parte da remuneração total do trabalhador.

Nomeadamente para efeitos fiscais e contributivos.

Mas que não deixam de ser constituir parte integrante do seu salário.

A circunstância de, em termos práticos, o rendimento disponível do Autor ser, na verdade, já deduzida dessas quantias retidas "na fonte" para efeitos fiscais e contributivos em nada contende nem deve contender no cálculo da sua indemnização, sendo certo que, se estivessem no autos em causa o produto da atividade de um profissional liberal, dificilmente seria objeto de prova aquilo que por si tivesse sido pago em sede de IRS e para o respetivo sistema contributivo aplicável - caso em que seria pacificamente usado para cálculo indemnizatório o produto "bruto" da sua atividade profissional.

Não faz sentido discriminar o Autor enquanto trabalhador por conta de outrem, computando uma remuneração inferior à que efetivamente aufere para um cálculo assente num putativo "rendimento disponível".

Pelo que deve ser considerada a remuneração ilíquida do Autor para o cálculo da indemnização arbitrada, seja a título de perdas salariais, seja a título de perda de capacidade aquisitiva ou dano biológico.

II - Da incapacidade permanente

Não merece qualquer censura a decisão de primeira instância nesta matéria - quer quanto à fundamentação, quer quanto ao quantum fixado.

Pelo que o Autor remete, antes de mais, e na íntegra, para tal decisão, a qual dá aqui por integralmente reproduzida.

É entendimento do Autor que a larga jurisprudência citada nesta matéria e a demais maioritariamente acolhida prevalecerá, em princípio e com todo o respeito que nos merecerá, sobre o douto entendimento do acórdão citado pelo acórdão recorrido.

É criticável o valor a que chega o Tribunal recorrido, por oposição ao que é fixado em primeira instância, com incidência nos seguintes critérios:

a) como referido, o Tribunal deve ater-se à remuneração ilíquida do lesado no cálculo;

b) a consideração de toda a factualidade dada como provada, designadamente a reduzida idade do Autor - 45 anos de idade, com expectativa de viver ainda outros 32 anos, a exigência física das tarefas que desempenhava, a multiplicidade de fontes de rendimento (incluindo a atividade agrícola);

c) o rebate das lesões na sua atividade profissional, que acresce à considerável incapacidade fixada de SEIS pontos de que ficou a padecer.

Tudo ponderado e tendo o juízo de equidade como fator de correção, as quantias a que chega o Tribunal a quo, apontando para uns irrisórios 20.000,00€ afiguram-se como absolutamente desajustados aos direitos de ressarcimento do Autor e à prática jurisprudencial.

Pelo que, repristinando-se aqui e nesta parte, em total adesão, o doutamente decidido pelo Tribunal de primeira instância, deve, no mínimo, manter-se a quantia arbitrada a este título, revogando-se a decisão recorrida.

Por ser violadora, entre outras, das normas contidas no artigo 483º e seguintes do Código Civil.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve ser determinada a revogação do acórdão ora recorrido, nos termos concretamente alegados, mantendo-se quanto ao demais aqui não impugnado.

19. As rés concluem a minuta de recurso subordinado nos seguintes termos:

1 - Considerando que o demandante não sofreu qualquer fratura, não esteve internado em hospital ou clínica médica, não foi submetido a intervenção cirúrgica, os tratamentos a que se submeteu consistiram em consultas médicas e fisioterapia, as sequelas conferem-lhe uma IPG de não mais de 6 pontos e um quantum doloris de 3/7, é exagerada a compensação arbitrada pelos danos não patrimoniais, impondo-se a sua redução para a quantia de 7.000,00€, o que se requer.

2 - Atendendo à retribuição anual líquida do demandante, a incapacidade de 6 pontos, a idade de 46 anos que contava à data da alta, o rendimento anual líquido de 11.884,99€, uma taxa de capitalização de 3%, obtemos matematicamente o valor de 13.535,19€.

3 - Na primeira e segunda instâncias foi decidido abater à indemnização devida a este título as verbas que o A. já recebeu na vertente laboral do acidente, sem que a A. tenha posto em causa essa decisão, pelo que se formou caso julgado relativamente a esta questão.

4 - Tendo o A. recebido já a verba de 2632,67€ e a de 657,52€ a título de capital de remição da pensão por incapacidade permanente atribuída no âmbito da ação laboral, a indemnização a que deveria ter direito era a de 10.245,00€

5 - Assim, entende a recorrente que, em equidade, a indemnização devida a este título não deveria ser superior a 12.000,00€ pelo que se requer a sua redução para este montante

6 - O douto acórdão sob censura violou as normas dos artigos 496.º e 566.º do Código Civil.

20. Factos provados

1.1. No dia 6 de abril de 2009, pelas 11,00 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Nacional nº. 651, nas Curvas de o Gaiteiro, ..., em F..., Espanha.

1.2. Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis:

- o veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula ...-...-OZ; e

- o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Seat, modelo Cordoba, de matrícula ... BJG.

1.3. O veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula ...-...-OZ era conduzido pelo Autor na presente ação AA.

1.4. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ... BJG era propriedade de BB e, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era por ele próprio conduzido.

1.5. No dia e hora supra referidos, o condutor do veículo ...BJG seguro da 1ª ré despistou-se e embateu com a parte frontal da viatura no veículo pesado de mercadorias que circulava no sentido de trânsito contrário ao seu sentido de marcha.

1.6. As rés propuseram ao A. pagar a quantia relativa a algumas despesas efetuadas e relativas a objetos pessoais danificados, em consequência do acidente de trânsito dos presentes autos.

1.7. O Autor foi transportado de ambulância para o Hospital General ..., de F..., Espanha onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência.

1.8. No próprio dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o Autor obteve alta Hospitalar.

1.9. O A. contava, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos, quarenta e cinco (45) anos de idade, pois nasceu no dia 2 de outubro de 1963.

1.10. Para a 1ª ré estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ... BJG, identificado nos autos como causador do acidente, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. 3 ..., em vigor à data da ocorrência dos factos.

1.11. A 2ª Ré é a Sucursal, em Portugal, da primeira Ré.

1.12. O acidente ocorreu em território do Reino de Espanha.

1.13. O Autor não assinou os recibos de indemnização (juntos sob os docs. nºs 3 a 4 com a p.i.) que lhe foram apresentados pela ré, como proposta de pagamento das despesas referentes aos objetos pessoais danificados pelo sinistro.

Provindos da base instrutória:

1.14. Como consequência direta e necessária do acidente, resultaram, para o Autor - AA -, lesões corporais várias, nomeadamente traumatismo da coluna cervical e lombar, hematomas escoriações várias, no tórax e no abdómen.

1.15. No hospital para onde foi transportado, foram-lhe aí efetuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas.

1.16. Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos e anti-inflamatórios.

1.17. Foi-lhe, aí, prescrito um Colar Cervical o qual o Autor se viu na necessidade de usar ao longo de um período de tempo de dois (2) meses.

1.18. No próprio dia 6 de abril de 2009, o Autor dirigiu-se à Unidade de Saúde do ..., EPE - CC, EPE -, de V....

1.19. Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos e anti-inflamatórios.

1.20. No próprio dia 6 de abril de 2009, obteve alta hospitalar e regressou à sua casa de residência, sita na Rua de ..., n.º ..., freguesia de ..., comarca de V... C....

1.21. Onde se manteve, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de 5 dias, de onde apenas se levantava para consultas e tratamentos.

1.22. No dia 29 de abril de 2009, o Autor passou a frequentar o Hospital Particular de V... (cf. fls. 337), onde se dirigiu por 3 vezes para frequentar consultas das Especialidades de Ortopedia e Fisiatria.

1.23. Fez, aí, uma TAC, uma ecografia e uma ressonância magnética.

1.24. Posteriormente, o Autor passou a frequentar os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros DD, S.A., na cidade do ..., onde se dirigiu de quinze (15) em quinze (15) dias, até ao dia 16 de março de 2010.

1.25. Foram-lhe, aí, concedidas consultas médicas; efetuados exames radiológicos; ressonâncias magnéticas, prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos e anti-inflamatórios.

1.26. Foi-lhe, aí, prescrito tratamento de fisioterapia que o Autor frequentou, no Hospital Particular de V... e na "C...", de V.... C....

1.27. No dia 16 de março de 2010, o Autor obteve a sua alta médica.

1.28. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o A sofreu um enorme susto.

1.29. E, dada a violência do embate, o caráter súbito e imprevisto que caracterizou o acidente e a sua incapacidade de lhe escapar, o Autor receou pela própria vida.

1.30. O A sofreu dores nas regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente na coluna lombar e cervical e no ombro esquerdo.

1.31. Como sequelas das lesões sofridas, o Autor apresenta:

- ao nível do pescoço: dor no trapézio;

- ao nível da ráquis: lombalgia residual;

- ao nível do membro superior esquerdo: mobilidade do ombro, embora preservada, dolorosa.

1.32. À data do acidente o A. era um homem ágil e robusto, padecendo de diabetes.

1.33. Os factos descritos em 1.31. causam-lhe incómodo e tristeza.

1.34. As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor, um período de tempo de doença de onze (11) meses e dez (10) dias, entre o dia 6 de abril de 2009 e o dia 16 de março de 2010, e um período de tempo com Incapacidade Temporária Absoluta Geral, para o trabalho entre 7/4/2009 e 16/3/2010.

1.35. O A. sofreu um "Quantum Doloris" de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

1.36. Um "Dano Estético" de grau 1, numa escala de 0 a 7.

1.37. Sofreu um prejuízo de afirmação pessoal (atual dano estético permanente) de grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

1.38. E, a final, ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (a anterior Incapacidade Parcial Permanente Geral) de 6 pontos.

1.39. As sequelas de que o A. ficou a padecer traduzidas no défice supra referido são compatíveis com o exercício da atividade profissional de motorista e de atividades agrícolas que o A. desempenhava e realizava à data do acidente, mas implicam esforços suplementares.

1.40. À data da ocorrência do acidente dos presentes autos, o A. exercia a profissão de motorista de pesados, por conta da sociedade "Transportes EE, Lda.", com sede no lugar de ..., freguesia de ..., comarca de V...C....

1.41. No desempenho da atividade de transportes de mercadorias, realizava viagens em Portugal e Espanha.

1.42. No recibo do seu ordenado, que lhe era processado pela sua entidade patronal, consta que o Autor auferia um vencimento-base de 600,00 €, acrescido de subsídio de alimentação, ajudas de custo "Prémio TIR", e bem assim da quantia relativa à cláusula 74º, nº7 do CCT para o setor dos transportes rodoviários de mercadorias.

1.43. A título de vencimento à data do acidente o A. auferia uma retribuição anual bruta de 13.438,88€, sujeita a descontos, sendo a retribuição anual líquida de 11.884,99€ a qual era paga ao autor em mensalidades, estas em número não determinado [A título de vencimento à data do acidente, o A. auferia como ordenado global mensal pelo seu trabalho em média 935,00€/ mês].

1.44. Além disso, o Autor, nas horas vagas deixadas pelo exercício da sua profissão de motorista, por conta da sociedade "Transportes EE, Lda.", aos fins de semana e nos períodos de férias, exercia, também, a atividade de agricultor, por conta própria, em três (3) terrenos que amanhava, com uma área de 5.000,00 metros quadrados.

1.45. No exercício dessas atividades agrícolas, o Autor cultivava e colhia milho, vinho, batatas, feijão, cebolas, alhos, demais legumes, hortaliças.

1.46. Os produtos agrícolas que colhia destinava-os ao consumo do seu agregado familiar.

1.47. Durante o período de tempo de doença com incapacidade temporária absoluta profissional para o trabalho, compreendido entre os dias 6-4-2009 a 15-9-2009 (163 dias), entre 30-9-23009 e 30-9-2009 (1 dia), entre 1-10-2009 e 13-10-2009) 13 dias), entre 25-11-2009 e 5-2-2010 (73 dias) - total 250 dias - o autor viu-se absolutamente impossibilitado de desempenhar a sua profissão de motorista por conta da sociedade "Transportes EE Lda. [Durante o período de tempo de doença com Incapacidade Temporária Absoluta Profissional, para o trabalho, compreendido entre os dias 6 de abril de 2009 e 16 de março de 2010 - 345 dias - o Autor viu-se absolutamente impossibilitado de desempenhar a sua profissão de motorista, por conta da sociedade "Transportes EE, Lda.].

1.48. Bem como se viu impossibilitado de desempenhar a sua profissão de agricultor no período de incapacidade temporária absoluta indicado no ponto 1.47 [Bem como se viu absolutamente impossibilitado de desempenhar a sua profissão de agricultor].

1.49. Entre 7-4-2009 e 16-3-2010 a Transportes EE, Lda. pagou ao A. a título de retribuições:

- No mês de setembro de 2009 - 278,62€ brutos ou 252,20€ já líquidos de descontos; - no mês de outubro de 2009 - 632,98€ brutos ou 570,52€ já liquidados de descontos;  - no mês de novembro de 2009, 600,00€ brutos ou  522,00€ líquidos a título de subsídio de natal no ano de 2009; no mês de novembro de 2009, 781,23€ brutos ou 549,57€ já líquidos de descontos; - no mês de fevereiro de 2010, 636,97€ brutos ou 420,76€ já líquidos de descontos; no mês de março de 2010, 1786,36€ brutos ou 1558,16€ já líquidos de descontos, a título de férias não gozadas, subsídio de férias, mês de férias proporcionais de subsídio de Natal; - no mês de março de 2010, 638,75€ brutos e 437,94€  já líquidos de descontos [E, por essa razão, a sua entidade patronal - "Transportes EE, Lda." - nada lhe pagou, ao longo desse período de tempo de doença, com Incapacidade Temporária Absoluta, para o trabalho, de 345 dias].

1.50. A partir da data da ocorrência do acidente, em consequência das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor passou a despender esforços suplementares no desempenho da sua profissão de motorista e na realização de atividades agrícolas a que se dedicava no horário pós laboral.

1.51. Em consequência das lesões sofridas e sequelas de que ficou a padecer o A. tem necessidade de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória devido às dores no pescoço, à lombalgia residual e ao nível do membro superior esquerdo.

1.52. O Autor efetuou as seguintes despesas: medicamentos; taxas moderadoras; deslocações diversas, em montante não concretamente apurado.

1.53. E viu danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário, de calçado, que trajava na altura do sinistro e objetos de uso pessoal: 1 camisa, 1 camisola, 1 par de sapatos, 1 telemóvel, 1 arca frigorífica e 1 fio de ouro, com medalha e crucifixo, de montante não concretamente apurado.

1.54. A segunda ré é correspondente, representante e agente, em Portugal, da primeira.

1.55. Pela primeira ré, foi a segunda ré encarregada de, precedendo prévio acordo entre elas celebrado, regularizar, em Portugal, todos os sinistros da responsabilidade dos seus segurados.

1.56. E, no desempenho dessa sua qualidade de correspondente, representante e agente, em Portugal, da primeira ré, a segunda (2ª.) ré estabeleceu todos contactos com o Autor e com o mandatário deste.

1.57. E fez, ao Autor, a comunicação final de que ela própria, em representação da primeira ré, aceitava e assumia a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que está na génese da presente ação.

1.58. O Autor sempre residiu, residia e reside, ainda, em Portugal, na área desta comarca de V... C... onde sempre residiu, como ainda reside, na presente data.

1.59. Foi, ainda, em Portugal, que foi sujeito a todos os tratamentos, em consequência das lesões corporais que sofreu, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação.

1.60. E foi, em Portugal, que sofreu e que continua a sofrer, na presente data e no futuro, todos os prejuízos decorrentes do acidente de trânsito que está na génese da presente ação.

1.61. A Companhia de Seguros DD, SA pagou já ao A. a quantia de 7.295,43€ por conta de salários referentes aos períodos de incapacidade temporária para o trabalho.

1.62. A Companhia de Seguros DD pagou ainda ao A. o capital de remição no montante de 2.632,67€.

1.63. Sendo que nos termos do acordo em sede de audiência de julgamento no âmbito do processo por acidente de trabalho, a entidade patronal do A. pagou ao A. também a título de capital de remição o montante de 657,52€.

1.64. A Ré pagou ainda ao A. a quantia de 17,20€ a título de despesas de deslocação.

2 - FACTOS NÃO PROVADOS:

2.1. O A., em consequência do acidente sofreu um "Coeficiente de Dano" de grau 2, numa escala de grau 0 a 4.

2.2. O A., em consequência do acidente ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente Profissional, para o trabalho de 08,92%, de acordo com a Tabela Nacional das Incapacidades.

2.3. Acresce que o Autor não se encontra ainda completamente curado.

2.4. No futuro vai necessitar de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas, às regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente à coluna lombar, dorsal e cervical e ao ombro esquerdo.

2.5. Para o efeito, vai necessitar de recorrer a múltiplas consultas médicas, da especialidade de neurologia, ortopedia, medicina e de cirurgia, além de outras.

2.6. Vai necessitar de efetuar exames de diagnósticos, tais como R.X., TACs e RMG, além de outros.

2.7. Vai necessitar de se submeter a sessões de fisioterapia.

2.8. Vai, por isso, ter necessidade de pagar os custos correspondentes a essas consultas médicas e exames complementares.

2.9. Vai necessitar de suportar os prejuízos decorrentes ao tempo de trabalho perdido, para a obtenção dessas consultas médicas e, ainda, com transportes, refeições no restaurante, além de muitas mais.

2.10. E vai ter necessidade de pagar os honorários médicos e internamentos hospitalares, além de todas as outras despesas necessárias e indispensáveis a todos os tratamentos de que vai carecer.

2.11. Do conjunto de toda a sua referida atividade agrícola, nos terrenos de que ele proprietário, o Autor obtinha, também, um rendimento, em dinheiro e em espécie, nunca inferior a 250,00€, por mês.

2.12. O A. em consequência do acidente de viação nunca mais pôde desempenhar a sua profissão de motorista.

2.13. E o Autor não auferiu, também, quaisquer rendimentos relativos à sua profissão de agricultor.

2.14. O Autor passou, além disso, a sofrer de irritação fácil, perante todos os problemas da sua vida, incluindo a execução das tarefas profissionais de motorista e de agricultor.

2.15. Passou a não poder permanecer de pé, ao longo de períodos de tempo prolongados.

2.16. Passou a não poder permanecer na posição de sentado, por períodos prolongados de tempo, incluindo na atividade da condução automóvel.

2.17. E de efetuar paragens e intervalos, para descanso, na condução automóvel e no desempenho da sua profissão de agricultor.

2.18. O A. teve de fazer refeições em restaurantes, tendo suportado a este título o montante de 100,00€.

Apreciando

21. Suscitam-se as seguintes questões:

1ª - Saber se a 2ª ré, sucursal da 1ª ré, agindo como correspondente, representante e agente da 1ª ré no território português pode ser demandada conjuntamente com a 1ª ré tendo em vista a condenação solidária de ambas no pedido de indemnização deduzido pelo autor emergente de acidente de viação em que o veículo conduzido pelo condutor lesante se encontra segurado na 2ª ré.

2.ª- Saber se a indemnização por danos morais fixada em 10.000,00€ deve ser aumentada para 20.000€ ou reduzida para 7.000,00€.

3.ª- Saber se o cálculo da indemnização a arbitrar tendo em vista as perdas salariais do autor e bem assim a perda de capacidade aquisitiva ou dano biológico deve considerar o valor líquido que o autor recebia anualmente de 11.884,99€ ou o valor da retribuição anual bruta de 13.438,88€, impondo-se, em sede de equidade, atento o valor líquido, fixar-se a indemnização em 12.000,00€ ou, atento o valor ilíquido, fixar-se a indemnização em 31.709,81€.

Quanto à 1ª questão

22. O autor propôs a ação contra a seguradora espanhola do veículo sinistrado e contra a sua sucursal em Portugal. No que respeita à primeira, considerou-a responsável por via do contrato de seguro outorgado incidente sobre o veículo causador do sinistro; no tocante à segunda, considerou-a responsável porque, na qualidade de correspondente, agente e representante em Portugal da primeira, estabeleceu contactos com o autor e comunicou-lhe que "ela própria em representação da primeira ré, aceitava e assumia a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que está na génese da presente ação" (artigo 194.º da petição que deu origem ao facto provado 57 supra).

23. A questão da legitimidade da ré foi perspetivada ab initio em função do disposto no artigo 7.º do CPC/61 (atual artigo 13.º do CPC/2013) considerando-se na decisão de 1ª instância que a legitimidade da ré estava assegurada nos termos do n.º2 do artigo 7.º, preceito que confere personalidade judiciária às sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal " ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal". Daí que, à luz desta norma, se afigure dispor a ré, sucursal da seguradora, de personalidade judiciária e de legitimidade estando em causa obrigação provinda de responsabilidade extracontratual e sendo certo que a ré tinha, na contestação, invocado a sua falta de personalidade judiciária com base na previsão constante do artigo 7.º/1 do CPC.

24. No recurso para a Relação as rés sustentaram que a circunstância de a ação ter sido proposta contra a seguradora impede que "seja reconhecida personalidade judiciária e legitimidade à sua sucursal por se tratar de uma mesma pessoa que não pode estar em juízo por si própria e, do mesmo passo, por via de um representante".

25. Salientaram que não se trata de ato praticado pela sucursal - ou seja, não se está no domínio do artigo 7.º/1 do CPC/61 - não podendo, por essa via, reconhecer-se personalidade judiciária à 2ª ré; salientaram ainda que, face aos factos provados (10, 11, 12 e 54 a 60) nenhum facto associa a sucursal da primeira ré ao acontecimento em apreço.

26. No acórdão da Relação, ora recorrido, defendeu-se

"que não está em causa a falta de personalidade judiciária das sucursais ou da 2ª R. de per si no presente caso em que o seguro de responsabilidade civil foi contratado junto da própria sociedade.  De facto, o artigo 7.º do Código de Processo Civil (versão anterior e aqui aplicável), com a epígrafe «Personalidade judiciária das sucursais» prescreve:

«1. As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.

2. Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal» […]

Para levar mais longe a facilidade de movimentos, a lei permite que as sucursais, agências, etc., posto que não tenham personalidade jurídica, demandem e sejam demandadas; quer dizer, atribuiu personalidade judiciária às sucursais e outras delegações da administração central, a fim de se realizar mais completamente o objetivo a que obedece a criação de tais órgãos […]

E, no caso de a pessoa coletiva ou sociedade ter a sede ou domicílio em país estrangeiro, a lei amplia a esfera de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais ou delegações estabelecidas em Portugal, ainda no mesmo propósito de «dar vida, facilidades e interesse aos órgãos de administração local das sociedades» ou pessoas coletivas. Neste caso, mesmo que a ação proceda de facto praticado pela administração principal as sucursais, agências, filiais ou delegações terão personalidade judiciária, quer para demandar quer para serem demandadas, se a obrigação a que a ação se refere tiver sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.» (cf. Manual de Processo Civil, 2ª ed, pág. 112).

O que ora se discute é da possibilidade de se demandar simultaneamente a própria sociedade e a sucursal, como ocorreu, in casu.

Ora, quanto a esta questão, afigura-se-nos assistir razão às recorrentes.

A personalidade judiciária conferida às sucursais destina-se apenas a assegurar a representação da própria sociedade cuja sede é domiciliada em país estrangeiro.

No caso em análise a ação foi intentada, ab initio, contra a própria sociedade, a qual se apresentou em juízo devidamente representada por advogado.

Pelo que a sociedade não pode estar em juízo por si própria e, simultaneamente, através do seu representante.

Sendo processualmente incompatível o prosseguimento da ação contra a devedora e a entidade que dela é mera representante.

Salientando-se que o que preside à regra do supra referido n.º 2 do artigo 7.° do CPC não é mais do que facilitar o exercício do direito do credor ou lesado, permitindo-lhe acionar uma entidade que lhe é próxima.

Tendo o A. optado, desde o início, por demandar o próprio devedor, é manifesto que não quis prevalecer-se dessa faculdade.

Assim, a circunstância de a ação ter sido intentada contra a própria sociedade - a AA - Mútua de Seguros - impede que seja reconhecida personalidade judiciária e legitimidade à sua sucursal, por se tratar de uma e mesma pessoa, que não pode estar em juízo por si própria e, do mesmo passo, por via de um representante.

Consequentemente, impõe-se absolver da instância a AA - Mútua de Seguros - Sucursal em Portugal.

E, do mesmo passo, não se tratando de ato praticado pela sucursal - estando a sociedade em juízo - não se deveria ter reconhecido legitimidade àquela, o que imporia a absolvição da AA - Mútua de Seguros - Sucursal em Portugal da instância.

São exceções dilatórias a falta de personalidade judiciária e a ilegitimidade de alguma das partes, sendo caso de absolvição da instância [cf. arts. 577.º, c) e e) e 278.º/1, c) e d) do CPC].

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se decide pela procedência das exceções dilatórias da falta do pressuposto processual de personalidade judiciária e de legitimidade da 2.ª ré, que assim se absolverá da instância.

27. No recurso para o Supremo Tribunal vem agora o autor sustentar que a demanda simultânea da sociedade e da sucursal é possível e conveniente; a ré está encarregada da regularização dos sinistros em Portugal como correspondente, representante e agente da 1ª ré no território português, aceitando ou declinando responsabilidade como fez no caso e, por isso, não sendo o correspondente um mero intermediário do segurador ou do gabinete gestor, mas verdadeiro responsável pelo pagamento da indemnização aos lesados sem prejuízo do direito a subsequente reembolso do que pagar, judicial ou extrajudicialmente, pode ser demandado de acordo com o Despacho Normativo n.º 28/78, de 24 de janeiro, que prescreve no n.º3, alínea f) que " no caso de a companhia inscrita no gabinete emissor do certificado ter em Portugal um 'correspondente' ao abrigo do artigo 4.º da Convenção Tipo Inter-Gabinetes, a Secção da Carta Verde abandonará a instrução do processo e a liquidação dos sinistros ao referido 'correspondente'".

28. Considerou-se em decisão do STJ que o correspondente não é um mero intermediário ou auxiliar do segurador, mas verdadeiro responsável pelo pagamento da indemnização e, assim sendo, a ação em que seja " pedida indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, ocorrido em Portugal, causado por veículo automóvel matriculado num Estado-Membro da União Europeia deve ser dirigido, em princípio, contra o Gabinete Português da Carta Verde, mas pode ser intentada contra o segurado ou o segurador (como diretamente responsável pelos danos causados) e se o segurador tiver correspondente em Portugal, também este pode ser demandado, de acordo com o n.º3 do Despacho Normativo n.º 20/78, de 24 de janeiro" (Ac. do STJ de 18-12-2003, rel. Santos Bernardino, 03B3010).

29. Consideram as recorrentes que a lógica que preside ao sistema judicial vai no sentido de garantir aos lesados uma instância diretamente responsável, inclusive pela via judicial, pela tramitação e ressarcimento dos danos causados que seja próxima da residência e da esfera de ação quotidiana dos lesados e neste sentido já o Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, prescrevia no artigo 66.º/1 que aos representante das empresas de seguros em Portugal "devem ser conferidos poderes suficientes para representar a empresa junto dos sinistrados que possam reclamar uma indemnização, incluindo o respetivo pagamento, e para a representar ou, se necessário, para a fazer representar perante os tribunais e autoridades portuguesas no que respeita aos mencionados pedidos de indemnização".

30. De igual modo essa representação é reconhecida pelo artigo 67.º/3 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva 2000/26/CE.

31. Entendimento contrário é totalmente avesso à ratio legis subjacente à criação e finalidade do "representante de seguros", independentemente da sua qualidade de 'sucursal', privando o autor, apenas porque demandou a sociedade-mãe, de obter sentença judicial condenatória contra entidade operante em Portugal.

32. Contrapõem as rés que, sendo a ação apenas intentada contra o representante, nenhuma dúvida se suscita no sentido de que essa entidade é, para todos os efeitos, o responsável civil, o que não pode é figurar numa ação por si próprio e simultaneamente através de representante; pelas mesmas razões que valem para as sucursais é processualmente inadmissível o prosseguimento de uma ação contra duas entidades que são, afinal, a mesma pessoa, ou assumem a mesma posição jurídica; o demandante, optando por demandar diretamente o responsável civil, faculdade que lhe assistia, renunciou às faculdades que lhe adviriam da demanda isolada e exclusiva do representante para sinistros.

33. Atentemos no seguinte.

34. A lei confere personalidade judiciária às sucursais, podendo estas demandar ou ser demandadas, nos termos do artigo 7.º/2 (atual 13.º/2 do CPC/2013) justificando-se a solução pela conexão com a ordem jurídica nacional considerando o domicílio em Portugal da outra parte. A sucursal atua como substituto processual da sociedade mãe, que não é parte formal no processo, dispondo, por isso, de uma legitimidade indireta para fazer valer em juízo interesses que não são os seus.

35. Tem-se entendido que é de afastar "a possibilidade de a pessoa coletiva se constituir como parte principal em posição litisconsorcial com a sua sucursal, agência, filial, delegação ou representação […]. Afinal, a pessoa coletiva não tem um interesse igual ao da ré: o seu interesse é o interesse da ré que, por razões pragmáticas, é uma pessoa meramente judiciária. E também por esta mesma razão - e ainda por maioria de razão - não podem a pessoa coletiva e a sucursal, agência, filial, delegação ou representação litigar como compartes coligadas" ("O Manto Diáfano da Personalidade Judiciária" por Paula Costa e Silva, O Direito, Ano 140.º, 2008, III, pág. 590).

36. No entanto, como se viu, a questão reorientou-se considerando-se agora que a 2.ª ré, independentemente de ser sucursal da 1ª ré, é a sua representante para sinistros em Portugal e, nessa qualidade, pode ser demandada conforme resulta do artigo 67.º/3 e 4 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que prescrevem:

3 - O representante para sinistros deve ainda dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no n.º1 e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização e, bem assim, estar habilitado a examinar o caso na língua ou línguas oficiais do Estado membro de residência da pessoa lesada".

4 - O representante para sinistros deve reunir todas as informações necessárias relacionadas com a regularização dos sinistros em causa e, bem assim, tomar as medidas necessárias para negociar a sua regularização.

37. Este preceito insere-se no título III do referido diploma com a epígrafe " Da proteção em caso de acidente no estrangeiro" que no artigo 65.º/1, disposição que abre o título, prescreve que " são protegidos nos termos do presente título os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor habitualmente estacionado num Estado -Membro e ocorrido, ou em Estado-Membro que não Portugal, ou, sem prejuízo do fixado no n.º1 do artigo 74.º, em país terceiro aderente ao sistema da 'carta verde'".

38. Do artigo 67.º/1 resulta que as " empresas de seguros sediadas em Portugal, bem como as sucursais em Portugal de empresas com sede fora do território do espaço económico europeu, autorizadas para a cobertura de riscos do ramo 'Responsabilidade civil de veículos terrestres a motor, com exceção da responsabilidade do transportador, têm liberdade de escolha do representante, em cada um dos Estados-Membros para o tratamento e regularização, no país de residência da vítima, dos sinistros ocorridos num Estado distinto da residência desta ('representante para sinistros')".

39. Da lei resulta ainda (artigo 67.º/5) que " a designação de representante para sinistros previsto no presente artigo não prejudica o disposto no artigo 64.º, relativamente aos acidentes em que seja devida a aplicação da lei portuguesa".

40. E o artigo 64.º/1 prescreve que

1 - As ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente:

a) Só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório.

b) Contra a empresa de seguros e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar o limite referido na alínea anterior.

41. Não se duvida, portanto, face ao disposto no artigo 67.º/3 e 4 que o representante para sinistros dispõe de um mandato legal para representar as empresas de seguros, regularizando os sinistros, podendo perante ele ser reclamada indemnização pelo lesado.

42. No entanto, o facto de a lei conferir poderes para regularização de sinistros extrajudicialmente, agindo o representante da seguradora nessa qualidade junto do sinistrado - estamos a considerar o caso de lesados por sinistros ocorridos no estrangeiro - não significa que esse mandato inclua poderes de representação judicial.

43. Nada obsta, portanto, a que, independentemente da existência de um representante de seguros, o lesado possa demandar diretamente a empresa de seguros, podendo, no entanto, o lesado optar por apresentar o seu pedido de indemnização ao representante para sinistros (artigo 68.º).

44. Trata-se de saber se, uma vez não aceite pelo lesado a proposta razoável de liquidação do sinistro que o representante para sinistros apresentou, o lesado pode demandar judicialmente o representante de sinistros; sendo afirmativa a resposta, então suscita-se a questão que foi posta pelos recorridos de saber se é admissível propor ação contra o representante de sinistros que agiu em representação da seguradora no processo de liquidação do sinistros simultaneamente com a própria seguradora.

45. No considerando (38) Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, refere-se que "os representantes para sinistros deverão ter poderes suficientes para representar a empresa de seguros perante sinistrados que tiverem sofrido danos devido a esses acidentes, bem como para representar a empresa de seguros junto das autoridades nacionais, incluindo, se necessário, os tribunais, na medida em que tal seja compatível com as regras de direito internacional privado relativas à atribuição de competência jurisdicional".

46. Já anteriormente, precisamente na diretiva 2000/26/CE que foi transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, constava dos respetivos considerandos (14) e (15) que " a existência de um direito de ação direta da pessoa lesada contra a empresa de seguros em causa constitui um suplemento lógico da designação de tais representantes e, para além disso, melhoraria a situação jurídica das vítimas de acidentes de viação fora do seu Estado-Membro de residência" e que "para preencher as referidas lacunas, é conveniente prever que o Estado-Membro em que a empresa de seguros se encontra autorizada exija que a mesma nomeie representantes para sinistros residentes ou estabelecidos nos outros Estados-Membros, que reunirão todas as informações necessárias relacionadas com os processos de indemnização resultantes deste tipo de acidentes e que tomarão todas as medidas adequadas para a sua regularização em nome e por conta da empresa de seguros, incluindo o pagamento dessa indemnização. Os representantes para sinistros deverão ter poderes suficientes para representar a empresa de seguros perante sinistrados que sofreram danos devido a esses acidentes, bem como para representar a empresa de seguros junto das autoridades nacionais, incluindo, se necessário, os tribunais, na medida em que tal seja compatível com as regras de direito internacional privado relativas à atribuição de competência jurisdicional".

47. Nas conclusões do Advogado-Geral de 30 de maio de 2013 (processo C-306/02) salientou-se a este propósito que o mandato a que se refere o artigo 21.º/5 da Diretiva 2009/103/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009 - preceito que tem correspondência quase integral no artigo 67.º/3 do Decreto-Lei n.º 291/2007 - se apresentava, no entender da Comissão, como "um mandato legal da empresa de seguros na regularização dos pedidos de indemnização, a sua atuação vincularia a empresa de seguros face à vítima" e "além disso, há que sublinhar o facto de a Comissão ter insistido em que a vertente processual do mandato legal de modo nenhum deveria condicionar as regras da competência judiciária internacional. Por tal motivo, a Comissão salientava, e isto é importante em face do processo em análise, que a existência do mandato não teria grande influência em termos processuais ou, como refere o diploma, que o mandato «terá, na prática, uma importância limitada». Com isso a Comissão queria dizer que, em termos processuais, o mandato se limitaria a isso mesmo, à representação para efeitos de determinadas diligências processuais, uma função cuja principal vantagem é facilitar as diligências de notificação e não alterar as regras de atribuição da competência judiciária internacional. Durante a segunda leitura no Parlamento Europeu, o preceito sofreu uma alteração. A referência feita pelo artigo 3.°, n.º 5, às «autoridades do Estado‑Membro» foi transferida para a exposição de motivos. O acordo a que chegaram a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu reflecte-se num dos pareceres da Comissão em que esta aceita, a fim de evitar qualquer eventual alteração das normas de Direito Internacional Privado, retirar do articulado a referência aos tribunais. No entanto, do consenso entre as instituições resultou que se mantivesse uma referência na exposição de motivos aos tribunais exatamente para garantir um grau de representação pelo menos «limitado», tal como tinha defendido a Comissão no início do processo legislativo (10). Este consenso foi o que finalmente ficou plasmado no texto final da Diretiva 2000/26 e que acabaria por se refletir posteriormente na Diretiva 2009/103. Em suma, da génese da Diretiva 2009/103 resulta que a representação exercida por uma empresa de seguros no Estado de residência da vítima teve, de acordo com a intenção do legislador, o objetivo de abranger um mandato para receber notificações de atos judiciais, embora de caráter limitado. Além disso, consciente das consequências que poderiam advir desta função do representante para a garantia que, para o réu, resultaria da regra da competência do foro do réu, a Comissão, bem como o Parlamento Europeu, preocuparam-se desde o início do processo com o facto de o mandato para receber notificações nunca vir a implicar uma alteração das regras ordinárias ou especiais de direito internacional privado aplicáveis aos litígios transfronteiriços relativos a responsabilidade civil em acidentes de viação".

48. No caso vertente foi na qualidade de representante e apenas nessa qualidade que a 2ª ré fez a comunicação final a que se refere o facto 57.

49. No referido Ac. do STJ de 18-12-2003, proferido no âmbito de legislação que já não está em vigor, foi demandado o Gabinete de Gestão e Regularização de Sinistros, como representante da seguradora espanhola, considerando a decisão que do aludido despacho normativo resultava que o correspondente se constituía num verdadeiro responsável pelo pagamento da indemnização aos lesados.

50. A diferença está em que, no caso vertente, a 2ª ré é demandada conjuntamente com a seguradora e certo é que, assim sucedendo, não se vê que possa simultaneamente ser demandado o substituto e o substituído, o representado e o representante, afetando-se os objetivos que estão na base da faculdade de o representante para sinistros ser demandado no Estado do lesado, quando este seja o competente, aceite que seja o entendimento - e esta é a primeira questão ainda não respondida - de que o representante para sinistros para o ser tem de dispor necessariamente de poderes de representação em tribunal para ser demandado em representação da seguradora pelo menos quando, perante o representante, tenha sido apresentado o pedido de indemnização.

51. Importa atentar no artigo 67.º/7 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que prescreve o seguinte:

7 - A designação do representante para sinistros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal, não devendo o representante para sinistros ser considerado um estabelecimento para efeitos de determinação do foro, nomeadamente para a regularização judicial de sinistros.

52. Da conjugação destes preceitos, artigos 60.º/4 e 7, decorre que o representante para sinistros não pode ser equiparado a uma sucursal.

53. Assim sendo, à luz do referido n.º7, o representante para sinistros não dispõe de legitimidade para ser " demandado em ações de indemnização movidas contra as suas representadas" (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, por Adriano Garção Soares e Maria José Rangel Mesquita, Almedina, 2008, pág. 274).

54. Atente-se que o representante para sinistros pode ser uma sucursal da seguradora, mas pode igualmente não o ser; nada obsta, com efeito, a que uma outra empresa de seguros se assuma como representante para sinistros em Portugal de uma seguradora estrangeira.

55. Constatando-se que o mandato para regularização de sinistros não inclui o poder de representação judicial, salvo nos termos limitados a que se aludiu anteriormente e salvo também, aspeto que não está em causa, que a seguradora estrangeira confira ao representante para seguros o poder de a representar judicialmente, e constatando-se igualmente que a designação de um representante para seguros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal, pode concluir-se que a 2ª ré, enquanto representante de seguros da 1ª ré, carece de legitimidade para ser demandada.

56. Sucede que a 2ª ré, para além de representante para sinistros da seguradora espanhola, é também sua sucursal e, por isso, põe-se a questão de saber se ela pode ser demandada, não pelo facto de ser a representante para sinistros, mas por ser sucursal, regendo no caso o disposto no artigo 13.º/2 do CPC (artigo 7.º/2 do CPC/61) uma vez assente que os tribunais portugueses são competentes em razão da nacionalidade questão que está precludida porque decidida definitivamente no despacho saneador.

57. Com efeito, ainda que a 2ª ré não tivesse sido designada representante de sinistros em Portugal da seguradora espanhola, sempre ela poderia ser demandada, enquanto sucursal uma vez verificada a previsão constante do artigo 13.º/2 do CPC.

58. Reconhecendo-se que a sucursal da seguradora espanhola pode ser in casu demandada porque, independentemente de ser a representante para sinistros daquela, é sua sucursal, suscita-se a segunda questão, saber se a sucursal pode ser demandada juntamente com a seguradora.

59. O litisconsórcio voluntário é admissível quando a relação material controvertida respeita a várias pessoas (artigo 32.º/1 do CPC). No caso vertente a relação material controvertida respeita apenas à seguradora espanhola, responsável pela indemnização do sinistro reclamada pelo lesado. A sua sucursal em Portugal pode ser demandada, dispondo de legitimidade, por deter essa qualidade e não, como se viu, por ser a representante de sinistros. Assim sendo, atuando a sucursal como substituto processual da sociedade mãe, que não é parte formal no processo, ela dispõe, por isso, de uma legitimidade indireta para fazer valer em juízo interesses que não são os seus.

60. A partir do momento em que o lesado opta por demandar a seguradora, entidade que dispõe de legitimidade direta e não o substituto que apenas pelas razões constantes do artigo 13.º/2 do CPC/2013 é admitido a intervir, carece este de legitimidade precisamente porque não é admissível litisconsórcio voluntário entre substituto e substituído, representado e representante.

61. Acresce que a lei portuguesa impõe que o pedido seja deduzido obrigatoriamente contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório (artigo 64.º/1, alínea a) e 67.º/5 do Decreto-Lei n.º291/2007, de 21 de agosto) e aquela norma não seria respeitada se o representante para sinistros fosse demandado autonomamente, portanto, em conjunto com a empresa de seguros e não como seu representante.

62. O recorrente justifica a demanda em conjunto para assegurar sentença condenatória contra os réus considerando que, se assim não suceder, não pode executar diretamente a 2ª ré. Certo é que, sendo a 2ª ré o representante em Portugal da seguradora espanhola para a regularização de sinistros, incluindo a sua liquidação, ela não pode deixar de se considerar vinculada à decisão proferida contra a sua representada; se assim não fosse, então impor-se-ia sempre, tendo em vista a execução, a demanda da representada e do representante pois, a ser demandado o representante para sinistros, a decisão, no entender do recorrente, não produziria nunca efeitos contra a seguradora, não podendo o autor executar a decisão contra a seguradora espanhola.

Pelo exposto, a decisão da Relação deve manter-se.

Quanto à 2ª questão.

63. Não está nos poderes de cognição do Supremo Tribunal a alteração da matéria de facto salvo nas situações previstas na parte final do artigo 674.º/2 do CPC que não estão aqui em causa e, por isso, não se impõe pronúncia sobre as alterações introduzidas pela Relação aos factos 43, 47 e 48 sendo certo que no acórdão recorrido se explicam as razões pelas quais o relatório pericial não impõe o entendimento do recorrente pois nele não se afirma que o A. tenha estado em situação de ITA entre 4-4-2009 e 16-3-2010 mas sim, apenas, que nesse período o A. viu o desempenho da sua atividade profissional condicionado; mais se refere a razão pela qual se aceitou o relatório clínico da companhia seguradora com a indicação dos períodos de incapacidade sofridos.

64. No que respeita aos montantes fixados a título de indemnização por danos morais e pela perda de capacidade de ganho do autor em consequência das lesões sofridas relevam os factos 38 (défice funcional permanente de 6), 39 e 50 (sequelas compatíveis com o exercício das atividades que o autor desempenhava, atividades agrícolas e atividade de motorista que exigem esforços suplementares).

65. O Supremo Tribunal tem vindo a seguir a orientação de que o juízo de equidade das instâncias, situado na margem de discricionariedade que lhes é consentida, deve ser mantido desde que não se revele "colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualística, generalizadamente vêm sendo adotados em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade" (Ac. do STJ de 22-2-2017, rel. Lopes do Rego, processo 5808/12 e, também, Ac. do STJ de 11-1-2017, rel. Alexandre Reis, revista n.º 540/13, Ac. do STJ de 14-1-22016, rel. Fernanda Isabel Pereira, revista n.º 619/04, Ac. do STJ de 7-12-2016, rel. Olindo Geraldes, revista n.º 8514/12).

66. Ora quanto ao montante fixado quer a título de danos não patrimoniais como a título de danos patrimoniais - quanto àqueles remete-se para a jurisprudência assinalada no acórdão recorrido - evidencia-se que tal montante se insere no âmbito de discricionariedade própria de um juízo de equidade não censurável tendo em conta o exposto na decisão recorrida que se transcreve:

"- o lesado tinha 45 anos à data do acidente, tendo, pois, uma esperança média de vida de cerca de 32 anos;

- foi-lhe atribuída um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos;

- auferia um rendimento médio mensal à data do acidente de 959,92€ brutos ou 848,93€ líquidos (x 14 meses), como motorista de pesados;

- realizava atividade agrícola nas horas vagas, fins de semana e férias, destinando os produtos colhidos (milho, vinho, batatas, feijão, cebolas, alhos, demais legumes, hortaliças) ao consumo do agregado familiar.

Valorando adequadamente esta factualidade, considera-se ser avolumada a quantia arbitrada, antes se entendendo adequado e equitativo o valor de 20.000,00€. Aliás, no que respeita à estrita e prudencial aplicação das tabelas financeiras correntes, baseadas apenas na remuneração auferida à data do acidente e no grau de incapacidade funcional fixado ao autor, temperada com o apelo aos indispensáveis juízos de equidade, chegaríamos a um valor de cerca de 15.000,00€ resultante do seguinte cálculo:

- 11.884,99€ (remuneração anual líquida) x 20,38877 (fator)[1] x 6% = 14.539,21€;
  - a este montante haveria hipoteticamente que subtrair 1/4, percentagem dos rendimentos que o lesado gastaria consigo próprio: 14.539,21€ – 1/4 = 10.904,40€.

Independentemente de se concordar ou não com este raciocínio, importa salientar, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui uma integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas psíquicas, deverá compensá-lo - para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente refletida no nível de rendimento auferido.

Isso porque «a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-   -se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais» (Ac. do STJ de 10-2-2012, proc. 632/2001.G1.S1)).

Nesta perspetiva, deve ser aditado ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado (6 pontos), uma quantia que constitua justa compensação do mencionado dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, arredadas definitivamente pela capitis deminutio de que passou a padecer o recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal do lesado, considerando-se, em termos de equidade, que representa compensação adequada desse dano biológico o valor de 5.000,00€ que acrescido aos referidos 14.539,21€, perfaz o valor de 19.539,21€. Daí, os tais 20.000,00€ supra referidos. Considerando as indemnizações já recebidas (2.632,67€ e a de 657,52€), a sua indemnização final é de 16.709,81€".

Quanto à 3ª questão    

67. No que respeita ao cálculo da indemnização tendo em vista o ressarcimento do montante correspondente ao não pagamento de salários, o montante que o autor deixou de receber não foi o montante ilíquido, mas o montante líquido e, por isso, o ressarcimento não poderia nunca considerar o valor de retribuição ilíquido.

68. Quanto à indemnização pela perda aquisitiva não se vê que, diversamente, para o seu cálculo, se deva considerar uma retribuição ilíquida, designadamente quando está determinado pela folha de vencimento o valor líquido auferido mensalmente, pois a situação patrimonial a que se deve atender, nos termos da teoria da diferença, tem de corresponder à remuneração efetiva ou real, devendo ponderar-se ainda, no julgamento equitativo que a indemnização pelo dano desta natureza sempre impõe, conforme prescreve o n.º3 do artigo 566.º do Código Civil, as situações em que, por falta de elementos, não seja possível determinar, para o cálculo da indemnização, o rendimento líquido do lesado.

69. Assim tem sido decidido por este Supremo Tribunal quando afirma que "já tem razão a recorrente, quando objeta que apenas deve ser contabilizado o valor líquido do salário, para efeitos do cálculo da indemnização; assim o exige a teoria da diferença, consagrada no nº 2 do artigo 566º do Código Civil. É aliás ao rendimento líquido do lesado que se tem recorrido para determinar a indemnização por danos patrimoniais futuros, como, a título de exemplo, se pode ver nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 14 de junho de 2005, proc. 1648/05, de 2 de fevereiro de 2010, proc. 660/05.6TBPVZ.P1.S1, ou de 19 de janeiro de 2012, proc.275/07.4TBMGL.C1.S1, cujos sumários se encontram  disponíveis em www.stj.pt"(Ac. do S.T.J. de 7-2-2013, rel. Maria dos Prazeres Beleza,3557/07.1TVLSB.L1.S1). Ver ainda Ac. do STJ de 29-11-2012 (rel. Serra Batista, revista 3714/03, C1.S1.

70. As razões que levam a que o acórdão seja mantido no que respeita às indemnizações fixadas são as mesmas que impõem a improcedência do recurso subordinado.

Concluindo:

I - O representante para sinistros em Portugal, designado por empresa de seguros estrangeira, embora disponha de poderes para regularizar sinistros ocorridos com lesado português no estrangeiro, não dispõe, nessa qualidade, com base no disposto no artigo 67.º/3 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, de poderes de representação judicial da seguradora salvo se esta os conferir, não podendo, assim, enquanto representante de sinistros, ser demandado em ação judicial proposta pelo lesado que não viu ser aceite pelo representante de sinistros o pedido de indemnização pelos danos emergentes de acidente de viação que junto daquele reclamou.

II - O representante de sinistros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal e, por isso, não dispõe de legitimidade passiva para ser demandado em ações de indemnização propostas contra as suas seguradas (artigo 67.º/7 do Decreto-Lei n.º 291/2007).

III - No entanto, se, independentemente da qualidade de representante de seguros, a entidade que procede à regularização de sinistros for uma sucursal em Portugal da seguradora, ela pode ser demandada, verificada a previsão constante do artigo 13.º/2 do CPC/2013 desde que os tribunais portugueses sejam competentes em razão da nacionalidade.

IV - Não pode, no entanto, a sucursal ser demandada juntamente com a seguradora como se houvesse litisconsórcio voluntário, pois a relação material controvertida respeita apenas à seguradora, o interesse da sucursal é o interesse da ré, não podendo, assim, a sucursal, agência, filial ou delegação litigar em posição litisconsorcial com a parte principal que foi demandada, no caso, a empresa de seguros (artigo 32.º do CPC/2013).

V - A indemnização por danos morais e por danos patrimoniais, estes relativos à perda de capacidade remuneratória do lesado, são ressarcíveis em montantes a fixar com base em juízos de equidade, impondo-se ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se a decisão recorrida respeitou, à luz dos factos provados e da jurisprudência mais atualizada, os limites em que opera o juízo de equidade.

VI - Na fixação dos montantes indemnizatórios, designadamente tendo em vista o ressarcimento do dano biológico, o tribunal deve atender aos rendimentos líquidos dos lesados quando estejam determinados, justificando-se, quando estão apurados rendimentos ilíquidos em que não se revela viável determinar o montante líquido, deduzir, em sede de juízo de equidade, a quantia que se revelar razoável.

Decisão: negam-se as revistas.

Custas pelos recorrentes

Lisboa, 25-5-2017

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Vítor

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[1] "Como se diz no acima citado acórdão do STJ de 04-12-2007, a fórmula tem como suporte a aplicação do programa informático Excell à formula utilizada pelo STJ do acórdão de 5-5-1994, tendo sido construída tendo como referência a atribuição de 3% ao fator aí indicado como taxa de juros previsível no médio e longo prazo" (nota transcrita da decisão recorrida).