Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
38/18.1T8VRL-A.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
SUBEMPREITADA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
TRANSMISSÃO DE DÍVIDA
EXONERAÇÃO
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A cláusula compromissória inserta no contrato de subempreitada em que se estabeleceu que “qualquer controvérsia, reclamação ou litígio entre elas decorrente ou relacionada com aquele contrato ou o seu incumprimento, que não possa ser resolvida amigavelmente, deverá ser submetida a arbitragem de acordo com as regras de conciliação e arbitragem da Câmara Internacional de Comércio em Portugal (Porto)” é vinculativa para as partes do contrato e pode ser invocada a exceção de incompetência dos tribunais judiciais quando não se deu cumprimento ao acordado.

II. O facto de a A. invocar que uma outra entidade, não subscritora do contrato de empreitada, é responsável solidária pelas obrigações assumidas por uma das partes, por ter ocorrido transmissão de dívida, acordada entre as Rés, mas sem exoneração do primitivo devedor, não impede que a A. tenha de respeitar a cláusula compromissória em relação à parte incumpridora vinculada contratualmente ao tribunal arbitral e tenha de se socorrer dos tribunais judiciais para obter reconhecimento da sua pretensão face a outra Ré, não subscritora do contrato.

Decisão Texto Integral:  
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:            



I. Relatório

1. Construções Serra do Larouco, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Vestas Portugal, Lda. e Iberwind II – Produção Sociedade Unipessoal, Lda. pedindo a condenação solidária de ambas as Rés a pagarem-lhe a quantia de €166 024,83, Iva incluído à taxa legal em vigor, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento que, à data, liquidou em €169 867,10.

A Autora alegou, em síntese, que:

- No âmbito da sua atividade comercial de indústria de construção civil, empreitadas de obras públicas e compra e venda de bens imóveis, foi contactada, em 2004, pela Ré Vestas Portugal para proceder à construção de uma subestação, caminhos e plataformas para instalação de 37 aerogeradoras que atualmente compõem o Parque Eólico da ….;

- O preço acordado entre a Autora e a 1.ª Ré para a execução dos referidos trabalhos foi de €1 640 348,21, acrescidos de Iva à taxa legal, o qual já foi pago à Autora;

 No decorrer dos trabalhos, em maio de 2004, a 1.ª Ré solicitou à Autora a execução de trabalhos vários que não estavam incluídos no acordo inicial estabelecido entre ambas e cujo valor foi fixado pela Autora e 1.ª Ré em €155 771,96, acrescido de Iva à taxa legal;

 Após a conclusão dos referidos trabalhos, a 1.ª Ré apenas procedeu ao pagamento da quantia de €20 792,84, acrescido de Iva à taxa legal, tendo um funcionário da 1.ª Ré comunicado à Autora que a 1.ª Ré e a gerência da Companhia das Energias Renováveis da Serra dos Candeeiros, Lda. – então dona da obra – tinham acordado verbalmente que a primeira pagaria à Autora a quantia de €20.792,84, acrescida de Iva à taxa legal e que o remanescente (dos €1 640 348,21 ), acrescido de Iva à taxa legal seria pago pela segunda à Autora;

- Em janeiro de 2010, a Companhia das Energias Renováveis da Serra dos Candeeiros, Lda. foi incorporada, por fusão, na 2.ª Ré;

- Em dezembro de 2010, a Autora interpelou o presidente do Conselho de Administração do grupo Iberwind, grupo económico onde está inserido a 2.ª Ré, para proceder ao pagamento das quantias que lhe eram devidas, o qual declinou a responsabilidade da Iberwind pelo pagamento da quantia remanescente.

2. Citadas, as Rés vieram contestar:

- A Ré Vestas Portugal, Lda. defendeu-se por exceção, invocando a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral e a prescrição do direito aos juros e mora, e, no mais, por impugnação.

- A Ré Iberwind, Lda. defendeu-se por exceção, invocando a incompetência territorial do tribunal e, no mais, por impugnação.

3. A Autora respondeu às exceções deduzidas e, no mesmo articulado, requereu a ampliação do pedido, nos seguintes termos: «Deve o presente articulado superveniente ser admitido e, consequentemente, ser admitida a ampliação do pedido formulado pela Autora e, em consequência, caso se se considere que o valor da indemnização moratória devida à autora é a fixada no §3 da cláusula 9.ª do contrato junto pela ré BB com a sua contestação, serem as rés condenadas a pagar à autora e até efetivo e integral pagamento das quantias devidas à autora pelos serviços por si prestados, o montante mensal de €1 660,24 num total calculado até à presente data de €244 055,28 a título de cláusula penal moratória, valores esses acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento e que, nesta data, se computam em €61 095,40.»

4. Ambas as Rés se opuseram à ampliação do pedido.

5. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho, julgando procedente a exceção de incompetência territorial.

6. Foi designada audiência prévia no âmbito da qual o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho não admitindo a ampliação do pedido requerida pela Autora com fundamento na respetiva inadmissibilidade legal e proferiu despacho-saneador no qual conheceu da exceção de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, julgando-a improcedente.

7. Não se conformando com estas decisões, a Autora e a Ré Vestas Portugal, Lda. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação …...

8. O Tribunal da Relação …. proferiu a seguinte decisão:

“1. Julga-se procedente a apelação no que respeita ao recurso interposto pela Recorrente Vestas Portugal, Lda., e, em conformidade:

1.1. Revoga-se o despacho recorrido, julgando-se procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral, absolvendo-se a Ré Vestas Portugal da instância e determinando-se o prosseguimento da instância apenas contra a ré Iberwind II - Produção Sociedade Unipessoal, Lda.

2- Julga-se improcedente a apelação no que respeita ao recurso interposto pela Recorrente Construções Serra do Larouco, Lda., mantendo-se o despacho recorrido”.

9. Inconformada com tal decisão, a Autora veio interpor o presente recurso de revista (tendo sido admitido o recurso relativo à decisão da exceção de incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral e não admitido o recurso relativo à decisão de não admissão da ampliação do pedido), formulando as seguintes (transcritas) conclusões (no que respeita ao recurso admitido):

1.ª Por douto acórdão datado de 10.10.2019, foi julgado procedente o recurso interposto da Ré Vestas Portugal, L.da e improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente.

2.ª A Recorrente Vestas Portugal, L.da interpôs recurso da decisão do Tribunal de 1ª Instância que julgou improcedente a exceção da incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral, que julgou procedente o recuso interposto pela mesma com os seguintes argumentos

A) porque tendo a Autora alegado a responsabilidade solidária das rés pelo pagamento do remanescente do preço devido pela execução dos trabalhos adicionais realizados pela autora na obra do Parque Éolico da …., bastava a intervenção de uma das Rés na ação para assegurar a legitimidade passiva (art. 517º do CC e art. 32º, nº 2, do CPC).

B) porque não compete ao juiz a quo pronunciar-se sobre a competência do tribunal arbitral ou sobre a incompetência do mesmo para dirimir um litígio que foi cometido pelas partes ao segundo aquando da negociação da sua relação negocial”.

3.ª A decisão do Tribunal recorrido apenas se poderia manter se as partes em litígio fossem apenas a ora Recorrente e a Recorrida Vestas, mas a resolução do caso concreto não passa apenas por saber se a Ré Vestas cumpriu incumpriu, ou não, com as suas obrigações contratuais.

4.ª Importa igualmente apurar, no caso concreto, se a Recorrida Iberwind assumiu, ou não, e, em caso de resposta afirmativa, cumulativamente, ou não, a responsabilidade pelo pagamento dos trabalhos adicionais realizados pela Recorrente na obra do Parque Éolico da …..

5.ª A cláusula compromissória constante de um contrato vale apenas entre as partes que a subscreveram (art. 406º do CC), sendo a mesma extensível a terceiros se os signatários da mesma o consentirem e o terceiro aderir, expressa ou tacitamente, à convenção arbitral.

6.ª No caso em apreço é manifesto, atenta a posição processual que a Recorrida Iberwind assumiu nos articulados e prova documental por si oferecidos, que a mesma rejeita ter celebrado com a Recorrida Vestas qualquer contrato através da qual a ora Recorrida Iberwind assumia a obrigação de proceder ao pagamento à ora Recorrente das quantias devidas a esta pela Recorrida Vestas pela execução do Parque Éolico da …, indeferindo-se, assim, da posição assumida que a mesma nunca pretendeu vincular-se à cláusula ínsita no ponto 17. 7 do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida Vestas.

6.ª Face à alegação da existência de um tal acordo de transmissão de dívida, não podemos olvidar que não obstante, estarmos perante dois contratos - de subempreitada e transmissão de dívida - celebrados entre diferentes partes - Recorrente e Ré Vestas e Ré Vestas e Ré Iberwind- ambos os contratos estão interligados entre si.

7.ª Ora, “apenas a demanda conjunta de ambas as Rés, com apreciação também ela conjunta dos factos atinentes à transmissão, ou não, da dívida em causa, e exoneração, ou não, da 1ª Ré primitiva devedora, é que poderá lograr uma decisão que produza o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação concreta das partes quanto ao pedido formulado” (sic).

8.ª No caso sub judice impondo a causa de pedir e o pedido formulado no processo judicial a apreciação de dois contratos, sendo que apenas num deles existe convenção de arbitragem, urge determinar qual foi a vontade das partes nesta matéria para apurar se a competência do tribunal arbitral se pode ou não estender aos demais.

9.ª A existência de partes distintas nos contratos e de pactos de atribuição de competência nos demais contratos, afasta a possibilidade de se concluir que a intenção das partes foi estender a competência do tribunal arbitral constante da cláusula compromissória dum deles, à apreciação de todos os litígios decorrentes dos mesmos.

10.ª Existindo uma relação de interdependência relação entre os contratos ora em análise não faz qualquer sentido que se remeta para apreciação pelo tribunal arbitral o contrato onde se encontra plasmada cláusula compromissória dado o laço que une ambos os contratos;

11.ª Atento o disposto no artigo 96.º, n.º 1, do CPC, sendo o tribunal judicial competente em razão da matéria para conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes nos presentes autos, e existindo uma união de contratos bilateralmente dependentes, será também o mesmo competente para conhecimento das questões relativas ao único dos três contratos cujos litígios as partes haviam acordado submeter ao tribunal arbitral, por via da extensão de competência prevista no citado preceito legal (In Ac, da TRC de 15.12.2019, Proc. nº 477/11.8 TBACN.C1, publicado em www.dgsi.pt).12.ª Deve a decisão que julgou procedente o recurso interposto pela Recorrida ser revogada, e, consequentemente ser substituída por uma outra que julgue improcedente a exceção da preterição do tribunal arbitral invocada pela Recorrida Vestas, devendo os autos prosseguir contra ambas as Rés.

E conclui: “Deve a decisão recorrida ser revogada e, consequentemente:

a) ser julgada improcedente a excepção da incompetência absoluta do Tribunal por preterição do tribunal arbitral invocada pela Recorrida Vestas, devendo os presentes autos prosseguir contra ambas as Recorridas”.

10. A Recorrida Vestas Portugal, Lda. apresentou contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. A invocada solidariedade da obrigação cujo cumprimento vem peticionado nos presentes autos, dá aso, apenas, a uma situação de litisconsórcio voluntário passivo.

2.ª Não existe qualquer obstáculo a que as pretensões deduzidas contra as duas Rés sejam apreciadas pelo tribunal arbitral, quanto à ora Recorrida, que se vinculou à arbitragem, e pelo tribunal judicial, quanto à 2.ª Ré, igualmente recorrida.

3.ª A relação de solidariedade passiva que se verifica nos presentes autos não implica a concentração do litígio num só tribunal, nada impedindo que o litígio se distribua entre o tribunal arbitral, em relação a um dos alegados condevedores, e o tribunal judicial, quanto ao outro.

4.ª Atendendo à consagração legal do princípio “Kompetenz-Kompetenz” no número 1 do artigo 18.º da LAV e no número 1 do artigo 5.º da LAV, caberá ao tribunal arbitral analisar e decidir, prioritariamente, da sua competência.

E conclui pela improcedência do recurso.

11. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se se verifica a exceção de incompetência absoluta por preterição do tribunal arbitral.


III. Fundamentação

1. O Tribunal da Relação considerou demonstrados os seguintes factos:

1.1. Entre a Construções Serra do Larouco, Lda. e a Vestas foi outorgado um contrato, em 01.10.2004, que as partes denominaram de «Contrato para a Execução de Obras de Construção Civil no Parque Eólico da ……, …./Portugal».

1.2. Constam dos “Considerandos” do contrato supra referido, os seguintes pontos:

«A. A Vestas é uma empresa que vende e instala projetos de energia eólica. A Vestas realizou ou irá realizar uma oferta, ou celebrou um contrato para o fornecimento e instalação do projeto de energia eólica mais detalhadamente descrito no Anexo A (o “Projeto” na localização física também definida no Anexo A (o “Local”),

B. O Empreiteiro é uma empresa com capacidade e experiência na prestação, execução e conclusão do trabalho descrito no Anexo B (as “Obras”).

C. A Obra é parte integrante do Projeto e a Vestas pretende contratar o Empreiteiro, como subempreiteiro para a prestação, execução e conclusão das Obras, em conformidade com os termos e condições do presente Acordo, e o Empreiteiro pretende ser contratado.

[…]»

1.3. A cláusula 3.ª sob a epígrafe Obrigações do Empreiteiro – Obrigação Geral estabelece que «O empreiteiro compromete-se, em conformidade com o Acordo, com a devida diligência e cuidado, a executar Obras de Construção Civil dentro do Prazo de Execução e em conformidade com o Programa.»

1.4. A cláusula 4.2, sob a epígrafe Obrigações da Vestas, Pagamento do Preço do Contrato estabelece que: «A Vestas compromete-se a pagar ao Empreiteiro o Preço do Contrato nos momentos e da forma previstos na Secção 9.»

1.5. A cláusula 9 sob a epígrafe Termos de Pagamento, estabelece que: «O Preço Contratual será pago da seguinte forma pela Vestas ao Empreiteiro na ocorrência dos seguintes eventos: (…)

Os montantes a pagar serão pagos no prazo de 30 dias após a ocorrência do evento e receção pela Vestas de uma fatura original aplicável (a “Data do vencimento”).

Se, por qualquer motivo, a Vestas não efetuar o pagamento no prazo de 15 dias após a Data de Vencimento, vencer-se-ão juros a uma taxa de 1% por mês a contar da Data de Vencimento e até o pagamento ser recebido pelo Empreiteiro.»

1.6. A cláusula 17.7, sob a epígrafe Lei aplicável, foro e arbitragem, tem a seguinte redação: «Qualquer litígio, reivindicação ou disputa entre as Partes emergente ou relacionada com o presente Acordo ou violação do mesmo, que não possa ser resolvido amigavelmente, será submetido a arbitragem em conformidade com as Regras de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, em Portugal (Porto).

O painel de arbitragem será constituído por três pessoas, uma designada por cada uma das Partes e uma designada por comum acordo entre os dois árbitros. Se não for possível alcançar comum acordo para a designação do terceiro árbitro, então o juiz civil em Portugal designará um árbitro. Caso as Partes não tenham designado um árbitro no prazo de três semanas após o pedido da outra Parte, este árbitro será igualmente designado pelo juiz civil.

O contrato será registo pela Lei Portuguesa.

A decisão do painel de arbitragem será final e vinculativa para as Partes.

As Partes aceitam depositar um montante, determinado pelos árbitros, para cobrir os custos da arbitragem

2. O Tribunal de 1.ª instância proferiu o seguinte despacho (no que respeita à exceção de preterição do Tribunal arbitral):

«Da alegada incompetência absoluta do Tribunal por preterição de tribunal arbitral

Conforme decorre da leitura da contestação apresentada pela Ré Vestas Portugal, Lda., vem a mesma arguir, nos pontos 4º e ss. de tal articulado, a incompetência absoluta deste tribunal por preterição de tribunal arbitral, em face do acordado entre a mesma e a Autora na cláusula 17.7 do contrato de subempreitada por si junto a tal articulado.

Defende que, nos termos de tal cláusula, qualquer controvérsia, reclamação ou litígio entre elas decorrente ou relacionada com aquele contrato ou o seu incumprimento, que não possa ser resolvida amigavelmente, deverá ser submetida a arbitragem de acordo com as regras de conciliação e arbitragem da Câmara Internacional de Comércio em Portugal (Porto).

Invocando que o presente litígio se reporta a um alegado incumprimento de tal contrato, conclui pela sua necessária absolvição da instância, por força de tal cláusula contratual que retira competência deste Tribunal para apreciação do pleito no que a si diz respeito.

Respondeu a Autora a tal exceção no requerimento por si apresentado a 24-2-2018, pugnando pela sua improcedência em virtude da existência de litisconsórcio necessário passivo, o qual, conjugado com o facto da cláusula compromissória não vincular a Ré Iberwind II, torna impossível o exercício da pretensão da Autora vertida nos presentes autos, dirigida contra duas Rés, no âmbito de processo arbitral, que poderia apenas ser interposto contra uma delas.

Foi ainda concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem quanto à presente exceção no âmbito da presente audiência prévia.

Cumpre apreciar e decidir.

Tal como decorre da leitura da petição inicial, o pedido alicerça-se numa alegada responsabilidade solidária das Rés no pagamento de trabalhos extra realizados no âmbito de contrato de subempreitada celebrado entre Autora e 1ª Ré, responsabilidade solidária essa decorrente duma alegada transmissão de dívida, acordada entre as Rés, mas sem exoneração do primitivo devedor (in casu a 1ª Ré) do crédito.

Atenta a forma como está conformada a relação controvertida na petição inicial, forma essa que é aquela que é determinante para aferição da competência deste Tribunal, afigura-se que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do art. 33º, n.ºs 2 e 3 do CPC.

Apenas a demanda conjunta de ambas as Rés, com apreciação também ela conjunta dos factos atinentes à transmissão, ou não, da dívida em causa, e exoneração, ou não, da 1ª Ré primitiva devedora, é que poderá lograr uma decisão que produza o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação concreta das partes quanto ao pedido formulado.

Cindir a apreciação da responsabilidade da 1ª Ré em ação a correr termos em processo arbitral, e a apreciação da responsabilidade da 2ª Ré nos presentes autos, para além de se traduzir numa menor eficiência na apreciação dos factos aqui em apreço, por “espartilhar” os mesmos, poderia originar decisões contraditórias ou incompatíveis (imagine-se, desde logo, duas sentenças em que se atribua a responsabilidade pelo pagamento peticionado unicamente à parte que não fosse demandada em tais autos), contrariando, consequentemente, o efeito útil normal das decisões a produzir.

Ora, existindo aqui litisconsórcio necessário passivo, é também certo, em face do alegado nos autos, que a 2ª Ré não se vinculou à cláusula compromissória em causa, quer na data de celebração do acordo que a positivou, quer por adesão posterior. A intervenção da referida 2ª Ré em processo arbitral para apreciação dos factos aqui em apreço está assim vedada pelo disposto no art. 36º, n.º 1, da LAV, aqui aplicável por força do art. 4º da Lei que aprovou a mesma. Como é manifesto, em face da impossibilidade de demanda conjunta das Rés em processo arbitral, numa situação de litisconsórcio necessário passivo, não pode o sistema jurídico tolerar uma situação em que a Autora fique consequentemente de mãos atadas, impedindo a demanda das referidas Rés em ação judicial por preterição de tribunal arbitral imposto apenas nas demandas contra uma das Rés.

Neste caso, e como bem indica a Autora, há que concluir que a pretensão da mesma apenas pode ser deduzida nos tribunais judiciais, atenta a situação de litisconsórcio necessário passivo existente e a não vinculação à cláusula compromissória duma das Rés.

Ou seja, em face de tudo o referido, importa concluir pela competência deste Tribunal para apreciação da presente lide, contra ambas as Rés em litisconsórcio necessário passivo, não se impondo a absolvição da instância da 1ª Ré pela mesma requerida.

Nestes termos, declaro improcedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal por preterição de Tribunal Arbitral. […]»


3. Exceção de incompetência absoluta por preterição do tribunal arbitral

A Ré Vestas Portugal, Lda., na sua contestação, veio arguir a exceção de preterição do tribunal arbitral, com fundamento no acordado entre si e a Autora, no contrato de subempreitada (cláusula 17.7 do contrato).

O Tribunal de 1ª instância julgou improcedente a exceção arguida, considerando que, no caso presente, existia litisconsórcio necessário passivo, que a Autora não podia demandar a 2.ª Ré no Tribunal Arbitral e que cindir a apreciação da responsabilidade da 1.ª Ré em ação a correr termos em processo arbitral, e a apreciação da responsabilidade da 2.ª Ré nos presentes autos, para além de se traduzir numa menor eficiência na apreciação dos factos aqui em apreço, por “espartilhar” os mesmos, poderia originar decisões contraditórias ou incompatíveis, contrariando, consequentemente, o efeito útil normal das decisões a produzir.

E com esse fundamento, concluiu que não se verificava a exceção de preterição do tribunal arbitral, pelo que concluiu pela improcedência desta exceção, invocada pela Ré.

Não se conformando com esta interpretação, a Ré interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação …. veio a julgar procedente o recurso, afirmando que estava verificada a exceção de preterição de tribunal arbitral.

Desta interpretação discorda a Autora, tendo interposto este recurso de revista.

Vejamos.

A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infração da competência convencional de um tribunal arbitral que tem competência para apreciar determinado objeto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma ação que devia ser proposta num tribunal convencionado pelas partes.

(Acórdão do STJ, de 4/05/2005)

A preterição de tribunal arbitral (necessário ou voluntário) determina a incompetência absoluta do tribunal (alínea b) do artigo 96º do Código de Processo Civil), que pode ser arguida pelas partes, mas não pode ser suscitada oficiosamente pelo tribunal judicial (nº 1 do artigo 97º do Código de Processo Civil) e é uma exceção dilatória (alínea a) do artigo 577º do Código de Processo Civil) e as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (nº 2 do artigo 576º do Código de Processo Civil).

A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº 3 do artigo 1º da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro (LAV).

A competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com o tribunal estadual.

Os tribunais são os órgãos da soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

No nº 1 do artigo 209º da CRP determinou-se a existência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais Judiciais de 1ª e 2ª instância, do Supremo Tribunal Administrativo e demais tribunais administrativos e fiscais e do Tribunal de Contas.

O nº 2 do artigo 209º da CRP prescreve que podem ainda existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.

Por sua vez, preceitua o nº 1 do artigo 1º da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro, que desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.

A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº 3 deste último preceito.

A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito (nº 1 do artigo 2º da LAV - Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro). O compromisso arbitral deve determinar com precisão o objeto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem (nº 6 do artigo 2º da LAV).

A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja susceptível de alteração nos termos do artigo 45º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual (artigo 42º, nº 7, da LAV).

Atento o que atrás se refere, podemos referir que os tribunais arbitrais, “embora não sejam órgãos de soberania como os tribunais estaduais, não deixam de ser entidades jurisdicionais a quem cabe definir o direito nas situações concretas que lhes são submetidas” (Acórdão do STJ, de 20/01/2011, consultável em www.dgsi.pt).

Ou, como refere Manuel Pereira Barrocas, “antes de mais, o tribunal arbitral não representa o Estado, nem qualquer órgão de soberania. Exerce uma atividade de natureza privada que resulta do poder das partes em o constituir. Não tem, em regra, caráter permanente ou duradouro no tempo.

(…) A referência que o artigo 209º, número 2, da Constituição faz aos tribunais arbitrais não visa integrá-los no sistema jurisdicional estadual, pois não fazem parte do aparelho estadual, mas apenas conferir dignidade constitucional à sua existência e, seguramente, permitir que não seja arguido de inconstitucionalidade o artigo 42º, número 7, da LAV que reconhece à sentença arbitral a mesma força executiva da sentença judicial”

- Manual de Arbitragem, 2ª. edição, pág.35 –

Como se afirma no Acórdão do STJ, de 10/03/2011 (consultável em www.dgsi.pt), “importa começar por definir claramente os parâmetros dentro dos quais incumbirá ao Supremo exercer os seus poderes cognitivos quanto à apreciação da substância da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário, deduzida pela R. – não podendo olvidar-se que, sendo os tribunais arbitrais constitucionalmente configurados como «tribunais» - isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a que compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre particulares – não poderá deixar de lhes estará reservada uma relevante parcela de jurisdição, abrangendo, desde logo e em primeira linha, a aferição da sua própria competência, emergente do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção da arbitragem.

Tal implica que, ao apreciar a referida excepção dilatória, devam os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se então, por evidentes razões de economia e celeridade, e face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação e pronúncia do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência).

(…) É que vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral.

Com efeito, o artº 21º nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra expressis verbis que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção»”.

Como refere Lopes dos Reis, “Aquele princípio (“Kompetenz-kompetenz) acarreta o efeito negativo de impor à jurisdição pública o dever de se abster de pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que se discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido a oportunidade de o fazer.

Isto é, do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência, decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial.

(…) Todas estas cautelas da lei significam que ela quis que o tribunal judicial olhasse a convenção de arbitragem como um sinal de proibição: há convenção de arbitragem, é plausível que ela vincule as partes no litígio, então, quanto ao litígio entre elas, o tribunal judicial não pode intervir senão em sede de impugnação da decisão arbitral.

Para que esse limite fique claro, para que fique nitidamente delimitada essa fronteira estabelecida ao poder do juiz, questões relativas à própria convenção, como a sua validade, a sua eficácia, a sua aplicabilidade, só podem ser apreciadas pelo tribunal judicial depois de o árbitro proferir a sua decisão final.

Só se ocorrer nulidade da convenção de arbitragem é que o tribunal judicial pode decidir de outro modo”.

(A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral)

- cfr., neste sentido, Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, pág. 203 –

Por sua vez, Manuel Pereira Barrocas refere que “o artigo 18º, número 1, define-o (o princípio da competência – competência). O tribunal arbitral detém o poder de, não só decidir o litígio ou abster-se de o fazer, como também, previamente a essa operação e mediante arguição pela parte interessada em conformidade com o número 4 do mesmo artigo ou ainda, oficiosamente, decidir sobre os pressupostos da sua competência. Isto é, uma vez que a competência do tribunal arbitral provém da inexistência de uma lei que lhe retire competência, por exemplo, por ela pertencer em exclusivo a um tribunal estadual ou a um tribunal arbitral necessário, o litígio não ser arbitrável e, simultaneamente, depende, em termos gerais, da existência, validade, eficácia e exequibilidade de uma convenção de arbitragem, por similitude com o artigo 5º, número 1, o tribunal arbitral tem competência para apreciar previamente se dispõe de competência, face à lei e à convenção de arbitragem, para decidir o litígio.

Este poder de apreciação prévia pode pertencer também ao tribunal estadual se a questão lhe tiver sido suscitada, no caso excecional previsto no artigo 5º, número 1, segunda parte, LAV.”

(obra citada, págs.255/256)

“Apenas num caso, apesar de o réu ter deduzido a exceção, o tribunal estadual pode não absolvê-lo da instância. Se verificar, que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.”

(pág.254)

O STJ vem entendendo que face ao princípio consagrado no artigo 18º, nº 1 da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem –, os tribunais judiciais só devem rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível  ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação.

Suscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio.

- Acórdão do STJ, de 20/03/2018 –

- cfr., no mesmo sentido, Acórdão do STJ, de 21/06/2016 –

Deste modo, o tribunal estadual só deve intervir, fixando a sua competência, quando for manifesto e insuscetível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia e a inexequibilidade da convenção de arbitragem, sendo que manifesta é aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada, isto é, quando é constatável independentemente da produção complementar de prova.

No caso presente, a Recorrente não suscitou a questão de a convenção de arbitragem ser nula, ou se tornou ineficaz ou é inexequível.

Ora, prevê o artigo 5.º da LAV, no seu n.º 1, como atrás se referiu, que o tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.

No presente recurso de revista, a Autora/Recorrente, discordando da decisão do Tribunal da Relação ….., apresentou uma outra argumentação e que consiste na invocação da extensão de competência do tribunal estadual, porquanto existirá uma relação de interdependência entre os contratos em análise e não fazer qualquer sentido que se remeta para apreciação pelo tribunal arbitral o contrato onde se encontra plasmada cláusula compromissória dado o laço que une ambos os contratos.

A Autora/Recorrente invoca “o disposto no artigo 96.º, n.º 1, do CPC”.

Importa, desde já, referir que tal disposição se reporta ao vCódigo de Processo Civil e que corresponde presentemente ao n.º 1 do artigo 91.º do nCódigo de Processo Civil, sendo certo que a redação dessas disposições legais é exatamente a mesma.

Assim, prescreve-se que o tribunal competente para ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantam e das questões que o réu suscite como meio de defesa.

O problema da extensão da competência do tribunal da ação às questões incidentais que nela podem levantar-se, surge porque, ao fixar-se a competência do tribunal para determinada ação, tem-se em vista apenas a sua natureza em face do pedido do autor. Tem-se em vista que nessa ação vai ser dirimida uma certa questão de direito substancial, objeto da mesma ação. Mas, com frequência, no decorrer da marcha do processo, outras questões surgem, cuja resolução se torna necessária à decisão da questão fundamental.

Consiste o problema em determinar em que medida o tribunal competente para a ação pode pronunciar-se, e com que valor, sobre as questões que possam surgir no decorrer da ação. Como algumas destas questões, a serem postas autonomamente, não caberiam na esfera de competência do tribunal da ação, daí que se fale numa extensão da sua competência.

Por outro lado, a palavra “incidentes” está usada no sentido de questões que têm de ser previamente resolvidas para que o juiz possa estatuir sobre a pretensão do Autor, e não na aceção restrita, compreendendo não só os chamados incidentes da instância, mas quaisquer outras questões que surjam no processo e que tenham de ser previamente resolvidas para que o juiz possa decidir sobre o pedido.

Desde que o tribunal da ação tem competência para conhecer do mérito da causa, não se compreenderia que não lhe fossem atribuídos os poderes necessários para afastar as questões que se levantem no decorrer do processo.

De outra forma poderia o tribunal ficar inibido de definir a questão submetida à sua apreciação, embora competente para dela conhecer, só porque no decorrer da causa o réu suscitou qualquer questão para a qual não teria competência.

- cf. Código de Processo Civil, Anotado e Comentado, volume 2.º, p. 199 e sgts, de Ary da Costa, Fernando Costa e João Sousa;

- Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p.139;

- Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, p.282 e sgts;

- Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de processo Civil Anotado, volume 1.º, 1999, p.168 e sgts. –

Vejamos se a extensão de competência do tribunal tem aplicação ao caso presente.

Como refere a Recorrente, a Ré Iberwind II – Produção Sociedade Unipessoal, Lda., em face do alegado por esta Ré jamais pretendeu vincular-se à cláusula 17.7 do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida Vestas.

Como afirma o Tribunal de 1.ª instância, o pedido da Autora alicerça-se numa alegada responsabilidade solidária das Rés no pagamento de trabalhos extra realizados no âmbito de contrato de subempreitada celebrado entre Autora e 1ª Ré, responsabilidade solidária essa decorrente duma alegada transmissão de dívida, acordada entre as Rés, mas sem exoneração do primitivo devedor (in casu a 1ª Ré) do crédito.

Mas ao contrário da conclusão do Tribunal de 1.ª instância de que estaríamos em presença de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pois a Autora, tendo em consideração o disposto nos artigos 512.º, 517.º e 518.º, do Código Civil, pode demandar qualquer uma das Rés, sem diminuição das suas garantias, como concluiu o Tribunal da Relação.

Por outro lado, tendo presente o atrás referido sobre questões incidentais, como resulta da causa de pedir invocada pela Autora, não existe a interdependência entre os contratos celebrados que necessitem de os mesmos serem apreciados pelo tribunal estadual.

Assim, a Autora/Recorrente reclama o pagamento do preço de um contrato de subempreitada que havia celebrado com a Ré Vestas e, ao mesmo tempo, por, na sua alegação, ter havido uma transmissão de dívida da Ré Vestas para a outra Ré, reclama também o pagamento (solidário) desta outra Ré.

Ora, para decidir a questão do pagamento do preço por parte da Ré Vestas, o Tribunal não necessita de apreciar a questão da transmissão da dívida da Ré Vestas para a outra Ré, mas sem exoneração do primitivo devedor, sendo que, como alega a Recorrente, a dívida reclamada seria solidária, isto é, a Autora pode reclamar de cada uma das Rés a totalidade do montante que considera em dívida.

A eventual relação de solidariedade das Rés, em consequência dos contratos alegados pela Autora/Recorrente, sendo que só um deles foi por si celebrado, não conduz a que se exija uma concentração do litígio no tribunal estadual, pois a decisão do conflito pode ser resolvido por mais de um tribunal.

Por outro lado, apesar de se poder reconhecer que o julgamento conjunto seria mais eficiente e poder conduzir a decisões contraditórias, estes motivos não são suficientemente fortes para afastar a intervenção do tribunal arbitral, que foi querido pela Autora e pela Ré Vestas, e essa mesma separação conduz também à obtenção do efeito útil das decisões a proferir pelos distintos tribunais.

Por todo o exposto, o recurso terá de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

As custas ficarão a cargo da Recorrente.


Lisboa, 23 de março de 2021


Pedro de Lima Gonçalves (relator)    

Fátima Gomes           

Acácio das Neves


Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros Fátima Gomes e Acácio das Neves.