Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
257/06.3TBORQ-B.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
INCUMPRIMENTO
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
Data do Acordão: 05/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DA FAMÍLIA E MENORES / ALIMENTOS.
Legislação Nacional:
D.L. N.º 164/99, DE 13-05: - ARTIGOS 1.º, 3.º, N.º 1, ALÍNEA B), 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 04.06.2009, PROCESSO Nº 91/03.2TQPDL.S1.
Sumário :     
Na hipótese de ser determinada a obrigação do FGADM de prestar ao menor  alimentos, por ter deixado de ser cumprida essa obrigação, pelo respectivo devedor, a obrigação do Fundo não pode ser fixada em montante superior àquele que constituía a prestação incumprida.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

Por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais, AA, mãe do menor BB, deduziu incidente de incumprimento contra o progenitor CC, alegando, em síntese, que o mesmo não efectuou qualquer pagamento a título de alimentos ao menor, após prolação da sentença homologatória proferida no dia 9/05/2013.
Veio o mesmo informar no referido incidente que não pagava a pensão de alimentos por não ter condições financeiras para tal.

Foi elaborado pelo Instituto da Segurança Social relatório social sobre as condições sócio-económicas da progenitora e do seu agregado familiar, com vista a eventual intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM).

O Ministério Público promoveu se declarasse o incumprimento do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a condenação do progenitor a pagar ao menor as quantias em dívida e a intervenção do FGADM para assegurar a prestação de alimentos ao menor.

Foi proferida decisão em que:

 foi declarado o incumprimento do progenitor CC na obrigação de prestar alimentos ao menor BB, no montante de € 120,00 mensais determinado por decisão de 9/05/2013, consignado o montante que se encontra em dívida a título de alimentos e declarado findo o incidente de incumprimento por impossibilidade de obtenção dos alimentos pelo mecanismo previsto no artº. 189º da OTM, bem como fixado em € 200,00 o montante da prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a título de alimentos devidos ao menor, e determinada a actualização anual do montante da prestação de acordo com os índices de inflação.

Veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) recorrer dessa decisão, pretendendo que seja mantida a prestação a pagar pelo progenitor, tendo o Tribunal da Relação decidido:

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e, em consequência, revogar a decisão recorrida na parte em que determinou a actualização anual do montante da prestação de alimentos de acordo com os índices de inflação, confirmando-a na parte restante.

Sem custas.

Recorre o Mº Pº alegando a oposição de julgados.

Em síntese, apresenta as seguintes conclusões:

1 A sub-rogação do FGDAM nos direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso traduz a clara intenção do legislador de que o Fundo venha a ser ressarcido de tudo aquilo que pagou em substituição do devedor.

2 O que só acontecerá se não for obrigado a pagar para além do que do que já se encontrava fixado.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

Vêm dados por provados os seguintes factos:

1 – Por sentença homologatória do acordo de regulação do exercício do poder paternal datada de 24/11/2006, proferida no processo acima identificado, ficou o requerido CC obrigado (fls. 49 a 51):
a. a pagar a quantia mensal de € 200,00, a título de alimentos devidos ao seu filho menor BB, até ao dia 8 de cada mês a que disser respeito, mediante depósito em conta da mãe do menor;
b. a comparticipar em metade de todas as despesas médicas e medicamentosas em que, comprovadamente, a mãe do seu filho incorra relativamente ao mesmo.

2 – O requerido não pagou as prestações de alimentos durante o período de Maio a Setembro de 2007 e Janeiro a Abril de 2008, no montante total de € 1 800,00 (fls. 53 a 56).

3 – Relativamente às prestações alimentícias devidas ao seu filho, vencidas no período compreendido entre Abril de 2008 e Julho de 2009, o requerido não pagou a quantia global de € 3 400,00 (fls. 78 a 82).

4 – Relativamente a despesas medicamentosas do menor, havidas até 13/07/2009, o requerido não pagou a quantia global de € 106,92 (fls. 78 a 82).

5 – Desde Janeiro a Julho de 2009 o requerido pagou mensalmente, a título de alimentos devidos ao seu filho, a quantia de € 150,00 (fls. 78 a 82).

6 – Relativamente às prestações alimentícias devidas ao seu filho, vencidas no período compreendido entre Agosto de 2009 e Junho de 2011, o requerido não pagou a quantia global de € 1 200,00 (fls. 64 a 66).

7 – Os vários incidentes de incumprimento suscitados pela progenitora do menor, no âmbito do mencionado processo de regulação das responsabilidades parentais, foram julgados procedentes por sentenças proferidas em 20/06/2008, 18/11/2009 e 29/11/2011, tendo em todas elas o requerido sido condenado no pagamento das prestações de alimentos em dívida (fls. 53 a 56, 64 a 66 e 78 a 82).

8 – Em 9/05/2013 foi realizada conferência de pais, na qual ambos ao progenitores acordaram, no que concerne aos alimentos a prestar ao menor, e face à indisponibilidade financeira do pai, em reduzir o montante para € 120,00 a pagar até ao dia 10 de cada mês, comprometendo-se o pai a informar o Tribunal, no prazo de 5 dias, quando arranjasse trabalho, altura em que a prestação de alimentos será actualizada, passando o mesmo a pagar o valor acrescido de € 100,00 por mês por conta dos alimentos vencidos, consignando como estando em dívida o montante de € 7 369,88, e a actualizar anualmente o valor da pensão de acordo com o índice de inflação, acordo esse homologado por sentença proferida naquela mesma data (fls. 83 a 85).

9 – Desde aquela data, o requerido não procedeu a qualquer pagamento, tendo a mãe do menor, em 11/06/2013, suscitado novo incidente de incumprimento.
10 - Foram realizadas diligências com vista à cobrança coerciva dos alimentos devidos ao menor, no termos do disposto no artº. 189º da OTM, tendo-se apurado junto do Instituto da Segurança Social que o requerido não apresenta registo de remunerações como trabalhador por conta de outrem, não se encontra enquadrado no regime dos trabalhadores independentes e não aufere quaisquer subsídios ou pensões (fls. 7 e 70).

11 - Foi elaborado relatório social sobre as condições económicas e sociais da progenitora e do seu agregado familiar, tendo-se apurado que a mãe do menor tem vindo a exercer funções de assistente operacional, enquadrada nos programas de emprego inserção mais inerentes ao Rendimento Social de Inserção, auferindo à data, mensalmente, a quantia de € 419,22 de rendimento do trabalho. Recebe, ainda, mensalmente, a quantia de € 42,23 relativa ao abono de família (fls. 9 a 13).

12 – A mãe do menor faz alguns biscates pontuais na área da restauração e limpezas em casas particulares e beneficia de apoios sociais da Câmara Municipal de Mértola (cartão social), que lhe permite ter descontos na compra de medicação para o filho, e do banco alimentar onde, de dois em dois meses, lhe é entregue um cabaz de alimentos de 1ª necessidade.

13 – O menor padece de hiperactividade com deficit de atenção e dislexia. É acompanhado no departamento de psiquiatria da infância e adolescência em Beja, fazendo medicação diária.

14 - As despesas mensais do agregado familiar da progenitora totalizam a quantia de € 395,00.

15 - Por sentença de 28/06/2013, foi declarado o incumprimento do progenitor CC na obrigação de prestar alimentos ao menor BB, no montante de € 120,00 mensais, determinado por decisão de 9/05/2013, consignado que se encontra em dívida a título de alimentos a quantia de € 7 609,88 e declarado findo o incidente de incumprimento por impossibilidade de obtenção dos alimentos pelo mecanismo previsto no artº. 189º da OTM.

16 – Nessa sentença ora impugnada foi fixado «em € 200,00 (duzentos euros) o montante da prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a título de alimentos devidos ao menor BB, a remeter directamente à progenitora, mediante transferência bancária para o NIB 003502370000880230055.

     Mais determino que o montante da prestação seja actualizado anualmente de acordo com os índices de inflação.

Notifique, sendo o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P. (com cópia do assento de nascimento do menor), o qual deve comunicar a decisão ao Centro Distrital de Segurança Social da área de residência do menor, a fim de iniciar o pagamento - artigo 4.º n.ºs 2 a 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio - informando o Tribunal da data de pagamento da primeira prestação.

Notifique igualmente a progenitora do menor do presente despacho e ainda de que deve, no prazo de um ano, a contar do pagamento da primeira prestação, renovar a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sob pena de, não fazendo, ocorrer a cessação do direito à atribuição daquela quantia - artigo 9.º n.ºs 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio» (fls. 19 a 23).

III

Apreciando

Há jurisprudência deste Supremo a entender, como foi entendido na decisão em apreço, que o tribunal, ao fixar a quantia que o FGADM está obrigado a prestar ao menor, pode determinar um quantitativo maior do que aquele que corresponde à prestação em falta.

No Ac. deste STJ de 04.06.09 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza) – processo nº 91/03.2TQPDL.S1 - foi entendido que o Fundo deveria ter em atenção as reais necessidades do menor e, de acordo com esse facto ter de pagar uma prestação superior à fixada ao progenitor.

Salvo o devido respeito, entendemos que esta interpretação dificilmente se coaduna com a disposição base que é a da Lei 75/98 de 19.11, a qual, no art,º 1º, determina que o Estado assegura as prestações devidas até o início do seu efectivo cumprimento.

Haveria aqui uma contradição, entre o Estado entender que o menor precisava de uma prestação mais elevada, atribui-la e, depois, privar o menos da mesma quando o obrigado a cumprir iniciasse o cumprimento a que estava adstrito. Deixavam de estar asseguradas as reais necessidades do menor que fundamentam a referida interpretação.

Aliás, esta questão foi versada no acórdão fundamento quando refere:

“É que se a prestação a prestar pelo Fundo pudesse ser superior à prestação do devedor de alimentos, então a lei devia prever a hipótese, mas não prevê, que, tendo o devedor retomado o pagamento da prestação de alimentos, se porventura esta prestação fosse inferior à que vinha sendo paga pelo Fundo, esta entidade continuaria vinculada a pagar alimentos ao menor, agora, no montante equivalente à diferença entre a prestação que o Fundo estava a pagar e aquela que o devedor recomeçou a pagar, ao invés de prever simplesmente, nesta hipótese, a cessação da obrigação a cargo do fundo.”  

Por seu turno, o DL 164/99 de 13.05, proclama que tem como objectivo regulamentar a Lei 75/98 - art.º 1º -. O que nos leva a interpretar as suas disposições no mesmo sentido.

A que acresce o fundamento invocado pelo Mº Pº da sub-rogação do Fundo nos direitos do menor com vista com vista ao reembolso. Certamente que não seria possível pedir ao devedor faltoso aquilo que o Fundo teria pago a mais e que aquele não está obrigado a prestar.

Estamos certamente no campo das prestações sociais, mas com o FGADM não pretendeu o legislador resolver cabalmente o problema da assistência económica aos menores. Antes numa medida de cariz quase assistencial, visou apenas evitar situações de carência extrema. Só assim se compreende que admita que os menores “privilegiados” por outros rendimentos não recebam a pensão do FGADM, apesar de terem direito a uma prestação alimentar – art.º 3º nº 1 alínea b) do DL 164/99 -.

Este preceito conjugado com o art.º 5º da mesma lei, sobre a subrrogação do Fundo mostra que as suas prestações nunca integram um prestação não reembolsável por parte do Estado, o que aconteceria, como dissemos, se admitíssemos que, ao fixar as obrigações daquele se pudesse admitir uma prestação superior à do devedor em incumprimento.

Termos em que procede o recurso.

Pelo exposto, acordam em conceder a revista e revogam o acórdão recorrido, determinando que a prestação de alimentos a prestar pelo FGADM ao menor em causa seja, a de € 120,00 mensais.

Sem custas.

                                                    Lisboa,   29 de Maio de 2014

Bettencourt de Faria (Relator)

Pereira da Silva

João Bernardo