Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15893/15.9T8SNT.L1-A.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: PRAZO
REVISTA
MENORES
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS 3, A E 5, 638.º, N.º 1 E 639.º, N.º 1.
REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL (RGPTC), APROVADO PELA LEI N.º 141/2015, DE 08 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 13.º E 32.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 181/05.7TMSTB-D.E1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - O prazo de quinze dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, aplica-se à interposição de recurso de revista ordinária e excecional em lugar do prazo de trinta dias, previsto no art. 638.º, n.º 1, do CPC. Desde logo, o art. 32.º, n.º 3, do RGPTC é uma norma especial em face do art. 638.º, n.º 1, do CPC. Depois, o CPC não estabelece prazos diferentes para a interposição do recurso de revista normal e para a interposição do recurso de revista excecional, estando ambos sujeitas ao mesmo prazo de 30 dias. O mesmo se podendo afirmar a propósito do art. 32.º, n.º 3, do RGPTC. Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. Ainda que assim não fosse, por se tratar de um processo urgente, seria aplicável a disciplina prevista na 2.ª parte, do n.º 1, do art. 638º, do CPC (art. 13.º do RGPTC), que consagra igualmente o prazo de 15 dias para processos urgentes.
II – Não se afigura relevante, para a determinação do prazo aplicável, a distinção entre interposição do recurso e apresentação das alegações (embora as alegações devam ser, atualmente, entregues ao mesmo tempo que o requerimento de interposição do recurso). III - A aplicação do prazo de quinze dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, não pode ser considerada como contrária à ideia de Direito. A segurança é uma das exigências feitas ao Direito, representando também uma missão contida na própria ideia de Direito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



       I - Relatório
1. AA, Recorrente nos autos identificados supra, ao abrigo do art. 643.º do CPC, apresentou reclamação do despacho de 8 de janeiro de 2019 proferido pelo Senhor Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, que não admitiu o recurso de revista excecional interposto.
2. Está em causa o seguinte despacho:
“Fls. 762 e ss.: Segundo o art. 32/3 do RGPTC, os recursos [das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis] são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias
Segundo o art. 3/-c do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis [art. 27/1 do RGPTC: que aplicam medidas tutelares cíveis]: […] A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes;
Assim, do acórdão deste TRL, que pronuncia sobre um regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tinha que ser interposto recurso no prazo de 15 dias.
O acórdão foi notificado por carta elaborada a 25/09/2018, presumindo-se pois notificado a 28/09/2018. O prazo de 15 dias contados de tal dia, terminava a 15/10/2018 (13 era sábado) e, com o acréscimo dos 3 dias úteis de multa, a 18/10/2018.
O recurso foi interposto a 26/10/2018, logo muito depois do termo do prazo, mesmo com os três dias de multa.
Assim, sendo intempestivo, não se admite o recurso.
O recorrente perde a taxa de justiça já paga, não tendo que pagar mais nada”.
3. O Recorrente alegou a violação do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4.º, do CPC, na medida em que o Tribunal da Relação de Lisboa permitiu que a Recorrida respondesse ao recurso de revista excecional no prazo de 30 dias.
4. O Recorrente considera também que a decisão contida no despacho reclamado é injusta e, por isso, contrária à ideia de Direito.
5. Invoca ainda o caráter de decisão-surpresa do referido despacho, legalmente proibida no art. 3.º, n.º 3, do CPC.
6. Suscita o Recorrente a questão de se saber se o prazo de 15 dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, se aplica também ao recurso de revista excecional em lugar do prazo de 30 dias previsto no art. 638.º, n.º 1, do CPC.
7. Refere ainda a Recorrente que o CPC distingue entre interposição do recurso e apresentação das alegações (embora as alegações devam ser, atualmente, entregues ao mesmo tempo que o requerimento de interposição do recurso). Deste modo, atendendo também a que o RGPTC é posterior ao CPC, não podia o legislador descurar essa distinção. No RGPTC, o legislador omite o prazo para a interposição de recurso, tendo apenas previsto o prazo para a apresentação de alegações e de resposta.
8. De acordo com o Recorrente, a aplicação do prazo de 15 dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, redundaria na violação do princípio constitucional da proibição da indefesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP.
9. Tendo a reclamação sido julgada improcedente, confirmando-se o despacho reclamado, ao abrigo dos arts. 643.º, n.º 4, e 652.º, n.º 3, do CPC, o Requerente vem “requerer que sobre a matéria recaia um Acórdão, aqui dando por integralmente reproduzido o teor da reclamação apresentada”.
II – Questões a decidir
O objeto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelos Recorrentes, nos termos dos arts. 635.º, n.ºs 3-5, e 639.º, n.º 1, do CPC. As questões a decidir consistem em saber (a) se se verifica ou não a violação do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4.º do CPC, na medida em que o Tribunal da Relação de Lisboa permitiu que a Recorrida respondesse ao recurso de revista excecional no prazo de 30 dias; (b) se a decisão vasada no despacho reclamado é ou não injusta e, por isso, contrária à ideia de Direito; (c) se o referido despacho tem ou não caráter de decisão-surpresa; (d) se o prazo de 15 dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, se aplica também ao recurso de revista excecional em lugar do prazo de 30 dias previsto no art. 638.º, n.º 1, do CPC; (e) se se pode afirmar a (ir)relevância da distinção entre interposição do recurso e apresentação das alegações (embora as alegações devam ser, atualmente, entregues ao mesmo tempo que o requerimento de interposição do recurso); (f) se a aplicação do prazo de 15 dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, redunda ou não na violação do princípio constitucional da proibição da indefesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP.
III - Fundamentação
A) De facto
Relevam os factos referidos supra.
B) De Direito
1. Alega o Recorrente a violação do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4.º, do CPC, na medida em que o Tribunal da Relação de Lisboa permitiu que a Recorrida respondesse ao recurso de revista excecional no prazo de 30 dias.
2. Não se descortina qual a pretensa violação do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4.º, do CPC, cometida pelo Senhor Juiz Relator, porquanto, sendo o requerimento de interposição do recurso indeferido, por extemporaneidade, também a resposta da Recorrida não é considerada. Com efeito, o tribunal não violou o estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades suas. Se o Recorrente requereu a interposição de recurso de revista excecional, o tribunal reconheceu à Recorrida a faculdade de responder (princípio do contraditório); se o tribunal não admitiu o recurso, não pondera a resposta da Recorrida.
3. Só após a apresentação do requerimento de interposição de recurso e a resposta da recorrida é que o tribunal aprecia a (in)observância dos requisitos gerais de recorribilidade.
4. O Recorrente considera também que a decisão contida no despacho reclamado é injusta e, por isso, contrária à ideia de Direito.
5. A segurança é uma das exigências feitas ao Direito, representando também uma missão contida na própria ideia de Direito. De resto, em muitos casos, a própria praticabilidade do Direito pode exigir que a segurança prevaleça sobre a justiça. É que uma justiça desacompanhada de segurança seria vazia de eficácia.
6. Por isso, determinados institutos jurídicos são predominantemente inspirados pelo valor da segurança e da certeza do Direito. Isso mesmo se verifica nas normas que fixam prazos de prescrição e de caducidade.
7. Invoca ainda o caráter de decisão-surpresa do referido despacho, legalmente proibida no art. 3.º, n.º 3, do CPC.
8. Considera-se que o Recorrente teve oportunidade, na reclamação que apresentou, de se pronunciar sobre o fundamento – extemporaneidade – da não admissibilidade do recurso de revista excecional, constante do despacho reclamado.
9. Suscita o Recorrente a questão de se saber se o prazo de 15 dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, se aplica também ao recurso de revista excecional em lugar do prazo de 30 dias previsto no art. 638.º, n.º 1, do CPC.
10. O prazo de 15 dias, previsto no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, aplica-se à interposição de recurso de revista normal e excecional.
11. Desde logo, o art. 32.º, n.º 3, do RGPTC é uma norma especial em face do art. 638.º, n.º 1, do CPC, pois consagra uma disciplina nova ou diferente para um círculo mais restrito de pessoas ou relações.
12. No RGPTC, o legislador estabeleceu regras especiais para a tramitação dos processos em ordem a introduzir maior celeridade na resolução de conflitos respeitantes às matérias referidas nos arts. 1.º e 3.º, do RGPTC. O regime de recursos em matéria tutelar cível encontra-se, pois, no art. 32.º desse diploma legal.
13. Todas as decisões, definitivas ou provisórias, sobre a aplicação, a alteração ou a cessação de medidas tutelares cíveis estão sujeitas ao regime de recurso constante do art. 32.º, do RGPTC. Não se descortina qualquer razão para que assim não seja no âmbito da obrigação de alimentos devidos a menores (ou a maiores ou emancipados abrangidos pela norma do art. 1880.º, do Cód. Civil).
14. Depois, o CPC não estabelece prazos diferentes para a interposição do recurso de revista normal e para a interposição do recurso de revista excecional, estando ambos sujeitas ao mesmo prazo de 30 dias. O mesmo se podendo afirmar a propósito do art. 32.º, n.º 3, do RGPTC. Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
15. Ainda que assim não fosse, por se tratar de um processo urgente, seria aplicável a disciplina prevista na 2.ª parte, do n.º 1, do art. 638.º, do CPC (art. 13.º do RGPTC), que consagra igualmente o prazo de 15 dias para processos urgentes[1].
16. Refere ainda o Recorrente que o CPC distingue entre interposição do recurso e apresentação das alegações (embora as alegações devam ser, atualmente, entregues ao mesmo tempo que o requerimento de interposição do recurso). Deste modo, atendendo também a que o RGPTC é posterior ao CPC, não podia o legislador descurar essa distinção. No RGPTC, o legislador omite o prazo para a interposição de recurso, tendo apenas previsto o prazo para a apresentação de alegações e de resposta.
17. O Recorrente não tem razão. Além dos restantes fatores hermenêuticos, deve ter-se em conta, na interpretação do art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, o elemento sistemático da interpretação. Devem, assim, levar-se em consideração as disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos), assim como a consonância da norma interpretanda com o espírito ou unidade intrínseca do ordenamento jurídico. Na verdade, o recurso aos lugares paralelos (arts. 637.º, n.os 1 e 2, e art. 638.º, n.º 1, do CPC) permite verificar que nestes a fórmula legislativa é, provavelmente, mais clara e explícita. Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, o recurso a esses lugares paralelos permite fixar a interpretação da norma do art. 32.º, n.º 3, do RGPTC: o requerimento de interposição de recurso deve conter a alegação do recorrente e deve ser apresentado no prazo de 15 dias.
18. De acordo com o Recorrente, a aplicação do prazo de 15 dias, estabelecido no art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, redundaria na violação do princípio constitucional da proibição da indefesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP.
19. Não se compreende esta pretensa violação do princípio constitucional da proibição da indefesa, pois a observância do prazo legalmente previsto de 15 dias não priva ou limita o direito de defesa do Recorrente perante os órgãos judiciais. A impossibilidade de o Recorrente exercer o seu direito de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça é-lhe imputável, pois não observou o prazo razoável de recurso legalmente consagrado. Sibi imputet.
20. A revista excecional pressupõe a observância dos pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição.
21. Uma vez que o recurso de revista é interposto no Tribunal da Relação, cumpre ao Relator proceder a uma primeira apreciação dos aspetos gerais referidos no art. 641.º, do CPC, devendo rejeitar o recurso se verificar a falta de preenchimento dos pressupostos gerais da tempestividade, da legitimidade ou da recorribilidade em face dos arts. 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1, do CPC.
22. Foi o que fez o Senhor Juiz Relator no despacho reclamado.
23. Da rejeição liminar do recurso com fundamento na inverificação dos requisitos gerais o recorrente pode reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça (arts. 643.º, n.º 1, e 652.º, n.º 3), não havendo intervenção da conferência no Tribunal da Relação.
24. A competência para apreciar a reclamação segue as regras gerais, não encontrando fundamento para a sujeitar logo à formação ad hoc cuja competência se circunscreve à verificação dos requisitos específicos da revista excecional e não à apreciação dos requisitos gerais.
25. O recurso de revista excecional não é admissível, pois que a sua interposição foi requerida extemporaneamente.
IV - Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos supra referidos, julga-se inadmissível a revista interposta, confirmando-se o despacho reclamado.

Custas pelo Recorrente.

Notifiquem-se as partes.

Lisboa,

(Maria João Vaz Tomé)

(António Magalhães)

(Alexandre Reis)

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[1] Cfr. Acórdão do TRL de 13 de julho de 2017 (Tomé de Carvalho), Proc. n.º 181/05.7TMSTB-D.E1 – disponível para consulta em www.dgsi.pt.