Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
340/14.1T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ABUSO DO DIREITO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
USUCAPIÃO
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA OBRA PÚBLICA
DIREITO DE PROPRIEDADE
AUTO-ESTRADA
CONTRATO DE CONCESSÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Data do Acordão: 09/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Numa ação de reivindicação, provada a “expropriação de facto” de terreno propriedade dos AA. (a utilização, na execução duma auto-estrada, de uma porção de terreno não regularmente expropriada), entendendo-se, por aplicação da cláusula geral do abuso de direito, que não há lugar ao efeito restitutório, consagrado no art. 1311.º/1/parte final do C. Civil, mas tão só lugar a uma indemnização que compense/substitua a perda definitiva da parcela de terreno em causa, deve também entender-se que tal indemnização substitutiva se funda e decorre da defesa real da propriedade, sendo em consequência, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, imprescritível, o que significa que não se lhe aplica o prazo prescricional do art. 498.º do C. C. e que, enquanto não tiver decorrido o prazo para usucapir (em relação à porção de terreno “expropriada de facto”), tal indemnização não prescreve.
II - Indemnização por que é responsável o concessionário da auto-estrada, na medida em que, nos termos do contrato de concessão, é obrigação do concessionário o pagamento das indemnizações derivadas das expropriações dos bens necessários à execução da auto-estrada (bens que, também nos termos do contrato de concessão, revertem automaticamente para o Estado, no termo da concessão, sem o pagamento de qualquer custo ou preço).
III – Estando estabilizado que tal indemnização será calculada segundo os critérios do C. das Exp. – ou seja, por referência à data em que a porção de terreno foi usurpada – não há lugar à indemnização por dano de privação de uso, por o pressuposto desta estar na titularidade dum direito de propriedade que a indemnização substitui desde a data da “expropriação de facto”.
Decisão Texto Integral:







Processo n.º 340/14.1T8PVZ.P1.S1

I – Relatório
AA, BB, CC e DD, todos residentes na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Estradas de Portugal, S. A.”, com sede na Praça ..., ..., e “Ascendi Grande Porto, Auto-Estradas do Grande Porto, S.A.”, anteriormente designada “Lusoscut-Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., pedindo que as Rés sejam condenadas a:
a) Reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio rústico denominado ..., sito na Av. ..., freguesia ... (resultante da agregação das antigas freguesias da ..., ... e ...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil quatrocentos e sete e inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...50 (anterior 133 da freguesia ...), com os limites, configuração e área de 2494m2 constantes da planta topográfica junta sob o n.º 13 assinalados a cor verde;
b) Restituírem os 650 m2 que ocuparam do seu prédio no estado em que se encontrava à data da ocupação ou, subsidiariamente, caso tal restituição não seja possível, a pagarem-lhe indemnização correspondente ao valor por m2, à data da ocupação, dos ditos 650 m2, a liquidar em execução de sentença, a qual deverá ser atualizada segundo índice de preços no consumidor, desde a data da ocupação até pagamento integral da indemnização, e sobre o qual deverão vencer juros de mora desde a liquidação até efetivo e integral pagamento;
c) Pagarem-lhes indemnização pelo prejuízo decorrente da ocupação de 650 m2 do seu prédio, desde a data em que a ocupação teve início, e enquanto essa ocupação se mantiver, a estabelecer segundo o prudente arbítrio do tribunal, mas em valor nunca inferior a € 20 000,00 ao qual deverão acrescer os juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento;
d) A 1.ª Ré e, subsidiariamente, a 2.ª Ré a pagar-lhes a justa indemnização pelos danos sofridos decorrentes da constituição da servidão non aedificandi sobre o seu prédio, a liquidar em execução de sentença, sobre a qual deverão vencer juros de mora desde a liquidação até efetiva e integral pagamento.

Alegaram serem donos do prédio rústico denominado ..., sito na Av. ..., freguesia ..., concelho ..., tendo-o adquirido por sucessão do seu falecido marido e pai, EE, que, por si e antecessores, o havia adquirido por usucapião; prédio que confinava e confina com auto-estrada do Grande Porto, troço A41/IC24, sublanço .../....
Mais alegaram que as RR. – sendo a 1.ª Ré detentora dos direitos, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da Rede Rodoviária Nacional e sendo a 2.ª Ré detentora dos direitos de conceção, projeto, construção, financiamento, exploração e conservação dos lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados, das auto-estradas do Grande Porto, onde se inclui o troço A41/IC24, sublanço .../... – aquando da execução da obra de construção da A41/IC24, lanço .../..., entre 2005 e 2006, ocuparam uma faixa de terreno com a área de 650 m2, situada entre duas parcelas que já haviam sido expropriadas no mesmo prédio; e sobre tais 650 m2 de terreno construíram estrada, viaduto e talude.
Pelo que pedem a restituição de tal parcela de terreno ou, a entender-se ser aplicável o princípio da intangibilidade da obra pública, uma indemnização em que o valor do m2 ocupado deve ser fixado em € 168,00; e uma indemnização pelo prejuízo decorrente da ocupação de tal parcela de terreno; e, ainda, uma indemnização pela desvalorização, correspondente a 90/95% e decorrente da servidão “non aedificandi”, da parte sobrante do seu prédio.

As RR. contestaram separadamente.
A R. “Ascendi” excecionou a incompetência material do tribunal, contrapondo serem competentes os Tribunais Administrativos; a sua ilegitimidade passiva, alegando que a parte legítima é o Estado Português; e a prescrição da indemnização pela desvalorização, atendendo a que entre a data da citação e a data do conhecimento do alegado direito dos AA. decorreram mais de 3 anos.
Ademais, impugnou a essencialidade da factualidade alegada, defendendo que apenas procedeu à ocupação da parcela que havia sido expropriada (a n.º 148), não tendo sido ocupados os 650 m2 invocados.
E concluiu pela absolvição da instância ou que a ação seja julgada não provada e, em consequência, absolvida do pedido.

A Ré “EP-Estradas de Portugal, S.A.” excecionou a sua ilegitimidade passiva, alegando que a obra em causa foi dirigida pela “Lusocut – Auto-Estradas do Grande Porto, S.A.” (hoje, “Ascendi”); a prescrição do direito de indemnização, atendendo a que decorreram mais de três anos desde a data em que os AA tiveram direito do direito que lhes assistia; e o caso julgado, atendendo a que no processo judicial de expropriação litigiosa que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ... sob o n.º 637/06.... foi proferida decisão final que, entre o mais, julgou que os expropriados não impugnaram a decisão arbitral quanto à decisão de não atribuir desvalorização da parte sobrante.
Ademais, também impugnou a essencialidade da factualidade alegada, defendendo que não foram ocupados os 650 m2 invocados.
E também concluiu pela absolvição da instância ou que a ação seja julgada não provada e, em consequência, absolvida do pedido.

Realizou-se audiência prévia e proferiu-se despacho saneador que, no seguimento das exceções dilatórias suscitadas, absolveu as RR. da instância em relação a parte do que se pedia (a 2.ª parte da alínea b) e as alíneas c) e d)), decisão esta que foi revogada por Ac. da Relação do Porto, após o que foi proferida decisão – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que julgou a ação procedente e concluiu do seguinte modo:
“(…) “Pelo exposto, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
1) Declara-se que os Autores AA, BB, DD e CC são proprietários do imóvel denominado ..., sito na Av. ..., freguesia Cidade ... (resultante da agregação das antigas freguesias da ..., ... e ...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil quatrocentos e sete e inscrito na matriz predial sob o artigo mil cento e cinquenta, condenando-se as Rés Infraestruturas de Portugal, S.A. e Ascendi Grande Porto Auto Estradas do Grande Porto, S.A. a reconhecerem tal direito de propriedade;
2) Condenam-se as Rés a restituírem aos Autores a faixa com a área de 650 m2 que ocuparam no prédio dos Autores, no estado em que se encontrava à data da ocupação;
3) Absolvem-se as Rés do demais que foi peticionado.”

Inconformados com tal decisão, interpuseram recursos de apelação, quer os AA., quer ambas as RR., tendo sido, por Acórdão da Relação do Porto de 23/11/2021, julgado totalmente improcedente o recurso dos AA., totalmente procedente o recurso da Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” e parcialmente procedente o recurso da Ré “Ascendi Grande Porto – Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”, “revogando-se a decisão recorrida quanto à condenação das RR. a restituírem aos Autores a faixa com a área de 650 m2 que ocuparam no seu prédio e substituindo a mesma pela condenação da Ré “Ascendi Grande Porto – Auto Estradas do Grande Porto, S.A.” a pagar uma indemnização aos Autores calculada na base da perda definitiva da parcela de terreno em causa, tendo por critérios de cálculo os apontados no Código das Expropriações, a liquidar ulteriormente.

Ainda inconformados, interpõem recursos de revista quer os AA.[1] quer a R. Acendi, visando os AA. a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que condene também a R. “Infraestruturas de Portugal, S.A.” na indemnização pela perda definitiva da parcela de terreno e que condene ambas as RR. em indemnização pelo dano da provação do uso; e visando a R. Ascendi a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que a absolva totalmente do pedido.

Terminaram os AA. ou a sua alegação com as seguintes conclusões:
A. Não se conformam os Recorrentes com a absolvição da Recorrida Infraestruturas de Portugal, SA quanto à indemnização que lhes foi atribuída em substituição da restituição dos 650/m2 da sua propriedade, tal qual foi condenada a Recorrida Ascendi;

B. Dúvidas não subsistem que a indemnização atribuída aos Recorrentes é sequência da paralisação do seu direito à restituição dos 650/m2 do seu terreno, este direito indemnizatório é sequência do direito à restituição e da defesa da propriedade;

C. A indemnização atribuída não tem como fundamento os prejuízos causados pelas obras ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual mas a substituição da restituição da parcela de terreno por aquela.
D. A parcela de terreno com 650/m2 pertencente aos Recorrentes foi utilizada para a construção da autoestrada A41, viaduto e talude, integrando ilegalmente o domínio público do estado, representado pela actual Infraestruturas de Portugal, SA (Bases IX n.º1 e XXIV do DL 189/2002 de 28 de Agosto).
E. A Recorrida Ascendi construiu, usou e continua a usar a parcela de terreno da propriedade dos Recorrentes, a qual alegadamente lhe terá sido entregue, sem título, pela Recorrida Infraestruturas de Portugal, SA, que tinha como obrigação a condução e realização dos processos expropriativos ou direitos necessários ao estabelecimento da Concessão (cfr. da Base XXIII do DL 189/2002 de 28 de Agosto).
F. Se a Recorrida Ascendi é quem se encontra na detenção e uso ilegal da parcela de terreno dos Recorrentes mas apenas enquanto durar o contrato de concessão que, após, passará para o domínio da Recorrida Infraestruturas de Portugal, SA, ambas têm a obrigação de restituir o bem, pelo que ambas, Recorrida Ascendi e Recorrida Infraestruturas de Portugal, SA têm a obrigação de indemnizar os Recorrentes em substituição da restituição.

G. Além do estabelecido no restante preceito, o n.º3 da Base XXIII do DL 189/2002 de 28 de Agosto, faz presumir, quanto aos valores a liquidar, que a obrigação de pagamento é sempre da Recorrida Infraestruturas de Portugal, SA, cujo valor depois requer à Recorrida Ascendi caso aquele se encontre dentro do limite dos 30 milhões de euros, pelo que mesmo que seja a Recorrida Ascendi a pagar ao abrigo do dito limite, não poderá a Recorrida Infraestruturas de Portugal, SA deixar de ser condenada.
H. Devem as Recorridas Ascendi e Infraestruturas de Portugal, SA serem condenadas solidariamente “a pagar uma indemnização aos Recorrentes calculada na base da perda definitiva da parcela de terreno em causa, tendo por critérios de cálculo os apontados no Código das Expropriações, a liquidar ulteriormente.” conforme doutamente decidido.
I. Ao não condenar a Recorrida Infraestruturas de Portugal, SA, tal como condenou a Recorrida Ascendi, o douto Acórdão violou as Bases IX; XXIV e XXIII do DL 189/2002 de 28 de Agosto.
J. Não se conformam os Recorrentes com a absolvição das Recorridas quanto à indemnização pela ocupação dos seus 650/m2, quer na parte em que o douto Acórdão considera não existir dano na privação do uso quer na parte em que considera não ser de aplicar o instituto do enriquecimento sem causa, em virtude da falta de prova de um empobrecimento.
K. Em virtude da existência de Acórdão da Relação, já transitado em julgado, que está em clara contradição com o ora em crise no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, inexistindo qualquer Acórdão de Uniformização de Jurisprudência a qualquer deles conforme e do qual não cabe recurso por motivo estranho à alçada do tribunal, como é o caso, é admissível o recurso à referida matéria nos termos do art.629 n.º2 alínea d) do CPC.
(…)

N. Contrariamente ao que entende o Tribunal a quo para absolver as Recorridas do peticionado na alínea c), e no seguimento do defendido no douto Acórdão fundamento, o dano existe uma vez que o impedimento do uso, fruição e disposição da área de 650m2 do seu terreno pelos Recorrentes é em si um dano, o dano da privação do uso.
O. A douta sentença declara os Recorrentes proprietários do prédio objecto dos autos, condenando a Recorridas a reconhecerem tal direito de propriedade.

P. O dano existe uma vez que o impedimento do uso, fruição e disposição da área de 650m2 do seu terreno pelos Recorrentes é em si um dano, o dano da privação do uso.
Q. Os Recorrentes enquanto proprietários reconhecidos dos 650 m2 do seu prédio têm o pleno direito à sua fruição, uso e disposição o que, nas palavras de Menezes Leitão (in direito das obrigações vol. I pág.297), “constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.”

R. A ocupação ilícita dos 650 m2 do prédio pelas Recorridas impede os Recorrentes do uso, fruição e disposição de um bem próprio, desde 2005 até à presente data, violando o seu poder de fruição exclusivo que integra naturalmente o seu direito de propriedade. Os Recorrentes perderam, em virtude da ocupação das Recorridas, a capacidade exclusiva acerca da utilização a dar ao seu bem.
S. A privação do uso é um dano de natureza patrimonial, o qual é susceptível de ressarcimento e sendo impossível às Recorridas reporem os Recorrentes à situação que existia caso não existisse a privação do uso através da reparação natural e, na falta de elementos concretos, deve através do julgamento equitativo ser pelo tribunal fixada uma compensação monetária com fundamento nos elementos presentes no processo ou, na inexistência de elementos necessários à quantificação em causa, condenar no que vier a ser liquidado, tudo nos termos dos art. 562º e ss do Código Civil e n.º2 do art. 609º do CPC.

T. Ao entender que a privação do uso, não é em si um dano indemnizável e ao não condenar as Recorridas ao pagamento de uma indemnização aos Recorrentes pela ocupação das 650 m2 do seu terreno, violou o douto Acórdão os art. 1305º, 562º e ss, 483º e ss todos do Código Civil e artigos 5º, 411º, 609 n.º2 e 607º n.º3 todos do Código de Processo Civil, e sofre do vicio da nulidade nos termos das alíneas d) do n.º1 do art.615º do C.P.C.
U. Não se conformam os Recorrentes com a douta decisão do Tribunal a quo que considera:“ Finalmente, não tem qualquer cabimento a suscitada aplicação supletiva do instituto do enriquecimento sem causa, já que a sua aplicação reclamaria, da mesma forma, a prova de um “empobrecimento” por parte do dono do imóvel (cf. art.º 473.º do Código Civil). Improcede, pois, este fundamento de recurso. “

V. Não sendo possível, por qualquer motivo ou entendimento, indemnizar os Recorrentes ao abrigo da responsabilidade civil, competia ao tribunal a      quo                      subsumir   o          direito  aos         factos considerados    provados, enquadrando-o no peticionado pelos Recorrentes, uma vez que o tribunal “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, n.º3 do art. 5º do CPC, procurando obter o necessário resultado jurídico, o da justiça.
W. Não foram os Recorrentes, desde pelo menos 2005, enquanto titulares do direito real correspondente, a titular o aproveitamento económico dos seus 650 m2, expresso nas vantagens provenientes do seu uso, fruição. – conforme considerado provado em 16, 17, 18 e 19, da douta sentença e Acórdão.
X. Quem beneficiou com a dita vantagem patrimonial foram as Recorridas que ocuparam, e ocupam, a parcela de 650m2 com estrada, viaduto e talude destinados à prossecução da sua actividade, o que vem acontecendo desde 2005.
Y. As Recorridas usaram e fruíram do bem, fazendo uso e exercício desses direitos pertencentes em exclusivo aos Recorrentes, considerando-se tal uma vantagem de carácter patrimonial que leva ao seu enriquecimento.
Z. Com a sua actuação, as Recorridas aumentaram o seu património à custa dos proprietários, os Recorrentes, havendo a respectiva deslocação patrimonial, o valor que entrou no património das Recorridas foi o que saiu do património dos Recorrentes.
AA. Inexiste qualquer título ou causa justificativa para a ocupação das Recorridas, pertencendo a propriedade e os seus direitos inerentes em exclusivo aos Recorrentes.

BB. Não podendo ser ressarcidos por qualquer motivo através do instituto da responsabilidade civil, devem os Recorrentes ser ressarcidos através do instituto do enriquecimento sem causa, uma vez que a matéria de facto provada se subsume em tal direito, não sendo necessário tão pouco ter existido dano concreto, conforme dispõe o n.º1 do art.473 do CPC.
CC. Sendo impossível restituir o uso e o aproveitamento que as Recorridas fizeram dos 650 m2 ao longo dos anos, pelo que deve, na falta de elementos concretos, através do julgamento equitativo ser pelo tribunal fixada uma compensação monetária com fundamento nos elementos presentes no processo e nos demais critérios aplicáveis seja do valor objectivo, seja do valor da exploração, seja da poupança de despesas, seja do valor locativo, tudo conforme disposto no n.º2 do art.473º e n.º1 do art.479º ambos do Código Civil e, na falta destes a remeter para liquidação, tudo nos art. 562º e ss do Código Civil e n.º2 do Art.609º do CPC. – conforme Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 02/07/2019, Proc. n.º 1292/12.8TBPTL.G2, disponível in www.dgsi.pt;

DD. O prazo de prescrição do direito de restituição por enriquecimento sem causa só começa a correr como trânsito em julgado da decisão que considerou existir prescrição do direito à indemnização ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual.

EE. Os fundamentos em que o Tribunal recorrido se estribou para concluir pela absolvição das Recorridas no pretendido pagamento da quantia a título de indemnização pela ocupação dos 650/m2 dos Recorrentes sem aplicação do instituto do enriquecimento de causa, contém clara violação dos artigos 1305º, 562º e ss, 473º e ss todos do Código Civil e artigos 5º, 411º, todos do Código de processo Civil e sofre do vício da nulidade nos termos das alíneas d) do n.º 1art.615º do C.P.C.

Terminou a R. Ascendi a sua alegação com as seguintes conclusões:
I. Considera a Recorrente que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é nulo (artigo 666.º e 615.º, n.º 1, al. c) do CPC) porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão ou, pelo menos, por se verificar ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível e que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de direito, por (1) Não ter aplicado o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil; ou (2) Não ter considerado que a Infra Estrutura de Portugal, S.A. é que é a responsável pelo pagamento de uma indemnização, com origem no abuso de direito/intangibilidade da obra pública, em substituição da restituição do bem;
II. A Ré Ascendi foi condenada(1) A título de prejuízos causados aos Autores ou pela paralisação do direito decorrente da aplicação do instituo do abuso de direito que obriga a que, em lugar da condenação da restituição do bem, os Autores tenham apenas direito a uma indemnização calculada com base ena perda definitiva da parcela de terreno?
III. Num primeiro momento o acórdão condenou a Ré/Ascendi no pagamento de uma indemnização aos autores pela paralisação do direito à restituição do bem (parcela de 650m2 do terreno em causa) e, num segundo momento, mais precisamente no momento em que o acórdão se debruça sobre qual a entidade responsável pelo pagamento da referida indemnização, conclui que, "é a concessionária que, nos termos da concessão, é responsável pelos prejuízos que forem causados pelas obras da sua responsabilidade e pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das atividades compreendidas na Concessão."
IV. Assim o acórdão é nulo, pelo facto de o fundamento avançado num segundo momento (ser a concessionária, nos termos da concessão, responsável pelos prejuízos que forem causados pelas obras da sua responsabilidade) estar em oposição com a decisão de condenação na indemnização pela paralisação do direito à restituição do bem!
V. Nulidade esta prevista no artigo 615.º, n.º1, al. c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 666.º também do CPC.-
VI. Caso assim não se entenda, então apenas se pode concluir que a presente situação configura uma situação de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível que torna o acórdão nulo nos termos da segunda parte da referida alínea al. c) do artigo 615.º, n.º1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 666.º.
VII. Não obstante, jamais a Ré/Recorrente Ascendi pode ser responsável pelo pagamento da indemnização em causa aos autores:
i. Se está em causa uma indemnização pelos prejuízos causados pelas obras, então tal direito de ressarcimento por parte dos autores já se encontra prescrito nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.
ii. Se, por outro lado, está em causa uma indemnização pela paralisação do direito à restituição do bem (parcela de 650m2 do terreno em causa) então a responsável pelo pagamento deve ser o Estado Português, aqui representado pela Infraestruturas de Portugal, S.A, porquanto não só este é o proprietário atual da parcela em causa e o único que poderia proceder à sua restituição, como, tendo em consideração os contratos celebrados e o DL n.º 189/2002, de 28/8, inexiste qualquer norma que responsabilize a Ré/Recorrente Ascendi pelo pagamento de indemnizações em substituição da restituição de terrenos ou parcelas, mas tão somente, conforme a própria decisão reconhece, pelos prejuízos que forem causados pelas obras da sua responsabilidade e pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das atividades compreendidas na concessão.
VIII. Em suma, deveria a decisão do Tribunal da Relação ter aplicado as normas vertidas nos artigos 498.º, n.º 1, do Código Civil e no art. 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro ou, em alternativa, ter concluído pela não aplicação ao presente caso do ponto 26.º, n.º 2, e 76.º do Contrato de Concessão de Lanços de Auto-Estrada, assinado entre o Estado Português e Lusoscut Auto-Estradas do Grande Porto, S.A.", em 16/09/2002, do n.º 1 e 2 da Base XXII e n.º 5 da Base XXXV do DL 189/2002, de 28/08, tendo assim violado estas normas.
IX. Se o atual proprietário da parcela do terreno em causa é o Estado Português; Se o que está em causa é o pagamento de uma indemnização em substituição da restituição do bem (parcela de 650m2 do terreno em causa), então, forçoso será de concluir que o responsável pelo pagamento da indemnização é o Estado Português, aqui representado pela Infraestruturas de Portugal, S.A.
X. Se a Ré/Recorrente não poderia, de forma alguma, proceder à restituição do bem por o mesmo ser propriedade do Estado Português, então não pode a Ré/Recorrente ser responsável pelo pagamento de uma indemnização que surge em substituição daquela restituição, razão pela qual as disposições vertidas no Contrato de Concessão e no DL n.º 189/2002, de 28/8, não preveem ou estipulam a responsabilidade da Ré/Recorrente Ascendi para proceder ao pagamento de tal indemnização, mas tão somente, conforme a própria decisão reconhece, pelos prejuízos que forem causados pelas obras da sua responsabilidade e pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das atividades compreendidas na concessão.
XI. Pelo exposto deve a decisão ser revogada e substituída por outra que julgue nulo o acórdão recorrido ou, caso assim não se entenda, julgue prescrito o direito indemnizatório peticionado pelos AA. ou, em alternativa, que absolva a Ré do pagamento da indenização em substituição da restituição do bem, condenando a Infraestruturas de Portugal, S.A..

Apresentaram contra-alegações a R. “Ascendi” e a R. “Infraestruturas de Portugal, S.A.”
Terminou a R. “Ascendi” a sua contra alegação com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso não deve ser admitido pelo facto de não existir contradição entre o acórdão fundamento e o acórdão proferido pelo TRPorto nos presentes autos, uma vez que de ambos resulta que a privação do uso de um bem é um dano autónomo e que para haver lugar a indemnização não é necessária a prova da existência de danos causados pela privação do uso desse bem, não estando verificado o requisito previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), pelo que o recurso deve ser recusado.
2. A questão da ressarcibilidade do dano de privação de uso tem, nos últimos anos, sofrido uma evolução jurisprudencial, no sentido da sua crescente menor exigência factual, tendo-se abandonando a tese da prova concreta de factos reveladores de uma efectiva lesão patrimonial e adoptando-se crescentemente a tese da probabilidade séria de danos patrimoniais e, mais recentemente, a tese de que a mera privação do uso constitui, por si só, um dano patrimonial, a fixar com recurso à equidade.
3. É do conhecimento geral que muitos prédios se mantêm sem qualquer utilização durante dezenas de anos, sem que os respectivos donos tenham sequer intenção de os arrendar ou fruir por qualquer outra forma, sendo que, no presente caso, não se provou que os Recorrentes dessem qualquer utilização à parcela de terreno em causa ou projetassem dar-lhe qualquer utilização no futuro.
4. Bem andou a decisão ora em crise ao entender-se que não existem elementos factuais suficientes nos autos para alicerçar uma indemnização a título de privação de uso do imóvel, pelo que a mesma deve ser mantida.
5. Mesmo que assim não se entenda, a verdade é que ao mesmo resultado se chega através da EQUIDADE, porquanto no presente caso ficou provado que a parcela de terreno não tinha qualquer utilização e estava inculta, pelo menos desde 2000, não tendo os recorrente provado que projetavam dar-lhe qualquer utilização no futuro, apenas se podendo concluir, com recurso à razoabilidade e equilíbrio, que a privação do uso foi para aqueles inócua, indiferente.
6. Não é razoável e equilibrado conceder qualquer indemnização aos recorrentes pela privação do uso do bem, uso este que não existe pelo menos desde 2000, não existindo qualquer indício de intenção de o virem a usar no futuro.
7. Consequentemente, bem andou o Tribunal da Relação do Porto ao entender que não tem qualquer cabimento a aplicação supletiva do instituto do enriquecimento sem causa, já que a sua aplicação reclama, da mesma forma, a prova de um “empobrecimento” por parte do dono do imóvel, o que não se verifica in casu.

Terminou a R. “Infraestruturas de Portugal, S.A.” a sua alegação pedindo a confirmação do Acórdão recorrido.

Remetidos os autos à Formação a que alude o art. 672º/3 do CPC, após se considerar verificada a “dupla conforme”, foi, por Acórdão da Formação de 15/06/2022, decidido “admitir a Revista excecional, nos termos do artigo 672°, n.° l, alínea c), do CPCivil, no que tange à impugnação do Acórdão na parte em que confirmou a absolvição das Rés do pedido de indemnização pela privação do uso decorrente da ocupação de 650 m2 do prédio dos Autores (…)”

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Fundamentação de Facto
II – A – Factos Provados
1) EE faleceu em .../.../1996.
2) Por escritura pública de habilitação notarial datada de 07-03-1997, foram habilitados como herdeiros de EE sua mulher AA e seus filhos BB, DD e CC.
3) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...17, da freguesia ..., o prédio rústico denominado ..., situado no lugar de ..., com a área total descoberta de 3.100 m2, composto por terreno a lameiro, a confrontar de norte com FF e de sul, nascente e poente com caminho.
4) Pela apresentação n.º ...2, de 17/12/1993, foi definitivamente inscrita a aquisição a favor de EE, casado com AA, no regime de comunhão de adquiridos, do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...17.
5) O imóvel supra referido está inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...50, da freguesia Cidade ..., concelho ..., artigo esse que corresponde ao anterior artigo ...33 da freguesia ....
6) O imóvel situa-se na Avenida ..., freguesia Cidade ... (resultante da agregação das antigas freguesias da ..., ... e ...), concelho ....
7) Por escritura pública intitulada «Habilitação e Partilha em Vida», outorgada em 04-11-1993, na Secretaria Notarial ..., com o teor que consta do documento junto a fls. 29-40, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, foi, entre o mais, adjudicado a EE o imóvel supra referido, na sequência da morte de seu pai GG e de partilha em vida realizada por sua mãe HH.
8) Os Autores, o falecido EE e os seus antecessores e antepossuidores do imóvel referido nas alíneas 3) a 6) sempre fruíram as utilidades desse imóvel, pagando os respetivos impostos e provendo à sua conservação, desde há mais de 20, 30 e até 40 anos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, na intenção e convicção de que o mesmo prédio lhes pertence e pertencia.
9) HH e GG cederam ao Município ... uma parcela do imóvel referido nas alíneas 3) a 6), parcela essa com a área de 464 m2, para a construção da Avenida ....
10) Em 1990, estando o imóvel na titularidade da anterior possuidora HH, foi realizada pela Junta Autónoma de Estradas a expropriação amigável de uma parcela do imóvel, parcela essa com a área de 127 m2.
11) Em 2002, o prédio dos Autores confrontava a sul com a vedação que ladeava o IC 24.
12) Por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas de 05-01-2005, publicado no Diário da República, II Série, n.º 20, Suplemento, de 28-01-2005, pp. 1432-(10), 1432-(11) e 1432-(33), foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela de terreno com o n.º 148, com a área de 117 m2 que constitui parte do prédio inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o art. ...33.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...17.
13) A posse administrativa sobre a mencionada parcela foi concretizada em 21-04-2005.
14) Na sequência da expropriação da parcela n.º 148 da planta cadastral do projeto de construção da SCUT do Grande Porto A41-IC24 – ...-... (Km 8+200 ao km 14+252,276), foi proferido Laudo de Arbitragem com o teor que consta do documento junto a fls. 201-204 do presente processo, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
15) No âmbito do processo de expropriação n.º 6376/06...., foi proferida sentença, já transitada em julgado, com o teor que consta do documento junto a fls. 224-239 do presente processo, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
16) Desde 2005, para além da parcela de terreno com a área de 117 m2, supra referida em 12), as Rés passaram a ocupar uma faixa do terreno dos Autores, faixa essa com a área de 650 m2, situada entre as duas parcelas expropriadas;
17) …E procederam à mudança da vedação do IC24/A41, deixando livre do prédio dos Autores uma área inferior a 1.900 m2.
18) No local do prédio dos Autores, a execução da auto-estrada A41, compreendeu o alargamento da via do IC24 e do viaduto ali existente sobre a Avenida ..., o que foi realizado na referida faixa com a área de 650 m2, sendo aí construída estrada, viaduto e talude.
19) Devido à atuação das Rés, os Autores ficaram impossibilitados de usar, fruir ou dispor da referida faixa com a área de 650 m2.
20) Em 2002, o prédio dos Autores inseria-se em “Área Predominantemente Residencial - nível 2” e em “Áreas Verdes Urbanas de Protecção ou Parque” face ao Plano Director Municipal do Município ... de 1994;…
21) …Tendo aptidão construtiva, com área de implantação de 500 m2 e área bruta de construção de 3000 m2, repartida por 6 pisos. (cfr. informação prévia do departamento de gestão e planeamento urbanístico da ..., doc. n.º 19 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
22) O prédio dos Autores confrontava e confronta a nascente com a Avenida ...;...
23) …Estando dotado de infra-estruturas adequadas a servir as edificações que ali se viessem a construir, nomeadamente arruamento provido de pavimento a asfalto, passeios, rede de esgotos e saneamento, rede de drenagem de águas pluviais, rede de abastecimento de água, rede de energia eléctrica e rede telefónica.
24) Após a conclusão da A41, em agosto de 2006, ficaram definitivamente fixados os limites da plataforma da autoestrada;...
25) …E tendo o prédio dos Autores perdido a aptidão construtiva que possuída, não gerando esse prédio qualquer proveito para os Autores.
26) Não foi iniciado qualquer processo de expropriação, amigável ou litigioso, ou foi adquirida, por qualquer forma, a propriedade da parcela de terreno de 650 m2 que as Rés ocuparam.
27)A Ré “ASCENDI Grande Porto – Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”, que sucedeu à sociedade “LUSUSCUT – Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”, é uma sociedade anónima que tem por objeto o exercício, em regime de concessão de obra pública, das atividades de:
a) Conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores, dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados identificados como IP... – ... – ..., VRI ... (IC24) – IP..., IC24 ... – ... (IC25), IC25 ... (IC24) – ... e IC25 Nó da EN ...06 – Nó de ....
b) Conceção, projeto, duplicação e aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores, do lanço de auto-estrada e conjuntos vários associados identificados como IC25 ... -Nó da EN ...06. – c) Conservação, exploração em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores, financiamento e aumento do número de vias, dos lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados, identificados como ..., IC24 ...- ..., IC24 ... – ... (IP1)e IC24 ... (IP...) – ....” – Certidão Permanente de fls. 184 e ss. – sucedeu à “Lusoscut – Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”
28) Entre o Estado Português e a “LUSOSCUT – Auto Estradas do Grande Porto, S.A.” foi celebrado, em 16/09/02, o “Contrato de Concessão de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados no Grande Porto, designada por Concessão SCUT do Grande Porto” com o teor de fls. 128 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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II – B – Factos não Provados
Não se provou:
a) O imóvel referido nas alíneas 3) a 6) foi cultivando pelos Autores, pelo falecido EE e pelos seus antecessores e antepossuidores;
b) Com ressalva para o supra referido em 16), 17) e 21), o imóvel referido nas alíneas 3) a 6) tem a área de 2494m2 e a configuração assinalada a cor verde na planta topográfica apresentada como documento n.º ...3 com a petição inicial, junto ao processo a fls. 54v, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) Com ressalva para o supra referido em 21), o índice de ocupação e construção nessa zona é de um metro quadrado de construção acima do solo por um metro quadrado de terreno e a cércea admitida pelo mesmo PDM é de cave para garagem e 6 pisos, sendo o rés-do-chão de comércio e os restantes andares de habitação.
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III – Fundamentação de Direito
Das várias questões que o objeto dos autos inicialmente colocava, restam controvertidas, neste momento, 3 questões:
 - a questão da prescrição (ou não) da indemnização concedida aos AA. pela perda definitiva da parcela de terreno de 650 m2;
 - a questão de saber – respondendo-se negativamente à anterior questão da prescrição – quem deve ser condenado em tal indemnização (se a 2.ª R. conforme vem decidido no Acórdão recorrido, se a 1.ª R. como sustenta a 2.ª R. ou se ambas as RR. como sustentam os AA.); e
 - a questão da indemnização pelo dano de privação de uso.
Efetivamente, recapitulando, temos que no centro do objeto do litígio está aquilo que podemos designar como uma “expropriação de facto” de 650 m2 de terreno, ou seja, sendo os AA. proprietários dum prédio rústico (que identificam), foi ocupada, na execução da construção da SCUT do Grande Porto A41-IC24 – ...-... (para além da ocupação da parcela n.º 148, com a área de 117 m2, que lhes havia sido devia e regularmente expropriada), uma faixa de terreno de 650 m2 (não devida e regularmente expropriada) de tal prédio rústico propriedade dos AA. (sendo as RR. a concedente e a concessionária, respetivamente, em tal SCUT).
Nunca se discutiu que os AA. fossem proprietários do prédio rústico em questão – mas apenas a sua exata área, na medida em que as RR. negavam que a execução da construção da SCUT ocupasse a referida área de 650 m2 – daí que o 1.º pedido, com exclusão da alusão que no mesmo se faz à configuração e área constantes da planta topográfica junta com a PI, estivesse ab initio “condenado” à procedência.
O litígio e a divergência estavam pois na ocupação, ou não, da área de 650 m2 do prédio dos AA. e, na afirmativa, na definição dos concretos e exatos direitos daí decorrentes para os AA. (enquanto proprietários do prédio em causa).
Quanto ao 1.º aspeto, foi a decisão de facto, como resulta do ponto 16 dos factos, categórica e definitiva: na execução da construção da SCUT foi ocupada uma faixa do terreno (não devida e regularmente expropriada) do prédio rústico propriedade dos AA. com a área de 650 m2.
Pelo que, passando ao 2.º aspeto – à definição dos concretos e exatos direitos decorrentes de tal ocupação – as Instâncias consideraram/julgaram:
 - identicamente, as pretensões dos AA. constantes das alíneas c) e d) do pedido, absolvendo as RR. do que ali se pedia (indemnização pelo dano da privação de uso dos 650 m2 e indemnização pela desvalorização da parte sobrante do seu prédio);
 - diferentemente, a pretensão dos AA. constante da alínea b) do pedido, ordenando a sentença da 1.ª Instância que fosse restituída aos AA. a faixa de 650 m2 ocupada e determinando o Acórdão recorrido que não havia lugar a tal restituição, mas sim ao pagamento duma “indemnização aos AA. calculada na base da perda definitiva da parcela de terreno em causa, tendo por critérios de cálculo os apontados no Código das Expropriações, indemnização a liquidar ulteriormente.” (que era o que se pedia subsidiariamente em tal alínea b) do pedido).
E agora, chegados às revistas, temos que os AA. não colocam em crise nem tal “substituição” (a indemnização em vez da restituição da faixa dos 650 m2) nem a absolvição das RR. quanto ao pedido de indemnização respeitante à desvalorização da parte sobrante do prédio, colocando tão só em crise a absolvição quanto à indemnização pelo dano de privação de uso; temos que as RR. também aceitam que, no caso, os AA. terão direito à indemnização pela ocupação da faixa de terreno, indemnização que, porém, sustentam as RR., está prescrita (por sujeita ao prazo de prescrição de 3 anos do art. 498.º do C. Civil); e temos que todos divergem do decidido no Acórdão recorrido sobre quem deve ser condenado em tal indemnização (ambas as RR. segundo as AA., a 2.ª R. segundo a 1.ª R. e a 1.ª R. segundo a 2.ª R.)
Explicado está que, como começámos por referir, restem controvertidas 3 questões (que cumpre solucionar)[2]:
- a questão da prescrição (ou não) da indemnização concedida aos AA. pela perda definitiva da parcela de terreno de 650 m2;
 - a questão de saber – respondendo-se negativamente à anterior questão da prescrição – quem deve ser condenado em tal indemnização (se a 2.ª R. conforme vem decidido no Acórdão recorrido, se a 1.ª R. como sustenta a 2.ª R. ou se ambas as RR. como sustentam os AA.); e
- a questão da indemnização pelo dano de privação de uso.
Estando estabilizado/arrumado o que vem decidido/mantido, no Acórdão recorrido, quanto aos pedidos constantes das alíneas a) d) e 1.ª parte da alínea b).
Debrucemo-nos pois sobre as questões a solucionar.
Começando pela questão da prescrição (ou não) da indemnização concedida aos AA. pela perda definitiva da parcela de terreno de 650 m2:
Como é sabido e é elementar, pode o proprietário, em termos de meio de defesa judicial do direito real que o direito de propriedade é, exigir do possuidor ou detentor da coisa sobre que o seu direito incide o reconhecimento desse direito e a restituição da coisa (cfr. art. 1311.º/1 do C. Civil): é a chamada “ação de reivindicação”, em que há um pedido principal de reconhecimento da titularidade do direito e um pedido secundário de restituição da coisa reivindicada.
E é exatamente uma típica ação de reivindicação – quanto ao pedido constante da alínea a) e da 1.ª parte da alínea b) – que temos nos autos, pelo que a condenação, de quem tem a posição de réu, na restituição da coisa constitui, na própria letra da lei, uma consequência da procedência do pedido de reconhecimento da titularidade do direito (assim se compreendendo o regime do art. 1311.º/2 do C. Civil, segundo o qual, sendo reconhecido o direito, “a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”).
Assim, assente que a construção/execução da SCUT ocupou 650 m2 (que não foram devidamente expropriados) do prédio rustico propriedade dos AA., ou seja, reconhecida a titularidade do direito de propriedade dos AA. sobre tais de 650 m2, a 1.ª Instância aplicou, sem contemplar quaisquer adicionais ponderações jurídicas, a citada consequência e decretou a procedência do pedido secundário típico da reivindicação: a restituição dos 650 m2 aos AA..
Foi esta “consequência” que o Acórdão recorrido – sem colocar em crise que os 650 m2 ocupados faziam parte do prédio rústico propriedade dos AA. – entendeu não poder ser, ao caso, aplicável.
Para tal, entendeu o Acórdão recorrido que não será caso para lançar mão e proceder à aplicação do princípio da intangibilidade da obra pública, apenas viável, segundo o Acórdão recorrido, em “situações de facto que se caracterizem por comportamentos adotados pela entidade pública que não ultrapassem os limites da culpa leve – únicos casos em que o interesse público deve considerar-se prevalente em relação ao direito de propriedade do particular – fica[ndo] necessariamente de fora deste âmbito de aplicação as situações – como aparenta ser a dos presentes autos – de “via de facto”, que se pode caracterizar “não pela prática de uma ato expropriativo a que faltam algum ou alguns requisitos legais de validade, mas por um ataque grosseiro à propriedade por meio de factos materiais onde não se pode encontrar nada que corresponda ao conceito de expropriação” – a qual configura uma flagrante violação do direito fundamental da propriedade privada.”
Mas, logo a seguir, passou a entender que as circunstâncias específicas do caso justificam a convocação e aplicação do instituto do abuso de direito, raciocinando, para tal, do seguinte modo:
“(…) concordamos com a maioria da doutrina e jurisprudência que o mero decurso do tempo não é, sem mais, um elemento concludente no sentido de evidenciar uma situação de abuso de direito.
Contudo, há que ter especialmente em conta que os AA. intentaram a presente ação, no decurso do ano de 2014, pedindo – entre o mais – que as RR. lhes restituíssem os 650 m2 que ocuparam do seu prédio no estado em que se encontrava à data da ocupação.
(…) resultou igualmente provado que, no local do prédio dos Autores, a execução da auto-estrada A41, compreendeu o alargamento da via do IC24 e do viaduto ali existente sobre a Avenida ..., o que foi realizado na referida faixa com a área de 650 m2, sendo aí construída estrada, viaduto e talude.
(…) Tal como as RR. realçam, os AA. têm de estar cientes de que a restituição da área de terreno em causa implicaria graves prejuízos económico-sociais, já que exigiria a interrupção (provisória, por largo período de tempo ou mesmo definitiva) do uso pelos utentes da obra rodoviária em questão, a inutilização de todo um troço e a realização de um projeto para se averiguar da possibilidade de se criar um troço alternativo, que evitasse a passagem pela área dos Autores.
Estas diligências comportariam custos económicos e sociais elevados. Neste contexto particular, os AA. tinham obrigação moral e social, à luz do princípio geral da boa fé, de agir mal se tivessem apercebido da situação ilícita, logo no decurso da obra de construção da estrada, sob pena de a sua atuação tardia, nos termos da presente ação, se traduzir numa pretensão desproporcionada e gravemente lesiva dos interesses de ordem pública.
(…) Tendo a situação dos autos estas características, e sendo, nessa medida, atentatória da boa fé e dos valores fundamentais do sistema jurídico, a respetiva consequência será a da “ilegitimidade” do direito, nos termos referidos na disposição legal do citado art.º 334.º do C Civil.
(…) A consequência jurídica do abuso de direito não é, pois, unívoca, carecendo sempre de ser adaptada à situação concreta.
Nos presentes autos, a paralisação do direito decorrente da aplicação do instituto do abuso de direito obriga a que, em lugar da condenação na restituição do bem, os AA. tenham apenas direito a uma indemnização calculada na base da perda definitiva da parcela de terreno em causa, tendo por critérios de cálculo os apontados no Código das Expropriações. (…)”
E, prosseguindo no seu raciocínio, agora a propósito da prescrição (do direito indemnizatório) invocada pelas RR. na contestação, observou-se no Acórdão recorrido que “a presente ação se traduz numa ação de reivindicação, sendo que o pedido de pagamento de uma indemnização correspondente ao valor por m2 dos 650 m3 ocupados apenas foi formulado como pedido subsidiário perante o pedido central de restituição de tal parcela de terreno, e apenas perante uma eventual impossibilidade legal deste, ou seja, deve entender-se que mesmo este pedido subsidiário está incluído na defesa da propriedade e, nesta medida, sujeito ao prazo geral de prescrição constante do art.º 309.º do C Civil. Assim, uma vez que não estamos perante uma situação subsumível a responsabilidade civil extracontratual, é inaplicável o prazo curto de prescrição de 03 anos, consagrado no art.º 498.º do C Civil, improcedendo, consequentemente, a exceção”.
Atento o âmbito das revistas, está, repete-se, em definitivo decidido nos autos que, por aplicação da cláusula geral do abuso de direito, os AA. não têm direito à restituição dos 650 m2 ocupados pela SCUT (como seria apropriado, em termos de consequência, numa ação de reivindicação), mas apenas a uma indemnização correspondente e decorrente da perda definitiva de tais 650 m2.
E perdoe-se-nos a observação – supérflua, tratando-se, como é o caso, de questão cuja decisão está já consolidada nos autos – não podia ser de outro modo: ou por apelo ao postergado princípio da intangibilidade da obra pública ou por aplicação, como foi o caso, da cláusula geral do abuso de direito, a ordem jurídica no seu todo não podia ficar insensível à abstenção dos AA., durante 9 anos, no exercício da presente ação de reivindicação e à desproporcionalidade entre a vantagem decorrente do exercício da restituição dos 650 m2 e o sacrifício que, em termos práticos, tal exercício significaria para o interesse geral consistente na parcial inutilização da obra rodoviária em questão.
Enfim, estamos perante uma situação em que uma aplicação “cega” da consequência restitutória constante do art. 1311.º/1 do C. Civil seria intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico.
E, vem a propósito dizer identicamente, passando à prescrição, que considerar ao caso aplicável (à indemnização concedível aos AA. pela perda definitiva da parcela de terreno de 650 m2, perda definitiva esta decorrente da paralisação da consequência restitutória por força da cláusula geral do abuso de direito) o prazo prescricional de 3 anos do art. 498.º do C. Civil (ex vi ou não do art. 5.º da Lei 67/2007, de 31-12), será/seria identicamente ofensivo do nosso sentido ético-jurídico, ou seja, é tão intoleravelmente ofensivo do nosso sentido ético-jurídico aplicar “cegamente” a consequência restitutória do art. 1311.º/1 do C. Civil, como, a seguir, não sendo aplicada tal consequência restitutória, aplicar ao direito indemnizatório (que substitui tal consequência restitutória) o prazo prescricional de 3 anos.
Importa sublinhar que a não aplicação da consequência restitutória constante do art. 1311.º/1 do C. Civil significa o reconhecimento da 1.ª R. ter assim (em razão da ilegitimidade no exercício da reivindicação/restituição dos 650 m2) adquirido a propriedade sobre os 650 m2 de terreno em causa, ou seja, nunca mais haverá restituição e a aplicação e funcionamento da cláusula geral do abuso de direito acaba, no caso, por funcionar como num modo de aquisição do direito de propriedade (sobre os 650 m2).
Sucedendo, importa também não perder de vista, que, na base da “ilegitimidade” do exercício do direito dos AA., não está apenas a atuação tardia e a inação dos mesmos, mas também e decisivamente a circunstância da restituição da área de terreno em causa implicar graves prejuízos económico-sociais, exigindo a interrupção do uso da obra rodoviária em questão, a inutilização do troço e a realização de um projeto alternativo, o que causaria custos económicos e sociais elevados.
O que revela algumas afinidades com o que ocorre na acessão (mais exatamente, na acessão industrial imobiliária, regulada nos artigos. 1339.º e ss. do C. Civil) em que, quando não é materialmente possível ou se julga economicamente desaconselhável a separação das coisas ou valores que se reuniram, se atribui o domínio sobre o todo a um dos interessados em conflito, mandando-se, porém, compensar o titular do interesse sacrificado, ou seja, em que havendo razões que justifiquem a atribuição do domínio sobre o todo a um deles, não há, segundo a lei, fundamento que justifique o enriquecimento deste à custa do outro, sucedendo – é o aspeto que, para o caso, importa reter – que em tais hipóteses/situações, não só tem que ser paga uma indemnização, como a aquisição da propriedade (por acessão) apenas ocorre no momento em que é paga a indemnização ao proprietário afastado pela acessão (como resulta da melhor interpretação da alínea d) do art. 1317.º do C. Civil[3]).
De facto, no raciocínio jurídico que leva a considerar inadmissível/ilegítimo o exercício da reivindicação (com tudo o que isto significa, quer em termos de não declaração/reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre os 650 m2, quer de não prolação da sua consequência restitutória) sobre os 650 m2, não deixa de estar presente a ideia de que não há fundamento que justifique o enriquecimento à custa dos AA. e mais do que isso a ideia – identicamente ao que sucede na acessão – de que a extinção (implicitamente reconhecida) do direito real dos AA. sobre os 650 m2 é consentida pela lei por a mesma ser acompanhada/substituída/compensada pela constituição dum novo direito na titularidade dos AA., mais exatamente pelo (efetivo) pagamento/recebimento de uma (justa) indemnização[4].
Dito doutro modo, ao raciocínio jurídico que leva a considerar inadmissível/ilegítimo o exercício da reivindicação dos AA. sobre os 650 m2, repugna a ideia de que, com tal raciocínio jurídico, se esteja a legitimar o “confisco” – a apropriação pública de bens sem contrapartida ou indemnização adequada (numa concreta situação, como se refere no acórdão recorrido, que se caracteriza “por um ataque grosseiro à propriedade por meio de factos materiais onde não se pode encontrar nada que corresponda ao conceito de expropriação”).
E, na prática, seria a isto (“confisco”) que, no caso, conduziria a aplicação da tese prescricional dos 3 anos: a abstenção dos AA., durante 9 anos, no exercício da presente ação de reivindicação torna esta inadmissível/ilegítima em relação aos 650 m2 ocupados, tendo por isso os AA. que se “contentar”, argumenta-se, com a indemnização correspondente, porém, no passo imediatamente a seguir do raciocínio, contrariando o que se havia acabado de dizer, sustentar-se-ia que nem tal “contentamento” poderiam os AA. ter, na medida em que não tinham exercido o direito indemnizatório no prazo prescricional de 3 anos do art. 498.º do C. Civil[5].
Enfim, sem inverter o raciocínio jurídico – sem estabelecer primeiro a solução jurídica e só depois determinar o percurso jurídico que a suporte – importa reconhecer que, considerando-se no caso inadmissível/ilegítima, por aplicação da cláusula geral do abuso de direito, a reivindicação de 650 m2 expropriados de facto (no decurso da construção duma SCUT), não pode, a seguir, a indemnização (substitutiva/compensatória) decorrente da apropriação assim consolidada (por se considerar inadmissível/ilegítima a ação de reivindicação) ser negada, por se considerar prescrita por aplicação do referido curto prazo prescricional de 3 anos[6].
Sucedendo que, para chegar a tal solução (não verificação da prescrição), se argumentou no Acórdão recorrido que tal indemnização “(…) está incluída na defesa da propriedade e, nesta medida, sujeita ao prazo geral de prescrição constante do art.º 309.º do C Civil.”
Percebe-se e concorda-se com o racional da argumentação, a que, porém, se deve adicionar – dentro da lógica da indemnização “estar incluída na defesa da propriedade” – que, então, importará ter presente o disposto no art. 1313.º do C. Civil, segundo o qual, “sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a ação de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo”, o que para o caso significa a convocação do art. 1296.º do C. Civil, ou seja, que a aquisição originária (usucapião) de tais 650 m2 ocorreria a favor da 1.ª R. “no termo de 15 anos se a posse for de boa fé e de 20 anos de for de má fé”, pelo que, decorridos tais lapsos de tempo, operada a usucapião (que, claro, teria que ser invocada – cfr. art. 1288.º e 303.º ex vi 1292.º do C. Civil), não haverá defesa para a propriedade (e, seguindo a lógica do Acórdão recorrido, também então não haveria direito a indemnização).
Efetivamente, a solução a que se chegue, respeitando a unidade e harmonia do sistema jurídico, não poderá deixar de ter presente que a lei entende e reconhece que o proprietário que não reage, que não se opõe a inequívocos e concludentes atos materiais (de posse) de outrem sobre a coisa (como foi o caso da utilização dos 650 m2 para a execução da Auto-Estrada), “merece” perder a propriedade sobre a coisa e, claro está, se é assim, não pode aspirar a indemnizações e compensações (uma vez que é imputável à sua inércia, desinteresse e incúria a “subversão”, ratificada pelo direito[7], trazida pela nova ordenação dominial definitiva), porém, é o ponto, a lei só entende, no caso dos imóveis, que o proprietário “merece” perder a propriedade quando a sua inércia ocorre ao longo de 20 anos (ou 15, se a posse for de boa fé – art. 1296.º do C. Civil) e não ao fim de 9 anos, pelo que, não havendo usucapião, mas não havendo lugar à restituição da coisa com base noutro fundamento (como é o caso, por aplicação da cláusula geral do abuso de direito), a perda da propriedade não pode deixar de ser acompanhada duma efetiva indemnização[8].
Pelo que, fechando o raciocínio, estando a indemnização incluída na defesa da propriedade, deve a mesma, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, ser considerada imprescritível, o que significa, no caso, não tendo ainda decorrido o prazo para usucapir, que a mesma não prescreveu[9].
Um outro percurso, no sentido da não aplicação ao caso do art. 498.º do C. Civil e da não prescrição da indemnização, poderá ser o de considerar que o inadmissível/ilegítimo exercício da reivindicação por parte dos AA. tem como “sanção” a aceitação e validade da expropriação dos 650 m2, não se incluindo, todavia, em tal “sanção” a dispensa de pagamento da justa indemnização pela expropriação assim convalidada.
A expropriação de facto pode grosso modo ser definida como um ato ablativo de bens imóveis ou direitos a eles inerentes através de operações materiais destituídas de qualquer fundamento ou base jurídica válida; colocando tal “via de facto” a Administração numa posição idêntica à dum simples particular, podendo o lesado lançar mão de todos os meios de tutela dos seus direitos, designadamente da ação de reivindicação.
É, como já referimos, o que temos nos autos, tendo o sucesso da reivindicação dos AA. sido paralisado e impedido pela aplicação da cláusula geral do abuso de direito, com o que – ao não se declarar/reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre os 650 m2 e ao não se ordenar a sua consequente restituição – se reconheceu a extinção do direito de propriedade dos AA. sobre os 650 m2 e, concomitantemente, a constituição/reconhecimento do direito de propriedade sobre os 650 m2 na esfera jurídica da 1.ª R..
Pelo que, sendo a expropriação por utilidade pública normalmente definida como “a sequência de atos e formalidades de natureza administrativa e jurisdicional de que resulta, em conformidade com a lei e por causa da utilidade pública, a extinção de direitos reais sobre bens imóveis com a concomitante constituição de novos direitos reais na titularidade do beneficiário, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização[10], acaba por ser a ausência do complexo de atos e formalidades em conformidade com a lei e por causa da utilidade pública que a convocação e aplicação da cláusula geral do abuso de direito acaba por “suprir”, conferindo licitude e convalidando uma expropriação de facto (extinguindo direitos reais e constituindo direitos reais na titularidade do “expropriante”), convertendo em lícito o que havia começado e até ali permanecia ilícito, faltando apenas, para tudo ficar o mais possível de acordo com o direito, que seja paga a justa indemnização.
Como se referiu, o inadmissível/ilegítimo exercício da reivindicação por parte dos AA. terá como “sanção” a aceitação e validade da expropriação dos 650 m2[11], “sanção” em que não se inclui a dispensa de pagamento da justa indemnização aos expropriados e aqui AA., pelo que, nesta via e percurso jurídicos, a indemnização concedida pelo Acórdão recorrido aos AA. será a “justa indemnização” devida pela extinção do direito de propriedade sobre os 650 m2 com a concomitante constituição de novo direito de propriedade na titularidade da 1.ª R. na sequência da licitude conferida à “expropriação de facto”, razão pela qual, como já se referiu, para tudo ficar o mais possível de acordo com o direito, falta apenas ser paga a justa indemnização aos AA..
Justa indemnização que, assim configurada, já não emergirá dum ato da administração que se mantenha ilícito, apresentando-se antes como um elemento essencial – de acordo com o art. 62.º/2 da CRP, a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento da justa indemnização ou, melhor, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização, como o determina o art. 1.º do C. Exp. – para o efeito expropriativo já reconhecido na decisão proferida, não lhe sendo assim aplicável o curto prazo prescricional de 3 anos do art. 498.º do C. Civil (ex vi ou não do art. 5.º da Lei 67/2007, de 31-12), pelo que, não existindo, no C. Exp., um qualquer preceito que estabeleça um específico prazo prescricional que lhe seja aplicável[12], valeria e ser-lhe-ia aplicável o prazo ordinário de 20 anos do art. 309.º do C. Civil.
Seja como for, considerando-se inadmissível/ilegítima, por aplicação da cláusula geral do abuso de direito, a reivindicação dos 650 m2 expropriados de facto, não pode a indemnização decorrente da apropriação assim consolidada deixar de ser paga, ou por tal indemnização fazer ainda parte da imprescritível defesa da propriedade ou por ser um elemento essencial do efeito expropriativo reconhecido.
Indo a nossa preferência para o percurso jurídico inicial[13].
Tanto mais que, convém mencioná-lo, quando se fala na “defesa da propriedade” (em que a indemnização devida aos AA. se incluirá) está naturalmente a aludir-se à defesa real da propriedade e não à reparação de danos causados na propriedade, os quais dão origem a “ações pessoais” em que, aí sim, o prazo prescricional do art. 498.º do C. Civil terá o seu campo de aplicação.
Aos esbulhos e usurpações da propriedade alheia não se aplica o prazo prescricional do art. 498.º do C. Civil, mas sim, no que diz respeito aos imóveis, os prazos da usucapião constantes dos artigos 1203.º a 1297.º do C. Civil, o que significa, enquanto estes prazos não se tiverem concluído, que o proprietário esbulhado/usurpado mantém a defesa real da sua propriedade.
Só não será assim se a lei, num qualquer outro instituto, conceder e previr “brechas” em tal tutela real da propriedade, como sucede, no caso referido, da acessão industrial imobiliária e como sucede, num caso como o presente, em que, repetimos mais uma vez, o sucesso da reivindicação é paralisado e impedido pelo funcionamento da cláusula geral do abuso de direito.
Porém, é o que aqui interessa ressaltar, o funcionamento da cláusula geral do abuso de direito, num caso como o presente[14], não pode ir ao ponto de “destruir” toda a tutela real concedida ao proprietário do bem usurpado, antes se limitando a substituir o direito de propriedade dos AA. sobre a coisa pelo pagamento/recebimento de uma (justa) indemnização, passando esta indemnização a gozar da mesma imprescritibilidade que até ali era concedida à reivindicação do bem que havia sido usurpado.
Em conclusão, à indemnização concedida aos AA. pela perda definitiva da parcela de terreno de 650 m2 não se aplica o art. 498.º do C. Civil[15] e, em consequência, não se encontra o direito a tal indemnização prescrito.
Passando agora à questão de saber quem deve ser condenado em tal indemnização (se a 2.ª R. conforme vem decidido no Acórdão recorrido, se a 1.ª R. como sustenta a 2.ª R. ou se ambas as RR. como sustentam os AA.).
Como consta dos factos, entre o Estado Português[16], como concedente, e a Lusoscut Auto-Estradas do Grande Porto, S.A. (anterior designação da R. Ascendi), como concessionária, foi celebrado, em 16/09/2002, “Contrato de Concessão de Lanços de Auto-Estrada, designado por Concessão SCUT do Grande Porto”, contrato cujo conteúdo estava fixado no Decreto-lei 189/2002, de 28 de Agosto, que havia aprovado as bases da concessão da conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados designada por concessão SCUT do Grande Porto.
E segundo as bases de tal concessão, feitas constar do contrato de concessão celebrado em 16/09/2002:
 - A concessionária seria a responsável única pela obtenção do financiamento necessário ao desenvolvimento de todas as atividades que integram o objeto da Concessão (cf. Base XIX-1 do citado DL e ponto 22.1 do referido contrato);
 - A concessionária seria a responsável pela conceção, projeto e construção dos lanços (cf. Base XXV-1 do citado DL e ponto 28.1 do referido contrato);
 - A condução e realização dos processos expropriativos dos bens ou direitos necessários ao estabelecimento da Concessão competiria ao IEP, ao qual caberia também suportar todos os custos inerentes à condução dos processos expropriativos e, bem assim, o pagamento de indemnizações ou outras compensações derivadas das expropriações ou da imposição de servidões ou outros ónus ou encargos delas derivados na parte em que estas ultrapassassem € 30.000.000 (cf. Base XXIII-1 do citado DL e ponto 26.1 do referido contrato);
 - Sendo obrigação da concessionária o pagamento das indemnizações ou outras compensações derivadas das expropriações ou da imposição de servidões ou outros ónus ou encargos delas derivados, até um valor máximo de 30.000.000 € (cf. Base XXIII-2 do citado DL e ponto 26.2 do referido contrato);
 - Sendo ainda a concessionária responsável por deficiências ou vícios de construção que venham a ser detetados nos restabelecimentos referidos no n.º 1 até cinco anos após a data da respetiva conclusão (cf. Base XXXV-4 do citado DL e ponto 38.4 do referido contrato);
 -  E sendo também a concessionária responsável pela reparação ou indemnização de todos e quaisquer danos causados em condutas de água, esgotos, redes de eletricidade, gás, telecomunicações e respetivos equipamentos e em quaisquer outros bens de terceiros, em resultado da execução das obras da sua responsabilidade nos termos do Contrato de Concessão, sem prejuízo de eventuais direitos que possa exercer perante terceiros (cf. Base XXXV-5 do citado DL e ponto 38.4. do referido contrato);
 - Respondendo a concessionária, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito (cf. Base LXXIII do citado DL e ponto 76 do referido contrato).
Perante tais regras, é para nós evidente que só a 2.ª R. poderia ser, como foi, condenada a pagar a indemnização pela perda definitiva dos 650 m2, na media em que tais 650 m2, como consta dos factos, foram utilizados na execução da auto-estrada, mais exatamente “no local do prédio dos AA., a execução da auto-estrada A41 compreendeu o alargamento da via do IC24 e do viaduto ali existente sobre a Avenida ..., o que foi realizado na referida faixa com a área de 650 m2, sendo aí construída estrada, viaduto e talude” (ponto 18 dos factos).
Ou seja, tais 650 m2 deviam estar incluídos na conceção e projeto (a cargo da 2.ª R., concessionária) do lanço em causa, pelo que o pagamento da indemnização decorrente do que devia ter sido a sua devida e oportuna expropriação só não seria/á da responsabilidade da concessionária (e aqui 2.ª R.) se, a tal título, de pagamento de indemnizações, a concessionária já tivesse consumido “o valor máximo de 30.000.000 €” por si assumido.
Pelo que, não alegando a 2.ª R. que exauriu tais € 30.000.000 no pagamento de indemnizações, tem agora, assumindo a obrigação decorrente da Base XXIII-2 e do ponto 26.2 do contrato, que pagar a indemnização devida aos AA., tanto mais que, se algum erro houve na conceção, projeto ou execução (e que haja levado a que tais 650 m2 fossem utilizados na execução da auto-estrada), é à própria concessionária e 2.ª R. que o mesmo é imputável (já que tais trabalhos eram da sua responsabilidade).
Irrelevando o que se diz no ponto 3 da Base XXIII (e no correspondente ponto do contrato) – sobre “a concessionária fazer entrega ao IEP de qualquer quantia que lhe seja solicitada para pagamento das indemnizações a que se refere o número anterior, até ao valor máximo aí indicado” – do qual não decorre a obrigação do Estado/IEP pagar tais indemnizações (até ao valor de € 30.000.000).
Não sendo a situação em causa, a nosso ver, enquadrável nas previsões quer da Base XXXV-5 quer da Base LXXIII do citado DL (e nos correspondentes pontos do contrato), na medida em que há uma regra específica quanto ao pagamento das indemnizações pela extinção de direitos reais sobre bens imóveis usados na construção da Auto-Estrada: até € 30.000,00, são tais indemnizações pagas pela concessionária (responsável pela obtenção do financiamento necessário ao desenvolvimento de todas as atividades que integram o objeto da Concessão -cf. Base XIX-1 do citado DL e ponto 22.1 do referido contrato).
E não procedendo também o argumenta da 2.ª R., segundo o qual, se o que está em causa é o pagamento de uma indemnização em substituição da restituição do bem, então, o responsável pelo pagamento da indemnização terá que ser o Estado Português, por ser o seu proprietário (dito doutra forma, se a 2.ª R. não podia proceder à restituição do bem por o mesmo ser propriedade do Estado Português, então não pode ser responsável pelo pagamento de uma indemnização que surge em substituição daquela restituição).
É que, importa não esquecer, os 650 m2 foram utilizados pela 2.ª R. na execução da Auto-Estrada, pelo que, mantendo-se, como é o caso (em que não há restituição), a fazer parte da Auto-Estrada, tem que se lhe aplicar tudo o que está previsto no DL 189/2002 e no Contrato de Concessão, segundo o qual toda a Auto-Estrada (Base IX do DL 189/2002 e ponto 12 do contrato de concessão) – designadamente, o terreno por ela ocupado, abrangendo a plataforma da secção corrente (faixa de rodagem, separador central e bermas), as valetas, taludes, banquetas, valas de crista e de pé de talude, os nós e os ramais de ligação e os terrenos marginais até à vedação – integra o domínio público do Concedente/Estado, “revertendo automaticamente para o Concedente, no Termo da Concessão, e sem qualquer custo ou preço a suportar por este, todos os bens e direitos que integram a concessão”, sendo certo, como já se referiu, que é a concessionária que, até ao montante de € 30.000.000, pagou/ga as indemnizações devidas pelas expropriações dos terrenos ocupados pela Auto-Estrada.
Caso os 650 m2 tivessem sido mandados restituir, a 2.ª R. não pagaria, é certo, a indemnização aqui concedida aos AA., porém, sendo os 650 m2 em causa indispensáveis à execução da Auto-Estrada (como consta do ponto 18 dos factos), estaríamos certamente perante uma situação de cumprimento defeituoso do contrato de concessão por parte da 2.ª R. (cf Capítulo XVII do DL e do Contrato de Concessão), o que seguramente lhe acarretaria gastos e despesas bem superiores.
Seja como for, o que releva é que, mantendo-se os 650 m2 a fazer parte da Auto-Estrada, se lhe aplica tudo o que consta do DL 189/2002 e do contrato de concessão, ou seja, até € 30.000.000 a 2.ª R. paga as indemnizações e os 650 m2 de terreno, que integram o domínio público do Estado, revertem automaticamente para o Estado, no termo da concessão, sem o pagamento de qualquer custo ou preço.
O que também significa – passando à nulidade – que não se verifica a nulidade de acórdão, invocada pela 2.ª R. a respeito da sua condenação como responsável pelo pagamento da indemnização, para o que a 2.ª R. recorre à mesma argumentação (acabada de rebater), ou seja, que o fundamento avançado para a condenar (ser a concessionária, nos termos da concessão, responsável pelos prejuízos que forem causados pelas obras da sua responsabilidade) está em oposição – ou configura uma situação de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – com a decisão de conceder uma indemnização pela paralisação do direito à restituição do bem.
De facto, segundo a invocada alínea c) do art. 615.º/1 do CPC, constitui causa de nulidade de sentença/acórdão os fundamentos estarem em oposição com a decisão, porém, quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão, está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.
Como refere Ferreira de Almeida[17], “(…) trata-se duma construção viciosa, ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziram logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o Juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos de obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que se não confunde também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispicie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional.
Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2.º segmento da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º, se tais vícios tornarem a decisão ininteligível ou incompreensível.”
Ora, como é muito evidente – e resulta da argumentação da 2.ª R. ser a mesma para invocar tal nulidade e para, a seguir, invocar a improcedência/revogação do decidido – não é nada disto que ocorre (ou que sequer se imputa) no acórdão recorrido, sendo tudo o que a 2.ª R. invoca apenas configurável como um “erro de julgamento”, já apreciado.
Passando por último à questão da indemnização pelo dano de privação do uso:
Importa começar por precisar que quando falamos da “privação do uso” – e do “dano da privação do uso” – estamos a falar do prejuízo resultante da falta de utilização de um bem (da impossibilidade temporária de usar um bem, dos inconvenientes da pura e mera impossibilidade de usar um bem) que integra o património do lesado, estamos a falar da privação do uso, só por si, como um dano autónomo e patrimonial suscetível de avaliação, estamos a falar daquelas situações em que a privação do uso não origina uma verdadeira diferença patrimonial[18].
Assim configurado o dano da privação do uso, pode já hoje afirmar-se[19] que é aceite de forma generalizada pela jurisprudência, situando-se as divergências nos exatos contornos que o mesmo deve revestir para ser indemnizável[20]. E o mesmo se passa na doutrina: para Menezes Leitão[21], Abrantes Geraldes[22], Júlio Gomes[23], o dano da privação do uso é sempre, só por si, um dano indemnizável, já que o mero uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano, uma vez que tem um impacto negativo na esfera do titular do direito.
“(…) Inequívoco é que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, do mesmo modo que confere ao proprietário o direito de não usar. A opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afetada pela privação do bem.
Neste contexto, sendo a indisponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excecionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores de justa indemnização.
Sob uma diversa perspetiva ligada à teoria das normas, que serve para determinar como deve processar-se a distribuição do ónus da prova em situações como esta, não deve recusar-se sequer a seguinte proposição: a privação do uso corresponde a um facto constitutivo do direito de indemnização correspondente ao dano imediatamente emergente; constatada a privação do uso determinativa da perda temporária das faculdades inerentes ao direito de propriedade, a negação da indemnização pressuporá a contraprova de factos atinentes ao inerente prejuízo patrimonial[24].
Para Paulo Mota Pinto[25], ao invés, só a privação de concretas vantagens/utilidades – e não logo a perturbação da faculdade de utilização (do ius utendi et fruendi do proprietário, em que se traduz a faculdade de utilização) que integra o direito de propriedade – é que importará um dano da privação do uso indemnizável, só assim se estará perante um dano autonomizável da ilicitude e da abstrata possibilidade de uso; perante um dano próximo da ideia das vantagens/utilidades que teriam podido ser fruídas depois do evento lesivo e, assim, um “lucro” cessante (e não uma perda ou um dano emergente)[26].
O dano da privação do uso ressarcível é a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem, a qual pode não ser concretizável numa determinada situação”; acrescentando[27] que “(…) a concessão de uma indemnização pela mera privação do uso, independentemente da prova de outros prejuízos patrimoniais, corresponde à posição dominante na generalidade dos países europeus, mas tal não significa que baste a factualidade abstrata de utilização, ignorando-se a concreta vontade ou possibilidade de utilização da coisa, por si próprio ou por interposta pessoa. É neste sentido, também, que deve (tentar) entender-se a posição da jurisprudência alemã, a qual pode ser resumida na máxima “a privação da possibilidade de uso é apenas uma fonte possível de dano, mas não já em si mesmo um dano
Temos pois que, hoje, aceite a ressarcibilidade do dano da privação do uso, se debatem duas posições:
 - a que exige a alegação e prova, pelo lesado, das utilidades/vantagens concretas extraídas do bem de cujo uso se viu privado; e
 - a que aceita que a privação do uso de um bem constitui sem mais uma desvantagem suscetível de avaliação pecuniária, consubstanciando, só por si, um dano patrimonial.
E se é certo que o dano não se confunde com a ilicitude e que o que está em causa é impossibilidade de se satisfazer (pela utilização do bem de que se está privado) uma necessidade concreta, o certo é também que colocar exigências alegatórias/probatórias ao nível das utilidades concretas pretendidas por parte do lesado esvazia o funcionamento e préstimo da figura do “dano de privação do uso”[28].
Ao direito subjetivo absoluto (como é/era o caso do direito de propriedade dos AA.) é intrínseco um dado conteúdo patrimonial, que se traduz numa nota de utilidade, pelo que sempre que tal utilidade não possa ser realizada, fruto da intervenção de um estranho à esfera de domínio traçado pelo direito (como é, no caso, a intervenção do R.), tem que se considerar que ocorre um dano, que corresponde à utilidade ordinária e normal do bem e que é a consequência (dano consequencial) que a lesão tem na esfera da pessoa lesada.
Só assim não sucederá se, em concreto, se demonstrar que a pessoa lesada não tem qualquer interesse nas faculdades/utilidades ordinárias e normais do bem ou se por circunstâncias estranhas ao âmbito do domínio o lesado não tiver qualquer possibilidade de utilização do bem, hipóteses em que será de concluir não ter existido tal dano consequencial e em que, se fosse outro o entendimento, se poderia falar dum enriquecimento injustificado do lesado (ao conceder-se-lhe uma indemnização em dinheiro por uma vantagem que não iria utilizar).
Mas, em todas as demais hipóteses – ou seja, nada disto se demonstrando – estaremos, com todo o respeito por opinião diversa, perante uma privação do uso que configura um dano indemnizável.
Um tal entendimento – antevê-se a crítica – está a ficcionar o dano, quando, acrescentar-se-á, na responsabilidade civil, o dano tem que ser efetivo.
Ao que se pode contrapor que a atitude contrária, excessivamente formal, se abstrai da justeza do resultado/solução a que chega. Pense-se, por exemplo (uma vez que estamos perante a privação do uso dum prédio), que o comodato era dum apartamento usado como segunda habitação: em tal hipótese, não procedendo o comodatário à restituição do apartamento, não haverá, segundo este entendimento, dano de privação do uso, indemnizável, no período em que o proprietário estiver a utilizar a sua habitação principal.
A responsabilidade civil, gerando obrigação de ressarcir, não pode concretizar-se, é certo, onde não há um dano a reparar, mas a verdade é que o próprio legislador, em situações bastante similares (de que são exemplos o art. 289.º/1 do C. C., sobre a reintegração do “valor correspondente”, e o art. 1045.º do C. C, a propósito da indemnização pelo atraso na restituição do locado), a atribuir ao interessado o direito ao recebimento de uma quantia que pondere o valor de uso dos bens, passando (o legislador) para um plano secundário a consideração do efetivo aproveitamento que deles faria o respetivo titular se acaso a privação se não tivesse verificado, ou seja, o legislador assume, em tais situações, que o reequilíbrio patrimonial pode/deve conseguir-se mediante a restituição do valor correspondente, equivalente, na prática, ao valor de uso atinente ao período de privação.
Mais, é inquestionável que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui, em termos naturalísticos, uma perda, cuja constatação não é escamoteável; perda essa que é insuscetível de ser “naturalmente” reconstituída.
E sendo inviável a reconstituição natural – sendo incontroverso o direito à reconstituição natural (art. 562.º e 566.º/1 do C. Civil) – tal não pode/deve conduzir à total liberação do responsável.
Ao invés, perante tal constatação, em vez duma resposta formal e algo “artificial”, que exija a alegação e prova das concretas utilidades que o lesado perdeu – da concreta utilização que o lesado teria destinado ao bem de que se viu privado – será mais racional a solução que atribua uma indemnização por equivalente pecuniário que compense o lesado pela perda temporária da fruição; que, na balança dos interesses, restabeleça o equilíbrio patrimonial perdido, tendo como medida a diferença entre a situação presente e a que compreendesse os benefícios que o lesado ficou impedido de poder obter em consequência da privação (cfr art. 566.º/2, 563.º e 564.º/1 do C. Civil), recorrendo-se para tal, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, à equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil).
Impõe-se presumir – concorda-se com Abrantes Geraldes – que foi um legislador, sensato, ponderado e com sentido de justiça que procedeu à regulamentação abstrata das situações da vida real; e estamos – também se concorda – num campo em que se justifica “um maior esforço de esgotamento de todas as potencialidades do sistema normativo, por forma a acolher pretensões que aprioristicamente se revelem substancialmente justas”.
“A realidade social que subjaz às normas vigentes e que sempre deverá estar presente quando se trata de proceder à sua aplicação revela que, em regra, o proprietário de um veículo (em geral, qualquer proprietário) faz do mesmo uma utilização normal, mais ou menos frequente, mais ou menos produtiva, raramente lhe sendo indiferente a situação emergente da sua privação decorrente da prática de um facto ilícito imputado a terceiro.
(…) é essa normalidade a que o juiz deve recorrer quando se trata de dirimir litígios, em vez de partir do pressuposto, que nem a experiência, nem as circunstâncias de facto permitem confirmar, que o veículo representa tão só um elemento do património sem qualquer função regular, extraindo daí, através duma generalização abusiva, a conclusão da ausência de qualquer prejuízo ressarcível.”[29]
Sendo inquestionável que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, verificando-se a indisponibilidade material sobre o bem – no caso, um prédio rústico: um campo de cultura arvense e de regadio – apenas perante um específico quadro factual, será possível afirmar que a privação do seu uso não foi causa adequada de danos merecedores de justa indemnização.
De tal modo que, em termos de distribuição do ónus da prova, não será demasiado temerário afirmar que a privação do uso ao longo do tempo (em que ocorre a privação) preenche um dano consequencial (à lesão do direito de propriedade) emergente, sendo facto constitutivo do direito de indemnização; e que, constatada a privação do uso determinativa da perda temporária das faculdades inerentes ao direito de propriedade, a negação da indemnização pressuporá a contraprova de factos excludentes dum tal prejuízo patrimonial, isto é, que há um ónus da prova (contraprova) dos factos impeditivos, a cargo do responsável pela privação do uso.
Dano emergente da privação do uso em que, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil) tem um amplo campo de intervenção.
Tudo ponderado – como sempre convém – pelas regras da boa fé (762.º do CC), que vedam ao lesado fazer exigências irrazoáveis reveladoras de um comportamento abusivo e do agravamento de posição do responsável.
Todavia, fora disto – das regras da boa fé – não existe suficiente justificação legal, salvo o devido respeito, para exigir do lesado a comprovação do tipo de concreta utilização a que destinava o bem: se, na ponderação final, não deve admitir-se para o lesado um benefício indevido, também é inadequado que seja o lesante a colher benefícios.
Significa tudo o que se acaba de referir que no debate entre as duas posições referidas – a que exige a alegação e prova, pelo lesado, das utilidades/vantagens concretas extraídas do bem de cujo uso se viu privado e a que aceita que a privação do uso de um bem constitui sem mais uma desvantagem suscetível de avaliação pecuniária, consubstanciando, só por si, um dano patrimonial – enfileiramos por esta segunda posição, ou seja, seguimos a tese do Acórdão Fundamento (da revista excecional), divergindo assim da posição do Acórdão Recorrido, segundo o qual, para haver indemnização pelo dano de privação do uso, teriam os AA. que ter provado, o que não fizeram, que “davam utilização à parcela de terreno em causa ou que projetavam dar-lhe qualquer utilização no futuro”.
Não obstante, pese embora tal divergência com o Acórdão Recorrido, entendemos que o ali decidido, quanto à improcedência da indemnização pelo dano de privação do uso, deve ser mantido.
A 2.º R. é nos autos condenada “a pagar uma indemnização aos Autores calculada na base da perda definitiva da parcela de terreno em causa, tendo por critérios de cálculo os apontados no Código das Expropriações, a liquidar ulteriormente”, ou seja, é concedida aos AA. uma indemnização que, segundo os artigos 23.º/1 e 24.º/1 do C. das Expropriações, está subtraída ao princípio nominalista e que se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo o seu montante atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação (art. 24.º/1).
Assim, não tendo havido DUP em relação aos 650 m2, a data a utilizar como referência para o cálculo da indemnização terá que ser a data em que os 650 m2 foram usurpados e sendo assim, se a indemnização (depois atualizada) se calcula por referência a tal data – e se tal indemnização substitui/compensa a perda definitiva da propriedade – após tal data (em que, repete-se, se calcula a indemnização pela perda definitiva da propriedade) não haverá fundamento jurídico para indemnizações cujo pressuposto é a titularidade dum direito de propriedade cuja indemnização pela perda definitiva tem como referência de cálculo uma data anterior[30].
Enfim, após tal data (que serve de referencial ao cálculo da indemnização pela perda definitiva da propriedade sobre os 650 m2), não se pode falar da “privação do uso” de um bem que continue a integrar o património dos AA., tanto mais que, embora tal indemnização seja só agora calculada e paga, o certo é que o montante indemnizatório será, como se referiu, atualizado à data da decisão final do processo, o que no caso significará (não havendo processo de expropriação) que tem que ser atualizada à data da sua efetiva liquidação (isto é, a um momento próximo da data em que os AA./“expropriados” a irão, objetivamente, receber).
*

IV - Decisão
Nos termos expostos, negam-se as revistas (dos AA. e da 2.ª R.).
Custas de cada uma das revistas a cargo do respetivo recorrente.
Lisboa, 28/09/2022


António Barateiro Martins (Relator)

Luís Espírito Santo

Ana Moura Resende

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Sendo parte do objeto da sua revista a título de “revista excecional”, o que foi admitido por Acórdão da Formação de 15/06/2022.

[2] Para além da nulidade do acórdão, suscitada pela 2.ª R. a propósito da sua condenação na indemnização; nulidade essa que será apreciada no seguimento da apreciação de tal condenação.
[3] Cf. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, pág. 306 e ss.

[4] O efetivo pagamento/recebimento da indemnização funciona como uma espécie de condição implícita do juízo de inadmissibilidade/ilegitimidade do exercício da reivindicação: a desproporcionalidade da restituição dos 650 m2 resulta também dos AA., não sendo decretada a restituição, serem pecuniariamente ressarcidos.

[5] Pelo que, na prática, nem se estar a ver que ocorram situações que venham a dar lugar ao efetivo pagamento duma indemnização, na medida em que o preenchimento do abuso de direito até exigirá, via de regra, um tempo de abstenção superior a 3 anos.

[6] A contar, como se sustenta, desde o início da ocupação dos 650 m2, com o tempo da “supressio” e com o tempo do prazo prescricional a correrem em simultâneo, ou seja, com o termo deste a ocorrer, paradoxalmente, antes do termo da “consumação” do abuso de direito.
[7] E se o direito ratifica e aprova a “nova ordem”, se a “nova ordem” é por isso lícita (e se até manda retroagir os seus efeitos à data de início da posse – cfr. art. 1288.º e 1317.º/c, ambos do C. Civil), não faz sequer sentido pedir indemnizações por danos pretensamente causados por algo que, a final, é e representa uma “apropriação” lícita (desde o seu início).

[8] Veja-se o já referido caso de acessão, em que a lei também admite que não há lugar à restituição da coisa, mas em que “condiciona” a aquisição da propriedade ao pagamento duma indemnização ao proprietário afastado.

[9] Se houvesse usucapião, a improcedência do pedido dos AA. teria certamente esse fundamento e não se fundaria, como é o caso, na cláusula geral do abuso de direito.
[10] Osvaldo Gomes, Expropriações, pág. 13.

[11] A “sanção” do ato abusivo – no caso, o inadmissível/ilegítimo exercício da reivindicação por parte dos AA. – é muito variável (Cunha e Sá, Abuso de Direito, pág. 647 e ss.), dando lugar a uma infinda gama de sanções que visam impedir o titular do direito abusivamente exercido de obter vantagens com a prática do ato abusivo e o farão reentrar, em última análise, no exercício legítimo do direito, tendo que aceitar, como no caso dos autos, a validade da expropriação, não obstante a ausência do complexo de atos e formalidades em conformidade com a lei e por causa da utilidade pública.

[12] Ao invés, o que existe são preceitos (arts. 67.º a 73.º do C. Exp.) a prever e controlar o pagamento pontual e expedito dos montantes indemnizatórios.
[13] Até por estarmos perante uma expropriação de facto em que o complexo de atos e formalidades (em conformidade com a lei) falta de todo.
[14] Assim como no caso da acessão, supra referido.
[15] No que se diverge, com todo o respeito, do decidido no Ac. deste STJ de 27/03/2007, in Revista 474/07.

[16] À época, em 16/09/2002, o IEP estava integrado na administração central; tendo, em finais de 2004, sido transformado numa entidade pública empresarial, a EP- Estradas de Portugal, E.P.E.; tendo, em 2007, sido transformado numa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e passado a ser designado por Estradas de Portugal, S.A.; e tendo já após a propositura da presente ação, na sequência do Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de maio, sido incorporada, por fusão, na Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E., passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (como resulta da última peça processual apresentada pela 1.ª R.).
[17] Direito Processual Civil, 2015, pág. 369 a 371.

[18] Não estamos a falar daquelas situações em que, por ex., perante a privação do uso, o lesado recorre a um sucedâneo e em que, então, a privação do uso se reflete no património do lesado: o dano emergente decorrente das despesas com o sucedâneo.

[19] No que se segue de perto o sustentado no Acórdão deste STJ de 17/11/2021 (proferido no Processo n.º 6686/18.2T8GMR.G1.S1).
[20] Favoráveis (só no STJ) à indemnização pela privação do uso, com fundamento na simples privação do uso normal do bem: Acórdãos do STJ de 05/07/2007, de 06/05/2008, 08/10/2009, de 24/04/2010, de 12/01/2010, de 28/09/2011, de 11/03/2013, de 08/05/2013, de 05/07/2018 e de 25/09/2018
Favoráveis (só no STJ) à indemnização pela privação do uso, mas exigindo a prova da desvantagem resultante da privação do uso: Acórdãos do STJ de 18/11/2008, de 16/03/2011, de 12/01/2012, de 04/05/2010, de 06/11/2008 e de 27/04/2017.
[21] Direito das Obrigações, pág. 301 e ss..
[22] Temas da responsabilidade civil, I, Indemnização do dano da privação do uso
[23] O dano da privação do uso, in Revista de Direito e Economia.
[24] Abrantes Geraldes, local citado, pág. 57/8.
[25] Direito Civil, Estudos, Dano da Privação de uso, pág. 671 e ss; e Interesse Contratual Negativo, pág. 590 e 594/6.
[26] Em idêntico sentido, Mafalda Miranda Barbosa, Entre a Ilicitude e o Dano, in Novos Desafios da Responsabilidade Civil, pág. 231 e ss..
[27] Local citado, pág. 707/8.
[28] Como já referimos, não estamos, no “dano da privação do uso”, a falar daquelas situações em que o lesado recorre a um sucedâneo, isto é, se, por exemplo, na sequência de estragos causados num veículo automóvel, o lesado tem despesas com o aluguer dum veículo de substituição, mesmo sem recurso à figura do “dano de privação do uso”, aquele dano subsequente (as despesas com o aluguer dum veículo de substituição) será indemnizável.
[29] “Temas de Responsabilidade Civil”, I Vol., António Abrantes Geraldes, pág. 54.

[30] Assim como não há o menor fundamento jurídico para se invocar, como os AA. fazem, o enriquecimento sem causa, sem que se prove qualquer concreto empobrecimento dos AA., para além do funcionamento e aplicação da cláusula geral do abuso de direito acabar por conceder “causa justificativa” ao “empossamento” ocorrido.