Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P2815
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
TRAFICANTE-CONSUMIDOR
Nº do Documento: SJ20060727028155
Data do Acordão: 07/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: UNANIMIDADE
Sumário :
I - Tal como não basta para configurar o tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que não exista, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.
II - O crime do art. 26.º exige que o agente, ao praticar qualquer dos factos indicados no art. 21.º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal; em consonância com a lei, o STJ, em unanimidade de jurisprudência, não considera preenchido este
tipo legal quando se prove que o agente com o dinheiro obtido com a venda da droga visava essencialmente, mas não exclusivamente, financiar o seu próprio consumo.

*Sumário elaborado pelo próprio relator
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA e BB foram julgados na 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães e aí condenados pela autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art.º 25.º, al. a), do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cada um, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão.
2. Ambos os arguidos recorreram da sentença condenatória para este Supremo Tribunal de Justiça.
O BB concluiu assim:
1º O Recorrente foi condenado a 3 anos e quatro meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25°, a), do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/1.
2° Ora, salvo o devido respeito pelo Colectivo que proferiu o acórdão, a conduta do arguido enquadra o tipo legal previsto no art.º 26º do mesmo DL, n.º 15/93 de 22/01.
3° O arguido é toxicodependente e vendia produtos estupefacientes com o propósito de obter meios monetários para obter produtos estupefacientes para seu consumo.
4° Sem qualquer capacidade organizativa actuando isoladamente, vendendo pequenas quantidades de produtos estupefacientes, sem qualquer intenção lucrativa, tendo como finalidade única e exclusiva, obter droga para seu próprio consumo.
5º O facto de se considerar provado que, com a venda de estupefacientes, o arguido obtinha meios para ajudar ao seu sustento não obsta a que a sua conduta seja abrangida no âmbito do art.º 26° do DL 15/93 de 22/01.
6° Como se pode ler em anotação ao art.º 26º por João Luís de Moraes Rocha, Juiz de Direito - in “Droga - regime jurídico” - Livram Petrony, “afigura-se que sendo estas conaturais (e só enquanto tal) à sobrevivência e actividade humana, não podem deixar de estar abrangidas no âmbito deste preceito. (. . .) a interpretação não deve cingir-se à letra da lei (art.º 9º, n.º 1, do Código Civil) ”
7º Pelo que deverá ser proferido novo acórdão no qual a conduta do recorrente seja enquadrada no art.º 26º do DL, 15/93 de 22/01.
8º Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se poderá dizer que a pena aplicada se revela excessiva.
9º Como refere o douto Acórdão recorrido "temos apurado um elevado número de actos concretos de venda de heroína a consumidores de quantidades de estupefacientes absolutamente diminutas ".
10º Concluindo assim, aquele Tribunal que, "considerável diminuição da ilicitude dos factos praticados pelos arguidos".
11º Assim e como ensina Figueiredo Dias "As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa".
12º No caso concreto, considerou o Tribunal recorrido, "não revestindo o dolo qualquer especialidade digna de relevo, entende-se colocar a culpa dos agentes; relativamente às molduras abstractas, num grau médio alto."
13º No entanto, atendendo às circunstâncias concretas, afigura-se ao recorrente que, a pena aplicada de 3 anos e quatro meses de prisão se encontra muito acima da sua culpa.
14º Finalmente, por aplicação dos critérios de determinação da medida da pena, supra identificados e previstos no art.º 71º do Código Penal, justifica-se, salvo melhor opinião, que na ponderação da pena a aplicar ao recorrente, esta seja fixada próxima do seu mínimo, ou seja, em pena nunca superior a 2 anos de prisão.
15º O Tribunal Recorrido violou o disposto nos artigos 25º e 26º do DL 15/93 de 22/01 e os artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal.
Termos em que:
a) Deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se este por outro, alterando-se a qualificação jurídica da conduta do Recorrente.
b) Quando assim não se entenda, substituindo-se por outro que não condene o Recorrente em pena de prisão superior a dois anos.
O JR concluiu deste modo:
1- O Tribunal Colectivo violou o disposto no artigo 25° e 35° do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01 e os artigos 40°, 70° e 71 ° do Código Penal.
2- Pelo que deverá ser revogado o acórdão recorrido e proferido novo acórdão no qual a pena aplicada ao arguido não seja superior a três anos de prisão, cuja execução deverá ser suspensa;
3- Deverá ainda o novo acórdão ordenar a restituição do ciclomotor marca/modelo Yamaha/DT, matrícula 2-0000-00-00 ao seu legitimo proprietário, o arguido/recorrente.
3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso e concluiu pela sua improcedência, mesmo quanto ao ciclomotor declarado perdido para o Estado, pois não é o indicado pelo recorrente JR nem pertence a este.
Neste Supremo, a Excm.ª PGA pôs o seu visto.
O relator, porém, por entender que o recurso é manifestamente improcedente, mandou os autos à conferência.
4. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.
As principais questões a decidir prendem-se com a medida da pena e a possibilidade da sua suspensão. Mas há ainda a questão do alegado perdimento em favor do Estado do ciclomotor 2-000-00-00.
Os factos provados são os seguintes:
A) O CC é consumidor de heroína e cocaína. No dia 9 de Maio de 2003, o CC adquiriu a pessoa não identificada três pacos de heroína, negócio que ocorreu em Gondar, Guimarães.
B) No dia 14 de Maio de 2003, pelas 11 horas e 30 minutos, na Rua Souto da Ponte, Gondar, Guimarães, foi detido por elementos do Posto Territorial da GNR de Lordelo o arguido AA, também conhecido por «AA Perfeito», com os sinais dos autos.
O arguido AA tinha na sua posse:
- nove pacos de heroína no bolso das suas calças,
- dez pacos de heroína numa caixa, que trazia num bolso das sua calças (dez pacos),
- a quantia de 151,85 euros.
Esses 19 pacos continham heroína com o peso líquido de 1,045 g.
No acto dessa detenção foram ainda identificados consumidores.
O arguido AA vendeu heroína e cocaína na comarca de Guimarães, nos anos de 2003 e 2004, a várias pessoas nisso interessadas.
C) No âmbito do inquérito NUIPC 0000/03.9 PAGMR foi detido no dia 25 de Novembro de 2003, cerca das 14 horas, BB, também conhecido no meio, por consumidores, vizinhos e amigos como sendo o "Linholas", tendo ele na sua posse de heroína, que destinava à venda a pessoas nisso interessadas.
Esta detenção do arguido BB ocorreu na Rua Dr. Manuel José Teixeira de Melo, em Pevidém, S. Jorge de Selho, Guimarães.
O arguido BB trazia estes estupefacientes no interior de um maço de tabaco SG VENTIL.
O arguido BB tinha ainda na sua posse:
- um telemóvel da marca SIEMENS modelo A 36, com o IMEI 0000000069,
- 10 (dez) recortes em papel com o nº. 960000000, que servia de «cartão de visita» para que o arguido BB os distribuísse pelos vários consumidores de heroína com quem contactava,
- a quantia de 25,00 (vinte e cinco) euros.
Este produto foi examinado laboratorialmente e revelou tratar-se de heroína com o peso líquido de 0,264 gramas.
D) O arguido BB foi interceptado e detido, tanto pelo Posto de Lordelo, como pelo NAT Braga, na posse de 1,80 gramas e 1,65 gramas de heroína, detenção e apreensão que deu origem, respectivamente, aos NUIPCs 263/04.2 GDGMR e 281/04.0 GDGMR.
Foram apreendidos ao BB, conhecido como “Linholas”, 0,46 gramas de heroína (NUIPC 000/03.9PAGMR,).
O arguido BB foi detido em ocasiões distintas na posse de 1,80 gramas e 1,65 gramas de Heroína (NUIPC 000/04.2GDGMR e 00/04.0GDGMR).
E) Foi judicialmente ordenada no âmbito destes autos a captação de imagens através de filmagem da actividade dos arguidos BB e AA e de vários consumidores que os contactavam por via telefónica, em Gondar, Guimarães.
No decurso das vigilâncias ao AA e BB a GNR observou o seu "modus operandi", tal como a forma como eram contactados pelos seus "clientes".
Estes deslocavam-se à cabina telefónica existente à entrada do Bairro da Emboladoura, cabine com o número 200000000, tanto apeados como em veículos motorizados, contactando sobretudo o arguido BB e, por vezes, também o arguido AA para os seus números de telemóvel.
Em breves conversas, solicitavam a venda de estupefacientes, ou ao AA ou ao BB.
No que se refere ao arguido BB, os encontros marcados com os consumidores tinham lugar, na generalidade dos casos, ou em frente à sua casa ou nas imediações da sua residência e/ou Bairro, defronte da cabina telefónica supra indicada, bem como ainda decorriam na Ponte Serves, na Rua do Ave, na Rua da Liberdade e na Travessa da Liberdade, todos em Gondar, desta comarca de Guimarães.
Junto da cabine referida era constante a frequência de inúmeros indivíduos, que depois de estabelecerem contacto com o arguido BB, aguardavam pelo mesmo.
Para se confirmar a utilização da cabina telefónica como meio de contacto entre os consumidores e os arguidos AA e BB, foram interceptadas e gravadas as comunicações efectuadas de e para a cabina telefónica pública referida, pelo período de 30 dias.
O AA reside no Bairro da Emboladoura, Bloco 0, Entrada 00, R/C Esq., Gondar, Guimarães.
Por sua vez, o BB reside na Rua , nº. 0, Gondar, Guimarães.
F) A confirmação da utilização da cabina telefónica como meio de ligação entre os consumidores e os arguidos AA e BB consta do conteúdo das gravações das comunicações efectuadas de e para a cabina telefónica pública mencionada, o que decorreu pelo período de (30) trinta dias.
Entre 31 de Março e 1 de Maio de 2004, foram escutadas várias conversas que os arguidos BB e AA mantinham com vários consumidores.
Assim:
na sessão 980 do CD II fls. 26, o AA diz ao M: “... esperai que o Lino se ponha a pé, ele que vos sirva...”;
na sessão 1045 do CD II fls. 36, o AA diz a um Hélder, “... Num há nada... Tá seco...”, querendo significar que não há estupefacientes para entrega;
na sessão 1177 CD II fls. 41, o arguido AA diz a um tal «Nélito»: “...Num tenho nada... ide ter co Lino... ligai pró Lino...”;
na sessão 1194 do CD II fls. 46, o arguido BB diz ao Meira: “... Tou à espera do AA... num tenho nada, tou à espera dele...”;
na sessão 1310 do CD III fls. 8, um indivíduo de alcunha Suíço diz ao arguido BB o seguinte: “... O AA ele disse que estavas pra baixo... trás 4 cá fora...”, querendo significar 4 pacos ou doses;
na escuta 1442 do CD III fls. 41, um tal «AA de Serzedelo» diz ao arguido AA o seguinte: “... Ó AA... o outro chama, chama... o gajo num acorda...”, querendo-se referir ao arguido BB;
na sessão 1462 do CD III fls. 55, o arguido BB diz ao Meira, “... Eu tenho que ir à casa do AA... vou ir à casa do AA...”, referindo-se à residência do arguido AA Ângelo;
na sessão 1468 do CD III fls. 57, o arguido AA diz ao M, “... Esquecei este número, ligai pró Lino... ide ter com ele...”, dando a entender que não existe ligação entre ambos;
na sessão 1522 do CD III fls. 71 e 72, um consumidor de nome Jacinto diz ao arguido AA o seguinte:, “...Oh AA... nem Linholas nem o caralho meu...”;
na sessão 1666 do CD III fls. 83 e 84, um consumidor de nome Paulo diz ao arguido AA o seguinte: “... É o AA?... Sim... eu tive co Lino... se podias ficar com a minha aliança... num posso ó Lino, ó Paulo... até foi o Lino que me disse, liga para o AA...”, significando que alguns consumidores, ocasionalmente, entregavam artigos de ouro em troca de heroína e cocaína;
na sessão 1922 do CD III fls. 109 e 110, um tal Paulo, diz, num telefonema para o arguido AA: “... Tou é o AA?... Sim, num é o AA é o Lino...”, confirmando que os consumidores confundiam a identidade dos seus interlocutores;
na sessão 2037 do CD IV fls. 11, mais uma vez é possível verificar a confusão feita por os consumidores, em relação à identidade dos seus interlocutores, ouvindo-se um consumidor de seu nome Gustinho perguntar ao BB: “... És tu ó Perfeito?... Não é o Lino!...”.
Ainda no conteúdo das conversas escutadas há referências explícitas a estupefacientes e a encomendas de tais produtos feitas pelos consumidores ao arguido BB, designadamente:
na sessão 576 do CD II fls. 12, o BB diz a um consumidor de nome Nélito, que «não o serviu porque num tinha pacotes»;
na sessão 723 do CD II fls. 14, um consumidor de nome Pinto, encomendar ao BB «2 pacotes»;
na sessão 819 do CD II fls. 18, o BB diz a um consumidor desconhecido, que «as cenas lhe tinham acabado»;
na sessão 1304 do Cd III fls. 5, um consumidor de nome Quim Gordo, encomenda ao BB «3 pacos e troco de 4»;
na sessão 1366 do CD III fls. 24 e 25, o BB diz a um consumidor, “... Num tenho nada... o gajo tá a fazer os pacotes... recebemos agora o controle... nós num tínhamos nada...”;
na sessão 1367 do CD III fls. 26 e 27, o BB diz a um consumidor de nome Manel Rui, “... Ainda num tenho nada... o AA tá a tratar das cenas e ele daqui a um bocado vai-me ligar... o AA ainda tá a tratar das cenas... quando ele tiver as cenas preparadas ele liga-me, para eu ir busca-las...”;
na sessão 1451 do CD III fls. 46, o BB depois de falar com um consumidor dizer que só tem um pacote e que precisa de ir a casa buscar mais;
na sessão 1658 do CD III fls. 82, uma consumidora de nome Carla, encomenda ao BB 4 pacos;
na sessão 1833 do CD III, o BB diz a um dos consumidores, “... Depois sirvo tudo junto meu...”;
na sessão 1847 do Cd III fls. 103, um consumidor de nome Nélito diz para o BB, “... Olha trás 5...”, que significa 5 pacotes;
na sessão 1848 do CD III fls. 104, o BB pergunta a um consumidor quanto é que quer, e o consumidor de nome Berto, diz que são 2;
na sessão 2107 do CD IV fls. 20, em que novamente se repete o mesmo, o BB pergunta quantas doses é que o consumidor de nome «Forreca» vai querer, e o «Forreca» responde que são 2.
Nos telefonemas gravados e interceptados a expressão “tá seco” significava a inexistência temporária de produtos estupefacientes para venda...”.
Nessas escutas telefónicas, certos consumidores questionam se é o "AA" com quem dialogam, ao que obtêm resposta positiva, sendo o AA que lhes refere, de seguida, para não o contactarem para o seu telemóvel, dizendo-lhes para ligarem ao "Lino", que é o BB Ribeiro.
De igual forma, o «Lino» a que se refere o AA, é o BB, conhecido também, nesse meio, por "Linholas".
Os números de telemóvel receptores das chamadas realizadas da cabina telefónica de Gondar eram os números 93000000, utilizado pelo BB, e o número 96000000, usado tanto pelo BB como pelo AA.
Nas sessões 1922 e 2037 os consumidores confundem o BB com o AA , levando esses "clientes" a questionarem com qual deles estão a dialogar.
Além de emprestar telemóveis, o arguido AA emprestava também ao BB os seus ciclomotores, um dos quais apreendido no apenso 0000/04.0GDGMR, aquando da detenção deste.
G) Para se abastecer de heroína, entre outros fornecedores, o arguido BB deslocava-se a Felgueiras, a um jardim existente no centro dessa cidade onde adquiria heroína a um tal de "Zé taxista", pelo preço de 50€ cada grama.
Estas quantidades de heroína eram dividas em pequenas doses individuais, pelo arguido, para as vender a consumidores nisso interessados por quantias em dinheiro.
Depois de adquirir a heroína, o arguido BB deslocava-se a Gondar, Pevidém, Ronfe e Pedome, onde procedia à venda de heroína, em doses individuais, a vários consumidores, pelo preço de 5€ cada dose.
H) No dia 1 de Julho de 2004, cerca das 10 horas e 30 minutos, na Estrada Municipal 000, em Gondar, Guimarães, foram apreendidos pela GNR ao arguido BB:
- 15 pacos de heroína que este tinha no interior de um maço de tabaco, com o peso bruto de 1,75 gramas.
- € 17,80 (dezassete euros e oitenta cêntimos), em notas e moedas;
- (2) Duas navalhas;
- (1) Um telemóvel marca Siemens, modelo A50.
O produto contido nos 15 pacos foi examinado pelo LPC e revelou tratar-se de heroína com o peso líquido de 1, 26 gr.
I) No dia 15 de Julho de 2004, o arguido BB deslocou-se à Rua da Cabreira, em Gondar, Guimarães, no ciclomotor 2-000-00-00, levando consigo nove doses de heroína - das quais vendeu duas por 5 € cada -, após o que foi detido.
Na ocasião em que foi detido tinha consigo o seguinte:
- (7) Sete pacos de heroína, com o peso de 1,65 gramas;
-(15) Quinze euros em notas e moedas, sendo que 10 € reportavam-se ao valor recebido pelas 2 doses que acabara de vender.
- (1) Uma navalha tipo suíça;
- (1) Um telemóvel de marca Siemens modelo A36;
- (1) Um ciclomotor de marca Suzuki matricula 2-000-00-00.
Estes produtos estupefacientes apreendidos ao arguido destinavam-se a ser vendidos pelo mesmo a pessoas nisso interessadas, por quantias em dinheiro.
Os restantes bens apreendidos eram provenientes e/ou necessários à actividade de tráfico de estupefacientes a que se dedicava.
J) O arguido BB procedeu à venda de estupefacientes a diversos indivíduos e circunstâncias, nomeadamente:
1. O DA é consumidor de heroína.
O DA adquiriu no dia 21.11.2003, pelas 13 horas e 30 minutos ao arguido BB uma embalagem de heroína pelo preço de cinco euros.
O DA adquiriu no ano de 2004, em Pevidém, Guimarães, perto do «Intermarchê», ao arguido BB um paco de heroína, pelo preço de cinco euros.
2. O JRM é consumidor de heroína e cocaína e já adquiriu heroína ao arguido BB várias quantidades dessas substâncias no ano de 2003 e 2004, nomeadamente, em Gondar, Guimarães.
No dia 25.11.2003 o JRM transportou na sua viatura de matrícula 00-00-00, dois indivíduos a um local muito próximo do «Intermarché» de Pevidém, em Guimarães, sendo que estes adquiriram por dez euros duas embalagens de heroína ao arguido BB.
3. O JO é consumidor de heroína.
No dia 25.11.2003, pelas 13 h 15 m, o JO comprou ao arguido BB Eduardo uma embalagem de heroína pelo preço de 5 euros, negócio este que ocorreu junto ao «Intermarché» de Pevidém, Guimarães.
O JO contactava o arguido BB pelo telemóvel e ia ter com este no Jardim de Pevidém, Guimarães, isto numa primeira fase, nos meses de Outubro e Novembro de 2003 e, posteriormente, contactava o BB telefonicamente, da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, contactando-o, por vezes, várias vezes ao dia, efectuando, como comprador, compras de heroína ao BB, como vendedor, aquisições estas que ocorreram em 2004.
4. O JS é consumidor de heroína e cocaína.
Para adquirir heroína, contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o JM ao BB 5 euros por cada paco de heroína.
5. O CS é consumidor de heroína e cocaína.
Para adquirir heroína contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 20000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o CS ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
O CS contactou várias vezes o arguido AA Ângelo solicitando a este que o informasse do paradeiro do arguido BB, e fim de lhe comprar estupefacientes.
6. O AL é consumidor de heroína.
Para adquirir heroína contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Artur, como comprador, ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
7. O Rui Emanuel Monteiro Rodrigues, conhecido por “Rui Grande”, residente na Rua ...... n.º ......, Gondar, Guimarães, é consumidor de heroína e cocaína
Para adquirir heroína contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 20000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando 5 euros por cada paco de heroína.
Nas filmagens judicialmente ordenadas, o ..... é visto com os arguidos AA Ângelo e BB a circularem na viatura do ...i, de matrícula 00-00-00, pertença deste, deslocando-se eles a Braga, com o intuito de contactarem indivíduos de etnia cigana que costumam ter por paradeiro S. Tecla e Picoto, e fim de aí adquirirem estupefacientes, sendo que o ... adquiria tais estupefacientes apenas para o seu consumo pessoal.
8. O AM é consumidor de heroína e cocaína.
Para adquirir heroína contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 2000000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Augusto ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
9. O AFC é consumidor de produtos estupefacientes, cocaína e heroína.
No dia 15 de Julho de 2004, o AFC contactou o BB a fim de lhe comprar heroína, não concretizando tal objectivo face à intervenção dos agentes da GNR.
10. O PMFS é consumidor de heroína.
Para adquirir heroína contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, e adquiriu-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Pedro ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
11. O JM é consumidor de heroína e cocaína.
Para adquirir heroína contactava o arguido BB em Gondar, Guimarães, junto a uma paragem de autocarros, e adquiriu-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Joaquim ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
12. O M é consumidor de heroína.
Para adquirir heroína, o M contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, e adquiriu-lhe heroína diariamente, pagando o António ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
13. O AJ é consumidor de heroína.
O Jorge encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína num número indeterminado de vezes, pagando o Jorge ao BB 5 euros por cada paco de heroína.
No dia 8 de Março de 2004 o AJ contactou o arguido BB em frente à residência deste; o Artur nessa ocasião comprou um paco de heroína ao BB, pelo preço de 5 euros cada paco – a que corresponde cerca de 0, 01 gramas de heroína.
14. O JCMS é consumidor de heroína.
O José Carlos para adquirir heroína procedia do seguinte modo: contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, e adquiriu-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o José ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
No dia 10 de Março de 2004 o José Carlos acompanhado de mais três amigos esperaram que o arguido BB saísse da sua residência. Então, o JCMS e os seus três amigos compraram, cada um deles, um paco de heroína ao BB, pelo preço de 5 euros por cada paco adquirido.
15. O MAOM é consumidor de heroína.
O MAOM para adquirir heroína procedia do seguinte modo: encontrava-se pessoalmente com o BB, como vendedor de heroína, nos arredores da residência deste arguido, sita em Gondar, Guimarães, e adquiriu-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Manuel ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
No dia 10 de Março de 2004 o MAOM contactou o arguido BB em frente à residência deste; o MAOM nessa ocasião comprou um paco de heroína ao BB pelo preço de 5 euros cada paco.
16. O AA Alves Ferreira consumiu heroína e cocaína.
O AA para adquirir heroína procedia do seguinte modo: contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 2000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, e adquiriu-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o AA ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
O AA contactou por telefone o arguido AA a solicitar que este lhe vendesse estupefacientes, respondendo-lhe este o seguinte: «não tenho nada comigo meu; as merdas estão todas lá fora» (CD III, sessão 1442).
17. O LFSM é consumidor ocasional de heroína. Para adquirir heroína, contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Luís ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
No dia 10 de Março de 2004 o Luís Fernando contactou o arguido BB em frente à residência deste; o Luís nessa ocasião comprou um paco de heroína ao BB, pelo preço de 5 euros.
18. O AMG é consumidor de heroína, que fumou. Para adquirir heroína, encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Agostinho ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
No 10 de Março de 2004 o AMG contactou o arguido BB em frente à residência deste, tendo-lhe o BB sinalizado com a mão para que este parasse mais abaixo, em frente da paragem de autocarros, e nessa ocasião o Agostinho comprou dois pacos de heroína ao BB pelo preço de 5 euros cada paco – a que corresponde cerca de 0, 01 gramas de heroína.
19. O JFP é consumidor de heroína e cocaína. Para adquirir tais substâncias, contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o Jacinto ao BB 5 euros por cada paco de heroína.
O JFP entregou um telemóvel da marca Siemens preto, como garantia de pagamento de heroína que adquiriu ao BB, recebendo em troca um “paço” de heroína, no valor de 5 €; este telemóvel veio a ser apreendido pela PSP e está apreendido nos autos.
O Jacinto Pinto conhece o “AA Perfeito” há cerca de vinte anos. O Jacinto contactou várias vezes o telemóvel do AA, solicitando a este a cedência de estupefacientes, sendo que o AA referia sempre ao Jacinto que este deveria contactar o BB, sendo que muitas vezes o AA Ângelo contactava o BB.
Na sessão 735, do CD II, em Abril de 2004, o Jacinto diz ao AA Ângelo «arranja-me ao menos os filtros que eu “pagas-te”(sic) … estou a ressacar” “se pudesses por uma “pitica” de 500 paus”, querendo o Jacinto referir que não tinha os 5 euros necessários à compra de um paco de heroína, tendo apenas 500$00 – 2 euros e 50 cêntimos – para a compra de meio paco.
Na sessão 1522, do CD III, em Abril de 2004, o Jacinto pede ao AA Ângelo que lhe ceda heroína. Nessa ocasião o Jacinto diz ao Ângelo «liga ao menos ao outro a ver se ele anda, meu» e o AA responde «eu já vou ver». O «outro» referido nessa conversação é o arguido BB.
Na sessão 735, do CD II, em Abril de 2004, o Jacinto fala com o AA e diz-lhe «o Lino não te disse nada; arranja-me ao menos uns filtros e uma pitica de quinhentos paus». O AA responde «espera aí que vai-se já aí».
Na sessão 1844, do CD III, em Abril de 2004, o Jacinto pede ao AA Ângelo «uns filtros», usados para a injecção de heroína. O AA responde «não tenho nada meu».
20. O JBSF é consumidor de heroína. Para adquirir heroína, contactava o telemóvel do arguido BB, ligando a este da cabine telefónica com o nº. 200000000, sita em Gondar, Guimarães, e encontrava-se pessoalmente com o BB nos arredores da residência deste arguido, em Gondar, Guimarães, adquirindo-lhe heroína um número indeterminado de vezes, pagando o AA ao BB 5 euros por cada paco de heroína adquirido.
Na sessão 893 do CD II, em Abril de 2004, o JBSF, intitulando-se como «Fadista», contacta o telemóvel do BB.
Na sessão 1452, o JBSF, intitulando-se como «Fadista», nome pelo qual é conhecido pelos vizinhos e amigos, contactou o telemóvel do BB. O BB diz-lhe «só vou a casa buscar os pacotes e já lá vou ter».
L) Foram apreendidos ao arguido AA , no dia 2 de Fevereiro de 2005, na sua residência, no Bairro da ...., Bloco 5, Entrada 00, R/C Esq, Gondar, Guimarães, apreensão que ocorreu na sequência de uma busca domiciliária judicialmente ordenada, os seguintes estupefacientes e outros artigos, a saber:
- 20,5 gramas de heroína;
- 4 gramas de cocaína
- 2,7 gramas de canabis (haxixe);
- um espelho que era utilizado no manuseamento de matéria estupefaciente, nomeadamente no corte/traço/dosagem e embalamento;
- uma balança em latão e respectivos pesos, acondicionada em caixa em madeira, contendo vestígios de matéria estupefaciente;
- três (3) papeis contendo vários números de telefone/telemóveis;
- doze recortes em plástico e um de maior dimensão, frequentemente utilizados para acondicionamento de produtos estupefacientes;
- quatro navalhas, com vestígios de terem sido utilizadas no manuseamento de produtos estupefacientes;
- duas tesouras, utilizadas para se fazerem os recortes;
- uma lâmina gillete, utilizada no corte de produtos estupefacientes, contendo vestígios de estupefacientes;
- cinco (5) telemóveis, dois deles da marca Siemens, dois da marca Nokia e um da marca Sony-Ericsson;
- oitocentos e setenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos em dinheiro, em notas e moedas (873,55€)
- Um ciclomotor de matricula 2-000-00-00
Estes produtos foram examinados.
O exame do LPC concluiu, no exame pericial, nos seguintes termos, a saber:
- os 7 plásticos em pó com o peso bruto de 1, 610 gr contêm 1, 280 gr de heroína;
- um plástico em pó com o peso bruto de 1, 070 gr, continha 0,830 gr de heroína;
- um plástico com «produto sólido» com o peso bruto de 1, 090 gr, continha 0,970 gr de cocaína;
- um plástico em pó com o peso bruto de 4, 060 gr, continha 3,950 gr de heroína;
- um plástico com «produto sólido» com o peso bruto de 2, 810 gr, continha 2, 670 gr de cocaína;
- três plásticos, contendo pó, com o peso bruto de 15, 240 gramas, continha 14, 420 gr de heroína;
- uma «prata» com o peso bruto de 2, 690 gr, continha 2,680 gr de canabis –resina.
O arguido AA destinava estes produtos a consumidores de heroína, cocaína e canabis nisso interessados, transaccionando tais produtos na expectativa de obter lucro económico.
M) Foram apreendidos ao arguido BB Eduardo, no dia 2 de Fevereiro de 2005, na sua residência, na Rua ....., nº. 0, Gondar, Guimarães, apreensão que ocorreu na sequência de uma busca domiciliária judicialmente ordenada, os seguintes artigos, a saber:
- (6) Seis papeis contendo vários números de telemóveis.
N) Os arguidos conheciam as características estupefacientes da heroína, da cocaína e da canabis e que só mediante autorização de entidade para o efeito competente e que eles não possuíam, podia ser detida, cedida, vendida e consumida.
Tinham conhecimento de que esta actividade lhes estava vedada.
Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e jurídico-penalmente censuráveis.
O) O arguido BB vendeu em média, 2 a 3 gramas de heroína por dia. O lucro obtido com a venda destas quantidades de heroína destinava a custear a heroína e cocaína por si consumidas e as despesas inerentes ao seu sustento, não desempenhando qualquer profissão, senão o comércio de estupefacientes.
O arguido BB consume heroína e cocaína há cerca de 20 anos, consumindo diariamente cerca de 4 a 5 doses.
Vive com os pais, reformados, sustentando-se o agregado apenas com a reforma do pai.
Sofre de úlcera gástrica.
Está num programa de substituição por metadona, desde que se encontra sob obrigação de permanência na habitação.
P) O arguido AA consome produtos estupefacientes, como heroína, há cerca de 14 anos.
Vive com a mulher e a mãe.
A mulher encontra-se grávida de seis meses.
É trolha.
Tem o 6º ano de escolaridade.
Q) O arguido BB foi condenado no processo comum colectivo 164/99 da 1ª Vara de Guimarães, na pena de um ano e seis meses de prisão, pela prática do crime de tráfico-consumo p. e p. pelo art 26º.,1, do DL 15/93, com condenação datada de 09/06/2000.
O arguido BB foi condenado no processo comum colectivo 4/99 da 1ª Vara Mista de Guimarães, na pena de 30 meses de prisão, pela prática do crime de tráfico p. e p. pelo art 21º, nº 1, do DL 15/93, com condenação datada de 12/10/1999.
O BB cessou o cumprimento da pena de prisão em Maio de 2002.
O arguido AA foi condenado no processo comum colectivo 498/94 do 3º. Juízo Criminal de Guimarães, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de crimes de furto e outro, sendo condenado na pena de 4 anos de prisão por decisão datada de 17.6.1994.
O arguido AA foi condenado no processo 164/99 da 1ª. Vara Mista de Guimarães, na pena de 2 anos de prisão, pelo crime de tráfico-consumo, p. e p. pelo art 26º.,1, do DL 15/93, com condenação datada de 09/06/2000.
As condenações sofridas pelos arguidos e o cumprimento das respectivas penas não os demoveram da comissão de novos factos ilícitos.
Não se provaram quaisquer outros factos.

*
Estes factos não padecem de qualquer dos vícios reportados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, pelo que se encontram adquiridos.
Contudo, este STJ não pode deixar de censurar que nos factos provados estejam descrições pormenorizadas de meios de prova utilizados no inquérito, como são as reproduções exaustivas de intercepções telefónicas que constam da narração fáctica do acórdão recorrido, pois que, na sentença como na acusação, há que fornecer uma “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” (art.º 283.º, n.º 3-b, do CPP, com sublinhado nosso).
Assim, regra geral, o conteúdo de um meio de prova não deve ser levado aos factos provados de uma sentença. Importa tão só sintetizar os factos que esse meio de prova logrou adquirir. Sob pena do gigantismo crescente dos processos e de se esquecer o essencial no amálgama do acessório.

TRÁFICO COMUM OU TRÁFICO MENOR OU TRÁFICO PARA CONSUMO?
O art.º 21.º do DL n.º 15/93 define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime. Trata-se de um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo.
«O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral), como patenteiam os vocábulos definidores do tipo fundamental – “cultivar”, “produzir”, “fabricar”, “comprar”, “vender”, “ceder”, “oferecer”, “detiver”. O crime em causa não exige que a detenção se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita ou proporcioná-la a outrem, ainda que a título gratuito; basta que o estupefaciente não se destine, na totalidade, ao consumo do próprio para tal crime estar perfectibilizado” (Ac. do STJ de 24/11/99, proc. 937/99).
Depois, o art.º 24º prevê o tipo agravado de tráfico, com a enumeração taxativa das circunstâncias agravantes.
Por sua vez, os art.ºs 25º e 26ª estabelecem os tipos privilegiados de tráfico.
Quanto ao art.º 25º, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados); e, assim, tal como não basta para se configurar este tipo privilegiado de crime a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que não exista, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.
“Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art.º 25.º, do DL 15/93, de 22-01, haverá de se proceder a uma "valorização global do facto", não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras” (Ac. STJ de 7/12/99, proc. 1005/99).
“A tipificação do art. 25.º, do DL 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar” (Ac. STJ de 15/12/99, proc. 912/99).
Já o crime do art.º 26.º, que se refere ao do traficante consumidor, exige que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no art.º 21.º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal. E, em consonância com a lei, o STJ, em unanimidade de jurisprudência, não considera preenchido este tipo legal quando se prove que o agente com o dinheiro obtido com a venda da droga visava essencialmente, mas não exclusivamente, financiar o seu próprio consumo.
Ora, no caso em concreto, os factos provados quanto a qualquer dos arguidos demonstram que, sendo ambos dependentes do consumo de estupefacientes, os proventos que obtinham com a venda de droga não se destinavam exclusivamente, nem mesmo essencialmente, para adquirirem os produtos por que tinham adição. Na verdade, nenhum deles tinha uma actividade profissional, pelo que as suas economias domésticas eram sustentadas pelo negócio da venda de droga, para além de foi este negócio que lhes permitiu adquirirem os objectos apreendidos e declarados perdidos para o Estado, como por exemplo os telemóveis.
Não cabendo os factos provados na definição legal do crime de tráfico para consumo, será que a imagem global que deles se retira permite que se deva considerar que há uma diminuição acentuada de ilicitude, integradora do crime de tráfico de menor gravidade p.p. no art.º 25.º do DL 15/93, como fez o tribunal recorrido?
Quanto ao arguido JR provaram-se, em concreto, duas condutas de posse de droga para venda, uma em 14/05/2003 de 1,045 g de heroína, outra em 02/02/2005 de 20,480 g de heroína, 3,640 g de cocaína e de 2,680 g de haxixe.
Ora, muito embora não se considere como facto criminalmente relevante afirmar-se que vendeu heroína e cocaína nos anos de 2003 e 2004 a pessoas indeterminadas - pois não são puníveis os factos genéricos de que se desconhece a data, o local, as pessoas, as circunstâncias, as quantidades, já que deles o arguido não se pode defender - podemos constatar que os cerca 20,5 g de heroína davam para vender, na quantidade em que se provou que o outro arguido o fazia, mais de duas mil doses deste produto aos consumidores!
Esta quantidade de heroína, aliada ao facto do arguido deter para venda, na mesma ocasião, dois outros tipos diferentes de droga, seria suficiente para se negar a subsunção ao tráfico de menor gravidade.
Muito mais evidente é o caso do arguido BB , pois este, para além de ter sido detido por 6 vezes por posse de pequenas doses de heroína (25/11/2003 – 0,264 g, 2004 – 1,8 g, 2004 – 1,65 g, 2003 – 0,46 g, 01/07/2004 – 1,26 g, 15/07/2004 – 1,65 g), vendeu repetidas vezes pequenas doses de heroína (de cerca de 0,01 g) a pelo menos 23 consumidores identificados!
Para além disso, provou-se que o recorrente BB “vendeu em média, 2 a 3 gramas de heroína por dia. O lucro obtido com a venda destas quantidades de heroína destinava a custear a heroína e cocaína por si consumidas e as despesas inerentes ao seu sustento, não desempenhando qualquer profissão, senão o comércio de estupefacientes”.
Este STJ não tem considerado que o “vendedor de rua” seja sempre um caso de tráfico de menor gravidade, tudo dependendo das circunstâncias (quantidade, qualidade, meios utilizados, número de vezes).
Por outro lado, o facto do agente ser consumidor de drogas e vendê-las (também, mas não exclusivamente) para as poder consumir não é uma circunstância ligada à ilicitude e sim à culpa, pelo que não releva para a integração do crime no art.º 25.º do DL 15/93. Essa circunstância será uma atenuante, por vezes a permitir a atenuação especial, mas não modifica a tipicidade do crime.
Em suma, os arguidos terão cometido um crime de tráfico comum de droga, p.p. no art.º 21.º do DL 15/93, mas que o tribunal recorrido infundamentadamente subsumiu no art.º 25.º.
Porém, a proibição de “reformatio in pejus” em recursos movidos exclusivamente pelos arguidos (art.º 409.º do CPP) impede-nos a modificação do acórdão recorrido num sentido que seria mais gravoso para os recorrentes.
MEDIDA DAS PENAS
Quanto à medida da pena, vem este Supremo Tribunal de Justiça considerando que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
Ora, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem se perder de vista a culpa do agente. Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570).
“É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica (mesma obra, pág. seguinte).
A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
“Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...” (ainda a mesma obra, pág. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (pág. 558).
O Código Penal espelhou estas preocupações nos artigos 70º e 71º.
Dá-se preferência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 70º).
E «1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP).
Ora, no caso concreto, não podemos deixar de concluir, depois do que explicámos sobre a qualificação jurídica, que no quadro de um crime de tráfico de menor gravidade a ilicitude é elevadíssima e são prementes as exigências de prevenção geral, já que o tráfico se aproxima do tráfico comum.
Por outro lado, a perspectiva de reintegração de qualquer dos arguidos é reduzida e de prognóstico pouco favorável.
Não podemos esquecer que se provou que o recorrente BB já cumpriu duas penas de prisão por tráfico para consumo, tendo cessado o cumprimento da última em Maio de 2002 e o arguido JR cumpriu também duas penas de prisão, uma por furtos e outra por tráfico para consumo.
E provou-se que “As condenações sofridas pelos arguidos e o cumprimento das respectivas penas não os demoveram da comissão de novos factos ilícitos.”!!!
Neste quadro, em que praticamente não se verificam atenuantes (são ambos consumidores dependentes de drogas, de modesta condição económica, o BB anda num programa de substituição pela metadona, o AA tinha a mulher grávida na altura do julgamento da 1ª instância), só podemos considerar que a pena que foi aplicada a ambos foi excessivamente benevolente, sendo de todo impensável uma outra redução.
E uma vez que a pena de cada um está fixada acima dos 3 anos de prisão, não se coloca a possibilidade da sua suspensão (cfr. art.º 50.º do CP).
*
Uma última observação em relação ao recurso do JR na parte em que pede para se revogar a perda em favor do Estado do seu ciclomotor de matrícula 2-0000-00-00, para reafirmar que tal bem não faz parte dos que o acórdão recorrido declarou perdidos e que, portanto, a questão não tem cabimento.
*
Termos em que o recurso é manifestamente improcedente e deve ser rejeitado.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso.
Pelo decaimento fixam-se em 4 UC a taxa de justiça a cargo de cada recorrente, com metade de procuradoria.
Pagarão ainda uma importância de 4 UC por cada um deles, nos termos do art.º 420.º, n.º 4, do CPP.
Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Julho de 2006

Santos Carvalho (relator)
Silva Flor
Vasques Dinis