Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3150/07.9TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: FALÊNCIA
DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
PROCESSO PENDENTE
NULIDADE
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA / CAUSAS DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Adriano Vaz Serra, Responsabilidade patrimonial, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 75, 1958, p. 287.
- Catarina Serra, Efeitos da declaração de falência sobre o falido (após a alteração do DL n.º 315/98, de 20 de Outubro, ao Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência), Scientia Ivridica, 1998, n.ºs 274/276, p. 289.
- Catarina Serra, A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito – O problema da natureza do processo de liquidação aplicável â insolvência no Direito português, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p.92.
- Catarina Serra, Falências derivadas e âmbito subjectivo da falência, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 19-20.
- Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Coimbra Editora, 2018, p. 198 e ss.
- Gustavo Bonelli, Commentario al Codice di Commercio, volume VIII (Del fallimento), Parte II, Milano, Vallardi, p. 195.
- José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3-º, Coimbra, Coimbra editora, 1946, p. 364 e ss.
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), p. 561.
- Maria de Fátima Ribeiro, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2018, p. 676.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I (Artigos 1.º a 761.º), Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 621.

Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 277º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 08-05-2013, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2014;
- DE 26-01-2016, PROCESSO 465/14.3TBMAI-A.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 9-03-2010, PROCESSO 121/08.1TBANS.C1
- DE 26-02-2019, PROCESSO 1222/16.8T8VIS-C.C1, AMBOS IN HTTP://WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Estando em curso, à data da declaração de insolvência do devedor, uma acção em que o credor pede a declaração de nulidade de certos negócios em que interveio o devedor, o trânsito em julgado da sentença declaratória de falência não determina a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

II. As acções deste tipo (i.e., para declaração de nulidade de negócios) não se integram na categoria das “acções em que se apreciam questões relativas a bens compreendidos na massa” e por isso podem prosseguir autonomamente ao processo de falência.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


1. Em 10.11.1999, AA intentou a presente acção contra BB (1.º réu) e mulher, CC (2.ª ré), DD (3.º ré) e EE (4.º réu) e mulher, FF (5.º ré), formulando dois pedidos, a saber:

1.º) ser o 1.º réu, BB, condenado a pagar ao autor a quantia de 214.531.342$00, acrescido de juros de mora à taxa de 7% ao ano desde a interposição da acção até efectivo pagamento calculados sobre o capital em dívida de 209.000.000$00.

2.º) serem declaradas nulas, porque absolutamente simuladas, as compras e vendas celebradas entre o 1.º réu e a 2.ª ré e entre esta e os 3.ºs réus[1], por escrituras celebradas em 13.03.1992 e 15.03.1994, do prédio identificado no art. 15.º da petição inicial, ordenando-se o cancelamento das inscrições G-3 e G-4 (este último segmento do pedido foi alvo de pedido de rectificação formulado em 25.11.1999 e admitido por douto despacho de 13.12.1999).


2. Os réus BB e mulher e EE e mulher, contestaram a acção, pugnando pela absolvição dos pedidos.


3. Apresentada réplica, foi proferido despacho saneador em 06.04.2001, através do qual foi decidida a excepção da ilegitimidade do autor, suscitada pelos réus contestantes e organizados e seleccionados os factos assentes e aqueles que constituem a base instrutória.

Com o requerimento de provas apresentado pelo autor em 3.05.2001, foi junta cópia da douta sentença que declarou o 1.º réu falido, com o esclarecimento de que estava pendente de embargos.

Entretanto, faleceram o 4.º réu EE, em 18.02.2002, a 2.ª ré DD, em 18.09.2004, e o autor AA, em 16.12.2005, tendo sido proferidas sentenças de habilitação.

O julgamento teve início em 2005, mas, entretanto, por despacho proferido a 31.05.2012 foi determinada a suspensão da instância até se mostrarem julgados definitivamente os autos de embargos à falência.

No dia 14.09.2017 foi enviada aos autos certidão informando que nos autos de processo n.º 757/14.1T..., a correr termos no Juiz … do Juízo de Comércio de …, a sentença proferida a 14.11.2000, que decretou a falência do 1.º réu BB, havia transitado em julgado a 13.02.2017.

Por requerimento apresentado a 2.10.2017 o réu BB veio requerer a extinção da instância relativamente ao 1.º pedido formulado.

Por despacho proferido a 10.01.2018 foi notificado o liquidatário judicial para juntar aos autos procuração emitida pela massa falida a favor do advogado que patrocinava aquele réu ou a favor de outro advogado para com os mesmos os autos prosseguirem.

E, verificando-se que o liquidatário da massa falida de BB não tinha vindo dizer nada aos autos, por despacho proferido a 05.04.2018, foi de novo determinada a notificação daquele liquidatário judicial para constituir mandatário em 10 dias com a advertência de que, se o não fizesse, os autos prosseguiriam os seus termos sem mandatário constituído em relação à massa falida, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, al. b), do CPC.

O liquidatário judicial veio apresentar requerimento aos autos no dia e comprometeu-se a comunicar a sua posição final em 15 dias.

De seguida, o liquidatário judicial, por requerimento de 13.06.2018, veio informar ter pedido a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento da compensação de patrono a nomear.

E, através de ofício junto aos autos a 12.10.2018, o tribunal foi informado que foi concedida à massa falida do 1.º réu BB apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento da compensação de patrono que foi nomeado.


4. Em 17.10.2018, o Tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão, cujo teor se transcreve aqui na totalidade:

“Alega o autor ser credor do primeiro réu.

Alega que o réu praticou uma venda simulada (art. 240.º do CC), assim afetando o património garante da obrigação (art. 601.º do CC).

Deste efeito sobre a garantia geral das obrigações nasce o direito do autor de pedir a declaração de nulidade da venda (art. 605.º do CC), para além do reconhecimento do seu crédito e a condenação do primeiro réu no seu pagamento (art. 817.º do CC).

Por força da declaração de nulidade, o bem alienado retorna (melhor, mantém-se) no património do alienante, para satisfação dos seus débitos (art. 289.º do CC).

O primeiro réu foi declarado falido por decisão transitada em julgado em 13 de fevereiro de 2017 (fls. 1748 v.). Considerando a doutrina acolhida no AUJ 1/2014 e no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 46/2014, a instância é supervenientemente inútil, quanto ao primeiro pedido formulado.

Em tal processo, ao autor (isto é, à parte ativa nesta ação), foi julgado verificado o crédito objeto do primeiro pedido, por decisão transitada em julgado (fls. 1625). Ao contrário da impugnação pauliana individual, prevista no novo CIRE (diploma que não se aplica à falência em causa: cfr. o art. 12.º, n.º 1, do DL n.º 53/2004, de 18 de Março), a declaração de nulidade faz ingressar o bem na massa falida, em benefício de todos os credores do falido.

Cabe ao liquidatário judicial tutelar os interesses da massa falida, sendo-lhe reconhecida legitimidade para impugnar atos em benefício dela – arts. 156.º e 157.º do CPEREF; já não para impugnar atos em benefício de um credor.

À luz do CPEREF, admite-se que um credor com o crédito reconhecido possa ser intérprete dos interesses (coletivos) da massa falida, mas nunca à margem do processo de falência (art. 160.º, n.º 1, do CPEREF). No domínio daquele código, não é legalmente admissível uma ação com vista à incorporação na massa falida de um determinado bem por um credor individual, numa ação com absoluta autonomia de procedimento. A real consistência da massa, numa ação exclusiva e diretamente destinada a conformá-la, é um assunto apenas respeitante ao processo de falência. É uma matéria que cabe apenas à instância falimentar.

Ainda que se admita que os atos prejudiciais à massa possam ser postos em causa, em seu exclusivo benefício, com um fundamento distinto de um dos dois previstos no código – a resolução e a impugnação pauliana −, isto é, ainda que se admita que possam ser postos em causa através de uma ação visando a declaração de nulidade – o que a doutrina não parece configurar: cfr. MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os Efeitos Substantivos da Falência, Porto, Publicações Universidade Católica, 2000, p. 185, nota 424 −, nunca se poderá admitir que o recurso a esta solução processual esdrúxula redunde numa fraude à lei, furtando a ação à força centrípeta da instância falimentar (art. 160.º, n.º 1, do CPEREF), a pretexto de não ser formalmente pedida uma resolução nem uma impugnação pauliana.

O regime processual falimentar, caracterizado pela sua natureza executiva universal e pelo princípio da par condicio creditorum, assume uma natureza especial também neste domínio, isto é, dos meios processuais destinados a obter a impugnação – em sentido lato – de atos do falido prejudiciais à massa, podendo mesmo discutir-se uma impropriedade do meio processual presente na instauração de uma ação autónoma de processo comum (art. 546.º, n.º 2, do CPC), a falência da competência material ou por conexão processual dos demais tribunais e uma derrogação da regra de acordo com a qual a lei processual especial (isto é, os meios processuais especiais) prevalece sobre a lei processual comum (lex specialis derogat legi generali) – desenvolvendo esta ideia, veja-se o Ac. do TRE de 05-05-2016 (1087/05.5TBALR-K.E1). Ainda que o direito substantivo exercido seja o de obter a declaração de nulidade, o meio processual a adotar deve ser o previsto no CPEREF (ou com ele conformar-se), já que este se constitui num regime coerente e consequente com a idiossincrasia própria da instância falimentar e dos seus fins.

Do exposto resulta que, com a declaração de falência, a instância declarativa autónoma visando apenas a reintegração da massa falida resulta legal e supervenientemente inadmissível, isto é, torna-se legalmente impossível. No caso dos autos, não tendo sido promovida qualquer apensação processual, é inútil discutir se este vício pode ser ultrapassado através da redentora apensação ao processo de falência.

Pelo exposto:

− julgo a instância supervenientemente inútil, quanto ao primeiro pedido formulado (art. 277.º, al. e), do CPC);

− julgo a instância legal e supervenientemente impossível, quanto ao segundo pedido formulado (art. 277.º, al. e), do CPC).

Custas pelo falido e pelo autor, em partes iguais (art. 536.º, n.os 1 e 2, al. e), do CPC. Valor da causa: o dado pelas partes

Registe e notifique”.


5. Inconformado, GG, habilitado a prosseguir a demanda em substituição do falecido autor AA [2], interpôs recurso de apelação.

Por seu turno, CC, FF, HH, II, JJ e KK, réus habilitados a prosseguirem a demanda em substituição do 4.º réu EE[3], apresentaram contra-alegações.


6. Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, em 11.04.2019, onde decidiu julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar a sentença, determinando o prosseguimento da acção relativamente ao segundo pedido formulado na petição inicial, salvo havendo outro obstáculo legal ao seu prosseguimento.


7. Inconformados, são, desta vez, os réus CC, FF, HH, II, JJ e KK, quem interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido e pela sua substituição por outro que mantenha a sentença do Tribunal de 1.ª instância.

Terminam as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª- Com base no relatório elaborado pelo Tribunal “a quo” – o Tribunal de 1ª Instância, quiçá, por lapso, não havia elaborado – o douto acórdão revogou a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância, sentença essa que, a nosso ver e salvo o devido respeito, não nos mereceu qualquer reparo, razão pela qual, pugnam pela manutenção daquela douta sentença e revogação do acórdão, ora posto em crise.

2ª- Do relatório a que se alude na conclusão que antecede, foram dados como assentes, os seguintes factos:

- O aqui autor, foi habilitado, por sentença de habilitação proferida, a ocupar o lugar da segunda ré, DD, sua mãe;

- O aqui autor, foi habilitado, por sentença de habilitação proferida, a ocupar o lugar do autor originário, AA, seu pai.

3ª- Assim sendo, resulta que o atual autor, GG, o qual, aquando da p.i., foi indicado como testemunha, é filho do A. originário, AA e da 2ª R., DD, ocupando, agora, em simultâneo e ao mesmo tempo, após respetiva habilitação a posição de autor e réu, o que processualmente, e salvo o devido respeito, se nos afigura inadmissível.

4ª- Todavia, esta situação, terá escapado ao relatório de natureza perfunctória que o Tribunal da Relação fez, já que o Tribunal da 1.ª Instância, que proferiu a douta sentença a fls…, que julgou a instância legal e supervenientemente impossível, não elaborou o respetivo relatório, do que o Tribunal da Relação deu nota na fundamentação quanto à matéria de facto, questão prejudicial que aqui se invoca com as legais consequências.

5ª- Entendem, os recorrentes, salvo opinião mais douta de V. Ex.as, Egrégios Juízes Conselheiros que, estando eloquentemente bem fundamentada a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância, respaldada numa correta e adequada interpretação dos dispositivos legais, designadamente, nos art.s 156º, 157º e 16º, n.º 1, do CPEREF (diploma aplicável “in casu”) e bem assim na doutrina e na jurisprudência nela invocada, não será, certamente, só pelo facto de não ter sido precedida do necessário relatório, por eventual lapso do julgador, que a decisão de mérito, estribada nos fundamentos que presidiram à decisão, possam, desde logo, fenecer.

6ª- É que, como se alcança do teor daquela mesma sentença, estando, a mesma devidamente fundamentada e tendo, corretamente, interpretado os dispositivos legais atinentes ao processo de falência (cfr. art.s 156º, 157º e 160º, n.º 1, do CPEREF), não merece a menor censura, ao invés do douto acórdão, ora recorrido.

7ª- Sendo certo, pedir o A. originário, que o 1º R. fosse condenado a pagar-lhe a quantia ali peticionada, formulando como 2º pedido contra todos os R.R., incluindo a 2ª R, DD, mãe do atual A., GG, ver declaradas nulas as escrituras celebradas entre ela e os terceiros R.R., EE e mulher.

8ª- Declarado que foi “falido”, o Io R. no n.° 221/C/99 e agora tramitando sob o processo n.º 757/14.1T..., onde a requerente original é a segunda ré nestes autos, DD, veio o aqui e atual A., a ocupar o seu lugar, após a competente habilitação de herdeiros, segundo a douta sentença ali proferida.

9ª- Frise-se que, a sentença falimentar em causa, foi proferida em 14-11-2000, contra o primeiro co-réu, BB, só vindo a transitar em julgado em 13-02-2017.

10ª- E, transitada que foi em julgado a sentença que declarou a falência do primeiro co-réu, e onde os credores, incluindo o A. originário, foram reclamar os seus créditos, a presente ação declarativa proposta pelo A., credor contra o devedor (primeiro co-réu), de acordo com o gizado naquela p.i. e destinada a obter o reconhecimento do direito/crédito peticionado, deixou, a mesma, de alcançar o seu efeito útil, cumprindo, assim, decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e), do artigo 277.º do CPC, por ser supervenientemente impossível e inútil, o que aqui expressamente se invoca para os legais efeitos.

11ª- Estando, a todos os cidadãos, assegurado o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, a Lei assegura, para o exercício desses direito, procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra a ameaça ou violação desses mesmos direitos – artigo 20.º, n.s 1 e 5, da CRP, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, direito de ação esse, que se concretiza no artigo 2.º, n.º 2, do CPC.

12ª- Esse direito (de acesso e tutela jurisdicional efetiva) mais não é, no essencial, do que o direito a uma solução jurisdicional dos conflitos, em prazo razoável, e com garantias de imparcialidade e independência, como está pacificamente firmado há muito na Jurisprudência do Tribunal Constitucional.

13ª- Existe, de facto, uma clara impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção da instância - alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil - resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida.

14ª- De facto, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a ação foi atingido por outro meio (cfr. neste sentido Ac. STJ de 25.3.2010).

15ª- Quanto à finalidade do processo de falência, enquanto execução de vocação universal - artigo 1.º /1 do CPEREF - postula a observância do princípio par conditio creditorum, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes suscetíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes.

16ª- Na verdade, os efeitos processuais da declaração de falência/insolvência sobre os processos pendentes aquando da sua decretação não foram igualmente prevenidos ao longo dos últimos quarenta anos - primeiro no Código de Processo Civil, depois no CPEREF e, atualmente, no CIRE.

17ª- Efetivamente, como decorria do artigo 1198.º do Código de Processo Civil de 1961, uma vez declarada a falência, com trânsito em julgado, todas as ações pendentes, em que se debatiam genericamente interesses relativos à massa falida, eram apensadas, automaticamente, ao processo de falência, por via de regra.

18ª- Com o advento do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, mantido embora o princípio da plenitude da instância falimentar, uma vez declarada a falência, a apensação, ao respetivo processo, passou a circunscrever-se a todas as ações em que se apreciassem questões relativas a bens compreendidos na massa falida, ficando a mesma, ainda assim, dependente, na generalidade das situações, da intervenção do administrador da falência, que a requereria (ou não) em função da sua conveniência para a liquidação.

19ª- No atual CIRE, a disciplina homóloga vem prevista nos artigos 81.º e seguintes, dispondo o artigo 85.º quanto aos efeitos processuais da declaração de insolvência sobre as ações (declarativas) pendentes e o artigo 88.º relativamente às ações executivas (pendentes ou a instaurar).

20ª- Destarte, declarada a falência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa falida, intentadas contra o devedor são apensadas ao processo de falência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da falência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.

21ª- A apensação continua, pois, por regra, a reportar-se às ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa falida, intentadas contra o devedor (... ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa) e a depender de requerimento do administrador de falência; ora, porém, com outra (mais abrangente) exigência de fundamento, o da conveniência para os fins do processo, inexistindo qualquer previsão diferenciada para as ações do foro laboral.

22ª- Declarada a falência do primeiro co-réu, todos os titulares de direitos e créditos sobre o falido, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da falência, destinando-se à massa falida - que abrange, por regra, todo o património do devedor à data da declaração de falência, bem como os bens e direitos que adquira na pendência do processo - à satisfação dos seus créditos.

23ª- E, dentro do prazo fixado, devem os credores da falência reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, com as indicações discriminadas, sendo que a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a falência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, não está dispensado de o reclamar no processo de falência, se nele quiser obter pagamento e exercitar os seus direitos (de crédito) - artigo 20.º do CPEREF.

24ª- O efeito da declaração de falência sobre os créditos que se pretendam fazer pagar pelas forças da massa falida vem categoricamente proclamado nos artigos 53.º, 56.º e 122.º do CPEREF, sendo que os credores da falência apenas poderão exercer os seus direitos, em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de falência.

25ª- Assim é que, de acordo com o disposto nos artigos 53.º, 56.º e 122.º do CPEREF, os credores do falido, só podem exercer os seus direitos, durante a pendência do processo de falência e em conformidade com os preceitos deste Código.

26ª- Por isso, os credores têm de exercer os seus direitos, no processo de falência e segundo os meios processuais regulados no CPEREF (artigo 160.º n.º 1 do CPEREF), sendo esta a solução imperativa e que se harmoniza com a natureza e a função do processo de falência, como execução universal, do património do falido/insolvente, tal como a caracteriza o artigo 1.º do CPEREF, constituindo tal estatuição, um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.

27ª- O carácter universal e pleno da reclamação de créditos determina uma verdadeira extensão da competência material do tribunal da falência, absorvendo as competências materiais dos Tribunais onde os processos pendentes corriam termos, já que o Juiz da falência passa a ter competência material superveniente para poder decidir os litígios emergentes desses processos na medida em que, impugnados os créditos, é necessário verificar a sua natureza e proveniência, os montantes, os respetivos juros, etc., sendo que, o A./recorrido, além dos créditos a que anteriormente, se aludiu, e por ele reclamados no processo de falência, nenhum outro crédito ou direito reclamou, designadamente, aquele que pretendia com o 2º pedido da ação autónoma.

28ª- Será, então, possível, juridicamente e consistentemente, prosseguir-se com a ação, sendo certo que, o que a mesma visava era o reconhecimento dos créditos do A. originário, créditos esses que, aliás, já estão reclamados e reconhecidos na ação de falência? Pensamos que não.

29ª- Dir-se-á, que ocorre inutilidade superveniente da lide sempre que a pretensão do autor/recorrido, por motivo superveniente, verificado na pendência do processo, deixa de ter o efeito útil pretendido, ficando, deste modo a ação esvaziada de conteúdo, tal como foi entendido pelo Tribunal de 1ª Instância, ao prolatar aquela douta sentença, a qual, à exceção do lapso em não ter elaborado o respetivo Relatório, única censura que o Tribunal da Relação lhe teceu, não merecer qualquer outra censura legal.

30ª- Fazendo uma breve recensão à jurisprudência havida sobre esta matéria, constata-se que se firmou posição, num passado recente, sustentando a solução de que - sobrevinda declaração de falência do réu, por decisão transitada em julgado, e tendo sido na mesma, fixado prazo para reclamação de créditos, créditos que, efetivamente, foram reclamados, deixa de ter utilidade o prosseguimento da ação declarativa tendente ao reconhecimento de direitos invocados sobre o falido, o que importa, necessariamente, a extinção da respetiva instância, por inutilidade superveniente da lide, como o foi, de facto, pela douta sentença do Tribunal de 1ª Instância, relativamente à qual, o atual A., sucedâneo do seu pai, A. originário, interpôs recurso, a que a Relação veio dar provimento e que, agora, é questionado, no presente recurso de revista.

31ª- De facto, voltando a debruçar-nos sobre o dito acórdão, verificamos que o Tribunal da Relação, não ter acolhido a douta sentença, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, não aduziu qualquer argumento ou legislação que seja, juridicamente, válida e relevante, capaz de infirmar a bem elaborada sentença do Tribunal de 1ª Instância, do ponto de vista legal, doutrinário e, mesmo, jurisprudencial, limitando-se tão só, a dizer: “(…), urge assinalar que nada encontramos no CPEREF que seja suscetível de ser interpretado, no sentido de estar vedado ao autor o prosseguimento da presente ação …”, assim se desviando do cerne da questão.

32ª- É de notar que, sendo as regras da falência que terão que se aplicar e nelas não estando contemplada a possibilidade de um credor, poder continuar a litigar, contra o falido, porque deixou de ter capacidade judiciária, também o credor deixa, automaticamente, de ter legitimidade para o continuar a acionar, ao abrigo do CPEREF, ou de qualquer outra legislação, dado que o falido passa à situação de, permita-se-nos a expressão “morto”.

33ª- Não nos parece, por conseguinte, de que o argumento em que o Tribunal da Relação, no seu douto acórdão, se estriba para não manter a douta sentença, optando, antes, por revogá-la, dizendo “nada encontrar no CPEREF … no sentido de estar vedado ao autor o prosseguimento da presente ação…”, é uma argumentação muito débil, manifestamente insuficiente e sem apoio legal.

34ª- Sendo certo que, além dos créditos que o A. reclamava na presente ação e que tendo-os reclamado no processo de falência, onde foram reconhecidos, nenhum outro qualquer crédito ou qualquer direito sobre o falido e sobre os restantes R.R., indicados nesta ação, lhe foi reconhecido, nem lhe poderá vir a ser reconhecido, por impossibilidade legal, dada a situação de falido por parte do 1º R.

35ª- Todavia, a nosso ver, erradamente, do teor do acórdão recorrido, posto em crise, para que o mesmo, menosprezando, as conclusões dos demais intervenientes processuais, e indo no encalce do alegado pelo ora recorrido, A., habilitado do seu falecido pai (o A. originário) e, igualmente, habilitado da sua falecida mãe, DD (2ª R. originária), assim ocupando, na presente ação, simultânea e ao mesmo tempo, a posição de A. e R. – havendo impossibilidade legal – fala de vendas e negócios “pretensamente simulados”, feridos de nulidade, só pelo facto de assim ter sido invocado na p.i., mas sem que disso se tivesse produzido qualquer prova.

36ª- Parece-nos, mais curial e legalmente mais defensável, a argumentação da douta sentença, do Tribunal de 1ª Instância, quando, estribando-se no CPEREF, diz perentoriamente: “não é legalmente admissível uma ação com vista à incorporação na massa falida de um determinado bem por um credor individual, numa ação com absoluta autonomia de procedimento… a pretexto de não ser formalmente pedida uma resolução nem uma impugnação paulina.”

37ª- E, ainda, ao invés do entendimento do douto acórdão, o prosseguimento da presente ação, face à situação de falido do 1º R., só seria possível se no CPEREF, houvesse alguma norma que, expressamente, contemplasse tal situação, norma que não existe, estando vedado, legalmente, o prosseguimento da presente ação por parte do A.

38ª- Como se disse, sintetizando, diremos que ocupando, o aqui autor/recorrido nestes autos, também a posição processual da 2ª R., DD, sua mãe, o que é inadmissível processualmente; a par de que, reconhecido que lhe foi o seu crédito na ação falimentar, já nenhum outro crédito ou direito detém na presente ação e daí a inutilidade e impossibilidade superveniente, em esta ação prosseguir.

39ª- Consequentemente, já não sendo detentor de qualquer crédito e/ou direito sobre o 1º R., do qual não é credor, deixou de ter legitimidade para prosseguir na presente ação, nos termos do disposto no art.º 605º, n.º 1, do C.Civil, tanto mais que a pretensa declaração de nulidade do negócio do falido, só podia ser invocado pelo Administrador da Falência, através dos meios processuais próprios para o efeito, mas que não com o prosseguimento da presente ação (cfr. neste sentido art.s 147º a 174º e 179º a 187º, do CPEREF).

40ª- É que, cabendo não só ao liquidatário judicial, tutelar os interesses da massa falida, sendo lhe reconhecida legitimidade para impugnar atos em benefício dela - artigos 156.º e 157.º do CPEREF - aliás como o próprio acórdão recorrido reconhece, quando afirma de forma taxativa, quanto ao regime da nulidade o seguinte: “E, já agora, porque releva, acolhendo a posição do citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, importa assinalar que de acordo com disposto, no art. 286.º do CCivil, ao liquidatário judicial/administrador de insolvência não está vedado a prepositura de ação com vista à declaração de tal nulidade de actos praticados pelo devedor - declarado falido/insolvente.”, estando vedado, por conseguinte, ao A., ora recorrido, prosseguir com a presente ação, sendo que todas as ações estão dependentes da iniciativa e contro do Liquidatário Judicial, mas nunca à margem do processo de falência ou contra a massa (cfr. art.º 160º, n.º 1, do CPEREF).

41ª- Acresce, ainda, que no domínio daquele Código, não é legalmente admissível uma ação com vista à incorporação na massa falida de um determinado bem por credor individual, numa ação com absoluta autonomia de procedimento, porque a real consistência da massa, numa ação exclusiva e diretamente destinada a conformá-la, é um assunto apenas respeitante ao processo de falência, ou seja, é uma matéria que cabe apenas à instância falimentar e não aos presentes autos.

42ª- Do exposto e salvo o devido respeito, que é muito, afigura-se-nos que, o Tribunal a quo, ao prolatar o douto acórdão, posto em crise, e com o qual não se concorda, não atentou nos efeitos da declaração de falência, sobre os negócios jurídicos do falido que se encontram regulados nos artigos 151.º a 171.º do CPEREF, com particular relevância, no que concerne à apensação de ações, e outros efeitos, a que alude o artigo 154.º do mesmo Código.

43ª- Como também não teve presente, o douto acórdão recorrido, que o regime processual falimentar, caracterizado pela sua natureza executiva e universal, e pelo princípio da “par condido creditorum”, assume uma natureza especial também neste domínio, isto é, dos meios processuais destinados a obter a impugnação - em sentido lato - de atos do falido, eventualmente, prejudiciais à massa, podendo mesmo discutir-se haver uma impropriedade do meio processual presente na instauração de uma ação autónoma, de processo comum tal como prevê o n.º 2, do artigo 546.º do CPC.

44ª- Cumpre, finalmente, dizer que, ainda que o direito substantivo que se pretendia exercer - o 2º pedido da ação - isto é, tentar obter a declaração de nulidade, dos negócios celebrados pelo falido, sempre se dirá que o meio processual a adotar deve ser o previsto no CPEREF ou com ele conformar-se, já que este se constitui num regime coerente e consequente da natureza própria, da instância falimentar e dos seus fins.

45ª- Não tendo sido promovida qualquer apensação processual, por parte do Administrador Judicial, em tempo contemplado na lei, é inútil, agora, discutir se esse vício pode ser ultrapassado por uma mera apensação ao processo de falência, seja pelo liquidatário judicial seja pelo aqui autor recorrido e segundo réu (por ocupar a posição da sua mãe, que era R.), quando tendo, o mesmo, já reclamado os seus créditos, em tempo legal, no processo falimentar, nada mais suscitou ou requereu, em relação ao 2º pedido da ação declarativa, pedido aquele que “ipso facto”, perdeu a sua oportunidade, como pedido autónomo.

46ª- Resulta, claramente, do disposto art.s 156º, 157º e 159º, do CPEREF, que a resolução de atos do falido, terão que sê-lo na dependência do processo de falência e só podem ser resolvidos e impugnados em benefício da massa, nunca em benefício dum credor individual.

47ª- Mesmo a admitir-se, uma eventual viabilidade no prosseguimento dos objetivos da presente ação, no que ao segundo pedido concerne – o que não se concede – sempre seria no âmbito falimentar, que tal questão teria que ser dirimida, oportunamente, na fase processual própria, o que não se verificou, pelo que a presente ação, como se refere na douta sentença recorrida, respaldada na Jurisprudência (cfr. AUJ 1/2014, Ac. TRE de 05/05/2016, Proc. 1087/05.5TBALR-K.E1 e Ac. N.º 46/2014, do Tribunal Constitucional), se tornou “legal e supervenientemente inadmissível” e “legalmente impossível.”.

48ª- Na verdade e “in casu”, transitada que foi a sentença que declarou a falência do devedor, tal como transitada que foi a verificação de créditos, inclusivamente quanto ao A., e que ocorreu na ação falimentar, por força da finalidade do processo de falência, “enquanto execução de vocação universal”, no que tange aos bens do devedor (falido), deixa o credor de ter legitimidade para intentar ou continuar a ser parte numa qualquer ação movida contra aquele.

49ª- Consequentemente, tais ações (executiva e/ou declarativa), por si só e autonomamente, tornam-se, “in tottum”, “legal e supervenientemente inadmissíveis e legalmente impossíveis”.

50ª- Eventuais “credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos no processo de falência/insolvência, durante a pendência do processo e nos precisos termos do CPEREF”, como acontece com o recorrido, ao qual há muito lhe foi reconhecido o crédito que reclamou na falência, sem que em momento algum fosse, sequer, e por quem quer que fosse, questionado qualquer ato do falido e muito menos, de qualquer outro dos R.R./recorrentes, na presente ação.

51ª- Na senda do que se vem de alegar e concluir, verificando-se o nexo causal entre o 1º e 2º pedidos, carecendo, como carece, o recorrido de legitimidade para prosseguir na presente ação, tornando-se “legal e supervenientemente inadmissível” e “legalmente impossível” a instância, quanto ao primeiro pedido, também o é, quanto ao segundo pedido, tudo como doutamente foi decidido pelo Tribunal de 1ª Instância (art.º 277º, al. e), do C.P.C.).

52ª- Do vindo de alegar e concluir, tendo o Tribunal de 1ª Instância, interpretado, correctamente, os dispositivos legais, a que aludem os art.s 154º,156º, 157º, 159º e 160º, do CPEREF, art.s 286º, 546º, n.º 2, 605º e 277º, al. e), do C.P.C., e bem assim a doutrina e jurisprudência atinentes à matéria, neles se estribando aquela douta sentença, que não merece qualquer censura, deverá revogar-se o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto e manter-se, na íntegra, a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância, que o Tribunal “a quo” revogou.

53ª- Sempre se dirá, que existindo obstáculo legal ao prosseguimento da presente ação, quanto ao segundo pedido formulado pelo autor recorrido e segundo réu, dado o facto de o mesmo, já não deter, há muito, qualquer crédito nesta ação, deverá manter-se, na íntegra, a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância que julgou a instância superveniente inútil quanto ao primeiro pedido e legal e superveniente impossível, quanto ao segundo pedido, ambos formulados na ação, nos termos do disposto no art.º 277º, al. e), do C.P.Civil.

54ª- Face a tudo que se vem de alegar e das antecedentes alegações, deverá este Venerando Tribunal, julgar procedente o presente recurso de revista e, em consequência, revogar o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-04-2019, prolatado nos presentes autos, mantendo, na íntegra, a douta sentença da 1ª Instância, assim a repristinando, por não merecer censura, com o que se fará Justiça.

55ª- Assim é que, o douto acórdão, ao decidir como decidiu, violou o disposto no art.s 156º, 157º, 159º, 160º, do CPEREF e art.º 277º, al. e), do C.P.Civil”.


8. O autor apresentou contra-alegações, pretendendo a manutenção do Acórdão recorrido.


9. A presente revista é admissível, tendo em vista a alegada contrariedade do Acórdão recorrido com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. conclusão 47.ª das alegações), ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, e, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão central suscitada, e a decidir, na presente revista, é a seguinte:

- se o trânsito em julgado da sentença que decretou a falência do 1.º réu, BB, determina a impossibilidade superveniente da lide quanto ao 2.º pedido formulado na acção proposta pelo autor (o pedido de declaração de nulidade de certos negócios em que intervieram o falido e terceiros).


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que vêm provados no Acórdão recorrido são os que constam do relatório que antecede. Este relatório teve por base, nos pontos 1. a 5., o relatório elaborado pelo Tribunal da Relação do Porto [4], embora complementado e precisado em resultado da consulta directa dos autos.


O DIREITO

Antes de abordar a questão central, cumpre fazer uma referência à alegação dos recorrentes de que o actual autor, GG, ocupa simultaneamente o lugar da 3.ª ré, DD, sua mãe, e o lugar do autor originário, AA, seu pai, o que se lhes afigura processualmente inadmissível (cfr. conclusões 2 a 4 das alegações)[5].

A hipótese de o mesmo sujeito ocupar simultaneamente as posições de autor e de réu configuraria, ainda que havendo pluralidade de partes, uma situação anómala, contrária ao princípio da dualidade de lados[6].

Acontece, porém, que o comportamento de GG nos autos é claro quanto ao facto de ele ocupar – e pretender ocupar –, em exclusivo, a posição de autor. Veja-se, só no âmbito da revista, que ele apresenta contra-alegações, nelas invocando a sua qualidade de autor e agindo na defesa dos seus interesses enquanto autor. A isto acresce que, no requerimento de interposição de recurso, são os próprios recorrentes quem, expressamente, identifica GG como autor e dirige contra ele a oposição.

Não devem, pois, subsistir dúvidas quanto ao facto de GG ocupar exclusivamente a posição de autor e de que não se verifica a anomalia processual referida pelos recorrentes.


Prossegue-se para a apreciação da questão central do recurso.


Efeitos do trânsito em julgado da sentença de declaração de falência sobre a acção proposta pelo autor, no que respeita ao pedido de declaração de nulidade de certos negócios intervieram o falido e terceiros antes da declaração de falência

Alegam os recorridos, essencialmente, que o trânsito em julgado da sentença que decretou a falência do 1.º réu, BB, obsta à subsistência do 2.º pedido (pedido de declaração de nulidade de determinados negócios em que intervieram o falido e terceiros), devendo confirmar-se a decisão de impossibilidade superveniente da lide, proferida pelo Tribunal de 1.ª instância (tese exposta e sustentada ao longo das conclusões 5.ª a 55.ª das alegações).

Trata-se, em síntese, de saber se o trânsito em julgado da sentença de declaração de falência impede / impossibilita o prosseguimento deste tipo de acções.

O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresas e de Falência – diploma que regula o caso dos autos (cfr. artigo 12.º, n.º 1, do DL n.º 53/2004, de 18.03, que aprovou o Código da insolvência e da Recuperação de Empresas) – não disponibiliza uma resposta a esta questão.

Se não veja-se o que se dispõe no regime dos efeitos da falência em relação ao falido (cfr. artigos 147.º e s. do CPEREF) e, mais precisamente, no regime dos efeitos em relação aos negócios jurídicos do falido (cfr. artigos 151.º e s. do CPEREF). Encontra-se aí uma norma – a norma do artigo 154.º do CPEREF –, com a epígrafe “[a]pensação de acções e outros efeitos”, que regula os efeitos da declaração de insolvência sobre as acções – os efeitos da declaração de insolvência ditos “processuais”.

Aportando restrições aos poderes processuais dos credores, a norma concretiza o princípio par conditio creditorum[7]. Preceitua ela o seguinte:

1 - Declarada a falência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa falida, intentadas contra o falido, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, são apensadas ao processo de falência, desde que a apensação seja requerida pelo liquidatário judicial, com fundamento na conveniência para a liquidação.

2 - O disposto no número anterior não é aplicável às acções sobre o estado e a capacidade das pessoas.

3 - A declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”.

Não sendo, visivelmente, caso para aplicar o preceituado nos n.ºs 2 e 3 da norma, só poderia ser relevante o disposto no n.º 1. Sucede que, não obstante a acção correspondente ao pedido em causa nos autos ser uma acção de tipo declarativo, como as que são reguladas na norma, ela não é uma acção em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa falida mas sim uma acção em que se apreciam questões relativas à validade de certos negócios envolvendo o falido e terceiros. A norma e, logo, a medida nela prevista (curso da acção por apenso) não é, pois, aplicável a esta acção[8], cabendo descortinar o seu destino: prossegue ela depois da e apesar da declaração de falência (curso em paralelo e com autonomia relativamente ao processo de falência) ou, pelo contrário, deve extinguir-se?

Não existindo no CPEREF nenhuma norma que determine, em especial, a sua extinção na sequência da declaração de insolvência ou sequer na sequência do trânsito em julgado desta sentença, não resta senão crer que ela prossegue os seus termos excepto se e quando se demonstre que ocorreu alguma das causas gerais legalmente previstas para a sua extinção.

As causas gerais da extinção da instância estão elencadas no artigo 277.º do CPC. São elas, por um lado, o julgamento – a causa que José Alberto dos Reis classifica como “única causa normal de extinção da instância” – e, por outro lado, o compromisso arbitral, a deserção, a desistência, a confissão e transacção e, por fim, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide – as causas que a causa que José Alberto dos Reis classifica como “causas anormais ou excepcionais de extinção da instância”[9].

Verifica-se a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide [cfr. artigo 277.º, al. e), do CPC] quando em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, for patente que a decisão a proferir pelo julgador deixou de ter interesse, seja porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo (casos de impossibilidade), seja porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (casos de inutilidade)[10]. Nestes casos – mas apenas nestes casos – deve ser declarada a extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente.

Verificar-se-á no caso dos autos alguma destas situações? Será, designadamente, o trânsito em julgado da sentença declarativa de falência, ocorrido em 13.02.2017 (portanto durante a pendência da acção), um facto susceptível de originar a impossibilidade ou a inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao 2.º pedido?

A resposta deve ser negativa.

Como disse o Tribunal a quo, “nada [se] encontra[] no CPEREF que seja suscetível de ser interpretado, no sentido de estar vedado ao autor o prosseguimento da presente ação”. Significa isto que não se encontra nem nas normas e – saliente-se – nem nos princípios (escritos ou não escritos) que regulam o Direito da Falência argumentos que apontem para que o trânsito em julgado da sentença de declaração de falência deve tornar impossível ou sequer inútil o prosseguimento deste tipo de acções.

É verdade que, como salientam os recorrentes, o processo de falência tem uma vocação universal, sendo pautado pelo princípio par conditio creditorum (cfr., em especial, conclusões 15.ª, 23.ª a 28.ª, 43.ª, 48.ª e 50.ª), o que justifica, em última análise, certas limitações aos poderes processuais dos credores.

Existe, de facto, uma vis attractiva concursus, ou seja, um poder de atracção que o processo de falência exerce sobre as acções propostas ou a propor contra o falido, que faz com que estas devam, ex vi legis, “gravitar” na dependência do processo de falência (i.e., ser apensadas) ou mesmo ser postergadas, atendendo ao processo de falência (i.e., não possam ser propostas ou, estando em curso, devam ser suspensas), e, eventualmente, ser extintas a dada altura.

Acontece que, como se viu atrás, a acção para declaração de nulidade não faz parte das acções sobre as quais a lei prevê que recaiam aqueles efeitos: não se integra no grupo das acções legalmente sujeitas à apensação, por força do artigo 154.º, n.º 1, do CPEREF; não se integra na categoria das acções executivas que estão legalmente sujeitas à impossibilidade de instauração e à suspensão, por força do artigo 154.º, n.º 3, do CPEREF.

Em obediência do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do CC, deve presumir-se que esta delimitação foi deliberada, reflectindo o entendimento do legislador de que os efeitos se justificam apenas nos casos expressamente abrangidos e não, como afirmam os recorrentes, que o prosseguimento da acção só seria possível se houvesse alguma norma que, expressamente contemplasse tal situação (cfr. conclusão 37.ª)

A solidez da presunção legal é reforçada, in casu, quando se confrontam a finalidade da acção, no que respeita ao 2.º pedido, e a(s) finalidade(s) do processo de falência. Sendo a finalidade da acção, no que respeita ao 2.º pedido, a declaração de nulidade de certos negócios em que intervieram o devedor e terceiros e a finalidade principal do processo de falência o pagamento aos credores, diria alguém que aquela acção é impossível ou sequer inútil?

Dizem-no, apesar de tudo, os recorrentes. Entendem eles que a acção, nesta parte, é impossível porque, tendo o crédito do autor sido reclamado e verificado no processo de falência, ele já não detém qualquer crédito na presente acção (cfr., especialmente, conclusões 10.ª, 34.ª e 38.ª das alegações).

Como se disse acima, a finalidade da acção, no que respeita ao 2.º pedido, é a declaração de nulidade de certos negócios. Sendo o autor um credor do falido é natural que se pense de imediato no disposto no artigo 605.º do CC, como fazem os recorrentes. Segundo esta norma, os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, independentemente de estes serem anteriores ou posteriores à constituição do crédito e de os actos serem susceptíveis de produzir ou agravar a insolvência do devedor, posto que tenham interesse na declaração de nulidade.

Em comentário ao artigo 605.º do CC, dizem Pires de Lima e Antunes Varela que ““[e]m rigor, a doutrina deste artigo parece ser desnecessária em face do que está disposto, genericamente, no artigo 286.º. Tem legitimidade nos termos deste último artigo, para a acção de nulidade (…), qualquer interessado, e os credores são interessados nas respectivas declarações[11] [12]. Concluem os autores que o artigo não é, afinal, completamente inútil, vindo esclarecer certas dúvidas – mas só certas dúvidas –, designadamente, quanto à legitimidade do credor ser independente da susceptibilidade de os actos provocarem ou agravarem a insolvência do devedor.

Quer dizer: se alguma coisa aporta à disciplina geral da nulidade (da qual resulta – recorde-se – que “[a] nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”), o artigo 605.º do CC confirma ou reforça a ideia de que, como qualquer outro sujeito, também o credor tem legitimidade para a acção. A qualidade de credor não é, pois, necessária, sendo o único requisito, comum a todos os sujeitos, a titularidade de um interesse na declaração de nulidade.

Ora, é indiscutível que o autor tem um interesse na declaração de nulidade. Isto porque, ao contrário do que parecem pensar os recorrentes, é indiscutível que o autor é credor do falido. Tendo o crédito sido reclamado e reconhecido no processo de falência, mais do que credor, ele é um credor reconhecido, o que significa que o credor concursual se transformou em credor concorrente[13], ou seja, adquiriu o direito de ser pago proporcionalmente pelo produto da venda da massa falida (cfr. artigo 604.º, n.º 1, do CC). Como credor (credor reconhecido), ele tem um interesse concreto na declaração de nulidade, porquanto, por efeito desta, o bem poderá regressar ao património do falido (cfr. artigo 289.º, n.º 1, do CC) e isso torna mais provável a satisfação do seu crédito.

Não deixa de se notar – com o intuito de esclarecimento – que os recorrentes parecem, por vezes, identificar os dois pedidos formulados na acção (cfr., por exemplo, conclusão 30.ª das alegações). Ora, aquilo que está em discussão no 2.º pedido não é o crédito detido pelo autor, mas sim a nulidade de certos negócios em que intervierem o devedor e terceiros e aquilo que o autor pretende, através do 2.º pedido, não é o reconhecimento do seu crédito mas sim a declaração de nulidade dos negócios. Na primeira hipótese é equacionável, a partir de certa altura, a inutilidade superveniente da lide[14], mas não na segunda.

Outras vezes, estabelecem os recorrentes um nexo de dependência entre os dois pedidos: sendo inútil o primeiro pedido (não sendo o crédito reconhecido na acção), o segundo tornar-se-ia impossível (cfr., por exemplo, conclusão 51.ª das alegações). Ora, como já se viu, a legitimidade para o pedido de declaração de nulidade não pressupõe a qualidade de credor; pressupõe apenas o interesse do sujeito na declaração. Seja como for, e como também já se viu, tendo o crédito sido reconhecido no processo de insolvência, não falta ao autor a qualidade de credor e, sobretudo, não lhe falta o interesse em agir, que é a única condição para a sua legitimidade processual. Repete-se: o reconhecimento do crédito no processo de insolvência torna inútil, a certa altura, o 1.º pedido, mas, no que respeita ao 2.º pedido, aquele reconhecimento, se alguma coisa, só facilita.

Sustentam ainda os recorrentes que o tipo de acções em causa é reconduzível aos instrumentos legalmente dispostos contra os actos prejudiciais à massa. No recurso a estes instrumentos, o liquidatário judicial tem uma legitimidade processual activa “preferencial”, uma vez que é ele quem actua no interesse de todos os credores, não sendo possível, tão-pouco por esta razão, aquela acção prosseguir (cfr., em particular, conclusões 39.ª, 40.ª, 44.ª e 46.ª das alegações).

É verdade que a lei da falência prevê dois instrumentos especiais para reagir contra os negócios prejudiciais à massa praticados pelo devedor antes da declaração de falência (no “período suspeito”): resolução em beneficio da massa (cfr. artigos 156.º, 159.º e 160.º do CPEREF) e a impugnação pauliana (“pauliana colectiva”, na versão do CPEREF[15]) (cfr. artigos 157.º a 160.º do CPEREF). E é verdade que a acção para declaração de nulidade proposta por credores é regulada em especial entre os meios de conservação da garantia patrimonial (cfr. artigo 605.º do CC), a par da impugnação pauliana (cfr. artigos 610.º e s. do CC), sendo quase irresistível, por causa disso, aproximá-las. Mas, primeiro, a acção para declaração de nulidade não é um instrumento exclusivo dos credores[16], sendo, como se viu, o artigo 605.º do CC uma mera explicitação da regra do artigo 286.º do CC. Depois, os pressupostos e as finalidades dos instrumentos não coincidem[17].

Concentrando a atenção, em exclusivo, nas finalidades, de imediato se vê que, tanto a resolução em benefício da massa como a impugnação pauliana visam resultados diferentes da acção para declaração de nulidade, não sendo admissível dizer que o recurso a umas preclude o recurso à outra ou que o interesse que justifica o recurso a umas se esvazia com o recurso à outra e vice-versa. A resolução em benefício da massa e a impugnação pauliana determinam que certos actos praticados pelo falido não produzam os seus efeitos relativamente à massa, deixando incólume a sua validade. Ora, o que se pretende com a acção para declaração de nulidade é, justamente, que certos negócios – negócios em que não interveio apenas ou isoladamente o falido – sejam declarados inválidos (nulos). Isto basta para demonstrar que existe uma diversidade funcional e de alcance entre os dois tipos de instrumentos, para demonstrar que um eventual recurso, por parte do liquidatário judicial ou dos credores[18], à resolução em benefício da massa ou à impugnação pauliana não só nunca tornaria impossível ou ilógico o prosseguimento daquela acção como nunca lhe retiraria a utilidade[19].

Diga-se, a terminar, que o prosseguimento da acção no que toca ao pedido de declaração de nulidade em nada belisca o carácter universal do processo de falência, consignando-se no n.º 2 do artigo 605.º do CC que “[a] nulidade aproveita não só ao credor que a tenha invocado, como a todos os demais”. Quer dizer: se a acção for julgada procedente, os benefícios aproveitam a todos os credores do falido – o que é mais uma razão, agora no plano estritamente prático, favorável ao seu prosseguimento.

Em conclusão, a decisão do Tribunal da Relação do Porto, em sentido favorável ao prosseguimento da acção relativamente ao 2.º pedido formulado, não merece censura e, ao contrário do que foi alegado (cfr. conclusão 52.ª das alegações), muito menos comporta violação das normas dos artigos 156.º, 157.º. 159.º e 160.º do CPEREF e do artigo 277.º, al. e), do CPC.



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III. DECISÃO


Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pelos recorrentes.


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LISBOA, 7 de Novembro de 2019


Catarina Serra (Relator)

Bernardo Domingos

João Bernardo

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[1] Embora a acção tenha sido proposta contra 5 réus os pedidos vêm formulados, na petição inicial, por casal. Assim, o casal constituído pelo 1.º réu e pela 2.ª ré é designado “1.ºs réus”, sendo, em consequência, a 3.ª ré referida como “2.ª ré” e o casal constituído pelo 4.º réu e pela 5.ª ré referido como “3.ºs réus”. A fórmula foi adoptada noutros pontos dos autos, nomeadamente no relatório elaborado pelo Tribunal da Relação.
[2] Sentença de habilitação proferida em 3.02.2006 (fls. 14 e 15), confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.09.2006 (fls. 83 e s. do Apenso de Habilitação de Herdeiros).
[3] Sentença de habilitação proferida em 21.01.2005 (fls. 95 e 96 do Apenso de Habilitação de Herdeiros).
[4] Dando o Tribunal da Relação do Porto nota de que o Tribunal de 1.ª instância não havia elaborado relatório.
[5] Configurando tal alegação a invocação de uma excepção dilatória – a excepção dilatória de ilegitimidade processual [cfr. artigo 577.º, al. e), do CPC] –, está em causa uma questão de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 578.º do CPC. Não pode, portanto, acolher-se o raciocínio do recorrido, de que, tratando-se de uma questão nova, não seria possível abordá-la na presente revista.
[6] Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9.03.2010, Proc. 121/08.1TBANS.C1 (disponível em http://www.dgsi.pt), “a actuação do tribunal pressupõe um conflito de interesses e a resolução deste tem de ser pedida por quem ocupa (por todos e cada um dos que ocupam) a posição de A. (artigo 3º, nº 1 do CPC). Aliás, a legitimação como A. pressupõe um interesse directo em demandar (artigo 26º, nº 1 do CPC) face à construção de partida da lide, situação de todo ausente relativamente a quem é titular – isso sim, como de facto aqui sucede – do interesse (antagónico) em contradizer próprio da posição de R., face à relação jurídica configurada na petição inicial”. Cfr., mais recentemente, ipsis verbis no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.02.2019, Proc. 1222/16.8T8VIS-C.C1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[7] Cfr. Catarina Serra, Falências derivadas e âmbito subjectivo da falência, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 19-20 (nota 5).
[8] Em qualquer caso, a apensação teria de ser requerida pelo liquidatário judicial, com fundamento na conveniência para a liquidação da massa. Classificou-se esta exigência como “um tanto desnecessária”, dado o critério usado para delimitar as acções sujeitas à apensação [cfr. Catarina Serra, “Efeitos da declaração de falência sobre o falido (apos a alteração do DL n.º 315/98, de 20 de Outubro, ao Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência)”, in: Scientia Ivridica, 1998, n.ºs 274/276, p. 289].
[9] Cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3-º, Coimbra, Coimbra editora, 1946, pp. 364 e s.
[10] Cfr., neste sentido, por outras palavras, José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre [Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), p. 561.
[11] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I (Artigos 1.º a 761.º), Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 621.
[12] Comentando também o artigo 605.º do CC, Ana Prata [in: Código Civil Anotado, volume I (Artigos 1.º a 1250.º), Coimbra, Almedina, 2017, p. 783] diz o mesmo por outras palavras: “face ao art. 286.º, este artigo afigura-se pleonástico: havendo interesse de um credor (terceiro interessado), tem este legitimidade para interpor a ação de nulidade”.
[13] A distinção entre credores concursuais e credores concorrentes é inspirada numa concepção antiga, amplamente difundida na doutrina italiana De acordo com ela, o credor concursual, para se tornar credor concorrente, precisa de cumprir dois requisitos: reclamar o crédito na forma e no prazo legalmente estabelecidos e obter o seu reconhecimento [cfr., por todos, Gustavo Bonelli, Commentario al Codice di Commercio, volume VIII (Del fallimento), Parte II, Milano, Vallardi, s.d., p. 195]. Para mais desenvolvimentos cfr. Catarina Serra, A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito – O problema da natureza do processo de liquidação aplicável â insolvência no Direito português, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 92 (nota 251).
[14] No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8 de Maio de 2013, proferido já no quadro do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência no sentido de que [t]ransitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 277.º do CPC” (sublinhados nossos). Cfr., para a discussão da questão no quadro da lei vigente e, em particular, do artigo 85.º, n,º 1, do CIRE (que tão-pouco contempla expressamente este tipo de acções) e pata um comentário àquele Acórdão, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Coimbra Editora, 2018, pp.198 e s.
[15] A expressão é de Adriano Vaz Serra, "Responsabilidade patrimonial", Boletim do Ministério da Justiça, n.º 75, 1958, p. 287. Diz-se colectiva, por oposição a individual, a impugnação pauliana que se realiza em benefício da massa insolvente, aproveitando os seus efeitos a todos os credores
[16] Cfr., também neste sentido, por exemplo, Maria de Fátima Ribeiro (in: Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2018, p. 676.
[17] Sobre os pressupostos e as finalidades da resolução em benefício da massa e da impugnação paulina reguladas no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência cfr., com algum detalhe, Catarina Serra, “Efeitos da declaração de falência sobre o falido (após a alteração do DL n.º 315/98, de 20 de Outubro, ao Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência)”, cit., pp. 292-298.
[18] Note-se que, diversamente do que se dispõe hoje no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a resolução em benefício da massa e a impugnação pauliana reguladas no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência tanto podem ser propostas pelo liquidatário judicial como pelos credores com créditos reconhecidos (cfr. artigo 160.º, n.º 1, do CPEREF).
[19] Resolvendo o caso (distinto) em que a acção para declaração de nulidade de certos negócios é proposta posteriormente à declaração de insolvência, afirma-se, ainda assim, em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2016, Proc. 465/14.3TBMAI-A.P1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt) que não há obstáculo ao prosseguimento daquela acção; se os negócios fossem objecto de resolução em benefício da massa pelo administrador da massa insolvente em favor desta o problema sempre seria resolvido nos termos gerais dos artigos 269º e s. do CPC.