Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
117/14.4TTLMG.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - TRIBUNAIS JUDICIAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA / TRIBUNAIS DO TRABALHO.
Doutrina:
- Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, 117-118.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 91.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 212.º, N.º 3.
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, APROVADO PELA LEI N.º 13/2002, DE 19 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 1.º, N.º 1.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ): - ARTIGO 85.º.
LEI N.º 12-A/2008, DE 27 DE FEVEREIRO): - ARTIGOS 83.º, 118.º, N.º7.
LEI N.º 59/2008, DE 11/9: - ARTIGOS 17.º, N.º 2, 23.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14-5-2009, WWW.DGSI.PT ;
-DE 12-09-2013, PROCESSO Nº. 204/11.0TTVRL.P1.S1, E DE 18-06-2014, PROCESSO N.º 2596/11.2TTLSB.L1.S1, AMBOS DESTA 4.ª SECÇÃO, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .

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TRIBUNAL DE CONFLITOS:
-ACÓRDÃO DE 30-10-2013, PROFERIDO NO CONFLITO N.º 37/13.
Sumário :
I - A determinação do tribunal materialmente competente radica na estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal, segundo a versão apresentada pelo autor, isto é, tendo em conta a pretensão concretamente formulada e os respectivos fundamentos.

II - Na petição inicial, o A. configura o vínculo estabelecido entre as partes (iniciado em 1/6/2006) como contrato individual de trabalho, contrato donde derivam todos os pedidos formulados pelo mesmo.

III – É certo que o nº 2 do art. 17.º da Lei 59/2008, de 11/9, estabeleceu a transição dos trabalhadores das modalidades de nomeação e de contrato de trabalho para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, e segundo o art. 83º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (norma que entrou em vigor em 01.01.2009, conforme preceituado no seu art. 118.º, nº 7, e no art. 23.º da Lei 59/2008), os Tribunais Administrativos são os normalmente competentes para apreciar os litígios emergentes de relações jurídicas desta natureza.

IV – No entanto, pretendendo o autor exercitar direitos que, em grande parte, se reportam a período anterior a 01.01.2009, período em que, segundo alega, entre as partes vigorava um contrato de trabalho, não pode deixar de estender-se a competência do Tribunal do Trabalho à totalidade das questões que nos autos estão em causa, nos termos do art. 85.º, alínea o), da LOFTJ, dada a conexão de dependência que se verifica entre a temática da qualificação dos contratos celebrados e os restantes pedidos deduzidos contra o R.
Decisão Texto Integral:

      Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lamego, uma acção com processo comum laboral contra

Município de BB, pedindo que seja declarado que trabalhou para o réu ao abrigo dum contrato de trabalho, e que foi ilicitamente despedido. Em consequência, pede que este seja condenado a pagar-lhe:

a) € 9.599, a título de indemnização de antiguidade;
b) € 10.000, a título de indemnização por danos morais;
c) € 18.000, a título de férias, subsídios de férias e subsídio de Natal, por todo o tempo de trabalho prestado;
d) o montante correspondente às retribuições que normalmente teria auferido desde 30 dias antes da propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da sentença.

Alegou para tanto que, no dia 1 de Junho de 2006, foi admitido ao serviço do réu para exercer funções na área da animação cultural da autarquia, contrato que foi reduzido a escrito sob a designação de “contrato de prestação de serviço”, formalização renovada em 6 de Fevereiro de 2009, por imposição do réu. Apesar disso, o autor sempre trabalhou como qualquer outro funcionário da autarquia, o que significa que a realidade correspondia a um verdadeiro contrato individual de trabalho. De qualquer forma, deixou de trabalhar para o réu na sequência duma comunicação que recebeu deste a prescindir dos seus serviços a partir de 31 de Dezembro de 2013, o que configura um verdadeiro despedimento sem justa causa, e lhe confere o direito à indemnização de antiguidade, pela qual opta em substituição da reintegração, a qual deve ser fixada no seu montante máximo em virtude do despedimento ter sido determinado por motivos políticos.

Alegou ainda que o despedimento lhe causou danos não patrimoniais graves e que o réu nunca lhe pagou o que quer que fosse a título de férias, subsídios de férias e de Natal.

O réu contestou, deduzindo defesa por impugnação e por excepção, sendo esta focada na incompetência material do tribunal. Para tanto, alegou que, mesmo que a situação do A integre um contrato de trabalho, estar-se-á perante um contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, para a apreciação do litígio, são competentes os tribunais administrativos.

O autor apresentou resposta, pugnando pela competência do tribunal do trabalho.

Proferido despacho saneador, foi o R absolvido da instância por se ter considerado o tribunal incompetente em razão da matéria.

Inconformado, apelou o A tendo o Tribunal da Relação de Coimbra deliberado em “julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, declarando o tribunal recorrido (agora o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu — Secção de Instância Central — 2.ª Secção do Trabalho com sede em Lamego) o competente para apreciar a presente acção.”

Irresignado, traz-nos o R revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. A decisão da primeira instância considerou absolutamente incompetente em razão da matéria e, consequentemente absolveu da instância o R. agora recorrente
2. Por sua vez, a decisão recorrida revogou aquela decisão considerando que a Lei nº 12-A/2008, de 27/2, e a Lei nº 59/2008, de 11.9, tem aplicação mesmo em relação a vínculos estabelecidos em data anterior ao início da sua vigência, convolando-se em contrato de trabalho de funções públicas; sendo o Tribunal de trabalho competente para apreciar os pedidos formulados que se reportarem até àquele período - 31-02-‑2008 (sublinhado nosso) ou seja, os respeitantes ao período de vigência assinalado, mesmo que, eventualmente, haja necessidade de aplicar normas de direito público.
3. A decisão do Tribunal da Relação de Coimbra apoiou-se no Ac. do T.R. Porto de 28.4.2014.
PORÉM,
4. Este douto acórdão, reportou-se a uma situação factual reportada à data de 6.7.2012., o qual tem subjacente uma razão quantitativa, pois refere expressamente que é o Tribunal materialmente competente para julgar os pedidos formulados reportados a um período temporal que decorre de na sua grande maioria ao período de vigência da lei laboral, referindo expressamente os mesmos considerando que são de valor não despiciendo ... 
5. O que não sucede no presente, pois reportado ao período invocado de 1 de Junho de 2006 a 31 de Dezembro de 2013 e, nesse raciocínio, tendo entrado em vigor a lei número 12 - A / 2008 de 27 / 2 em 1 de Janeiro de 2009, os factos cujo pedido é reportado substancialmente na vigência da lei nº 12 - A /2008 de 27.02.
6. Contrariamente ao invocado, o AC. da R.P. de 28 do 4 de 2014 e no qual se apoiou para decidir como o fez, e em contrário ainda ao decidido no Ac. da Relação do Porto de 21-05-2012 - processo nº 187/11.7TTOAZ-A.P1 do TRP, in IRIJ, e no AC. do TR Porto de 3.11 2014 no processo número 45/14.3 TILMG-P1 e ainda o Ac do STJ de 18.06.2014 proferido no âmbito do processo número 2596/11.2 TILV. L1 in, DGS1, na esteira do citado acórdão da relação do Porto de 28.04.2014 (citado da douta decisão agora recorrida) defende a competência dos tribunais de trabalho, quando" em grande parte se reportam a pedidos anterior a 01.01.2009" ....
7. O que não ocorre no nosso caso.
8. Com efeito, nos termos da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro e na Lei 59/2008, de 11 de Setembro estes contratos de trabalho foram convertidos em contratos de trabalho em funções públicas, desde 1 de Janeiro de 2009.
9. Por isso, na versão do A. a ser um contrato de trabalho e não de prestação de serviços, também por aqui somos levados a afirmar que os litígios emergentes de contrato de trabalho em funções públicas são da competência dos tribunais administrativos.
10. A alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no seu art. 4.º refere: “( ... }A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.”
11. O âmbito da jurisdição administrativa e fiscal consta do art. 4º do ETAF (L. 13/2002 de 19/2).
12. Assim é que, na redacção dada pelo art. 10º da L. 59/2008, de 11/9 (que aprovou o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas - RCTFP), o art. 4º nº 3 al. d) do ETAF passou a dispor: "Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contrato de trabalho em funções públicas",
13. O Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, reafirmado no art.º 17º, nº 2 da L. 59/2008, começa precisamente pela expressão (sem prejuízo do disposto no art. 109º da lei nº 12- A/2008 ... ".
14. Aceitar que apesar da conversão é aos Tribunais de Trabalho que compete o julgamento de relações laborais dessa forma convertidas é desvirtuar por completo a ratio que esteve no cerne da redacção da Lei que determinou a reconversão de tais relações laborais e que procurou atribuir a competência aos Tribunais Administrativos de todos os contratos de trabalho de funções públicas.
15. Com efeito, a relação jurídica que se estabeleceu entre as partes converteu-se em contrato de trabalho em funções públicas, gozando da estabilidade inerente ao provimento na função pública, tanto mais que lhe é aplicável o estatuto disciplinar a ela respeitante, conforme resulta do artigo 17º, nº 2 da Lei 52/2008 de 11/9 e da Lei 12-A/2008 de 27/2.
16. Conforme resulta do artigo 83º da Lei nº 12-N/2008, os Tribunais Administrativos são os competentes para apreciar os litígios emergentes desta relação jurídica de emprego público, norma que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009, face ao que resulta do artigo 118º, nº 7 da Lei 12-N/2008 e do artigo 23º da Lei 59/2008 de 11/9.
Pede assim que se julgue procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, que viola, por erro de interpretação, o disposto nos art.s 10º, 17º e 83º da L. 59/2008, de 11/9 (que aprovou o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas - RCTFP), e o art. 4º, nº 3 al. d) do ETAF.
O recorrido não alegou.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto proficiente parecer onde conclui pela improcedência da revista.   

Cumpre pois decidir.

2----

Discute-se na revista se é o Tribunal do Trabalho o competente para julgar o litígio dos autos, ou se esta competência pertence aos Tribunais Administrativos e Fiscais.

É entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade[1]. E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja, pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.

Foi neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.

É também esta a orientação do Tribunal de Conflitos, conforme se colhe do acórdão de 30.10.2013, proferido no Conflito n.º 37/13, donde se conclui que “é pois a estrutura da causa apresentada pela parte que recorre ao tribunal que fixa o tema decisivo para efeitos de competência material, o que significa que é pelo quid decidendum que a competência se afere, sendo irrelevante qualquer tipo de indagação atinente ao mérito do pedido formulado, ou seja, sendo irrelevante o quid decisum.

Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial e do respectivo pedido que deveremos decidir da questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.

      Ora, o A pede que seja declarado que trabalhou para o réu em cumprimento de um contrato de trabalho, e que foi ilicitamente despedido. E nesta linha pede que o R, Município de BB, seja condenado a pagar-lhe várias quantias, provenientes de indemnização de antiguidade, indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do invocado despedimento, retribuições vencidas após a propositura da acção e férias, subsídios de férias e subsídios de Natal por todo o tempo de trabalho prestado e que o R nunca satisfez.

Como suporte destes pedidos, alegou que, no dia 1 de Junho de 2006, foi admitido ao serviço do réu para exercer funções na área da animação cultural da autarquia, e que apesar deste contrato ter sido reduzido a escrito sob a designação de “contrato de prestação de serviço”, sempre exerceu funções como trabalhador subordinado da autarquia, sustentando por isso, que esta realidade corresponde a um verdadeiro contrato individual de trabalho.

O R contrapôs que, a vingar a tese do A, estaremos perante um contrato de trabalho em funções públicas, cabendo a competência para o julgamento deste tipo de litígios aos tribunais administrativas, tese que foi sufragada pela 1ª instância.

Em sentido diverso se orientou a decisão recorrida, invocando para tanto o regime estabelecido nas alíneas b) e o) do art. 85.º da LOFTJ, que atribuem ao tribunal do trabalho a competência para apreciar as questões emergentes de relações de trabalho subordinado e as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente.

A esta posição da Relação, contrapõe o recorrente que, a estarmos perante um contrato de trabalho e não de prestação de serviço, conforme sustenta o A, mesmo assim o litígio é da competência dos tribunais administrativos, pois os contratos de trabalho com o Estado e outros entes públicos como as autarquias locais, foram convertidos em contratos de trabalho em funções públicas, a partir de 1 de Janeiro de 2009, face ao regime resultante da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e da Lei 59/2008, de 11 de Setembro.
Colocando-se a questão nestes termos, vejamos então como decidir.
2.1---


Os tribunais do trabalho são tribunais de competência especializada, constando do artigo 85º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) o âmbito da sua competência cível, avultando pela sua importância, as questões emergentes de contratos de trabalho.

Por seu turno, e conforme previsto no artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aos Tribunais Administrativos e Fiscais compete o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

E conforme advoga Fernandes Cadilha “por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (…)”[2].

Em síntese, a jurisdição administrativa tem competência para a apreciação dos litígios com origem na Administração pública lato sensu e que envolvam a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo.

Ora, o autor configura o vínculo celebrado com o réu em 1 de Junho de 2006, como contrato de trabalho, apesar de formalizado sob o “nomen iuris” de contrato de prestação de serviço, pedindo que o tribunal o qualifique como uma relação de trabalho subordinado e que condene o R nas consequências jurídicas dum despedimento ilícito e no pagamento das férias subsídio de férias e Natal que nunca recebeu.

A 1ª instância caracterizou esta situação como uma relação jurídica administrativa, em virtude do contrato ter evoluído de um contrato individual de trabalho para um contrato de trabalho em funções públicas, pois as relações jurídicas de trabalho subordinado constituídas entre um ente público e um privado antes de 01-01-2009, deveriam convolar-se, a partir desta data, em contrato de trabalho em funções públicas, conversão legal operada pelos artigo 17.º, n.º 2, da Lei 59/2008, de 11/9, e artigos 88.º e seguintes e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

E por esta razão, decidiu que a competência para apreciar o litígio pertence aos Tribunais Administrativos, em conformidade com o disposto no art. 4.º n.º 3, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

A Relação divergiu dessa posição, argumentando que:

“…temos que observar que até àquela data de 01-01-2009 e tratando-se de contrato individual de trabalho sempre seria o tribunal do trabalho o tribunal materialmente competente para julgar os pedidos formulados que se reportam ao período de vigência do contrato entre 1 de Junho de 2006 e 31 de Dezembro de 2008.

Na verdade, mesmo que se considere que desde 1 de Junho de 2006 existiu entre as partes um contrato de trabalho, a partir de 01.01.2009 tal relação jurídica converteu-se numa relação jurídica de emprego público, nos termos do art. 17.º, n.º 2, da Lei 59/2008, de 11/9, e da Lei 12-A/2008 de 27/2.

E também é certo que, segundo o art. 83º deste último diploma, os Tribunais Administrativos são os competentes para apreciar os litígios emergentes desta relação jurídica de emprego público, norma que entrou em vigor em 01.01.2009, nos termos do preceituado no art. 118.º, nº 7, da Lei 12-A/2008, e no art. 23.º da Lei 59/2008.

No entanto, por via da presente acção, o A vem exercitar direitos que em grande parte se reportam a período anterior a 01.01.2009, período em que entre as partes vigorava uma relação contratual regulada pela lei laboral comum.

Na verdade, a relação contratual invocada foi estabelecida em 2006 entre um particular e uma pessoa colectiva pública, no caso um órgão da administração autárquica, sendo que em 01-01-2009 entrou em vigor a Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas), cujo art. 2.º que rege sobre o âmbito de aplicação subjectivo dessa lei, dispõe que “é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções” e “é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo”. O seu artigo 3.º dispõe, por sua vez, que “é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado” e “é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos do governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas”.

O art. 9.º, n.º 1 estabelece como uma das modalidades da relação de emprego público o contrato de trabalho em funções públicas, sendo que este, por sua vez, reveste as modalidades de “contrato por tempo indeterminado” e de “contrato a termo resolutivo, certo ou incerto” (art. 21º, n.º 1). Em relação aos trabalhadores já vinculados directa ou indirectamente ao Estado, aos serviços das administrações regionais e autárquicas e a outros serviços mencionados no seu art. 3.º, aquele diploma estabelece no artigo 88º, que se reporta à transição de modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, que “[o]s actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º,  mantêm o contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei”.

E o n.º 2 do art. 17.º da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro (que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas) estabeleceu que “[s]em prejuízo do disposto no artigo 109.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato”.

Assim, as relações jurídicas de trabalho subordinado constituídas entre um ente público e um privado antes de 01-01-2009, deveriam convolar-se em contrato de trabalho em funções públicas, em virtude da conversão legal operada pelos artigos 88.º e seguintes e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Por outro lado, em conformidade com o disposto no art. 4.º, n.º 3, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, também o 83.º n.º 1 da Lei 59/2008, de 27/02 refere que “[o]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público”.

Poderíamos assim concluir – embora isso seja matéria respeitante ao mérito da causa e que, no âmbito deste recurso, não nos cabe decidir em definitivo – que, no quadro dos factos alegados pelo autor, o alegado contrato de trabalho celebrado com o réu em 2006, regulado pelo Código do Trabalho, passou a ser regido, a partir de 01-01-2009, por normas de direito público referentes a relações de emprego público.

Foi este o caminho seguido pelo tribunal a quo para considerar a competência dos tribunais administrativos.

Todavia, divergindo dessa posição, temos que observar que até àquela data de 01-01-2009 e tratando-se de contrato individual de trabalho, sempre seria o tribunal do trabalho o tribunal materialmente competente para julgar os pedidos formulados que se reportam ao período de vigência do contrato entre 1 de Junho de 2006 e 31 de Dezembro de 2008.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-4-2014 (relatora: Maria José Costa Pinto; in www.dgsi.pt, proc. 242/13.7TTVLG-A P1), citado pelo apelante e que têm a nossa inteira concordância, ainda que as relações contratuais se tenham convertido numa relação de trabalho subordinado de natureza administrativa com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2008, de 11/9, mesmo assim o Tribunal do Trabalho seria materialmente competente para apreciar os referidos pedidos (respeitantes ao período de vigência assinalado), face ao disposto na alínea b) do artigo 85.º, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, em vigor na data da propositura da acção.

Ora, seguindo a orientação do mesmo Acórdão, importa notar que o autor nesta acção formula o pedido de condenação do réu no pagamento de retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes, para além do mais, ao indicado período de vigência do contrato (até 31-12-2008).
Pelo que importa também notar o estabelecido nas als. b) e o) do art. 85.º daquela Lei n.º 3/99, quando atribuem ao tribunal do trabalho a competência para apreciar “as questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho” e as “as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente” [tendo sempre presente que o artigo 4.º n.º 3 do ETAF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro, mantém que fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a “apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas”].

Ou seja, observando-se que o autor formula pedidos para os quais em parte o tribunal do trabalho é directamente competente, então no caso dos autos importa reconhecer (atenta a unidade da relação contratual que é causa de pedir na acção) que – como se refere no Acórdão citado e que acompanhamos - no que diz respeito aos demais pedidos, é igualmente competente o Tribunal do Trabalho para os apreciar nos termos do disposto na alínea o) do art. 85.º da Lei n.º 3/99, em face da conexão específica de dependência que se verifica entre todos os pedidos e a questão da qualificação da laboralidade do contrato. Ou seja, citando o mesmo Acórdão, “o Tribunal do Trabalho é directamente competente para apreciar os pedidos referentes ao período em que a relação de trabalho se encontrava inequivocamente sujeita à lei laboral comum e, por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea o) do artigo 85.º da LOFTJ, mantém a competência material para apreciar os demais pedidos em que, eventualmente, haja necessidade de aplicar normas de direito público” (sublinhado nosso).”

 
Também aderimos a esta posição da Relação que acompanha a jurisprudência deste Supremo Tribunal nesta matéria, vendo-se nomeadamente os acórdãos de 12-09-‑2013, processo nº. 204/11.0TTVRL.P1.S1, e de 18-06-2014, Recurso n.º 2596/11.2TTLSB.L1.S1, ambos desta 4.ª Secção[3].

Efectivamente, na petição inicial o A. configura o vínculo estabelecido entre as partes (com início em 1/6/06) como contrato individual de trabalho, pedindo ao tribunal que assim o qualifique, pretensão donde emergem os restantes pedidos que deduziu contra o R.   
É certo que o nº 2 do art. 17.º da nº Lei 59/2008, de 11/9, estabeleceu que “[s]em prejuízo do disposto no artigo 109º da Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para suportar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato”.  
E é certo também que, segundo o art. 83º deste último diploma, os Tribunais Administrativos são os competentes para apreciar os litígios emergentes desta relação jurídica de emprego público, norma que entrou em vigor em 01.01.2009, nos termos do preceituado no art. 118.º, nº 7, da Lei 12-A/2008, e no art. 23.º da Lei 59/2008.
No entanto, vindo o A exercitar, por via desta acção, direitos que em grande parte se reportam a período anterior a 01.01.2009, nomeadamente a qualificação do contrato que vigorou até esta data, bem como o pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos até àquela data, a jurisdição laboral é a competente para conhecer dos mesmos, por estar em causa uma relação de trabalho que ainda não se tinha convertido numa relação de natureza administrativa.
E por isso, a competência para a sua apreciação só pode pertencer ao Tribunal do Trabalho, nos termos da alínea b) do artigo 85º das LOFTJ.
Quanto ao período posterior, dada a indissociável conexão existente entre as matérias em discussão, não pode deixar de estender-se a competência do Tribunal do Trabalho, nos termos do art. 85.º, alínea o), da LOFTJ, pois a estes compete conhecer “das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade e dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”.
Por isso, e tendo em conta os termos da pretensão do autor e respectivos fundamentos – qualificação dos contratos de prestação de serviço como um contrato de trabalho subordinado, bem como o pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal - matérias para as quais o Tribunal do Trabalho é competente por força da alínea b) do artigo 85º da LOFTJ, esta competência arrasta o conhecimento das demais questões para o âmbito dos tribunais do trabalho, nos termos do art. 85.º, alínea o) da LOFTJ, atenta a conexão de dependência entre as questões a decidir.
Assim sendo, e improcedendo todas as conclusões do recorrente, temos de confirmar o acórdão impugnado.

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      Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista, pelo que se mantém a decisão recorrida que declarou o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu — Secção de Instância Central — 2.ª Secção do Trabalho com sede em Lamego o competente para apreciar a presente acção.

            Custas a cargo do R

            Anexa-se sumário do acórdão

Lisboa, 16 de Junho de 2015

            Gonçalves Rocha (Relator)

            Leones Dantas

            Melo Lima

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[1] Noções Elementares de Processo Civil, pgª 91
[2] Cfr. Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, págs. 117-118.
[3] Acessíveis em www.stj.pt (base de dados).