Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
557/06.2TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
Data do Acordão: 01/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Sumário : 1. Não se verificando qualquer das excepções previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 754.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a revista não é admissível quanto ao segmento do acórdão da Relação que revogou a condenação da autora como litigante de má fé.
2. Se a acção tem por fundamento a ilicitude do despedimento e o não pagamento de retribuições, não é admissível a reconvenção que emerge de factos que servem de fundamento à defesa e assenta numa causa de pedir específica, diferente das que constituem o fundamento da acção.
3. Tendo a autora, que desempenhava funções directivas proeminentes, utilizado um computador portátil da ré, «em seu benefício pessoal e do seu agregado familiar», instalado naquele equipamento software não licenciado e que nada tinha a ver com a actividade da ré, invocado, sem que tal correspondesse à verdade, que o computador lhe fora atribuído por um anterior presidente da direcção, não cumprindo, por duas vezes, a ordem dada pelo director-geral da ré de o devolver, desconsiderando a informação de que o mesmo «fazia falta à ré», sendo que, no tocante à generalidade das Divisões da ré, cuja actividade lhe competia promover, coordenar e acompanhar, não realizou qualquer reunião desde Julho de 2004, não providenciou pela aprovação dos regulamentos internos respectivos e, pelo menos nos anos mais recentes, não convocou as empresas do sector para dinamizar as actividades, além de violar os deveres de zelo, diligência, obediência, lealdade e boa utilização dos bens pertinentes ao seu trabalho, afectou a relação de confiança que subjaz à relação laboral, gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do seu desempenho profissional, pelo que o despedimento mostra-se proporcional ao comportamento tido.
4. Embora de natureza retributiva, a remuneração especial por isenção do horário de trabalho não se encontra submetida ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só será devida enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-la quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 28 de Março de 2006, no Tribunal do Trabalho do Porto, actual Juízo Único, 4.ª Secção, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB PORTUGAL, na qual pede se declare a ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré: (i) a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, acrescidas de juros legais; (ii) a pagar-lhe «o complemento da retribuição devida de € 661,18/mês, desde 1/05/2005 até à data do despedimento, por fazer parte integrante do seu vencimento e não por respeitar a qualquer contrapartida pela alegada isenção de horário, acrescida dos juros legais»; (iii) a pagar-lhe, «caso […] não opte pela reintegração, uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato (1980) até ao trânsito em julgado da decisão final»; (iv) a pagar-lhe € 50.000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.

Após a enunciação do pedido, consignou-se o seguinte: «[o]portunamente e até à sentença, reserva-se, pois, a Autora o direito de optar pela indemnização prevista no art. 439.º do Código do Trabalho».

Realizada sem êxito a audiência de partes, a ré foi notificada para contestar, o que fez, impugnando parcialmente a factualidade alegada pela autora e sustentando que a mesma violou os deveres de lealdade, honestidade, assiduidade, obediência, respeito, urbanidade, cooperação, zelo e diligência, configurando-se justa causa para o despedimento, mais tendo aduzido que «a A. deu o seu acordo expresso ao pedido de isenção formulado pela Ré» e que esta apresentou à Inspecção-Geral do Trabalho, que a autora e a ré renovaram, anualmente, o acordo e o pedido de isenção do horário de trabalho e que «sempre soube a A. que o complemento de retribuição lhe era pago como contrapartida expressa da isenção do horário de trabalho», estando a autora «consciente da isenção e das consequências que isso acarretava», pelo que incorre em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

A ré deduziu, ainda, reconvenção, em que pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia global de € 19.444,52, acrescida de juros à taxa legal, calculados sobre € 18.091,44, desde a notificação da reconvenção à autora até efectivo e integral pagamento, e impetrou a condenação da autora como litigante de má fé, em multa a fixar pelo tribunal e em indemnização à ré, em valor não inferior a € 16.500.

A autora apresentou resposta à contestação, a qual foi mandada desentranhar dos autos por despacho de fls. 1049 a 1051.

No seguimento da audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador e decidido não admitir a reconvenção deduzida pela ré, operando-se, ainda, a selecção da matéria de facto assente e controvertida, com fixação da base instrutória.

Entretanto, a ré, inconformada com o despacho de não admissão do pedido reconvencional, interpôs recurso de agravo da atinente decisão, o qual foi admitido.

Realizado julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados pela autora, e que condenou a autora como litigante de má fé, em multa fixada em 15 UC e no pagamento de indemnização à ré.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, defendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a natureza de retribuição de base da quantia auferida a título de isenção do horário de trabalho e, ainda, que não se verificava justa causa para a aplicação da sanção de despedimento e que devia ser revogada a sua condenação como litigante de má fé.

A ré contra-alegou, sustentando a confirmação da sentença recorrida, e mais requereu a ampliação do objecto do recurso de apelação, ao abrigo do preceituado no artigo 684.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, versão a que pertencem as disposições citadas adiante, sendo que a ré, notificada nos termos do estatuído no artigo 748.º, n.º 2, daquele Código, declarou manter interesse no recurso de agravo que interpusera.

Apreciando os recursos interpostos, o Tribunal da Relação do Porto decidiu negar provimento ao recurso de agravo da ré e, doutra parte, conceder provimento ao recurso de apelação da autora, revogando a sentença recorrida, tendo: a) alterado a resposta dada ao quesito 51.º; b) considerado «Não provado» o quesito 108.º; c) dado como não escritas as expressões «[j]amais foi dado sequer um único passo pela autora» (resposta ao quesito 101.º), «[n]ão foi dado pela autora um único passo» (respostas aos quesitos 104.º e 107.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado sequer um único passo pela autora» (respostas aos quesitos 111.º, 117.º e 121.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado um único passo pela autora» (resposta ao quesito 124.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado pela autora um único passo» (resposta ao quesito 127.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado um único passo pela autora» (resposta ao quesito 130.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado sequer um único passo pela autora» (resposta ao quesito 133.º), «[t]ambém não havia registo de ter sido dado algum passo» (resposta ao quesito 136.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado sequer um único passo pela autora» (resposta ao quesito 139.º), devendo «passar a ler-se, em cada um desses pontos, e no demais contexto aí consignado que a ‘autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade’»; d) absolvido a autora da condenação como litigante de má fé; e e) declarado ilícito o despedimento de que a mesma foi alvo, condenando a ré a pagar-lhe (i) as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, bem como os respectivos juros de mora, a liquidar oportunamente, (ii) a indemnização por antiguidade, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, também a liquidar oportunamente, (iii) a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000, (iv) a título de complemento retributivo que lhe foi retirado, a quantia de € 3.305,90, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até pagamento.

É contra a sobredita decisão do Tribunal da Relação do Porto que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever, explicitadas na sequência de convite que lhe foi dirigido, ao abrigo do disposto no artigo 690.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, com vista a «sintetizar as 77 conclusões da alegação do recurso, reduzindo-as, muito significativamente, e apresentando, de forma sintética, os fundamentos do recurso»:

«1. Numa acção de impugnação de despedimento como a presente, a causa de pedir é complexa, consubstanciando o despedimento, mas também, necessariamente, a existência do contrato de trabalho.
2. O pedido formulado pela Autora fundou-se na alegada ilicitude de despedimento, mas também no próprio contrato de trabalho.
3. Os factos em que a Ré alicerçou o pedido reconvencional por si formulado reconduzem--se à mesma causa de pedir em que a Autora fundamentou o seu pedido: a existência do referido contrato de trabalho.
4. Considerou o Tribunal de 1.ª instância que a Autora não só incorreu na violação dos deveres de obediência e lealdade, como inclusivamente “(...) assumiu uma postura de desonestidade (...)”.
5. Qualquer das condutas referentes à utilização pela Autora do computador que foram dadas como provadas — em abstracto ou em concreto —, seria e é absolutamente intolerável no quadro de uma relação laboral, ainda por cima quando, como era o caso, a trabalhadora em causa assumia funções de especial responsabilidade.
6. Para além do supra exposto, ficou ainda provado que a Autora, durante anos e até à data do despedimento, não cumpriu as suas mais elementares obrigações profissionais e funcionais no que concerne ao trabalho das Divisões.
7. Nesse sentido, entre muitas outras omissões reiteradas, a Autora não apresentou os planos estratégicos que lhe foi ordenado fazer, não elaborou as contas e orçamentos de que foi incumbida, não procedeu aos trabalhos de preparação e aprovação dos regulamentos internos e não promoveu quaisquer reuniões da esmagadora maioria das Divisões.
8. Conforme muito bem sublinhou a sentença proferida em 1.ª instância, tratou-se aí de “(...) comportamentos omissivos continuados e persistentes no cumprimento das tarefas atribuídas, como se verificou no caso concreto”, sendo inatacáveis as conclusões sufragadas pelo mesmo Tribunal de que “(...) a concreta conduta da autora era idónea a determinar a perda daquela confiança, na medida em que as concretas funções por si desempenhadas pressupunham uma intensa relação de confiança, pelo que sendo esta beliscada, tal determina inevitavelmente a sua ruptura”, bem como que “(...) atendendo às funções que por ela eram exercidas, à natureza e reiteração do comportamento adoptado e respectiva gravidade, não era exigível à demandada a manutenção da relação contratual, pelo que concluímos ter-se verificado justa causa de despedimento”.
9. Mais intolerável se afigura tal comportamento quando se recorda que a Autora era um quadro superior da Ré, num contexto em que, evidentemente, a relação de confiança é mais intensa e necessária.
10. Ao ausentar-se do seu local de trabalho sem autorização e conhecimento da Ré, violou a Autora de forma reiterada o seu dever de assiduidade.
11. Ao manifestar desprezo pela obrigação de cumprimento escrupuloso dos seus tempos de trabalho, violou a Autora de forma igualmente reiterada, os seus deveres de cooperação e de zelo e diligência.
12. Ao obrigar um subordinado a omitir as suas ausências à Direcção — omitindo-as ela também —, violou a Autora os seus deveres de obediência e lealdade, assumindo também aqui uma postura de evidente desonestidade.
13. Ao ordenar a dois colaboradores da Ré que lhe fossem pagar facturas dos SMAS e da EDP relativas à sua casa, praticamente todos os meses, normalmente dentro do horário de trabalho dos subordinados em causa, violou os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade.
14. Ao ordenar quase todas as semanas, até meados de 2003, a um subordinado, que levasse o seu veículo pessoal à máquina de lavar dentro do respectivo horário de trabalho, violou também os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade.
15. Ao dar outras ordens a um subordinado no sentido de lhe fazer diversos outros recados pessoais dentro do horário de trabalho, nomeadamente buscar o carro à garagem ou buscar documentos à Loja do Cidadão, violou também os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade.
16. Ao ordenar a um subordinado que lhe tirasse cafés diariamente, mais do que uma vez ao dia, violou uma vez mais os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade.
17. Ao referir-se a colaboradores da Ré como “burros” e “incompetentes”, humilhando-os, violou os deveres de respeito e urbanidade.
18. Como foi enfatizado pelo Tribunal de 1.ª instância, ou seja, que, “[a]nalisada tal factualidade, entendemos que, com efeito, perante colaboradores da ré, a autora assumiu comportamentos que eram susceptíveis de determinar sentimentos de humilhação e ofensa, por envolverem a prática de actos claramente estranhos às suas obrigações profissionais, traduzindo uma postura abusiva de autoridade perante subordinados”.
19. Conforme dispõe o art. 396.º, n.º 2, do Código do Trabalho, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, na apreciação da justa causa deve atender-se não só aos factos que consubstanciam em concreto a justa causa, como também a todas demais circunstâncias que se mostrem relevantes para o efeito.
20. Os comportamentos protagonizados pela Autora relativamente ao telemóvel Sharp, por um lado, e ao prémio e ao cartão BP, por outro lado, revestiram-se igualmente de extrema gravidade em termos disciplinares.
21. Cada uma dessas condutas seria de per si justa causa de despedimento, devendo ser agora consideradas pelo Supremo Tribunal de Justiça na apreciação do presente caso.
22. Ao condenar a Ré no pagamento das retribuições desde a data do despedimento — tout court —, violou o acórdão recorrido o disposto nos números 2, 3 e 4 do art. 437.º do Código do Trabalho, na redacção da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
23. À luz da lei então em vigor — Código do Trabalho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto —, da economia total do diploma, resultava já que, na falta de opção por parte do trabalhador, este teria direito à reintegração e que só assim não sucederia no caso de haver opção expressa pela indemnização.
24. No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais, os supostos factos invocados no acórdão para justificar a sua decisão não são factos mas sim conclusões e, como tal, insusceptíveis de traduzir a existência de um só dano.
25. Ficou provado, ao contrário do que a Autora falsamente começou por alegar na sua petição inicial, que Autora e Ré acordaram na isenção do horário de trabalho, que tal isenção foi requerida pela Ré junto do organismo competente do Ministério do Trabalho e que esta foi deferida sem prazo limite a partir de 1994.
26. Por outro lado, foi também dado como provado que “A ré comunicou à autora que deixaria de ter interesse, a partir de 1 de Maio de 2005, na isenção do seu horário, através de documento de fls. 70, que aqui se dá por reproduzido, tendo cessado igualmente o pagamento do respectivo complemento no valor de € 661,18” (2.25).
27. A Autora não questionou minimamente os termos em que o acordo foi denunciado, não tendo suscitado nomeadamente qualquer questão quanto ao facto de a Ré haver deixado de ter interesse em continuar a beneficiar do regime de isenção e tendo alicerçado toda a sua tese nos termos em que o regime foi formalizado e prosseguido.
28. Conforme a doutrina e a jurisprudência o têm sufragado de forma unânime, embora integrando a retribuição, as prestações pagas a título de complemento por IHT não integram a retribuição base, podendo ser retiradas pela entidade empregadora de forma unilateral — sendo apenas necessário e suficiente que cesse a situação que esteja na origem da sua atribuição.
29. Sendo certo que era à Autora que incumbia o ónus de alegar eventuais factos nesse âmbito e que tal não foi efectuado, terá pois a discussão jurídica de cingir-se à retirada do complemento e dar-se por adquirida a cessação da situação que estivera na origem da atribuição inicial do complemento.
30. A Ré sustentou oportunamente na contestação, a título de excepção, que a Autora incorreu em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, no que concerne à questão da isenção de horário de trabalho.
31. No essencial, as instâncias deram como provados todos os factos alegados pela Ré relativamente ao abuso de direito da Autora.
32. Face ao exposto, mesmo que por absurdo se pudesse admitir que não foi cumprida depois de 1994 determinada formalidade — meramente instrumental —, para efeitos da verificação da situação de isenção do horário de trabalho da Autora, não haveria ainda assim quaisquer dúvidas de que a responsabilidade dessa eventual falta teria de ser imputada à Autora, a qual era então Directora-Geral Adjunta.
33. Ao invocar na acção a omissão dessa suposta formalidade, estaria em qualquer circunstância a Autora a pretender exercer um suposto “direito” de uma forma que entraria em absoluta contradição com a sua conduta anterior e na qual a Ré, mais ainda do que confiar, foi mesmo obrigada a aceitar como facto consumado perpetrado pela A.
34. Dessa forma, incorreu pois a Autora em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, o que determinaria sempre que a pretensão deduzida na presente acção pela Autora em tal âmbito fosse insusceptível de proceder.
35. Nas suas peças processuais, a Autora incorreu em flagrantes e sucessivas mentiras, seja quanto aos factos relativos ao despedimento — que a Autora negou em absoluto —, seja quanto aos relativos à situação da isenção de horário de trabalho — em que a Autora negou sucessivamente todas as evidências, contradizendo-se aliás relativamente ao que já sustentara na resposta à nota de culpa.
36. Esse espantoso rol de mentiras justificou plenamente a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância no que concerne à condenação da Autora como litigante de má fé.
37. O acórdão recorrido violou o disposto, nomeadamente, no art. 30.º do Código de Processo de Trabalho — anterior redacção —, no art. 13.º do DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, nos artigos 119.º, 121.º, 249.º, 396.º, 436.º, 437.º e 439.º do Código do Trabalho — na redacção da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto —, no artigo 684.º-A do Código de Processo Civil e nos artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do Código Civil.»

Termina consignando que deve ser dado provimento ao recurso de revista, revogando-se o aresto recorrido, «e, concomitantemente, reposta em vigor a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância»; «[s]ubsidiariamente, no que tange ao despedimento, deve o tribunal ainda assim julgá-lo lícito, reconhecendo que consubstanciam também justa de despedimento os outros motivos invocados pela ré na sua defesa e entretanto não considerados pelas instâncias», e «[s]ubsidiariamente, também, no que se refere à questão da isenção do horário de trabalho, deve o tribunal julgar provada e procedente a excepção de abuso de direito deduzida pela ré na sua contestação, com a consequente improcedência do pedido respectivo».

A autora contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que a revista devia ser parcialmente concedida, tendo sustentado (i) que «a reconvenção [era] admissível com base no disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho», (ii) que «as condutas da Autora, ainda que passíveis de censura, não determinam, pela sua gravidade e consequências, a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, podendo perfeitamente a crise contratual iniciada com esses comportamentos ter sido sanada através da aplicação de uma sanção de índole conservatória, o que vale por dizer que a sanção de despedimento aplicada à Autora se mostra desproporcionada à gravidade das condutas da Autora, o que torna ilícito o seu despedimento», (iii) que «devem ser deduzidas nas retribuições intercalares devidas à Autora as importâncias por ela auferidas a título do subsídio de desemprego, condenando-se a Ré a entregar à Segurança Social as importâncias deduzidas a esse título», (iv) que «[a] Autora não chegou a optar pela sua reintegração na empresa da Ré, pelo que ficou de pé o pedido de pagamento da indemnização de antiguidade por aquela formulado logo na petição inicial», (v) que «não pode ser reconhecido à Autora o direito a indemnização por danos não patrimoniais», (vi) que a autora tem direito ao suplemento remuneratório no valor de mensal de € 661,18, desde 1 de Maio de 2005, e (vii) que «este Supremo Tribunal não pode sindicar a decisão da Relação que absolveu a Autora do pedido de condenação por litigância de má fé formulado pela Recorrente».

O aludido parecer, notificado às partes, não motivou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

– Se a reconvenção é admissível (conclusões 1 a 3 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se ocorre justa causa para o despedimento da autora (conclusões 4 a 21 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se o acórdão recorrido, ao condenar a ré no pagamento das retribuições intercalares desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem quaisquer deduções, violou o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003 (conclusões 22 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se o acórdão recorrido não podia condenar a ré a pagar à autora uma indemnização em substituição da reintegração, visto que esta nunca optou por tal indemnização (conclusões 23 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se a autora tem direito a indemnização pelos danos não patrimoniais alegados (conclusões 24 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se a autora tem direito, a partir de 1 de Maio de 2005, ao complemento retributivo mensal de € 661,18, pago, até essa data, a título de retribuição por isenção do horário de trabalho e, na hipótese afirmativa, se a autora, ao peticionar tal pagamento, agiu com abuso do direito (conclusões 25 a 34 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se a autora deve ser condenada como litigante de má fé (conclusões 35 a 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. Antes de mais, há que conhecer da questão prévia da inadmissibilidade do recurso quanto à pretendida condenação da autora como litigante de má fé, suscitada pela Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, a qual não mereceu resposta das partes, apesar de terem sido notificadas do atinente parecer.

A recorrente discorda que o Tribunal da Relação do Porto tivesse revogado a decisão do tribunal de primeira instância que condenou a autora como litigante de má fé, pugnando pela reposição da sobredita condenação.

O certo é que a questão da litigância de má fé tem natureza processual, logo, havendo recurso autónomo dessa decisão, a espécie será o recurso de agravo, nos termos dos artigos 691.º, 733.º e 740.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Porém, segundo o estipulado no n.º 1 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei admite que, num único recurso do acórdão da Relação, se possa cumular como fundamento da revista, além da violação de lei substantiva, a violação de lei de processo.

Mas, para que a revista possa ser recebida com esta amplitude é necessário, como se extrai da citada norma do n.º 1 do artigo 722.º, que o recurso seja admissível no que concerne à matéria do agravo, ou seja, a possibilidade de cumular num único recurso a violação de lei substantiva e a violação de lei de processo está circunscrita ao caso em que seja admissível autonomamente o recurso de agravo quanto à matéria processual, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º do mesmo Código.

Ora, consoante o disposto naquele artigo 754.º, «[n]ão é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigo 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme» (n.º 2), sendo que «[o] disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos números 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 734.º» (n.º 3).

No caso, o acórdão recorrido versa sobre expressa decisão da 1.ª instância que condenou a autora como litigante de má fé, por isso, aplica-se a restrição do recurso de agravo para este Supremo Tribunal estabelecida no n.º 2 do artigo 754.º citado, já que não se verifica qualquer das excepções previstas na segunda parte do n.º 2 do artigo 754.º, nem no n.º 3 do mesmo preceito.

Esta solução mostra-se conforme com o disposto no n.º 3 do artigo 456.º do Código de Processo Civil que, reportando-se especificamente à condenação por litigância de má fé, faculta sempre o recurso da decisão que opere essa condenação, mas apenas em um grau, de modo a assegurar, nesta sede, a existência de uma dupla instância de jurisdição.
Não se verificando qualquer das excepções previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 754.º do Código de Processo Civil, a revista não é admissível quanto ao segmento do acórdão da Relação que revogou a condenação da autora como litigante de má fé, pelo que, julgando-se procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, não se conhece dos fundamentos do recurso contidos nas conclusões 35) a 37), na parte atinente, da respectiva alegação.

2. As instâncias deram como provados os factos seguintes, mencionando-se entre parênteses as alíneas da matéria de facto considerada assente e os números da matéria de facto julgada provada em sede de audiência de discussão e julgamento:
1) A ré é uma Associação que tem como objecto genérico «coordenar toda a política de desenvolvimento dos sectores que abrange, representando, defendendo e promovendo os interesses comuns dos seus associados junto de terceiros» [A)];
2) A autora foi admitida ao serviço da ré no dia 1 de Dezembro do ano de 1980, tendo exercido a função de economista até 31 de Maio do ano de 1990, data a partir da qual passou a exercer a função de Directora-Geral-Adjunta, conforme documento de fls. 17, que aqui se dá por reproduzido [B)];
3) Como Directora-Geral-Adjunta, coube à autora, pelo menos em algumas ocasiões:
– a representação da BB, por delegação da Direcção, nomeadamente junto de organismos nacionais e internacionais;
a coordenação do trabalho interno de apoio aos associados;
– a elaboração de propostas, pareceres, exposições e documentos de apoio à Direcção;
o acompanhamento de assuntos económicos da CIP;
– a presença em actos oficiais ligados à actividade da associação;
a participação nas reuniões de Direcção, do Conselho Consultivo e Secretariado das Assembleias Gerais da BB, com elaboração das respectivas actas (1.º);
4) Até Janeiro de 2003, era Director-Geral da Ré, o Eng. CC [Q)];
5) Entre a data de 31 de Janeiro e a data de 31 de Agosto do ano 2003, a autora assumiu a função de Directora-Geral Interina [C)];
6) Nos recibos de vencimento da autora constava a quantia de € 661,18, a título de «isenção de horário de trabalho» [E)];
7) A autora tinha de cumprir um horário de trabalho, sem prejuízo de executar muitas das funções fora da empresa, quer no início, quer no fim do período de trabalho (2.º);
8) A partir do mês de Julho de 1981, a autora deu o seu acordo expresso ao pedido de isenção formulado pela ré, conforme cópia da declaração de acordo que então a autora assinou para o efeito, conforme documento de fls. 177, que se dá por integralmente reproduzido (15.º);
9) A ré formalizou de imediato a situação de isenção junto da Inspecção- -Geral do Trabalho, conforme documento de fls. 178, que aqui se dá por integralmente reproduzido (16.º);
10) Autora e ré renovaram anualmente o acordo e o requerimento (17.º);
11) No ano de 1982, através de requerimento e acordo datados de 22 de Junho de 1982, conforme documento de fls. 179 e 180, que se dão por reproduzidos (18.º);
12) No ano de 1983, através de requerimento e acordo datados de 30 de Março de 1983, conforme documento de fls. 183 e 184, os quais se dão por reproduzidos (19.º);
13) Tal requerimento foi enviado pela ré em 13 de Abril de 1983, conforme documento de fls. 185, que se dá por reproduzido, e foi deferido expressamente pela IGT, conforme despacho cuja cópia consta a fls. 186 (20.º);
14) No ano de 1985, a autora assinou o acordo em 4 de Março de 1985, conforme documento de fls. 187, que se dá por reproduzido (21.º);
15) O requerimento desse ano foi deferido pela IGT, conforme documento de fls. 188, que se dá por reproduzido (22.º);
16) Em 1986, renovaram o acordo através de requerimento e acordo de 28 de Fevereiro de 1986, conforme documentos de fls. 189 e 190, que se dão por reproduzidos (23.º);
17) Tal pedido foi deferido pela IGT, conforme documento de fls. 191, que se dá por reproduzido (24.º);
18) Em 1987, renovaram o acordo através de requerimento e acordo de 16 de Março de 1987, conforme documentos de fls. 192 e 193, que se dão por reproduzidos (25.º);
19) Tal pedido foi deferido pela IGT, conforme despacho de [fls.] 194, que aqui se dá por reproduzido (26.º);
20) Nos anos subsequentes, continuou a ser formalizado, anualmente, o acordo entre a autora e a ré no sentido de continuar a isenção do horário (27.º);
21) Em 1994, a ré enviou requerimento de isenção ao IDICT, conforme documento de fls. 195, que se dá por reproduzido (28.º);
22) Em anexo ao requerimento, enviou a declaração de concordância outorgada e assinada pela autora, conforme documento de fls. 196, que se dá por reproduzido (29.º);
23) O requerimento foi deferido pelo IDICT, conforme respectivo despacho de fls. 197, que aqui se dá por reproduzido, sem aí se consignar prazo limite (30.º);
24) Em 1995, tanto a autora como o então Director-Geral, Eng.º DD, foram alertados pelo Departamento Jurídico para, à cautela, enviarem ao IDICT as renovações dos pedidos de isenção dos colaboradores da ré, ao que aqueles referiram que tal não seria necessário (31.º);
25) A ré comunicou à autora que deixaria de ter interesse, a partir de 1 de Maio de 2005, na isenção do seu horário de trabalho, através do documento de fls. 70, que aqui se dá por reproduzido, tendo cessado igualmente o pagamento do respectivo complemento no valor de € 661,18 [F)];
26) A 1 de Setembro do ano de 2003, o então assessor jurídico da ré — Dr. EE — assume a função de Director-Geral, por nomeação da Direcção cessante [D)];
27) As actas das reuniões de Direcção, que até à data eram coordenadas pela autora, passam a ser efectuadas pelo Departamento Jurídico da ré [G)];
28) A autora deixa de participar e de ser informada sobre as reuniões de Direcção e não lhe é dado posterior conhecimento do teor das actas [H)];
29) A autora deixou de participar nas reuniões da Direcção como referido em 28), por decisão que partiu da actual Direcção da ré, num momento em que a confiança que tinha na autora se esvaziava progressivamente (179.º);
30) A autora foi avisada de que a necessidade de recurso a viagens de avião ou de utilização de automóvel próprio deveria ser previamente fundamentada, e que nesse âmbito deveria ser esclarecido qual o motivo concreto da viagem, o que sucedeu relativamente a todos os colaboradores da ré, sendo que tal sucedeu por força do Regulamento entretanto instituído, nos termos do documento de fls. 635 a 639, que aqui se dá por reproduzido (180.º);
31) A autora deixa de poder assinar as circulares para sócios [I)];
32) Quanto à situação das circulares para os sócios, referida em 31), foi determinado que todas elas deveriam ser assinadas pelo Director-Geral (181.º);
33) Por instruções do Director-Geral, Dr. EE, a autora deixou, desde 01/09/2003, de ter acesso à correspondência recebida e expedida (mesmo aquela que era direccionada à autora), com excepção de alguma da correspondência que diz directamente respeito às Divisões, com o esclarecimento que tal sucedeu por se tratar de questão da competência daquele Director-Geral (3.º);
34) A autora foi informada do novo organograma a vigorar a partir do início do ano de 2005, conforme documento de fls. 71 a 86, que aqui se dá por reproduzido [J)];
35) O documento do organograma referido em 34) fora apresentado mais de um ano antes em reunião de Direcção da ré, realizada em 18 de Novembro de 2003, na qual a autora estivera presente (182.º);
36) A aprovação formal do documento ocorreu em reunião de Direcção realizada em Outubro de 2004, na qual a autora estava presente (183.º);
37) No organograma foi definido expressamente que as funções da autora seriam as seguintes: «Promove e coordena em termos globais a actividade das Divisões; acompanha as Divisões com excepção das seguintes: 3, 7, 15, 17, 25 e 26; faz a ligação da BB aos organismos internacionais, com excepção da FF e do GG» [L)];
38) Em altura indeterminada do ano 2004, o Dr. EE foi informado de que a autora tinha em seu poder um computador portátil de marca «C...», modelo «P... …» (32.º);
39) Pelo que, em 23 de Abril de 2004, o Director-Geral enviou à autora um e-mail, através do qual lhe comunicou ter sabido então que a mesma tinha em seu poder um computador portátil que não estava a ser utilizado (33.º);
40) Pelo que, tendo em conta que o computador estava a fazer falta na associação, conforme então referiu, pediu à autora que devolvesse o computador com a maior brevidade possível (34.º);
41) A autora contactou pouco depois o Director-Geral, tendo-lhe dito que o computador lhe fora atribuído pelo anterior Presidente da Direcção, Sr. Eng. HH, e que este a autorizara a manter o computador em sua casa (35.º);
42) O Director-Geral aceitou naturalmente a explicação como sendo verdadeira (36.º);
43) Apenas no decurso de 2005, já depois de o Sr. Eng. HH ter sido substituído no exercício daquele cargo pelo Sr. II, por casualidade, essa questão foi referida em conversa entre o Director-Geral e o antigo Presidente da Direcção (37.º);
44) Foi então por este expressamente referido que não tinha dado autorização para o efeito (38.º);
45) Em consequência, em data não determinada, mas já durante o ano de 2005, o Director-Geral, verbalmente, deu uma ordem à autora no sentido de restituir à ré o computador que havia levado para sua casa, dizendo-lhe para entregar o computador ao colaborador JJ, sublinhando que o mesmo fazia falta à ré (39.º);
46) A autora, porém, incumpriu a ordem (40.º);
47) Apercebendo-se de tal facto, no dia 27 de Abril de 2005, o Director- -Geral reiterou essa mesma ordem, tendo dito à autora para, de uma vez por todas, restituir o computador à ré (41.º);
48) A autora persistiu no incumprimento da ordem (42.º);
49) Pelo que, no dia 29 de Abril de 2005, pelas 11h08, o Director-Geral confirmou a ordem por escrito, enviando para tal efeito à autora um e-mail com o seguinte teor: «AA. Tal como já lhe disse na quarta-feira passada, a BB precisa do computador portátil que, sem autorização da Direcção — conforme constatei entretanto junto do Sr. Eng. HH —, a AA resolveu levar para casa. O computador deverá ser entregue ao JJ até à próxima segunda-feira. EE» (43.º);
50) Só então a autora acabou por devolver o computador, no dia 2 de Maio de 2005 (44.º);
51) Sucede que, em simultâneo, através de e-mail enviado ao Director--Geral, com conhecimento aos demais membros da Direcção, em 2 de Maio de 2005, a autora afirmou, relativamente ao computador, que o mesmo lhe tinha sido atribuído, conforme documento de fls. 649 a 650, que aqui se dá por reproduzido (45.º);
52) Nesse mesmo e-mail, afirmou a autora ainda o seguinte: «(…) Cumpre referir a este propósito que o computador em apreço é um instrumento de trabalho que, como o próprio nome indica, me acompanhava diariamente quer na associação quer em casa, quer ainda nos demais locais onde se afigurava o recurso ao mesmo, em prol do interesse da Associação (…)» (46.º);
53) Analisado o conteúdo do computador, constatou-se que estava no mesmo instalado o seguinte software:
– «Microsoft Windows 2000 Professional»;
– «Mcafee VirusScan Enterprise 7.1.0»;
– Jogo — «Ford Racing 2»;
– Jogo — «Total Immersion Racing»;
– Dicionário Júnior da Texto Editora;
– «Microsoft Office 2000 Premium»;
– «ACDSee for Pentax» (47.º);
54) Não estava instalado qualquer software pertencente à ré, sendo que, o software instalado nada tinha a ver com a actividade da ré (48.º);
55) A pasta relativa a «meus documentos» estava completamente vazia, não havendo sequer qualquer registo histórico de que essa pasta alguma vez tenha estado ocupada (48.º-A);
56) Estavam instalados dois jogos de computador, um Dicionário Júnior e um software relativo a fotografias — «ACDSee for Pentax» (49.º);
57) O próprio software relativo ao sistema anti-vírus, criado em 5 de Julho de 2004, sem o conhecimento da ré, não era pertencente a esta (50.º);
58) Apesar da autora ter usado o computador portátil em reuniões de trabalho ao serviço da ré, tal computador era também pela mesma utilizado em seu benefício pessoal e de seu agregado familiar (51.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
59) Nenhum dos programas de software instalados no computador estava licenciado (52.º);
60) A autora tinha em seu poder um telemóvel de marca Sharp GX 10 (53.º);
61) Tal telemóvel foi adquirido à Vodafone, pelo preço de € 420,08, acrescido do respectivo IVA, em 13 de Dezembro de 2002, preço que foi pago parcialmente em dinheiro e na outra parte através de pontos acumulados pela ré junto da Vodafone, em virtude dos consumos registados anteriormente pela ré (54.º);
62) Concretamente, a autora entregou um cheque de € 100,00 para pagamento parcial do equipamento, tendo o restante do preço — no montante de € 336,05 — sido pago pela ré, por ordem da autora, através de 8.500 pontos Vodafone (55.º);
63) Caso não tivesse destinado esses pontos à aquisição do telemóvel, seriam os mesmos utilizados para pagamento de facturas relativas a consumos efectuados pela ré (57.º);
64) Em consequência da aquisição, também por força de decisão da autora, ficou a ré obrigada a um compromisso de permanência na rede da Vodafone por mais 18 meses (58.º);
65) Até ao momento da instauração do processo disciplinar e até ao actual momento, a autora não restituiu à ré aquela importância de € 336,05, nem restituiu o telemóvel (59.º);
66) Por ordem do anterior Director-Geral da ré, Eng. DD, em Fevereiro de 2001, foi processado pelo Departamento Administrativo e Financeiro (DAF), o pagamento de um prémio, no valor de, então, Esc. 616.975$00, à autora (60.º);
67) O DAF processou o pagamento do prémio, tendo efectuado, no montante ilíquido, a respectiva retenção de IRS (61.º);
68) Tanto a autora, como outras pessoas que receberam um prémio idêntico — nomeadamente o Eng. DD —, protestaram junto do DAF pelo facto de este ter procedido àquela retenção de IRS, alegando que queriam receber aquele prémio em montante líquido (62.º);
69) À autora, tal como a todos os outros colaboradores da ré, fora atribuído, em 1999, um cartão da BP, através do qual a mesma pagava os seus consumos pessoais de gasolina com desconto de grupo (64.º);
70) A todos os outros colaboradores, eram e são descontados, no final de cada mês, no montante das respectivas retribuições, o dinheiro pelos mesmos despendido com os respectivos cartões no decurso do mês anterior (65.º);
71) No que se refere à autora, tais descontos nunca foram feitos, visto que, logo em 1999, a autora deu ordens expressas nesse sentido (66.º);
72) O acerto de contas era feito, ainda por expressa indicação da autora, com a compensação entre os montantes devidos pela autora e as despesas suportadas pela mesma no exercício da sua actividade ao serviço da ré (67.º);
73) Para esse efeito, a autora ou entregava documentos que atestavam as despesas feitas — como por exemplo facturas —, ou apresentava declarações por si emitidas, alegando ter realizado deslocações em serviço no seu automóvel (68.º);
74) Na sequência da ordem dada pela autora, a partir do início de 2002, deixou de se fazer aquele acerto de contas, pelo que os consumos de gasolina da autora com o cartão BP deixaram de ser pagos por aquela à ré (69.º);
75) Em 2003, o consumo de gasolina da autora ascendia a cerca de € 1.000,00 (70.º);
76) A autora não pagou os consumos de gasolina referentes aos meses de Janeiro a Agosto (71.º);
77) Entretanto, em Junho de 2003, a autora ordenara à Dr.ª KK — que trabalhava então no DAF —, que lhe dissesse qual o valor que lhe tinha sido descontado a título de IRS aquando do pagamento do prémio já atrás referido (72.º);
78) A autora disse à Dr.ª KK que queria saber qual o montante, uma vez que a Direcção lhe prometera que iria pagar-lhe a parte retida do prémio a título de IRS (73.º);
79) A Dr.ª KK cumpriu a ordem, tendo informado a autora do valor em causa, de cerca de € 800,00 (74.º);
80) No âmbito da reorganização da ré, a Dr.ª KK deixou de trabalhar na área da contabilidade, tendo tal responsabilidade sido assumida pelo Dr. LL, contratado pela Direcção, como Técnico Oficial de Contas (75.º);
81) Mesmo depois da nomeação do novo Director-Geral, a autora continuou a não pagar consumos de gasolina (76.º);
82) A autora foi então chamada à atenção pelo Director-Geral, tendo em seguida este dado ordens no sentido de que também os consumos da autora fossem descontados nas retribuições (77.º);
83) Nesse sentido, em Dezembro de 2003, o Director-Geral ordenou à autora que regularizasse a situação, efeito para o qual a mandou falar com o Dr. LL (78.º);
84) Nessa altura, a autora mostrou-se absolutamente relutante em pagar, dizendo que era credora da ré relativamente a um montante que, segundo disse, lhe fora indevidamente retido em 2001, reportando-se assim ao montante que lhe tinha sido retido, a título de IRS, no prémio já atrás referido (80.º);
85) O Dr. LL não tinha condições nem motivos para duvidar da veracidade do que lhe estava a ser dito pela autora, mas sublinhou, no entanto, que a dívida da autora era de cerca de € 1.500,00, ao passo que o crédito era de cerca de € 800,00 (81.º);
86) Em finais de Dezembro de 2003, a autora fez contas com a ré (82.º);
87) A autora não pagou contudo um único cêntimo à ré e nessa data recebeu a quantia de € 488,98, apresentando então documentos de despesas realizadas e aprovadas, muitas delas a título de quilómetros alegadamente efectuados, em montante superior ao que devia, o que determinou que o Dr. LL, no sentido de tentar resolver o problema, imputasse contabilisticamente essa dívida a perdas (83.º e 84.º);
88) A ré agrega empresas cuja principal actividade se situa nos sectores metalúrgico, metalomecânico, electromecânico e afins, englobando assim uma multiplicidade de subsectores (85.º);
89) No sentido de poder dar respostas concretas a problemas específicos de cada subsector, a ré criou internamente, há já muitos anos, as chamadas Divisões, correspondendo cada Divisão a um subsector (86.º);
90) Relativamente às Divisões, os estatutos da ré prevêem como órgãos sociais específicos as Assembleias de Divisão e os Conselhos de Divisão, conforme cópia dos estatutos respectivos, junta a fls. 947 a 965 e [que] aqui [se] dá por integralmente reproduzida [R)];
91) Tendo em conta os subsectores existentes, as referidas Divisões são as seguintes:
– Divisão 1 — Tubos;
Divisão 2 — Fundição;
– Divisão 3 — Estruturas e Elementos de Construção em Metal, Caldeiras e Depósitos;
Divisão 4 — Serralharia Civil;
– Divisão 5 — Galvanização, Revestimentos e Outros Tratamentos de Superfície;
Divisão 6 — Fechaduras, Dobradiças e Outras Ferragens;
– Divisão 7 — Arames e Derivados;
Divisão 8 — Louça Metálica, Cutelarias e Utensílios Domésticos;
– Divisão 9 — Produtos Metálicos Diversos, Metais de Base e Sectores Afins do S.M.M.;
Divisão 10 — Torneiras, Válvulas, Artigos Sanitários e Acessórios de Sala de Banho;
– Divisão 11 — Engrenagens, Rolamentos e Outros Órgãos de Transmissão de Potência, Bombas e Compressores;
Divisão 12 — Máquinas, Equipamentos e Material para a Indústria Extractiva, da Construção e Elevação, Remoção e Transporte;
– Divisão 13 — Metrologia;
Divisão 14 — Máquinas, Equipamentos e Ferramentas para a Agricultura, Silvicultura, Pecuária, Floresta e Alfaias Agrícolas;
– Divisão 15 — Máquinas-Ferramentas, Equipamentos e Acessórios;
Divisão 16 — Máquinas, Equipamentos para a Indústria Têxtil, Vestuário, Ferramentas e Acessórios;
– Divisão 17 — Máquinas, Equipamentos e Ferramentas Diversas;
Divisão 18 — Moldes, Cunhos e Cortantes;
– Divisão 19 — Calor, Refrigeração, Fogões e Electrodomésticos;
Divisão 20 — Material Eléctrico, Electrónico, Iluminação, Artigos de Decoração e Bijutaria;
– Divisão 21 — Motociclos e Bicicletas;
Divisão 22 — Mobiliário;
– Divisão 23 — Puericultura;
Divisão 24 — Indústria Automóvel e seus Componentes;
– Divisão 25 — Ambiente e Energia;
Divisão 26 — Manutenção Industrial;
Divisão 27 — Instalação de Canalizações de Água e Gás;
– Divisão 28 — UNIMAP — Máquinas, Ferramenta, Equipamentos e Acessórios para Trabalhar Madeira (87.º);
92) Desde antes de 1999, que a autora detinha a responsabilidade executiva pela dinamização das Divisões em geral (87.º-A);
93) Desde o novo organograma ficou a autora, também formalmente, com a obrigação de dinamizar toda a actividade das Divisões em geral e ainda de acompanhar a actividade específica de 22 Divisões (88.º);
94) A autora não elaborou um plano estratégico para as Divisões no sentido de o propor ao Director-Geral e à Direcção (90.º);
95) A autora foi incapaz de, em resposta a solicitação da Direcção anterior, apresentar as contas das Divisões relativas aos anos de 2002 e 2003 (91.º);
96) Já antes de Outubro de 2003 esse trabalho fora pedido inúmeras vezes à autora, mas a autora não o apresentou, pelo que, na reunião de Direcção realizada em 14 de Outubro de 2003, o pedido foi renovado (92.º);
97) Sucede que, na reunião de Direcção seguinte, realizada em 18 de Novembro de 2003, a autora não o apresentou, tendo justificado que «não fora possível concluir em tempo útil o trabalho com a identificação das contas relativas às Divisões, sublinhando que o mesmo apenas poderia ser apresentado na próxima reunião» (93.º);
98) Porém, na reunião seguinte, realizada no dia 22 de Dezembro de 2003, a autora voltou a não apresentar o trabalho, justificando-se, «sublinhou que ainda não fora possível que o documento em causa explicitasse de forma pormenorizada todos os custos e receitas das várias Divisões, estando todavia a diligenciar no sentido de que tal venha a ser possível» (94.º);
99) Na reunião de Janeiro de 2004, a autora voltou a não apresentar o trabalho e continuou a não o apresentar nas reuniões seguintes, e nem sequer depois de Julho de 2004 o fez, seja à Direcção, seja, ao Director-Geral (95.º);
100) No dia 11 de Maio de 2005, o Director-Geral da ré insistiu na ordem em causa, para esse efeito, enviou-lhe um e-mail com o seguinte teor: «AA. Preciso com urgência que me envie informações concretas relativamente aos custos de funcionamento das Divisões que tem a responsabilidade de acompanhar. De uma vez por todas é indispensável que a Direcção tenha conhecimento exacto dos montantes em causa. Nesse sentido preciso de: – Contas relativas a 2002, 2003 e 2004. – Orçamento relativo a 2005. De todas as Divisões que estão em actividade efectiva. Recordo que já em 16 de Outubro de 2003 a Direcção a incumbiu de apresentar esse trabalho (relativamente a 2002 e 2003). Sucede que na reunião da Direcção de Novembro de 2003 a AA voltou a referir que estava diligenciar no sentido de preparar as contas. Mas até agora não apresentou nada de concreto. Pelo que, até à reunião marcada para o próximo dia 1 de Junho, deverá apresentar o acima referido. O Director-Geral EE» (96.º);
101) Só então a autora apresentou um trabalho sobre a matéria, mas ainda assim, o referido trabalho continuava incompleto (97.º);
102) No que se refere à Divisão 2 (Fundição), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (99.º);
103) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão devidamente aprovado (100.º);
104) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (101.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
105) No que se refere à Divisão 13 (Metrologia), não foi realizada também qualquer reunião desde Julho de 2004 (102.º);
106) Não havia também aqui qualquer regulamento interno da Divisão, devidamente aprovado (103.º);
107) A autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (104.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
108) No que se refere à Divisão 16 (Máquinas, Equipamentos para a Indústria Têxtil, Vestuário, Ferramentas e Acessórios), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (105.º);
109) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão devidamente aprovado (106.º);
110) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (107.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
111) [O Tribunal da Relação julgou «Não provada» a factualidade contida neste item, pertinente ao quesito 108.º da base instrutória, e no qual o tribunal de 1.ª instância consignara que «No que se refere à Divisão 18 (Moldes, Cunhos e Cortantes), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004];
112) Não havia sido aprovado o regulamento interno da Divisão (109.º);
113) No que se refere à Divisão 19 (Calor, Refrigeração, Fogões e Electrodomésticos), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (110.º);
114) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (111.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
115) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão devidamente aprovado (112.º);
116) No que se refere à Divisão 20 (Material Eléctrico, Electrónico, Iluminação, Artigos de Decoração e Bijuteria), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (113.º);
117) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão aprovado, e também aqui não foi dado um único passo pela autora [ao contrário do que sucedeu com outras expressões similares, o Tribunal da Relação não deu esta última como não escrita], pelo menos nos anos mais recentes, no sentido de convocar as empresas da Divisão para dinamizar a respectiva actividade (114.º);
118) No que se refere à Divisão 21 (Motociclos e Bicicletas), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (115.º);
119) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão devidamente aprovado. (116º)
120) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (117.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
121) No que se refere à Divisão 22 (Mobiliário), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (119.º);
122) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão aprovado (120.º);
123) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (121.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
124) No que se refere à Divisão 23 (Puericultura), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (122.º);
125) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão aprovado (123.º);
126) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (124.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
127) No que se refere à Divisão 24 (Indústria Automóvel), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (125.º);
128) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão aprovado (126.º);
129) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (127.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
130) No que se refere à Divisão 27 (Instalação de Canalizações de Água e Gás), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (128.º);
131) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão aprovado (129.º);
132) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (130.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação
133) No que se refere à Divisão 12 (Máquinas, Equipamentos e Material para a Indústria Extractiva, da Construção e Elevação, Remoção e Transporte), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (131.º);
134) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão aprovado (132.º);
135) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (133.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
136) No que se refere à Divisão 9 (Produtos Metálicos Diversos, Metais de Base e Sectores Afins do S.M.M.), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (134.º);
137) Não havia sido aprovado o regulamento interno da Divisão (135.º);
138) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (136.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
139) No que se refere à Divisão 6 (Fechaduras, Dobradiças e Outras Ferragens), não foi realizada qualquer reunião desde Julho de 2004 (137.º);
140) Não havia igualmente qualquer regulamento interno da Divisão aprovado (138.º);
141) Pelo menos nos anos mais recentes, a autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade (139.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
142) Quanto à Divisão 4 (Serralharia Civil), não foi realizada qualquer reunião do Conselho de Divisão desde Julho de 2004 (140.º);
143) Não havia sido aprovado o regulamento interno da Divisão (141.º);
144) No que se refere à Divisão 11 (Engrenagens, Rolamentos e Outros Órgãos de Transmissão de Potência, Bombas e Compressores), não foi realizada qualquer reunião do Conselho de Divisão desde Julho de 2004 (142.º);
145) Não havia sido aprovado o regulamento interno da Divisão (143.º);
146) A autora tinha conhecimento de praticamente tudo aquilo que se passara na gestão do anterior Director-Geral, nomeadamente, a autora tinha conhecimento das seguintes situações:
Retribuições em atraso a trabalhadores da ré;
– Atrasos no pagamento das contribuições devidas à segurança social;
Falta de reconciliação das contas bancárias;
– Ineficaz controlo interno do caixa;
Ausência de registo contabilístico de parte dos movimentos de quotas;
– Inexistência de, pelo menos, alguns livros legais;
Omissão de pagamentos a fornecedores, com a consequência de terem sido geradas dívidas;
– Dívidas de quantias a associados (148.º);
147) As contas eram sempre analisadas em conjunto pelo anterior Director--Geral e a autora (149.º);
148) Não obstante a autora manifestasse perante a Direcção estar indignada com o comportamento do anterior Director-Geral, Eng. DD, a mesma continuou a contactá-lo (150.º);
149) Pelo menos no ano 2002, a autora saía quase todos os dias — duas vezes por dia — das instalações da ré, sem o conhecimento e a autorização da Direcção (152.º);
150) Concretamente, por volta das 10h00, a autora saía das instalações da ré, ausentava-se durante cerca de 30 a 45 minutos, regressando entre as 10h30 e as 10h45 (153.º);
151) À tarde, a autora ausentava-se entre as 16h00 e as 16h30 (154.º);
152) Quando se ausentava, a autora dava ordens expressas ao Sr. MM, que trabalhava e trabalha no telefone e na portaria, para que, caso algum Director lhe ligasse, transferisse a ligação para o seu telemóvel (156.º);
153) Mais lhe dava ordens expressas para não dizer que a autora não estava na ré, o que o Sr. MM cumpria (157.º);
154) Ordenava-lhe ainda que, caso algum Director se dirigisse às instalações da ré sem aviso prévio — o que naturalmente acontecia raras vezes — de imediato a contactasse no sentido de a avisar (158.º);
155) Pelo menos no decurso do ano 2002, a autora não aparecia na ré em algumas Segundas-feiras de manhã e Sextas-feiras à tarde (160.º a 162.º);
156) Também nessas ocasiões a autora dava ordens expressas ao Sr. MM para mentir a qualquer Director que telefonasse, passando a chamada para o seu telemóvel sem referir a ausência (163.º);
157) A autora ordenava regularmente aos colaboradores da ré, Sr. MM e ao Sr. JJ, que lhe fossem pagar facturas dos SMAS e da EDP, facturas que diziam respeito, pelo menos, à casa da autora, o que acontecia, com um e/ou com outro, praticamente todos os meses, desde há vários anos atrás até meados do ano de 2003 (164.º e 165.º);
158) Tais deslocações ocorriam, na generalidade das vezes, dentro do horário de trabalho dos colaboradores em causa da ré (166.º);
159) Quase todas as semanas, até meados de 2003, a autora ordenava ao Sr. JJ que levasse o seu veículo pessoal à máquina de lavar, o que aquele colaborador cumpria (167.º);
160) Tais ordens eram dadas no sentido de que o colaborador em causa as cumprisse dentro do respectivo horário de trabalho, o que acontecia efectivamente (168.º);
161) Ao JJ, a autora deu ainda ordens para lhe fazer outros recados pessoais, nomeadamente, buscar o carro à Garagem da Vilarinha, buscar documentos à Loja do Cidadão para o seu irmão (sendo que neste caso mandou também o então colaborador NN, tendo ambos ficado uma tarde inteira retidos no referido local) (171.º);
162) No caso da situação da Garagem, a autora confiou ao JJ a quantia de € 20,00, quando o custo da reparação era superior, quantia essa que teve de ser adiantada pelo JJ (172.º);
163) A autora apenas pagou essa quantia alguns dias depois (173.º);
164) Ao JJ, ordenava-lhe, igualmente, que lhe tirasse cafés, diariamente, mais do que uma vez ao dia (174.º);
165) A autora, mais do que uma vez, referindo-se a colaboradores da ré, usou a expressões «burro» e «incompetente» (175.º);
166) Gradualmente, após a nomeação do novo Director-Geral, os colaboradores começaram a relatar os factos referidos (176.º);
167) Pelo menos alguns colaboradores pediram para serem libertados da obrigação de reportar à autora (177.º);
168) A autora foi informada pelo Sr. Presidente de Direcção da ré que, em almoço informal que teve, antes da reunião de Direcção de 29/07/2004, com o Vice--Presidente e o Director-Geral, este lhes terá referido falta de confiança na autora para o cargo de Directora-Geral-Adjunta (5.º);
169) Na sequência de processo disciplinar que a ré instaurou à autora, datada de 28/06/2005, recebeu esta a nota de culpa com comunicação da intenção de despedimento, onde lhe são imputadas várias infracções disciplinares conforme documento de fls. 290 a 325, que aqui se dá por reproduzido [M)];
170) A autora apresentou resposta à nota de culpa, conforme documento de fls. 231 a 266, que aqui se dá por reproduzido [N)];
171) Por comunicação datada de 22/09/2005 e recebida pela autora em 14/10/2005, a ré procedeu ao despedimento da autora, conforme relatório e decisão final constante de fls. 695 a 743, que aqui se dão por reproduzidos [O)];
172) A autora auferia, em Abril de 200[5], o vencimento de € 2 644,70, a que acresce o valor relativo ao subsídio de alimentação e ainda a quantia de € 661,18, conforme documento de fls. 20, que aqui se dá por reproduzido [P)];
173) As acusações em que assenta o procedimento disciplinar e o despedimento causaram e causam agastamento, sofrimento, desgosto e angústia à autora (7.º);
174) A autora era conhecida e respeitada no meio empresarial em que se insere a ré (9.º);
175) A autora tem dificuldades em conseguir um novo emprego (13.º);
176) À autora foi atribuído subsídio de desemprego, nos termos constantes do documento de fls. 1343, que aqui se dá por reproduzido.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

3. O tribunal de 1.ª instância considerou que «[o] facto jurídico específico que serve de fundamento à acção reconduz-se à cessação do contrato operada pelo despedimento com invocação de justa causa promovido pela ré» e que «o pedido reconvencional deduzido pela ré fundamenta-se em factos alegadamente praticados pela autora, que traduzem o incumprimento por parte desta dos deveres laborais», daí que «a pretensão da ré funda-se nos factos que servem de fundamento à defesa, consubstanciando uma causa de pedir específica, diversa e distinta daquela em que se funda a acção», termos em que julgou a reconvenção legalmente inadmissível.

O Tribunal da Relação do Porto confirmou o decidido, aduzindo o seguinte:

«No presente caso, a autora pede a declaração de ilicitude do seu despedimento, bem como a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização por antiguidade, retribuições vencidas, compensação salarial e indemnização por danos não patrimoniais. Assim, o facto jurídico que serve de fundamento à acção, ou melhor, a causa de pedir (facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor para fundamentar a sua pretensão — art. 498.º, n.º 4), apresentado pela autora assume natureza complexa e assenta, na ilicitude do despedimento e nos invocados créditos salariais e indemnizatórios referidos.
A ré, por seu turno, fundamenta o seu pedido reconvencional em factos praticados pela autora consubstanciadores de incumprimento dos seus deveres laborais, por esta manter em seu poder euros 336,05 pertencentes à ré, ter alegadamente extorquido a esta a quantia de euros 877,07, e ainda euros 18.091,44, a título de retribuições que lhe terão sido pagas indevidamente.
Sendo a causa de pedir, para efeitos do citado art. 30.º integrada não pelo contrato de trabalho como pretende a ré, mas sim pelo facto de que emerge directa e imediatamente a pretensão que na acção se pretende fazer valer, não existindo qualquer nexo ou ligação entre os pedidos formulados pela autora e os deveres laborais pela mesma pretensamente violados, apenas se pode concluir que o pedido do réu não emana do (mesmo) facto jurídico que serve de fundamento à acção, como é pressuposto da aplicação, da 1.ª parte, do indicado normativo. E tão pouco ocorre a situação contemplada na sua 2.ª parte. Com efeito, no art. 85.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais Judiciais), a que aí se alude, está definida a competência em matéria cível dos tribunais de trabalho, estabelecendo-se na sua alínea p) que lhes compete conhecer das “questões reconvencionais que com a acção tenham relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação em que é dispensada a conexão”. Sendo que na alínea anterior — alínea o) — se referem: “questões ...emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência ...” (sublinhados nossos).
[…]
Ora, ponderando os pedidos formulados pela autora (declaração de ilicitude do despedimento, indemnização por antiguidade e por danos morais), e os pedidos (de pagamentos de créditos), baseados em alegadas violações dos deveres contratuais daquela deduzidos pela ré, bem se vê, nos termos expostos, que não existe qualquer relação de acessoriedade, dependência ou complementaridade a que se refere a alínea p), da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, e tão pouco foi deduzida compensação.
Desta feita, porque se não verificam os respectivos pressupostos, não é admissível a deduzida reconvenção […].»

A recorrente discorda, sustentando que, «[n]uma acção de impugnação de despedimento como a presente, a causa de pedir é complexa, consubstanciando o despedimento, mas também, necessariamente, a existência do contrato de trabalho», que «[o] pedido formulado pela Autora fundou-se na alegada ilicitude de despedimento, mas também no próprio contrato de trabalho» e que «[o]s factos em que a Ré alicerçou o pedido reconvencional por si formulado reconduzem-se à mesma causa de pedir em que a Autora fundamentou o seu pedido: a existência do referido contrato de trabalho».

Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer as normas em causa.

3.1. O artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, na versão anterior à conferida pelo Decreto-Lei 295/2009, de 13 de Outubro, estipulava:
«Artigo 30.º
(Reconvenção)
1 – A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.
2 – Não é admissível reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.»

Por seu turno, dispõe a alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que cabe aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, «[d]as questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão»; enfim, «a alínea anterior», ou seja, a alínea o) do mesmo artigo 85.º, confere aos tribunais do trabalho competência para conhecer, em matéria cível, «[d]as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

A admissibilidade da reconvenção está, assim, dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, que se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros, agora de carácter adjectivo, referentes à forma do processo e competência do tribunal.

O acórdão recorrido não põe em causa a falta de qualquer requisito de cariz processual, pelo que deles não há que conhecer.

Note-se que, enquanto a alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do Código de Processo Civil, admite a reconvenção «[q]uando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa», o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, restringe essa admissibilidade à situação em que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, pelo que, no domínio do processo laboral, não é admissível reconvenção com base no facto jurídico que serve de fundamento à defesa.

Segundo LEITE FERREIRA (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, p. 167, in fine), esta restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral visa claramente «evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta, em regra, por um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção […]».

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação das normas conjugadas dos artigos 30.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e 85.º, alíneas o) e p), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
Justificam-se, pois, as considerações genéricas que se seguem.

3.2. A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

3.3. O n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho aqui aplicável estabelece a admissibilidade da reconvenção «quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro».

Ora, o sentido da expressão «facto jurídico que serve de fundamento à acção» empregue no primeiro segmento do preceito em exame, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado «Instância», em que é regulada a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir (artigo 28.º), só pode ser entendido como referindo-se, precisamente, à causa de pedir, isto é, «ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão» (cf. n.º 4 do artigo 498.º do Código de Processo Civil; e VAZ SERRA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 109.º, p. 313).

O segundo segmento da norma em exame remete para o caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99.

A remissão supõe uma regulação per relationem a outra regulação: a norma de remissão refere-se a outra ou outras disposições de forma tal que o conteúdo destas deve considerar-se parte integrante da normação que inclui a norma remissiva; o conteúdo do objecto da remissão incorpora-se ou estende a sua aplicabilidade ao âmbito de vigência da norma remissiva.

Como já se referiu, a alínea p) do citado artigo 85.º reporta-se às «questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão».

Por sua vez, a sobredita alínea anterior, ou seja, a alínea o) do mesmo artigo 85.º, alude às «questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

Deste modo, por remissão para a alínea p) do citado artigo 85.º, o antedito artigo 30.º prevê a admissibilidade da reconvenção, quando intercedam as relações de conexão aludidas na alínea o) do mesmo artigo 85.º entre o pedido reconvencional e a acção, e quando o réu invoca a compensação de créditos.

Que relações de conexão estão previstas nas referidas alíneas do artigo 85.º?

Em primeira linha, essas relações de conexão, pelo próprio teor literal da alínea p) do antedito artigo 85.º, devem estabelecer-se entre as enunciadas questões reconvencionais e a acção.

Doutro passo, a história dos preceitos vertidos nas alíneas em apreço revela que as mesmas reproduzem as alíneas o) e p) do artigo 66.º da Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), embora, mais impressivamente, a redacção adoptada na alínea o) daquele artigo 66.º fizesse anteceder cada um dos tipos de conexão pela preposição «por», referindo competir aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, «[d]as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

Assim, o que se extrai do texto das conjugadas alíneas o) e p) do antedito artigo 85.º é que as relações de conexão aí em causa são as que emergem entre as questões reconvencionais e a acção, por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

Tudo para concluir que o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, com a remissão para a alínea p) do citado artigo 85.º, prevê três situações de admissibilidade da reconvenção: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.

3.4. No caso vertente, a autora cumulou diversos pedidos contra a ré, sendo diferentes os factos jurídicos em que alicerça essas suas pretensões.

Assim, quanto aos pedidos de pagamento de indemnização de antiguidade, das retribuições intercalares e de indemnização por danos não patrimoniais, a causa de pedir reconduz-se à ilicitude do despedimento por falta de justa causa, ilicitude que tem as consequências previstas nos artigos 436.º, 437.º e 439.º do Código do Trabalho de 2003, aqui aplicável.

Já quanto ao pedido de pagamento do «complemento da retribuição devida de € 661,18/mês, desde 1/05/2005 até à data do despedimento, por fazer parte integrante do seu vencimento e não por respeitar a qualquer contrapartida pela alegada isenção de horário», a causa de pedir assenta no defeituoso cumprimento do contrato de trabalho celebrado entre as partes, que investe o trabalhador e a entidade empregadora num complexo de direitos e obrigações, que a lei lhes reconhece e impõe (artigos 10.º e 119.º a 122.º do Código do Trabalho de 2003).

Com o pedido reconvencional, a ré pretende que a autora seja condenada a pagar-lhe: (i) a quantia de € 336,05 correspondente ao valor de pontos da Vodafone pertencentes à ré e dos quais a autora se teria apropriado abusivamente para pagar parte do preço de um telemóvel que adquiriu sem autorização e contra a vontade da ré; (ii) a quantia de € 877,07, da qual a autora, alegadamente, se teria apropriado, utilizando um método artificioso através do qual teria enganado o técnico oficial de contas da ré; (iii) a quantia de € 18.091,44, relativa a retribuições que teriam sido indevidamente pagas à Autora nos períodos em que injustificadamente se ausentava do trabalho, nos anos de 2001 e 2002, invocando a ré um enriquecimento sem causa.

Ora, a presente reconvenção emerge de factos que servem de fundamento à defesa, prejuízos causados pelo comportamento da autora, assentando numa causa de pedir específica, diferente das que constituem o fundamento da acção — a ilicitude do despedimento e o defeituoso cumprimento do contrato de trabalho celebrado entre as partes. E apesar de ambos os pedidos — da acção e da reconvenção — terem um ponto comum, a celebração de um contrato de trabalho, o certo é que o fundamento da acção não reside nessa celebração.

Portanto, o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, como se exige na primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho.

E, por outro lado, entre o pedido reconvencional e a acção não se verifica qualquer interligação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

Com efeito, a haver qualquer relação de conexão ela é apenas indirecta, na medida em que o pedido reconvencional e os pedidos formulados na acção derivam da existência de um contrato de trabalho. Mas ambas as violações contratuais, quer a imputada à ré, quer a imputada à autora, têm um conteúdo próprio e independente, visto que qualquer dessas violações pode ocorrer sem o concurso da outra.

Não tendo a ré manifestado intenção de compensação de créditos e não se verificando conexão directa entre o pedido reconvencional e a acção, não se verifica qualquer das situações previstas na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99 citada.

Face a todas as precedentes considerações, e revendo a solução jurídica que foi acolhida no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Janeiro de 2006, proferido no Processo n.º 1175/05, da 4.ª Secção, a reconvenção, tal como se acha formulada pela ré, não é admissível face ao preceituado no n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o estipulado nas alíneas o) e p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

Improcedem, pois, as conclusões 1 a 3 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

4. A recorrente alega que «[q]ualquer das condutas referentes à utilização pela Autora do computador que foram dadas como provadas — em abstracto ou em concreto —, seria e é absolutamente intolerável no quadro de uma relação laboral, ainda por cima quando, como era o caso, a trabalhadora em causa assumia funções de especial responsabilidade», sendo que «ficou ainda provado que a Autora, durante anos e até à data do despedimento, não cumpriu as suas mais elementares obrigações profissionais e funcionais no que concerne ao trabalho das Divisões» — «a Autora não apresentou os planos estratégicos que lhe foi ordenado fazer, não elaborou as contas e orçamentos de que foi incumbida, não procedeu aos trabalhos de preparação e aprovação dos regulamentos internos e não promoveu quaisquer reuniões da esmagadora maioria das Divisões», o que se revela ainda mais intolerável «quando se recorda que a Autora era um quadro superior da Ré, num contexto em que, evidentemente, a relação de confiança é mais intensa e necessária».

Além disso, entende a recorrente que se deve atender, na apreciação da justa causa, ainda que se tratem de infracções prescritas, que «[a]o ausentar-se do seu local de trabalho sem autorização e conhecimento da Ré, violou a Autora de forma reiterada o seu dever de assiduidade», que «[a]o manifestar desprezo pela obrigação de cumprimento escrupuloso dos seus tempos de trabalho, violou a Autora de forma igualmente reiterada, os seus deveres de cooperação e de zelo e diligência», que «[a]o obrigar um subordinado a omitir as suas ausências à Direcção — omitindo-as ela também —, violou a Autora os seus deveres de obediência e lealdade, assumindo também aqui uma postura de evidente desonestidade», que «[a]o ordenar a dois colaboradores da Ré que lhe fossem pagar facturas dos SMAS e da EDP relativas à sua casa, praticamente todos os meses, normalmente dentro do horário de trabalho dos subordinados em causa, violou os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade», que «[a]o ordenar quase todas as semanas, até meados de 2003, a um subordinado, que levasse o seu veículo pessoal à máquina de lavar dentro do respectivo horário de trabalho, violou também os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade», que «[a]o dar outras ordens a um subordinado no sentido de lhe fazer diversos outros recados pessoais dentro do horário de trabalho, nomeadamente buscar o carro à garagem ou buscar documentos à Loja do Cidadão, violou também os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade», que «[a]o ordenar a um subordinado que lhe tirasse cafés diariamente, mais do que uma vez ao dia, violou uma vez mais os deveres de zelo e diligência, de cooperação e de lealdade», que «[a]o referir-se a colaboradores da Ré como burros e incompetentes, humilhando-os, violou os deveres de respeito e urbanidade», porque se deve atender não só aos factos que consubstanciam em concreto a justa causa, como também a todas demais circunstâncias que se mostrem relevantes para o efeito.

Mais propugna que «[o]s comportamentos protagonizados pela Autora relativamente ao telemóvel Sharp, por um lado, e ao prémio e ao cartão BP, por outro lado, revestiram-se igualmente de extrema gravidade em termos disciplinares», sendo que «[c]ada uma dessas condutas seria de per si justa causa de despedimento».

A sentença do tribunal de 1.ª instância concluiu verificar-se justa causa para o despedimento, porquanto, «não obstante a antiguidade da autora e a ausência de antecedentes disciplinares conhecidos, […] atendendo às funções que por ela eram exercidas, à natureza e reiteração do comportamento adoptado e respectiva gravidade, não era exigível à demandada a manutenção da relação contratual».

Diversamente, o acórdão recorrido decidiu que as condutas da autora não constituíam justa causa para o seu despedimento, tecendo as considerações seguintes:

«[…] se pode vislumbrar-se do acervo factual apurado, que autora terá tido algum défice de liderança ou coordenação, revelador de um eventual menor zelo ou empenhamento no exercício das suas funções, como Directora-Geral-Adjunta no tocante à área em causa, e terá assumido um comportamento desobediente ao não ter entregue o computador quando tal lhe foi ordenado e o utilizou nos moldes em que o fez, tais factos apesar de integrarem violação dos seus deveres profissionais (art. 121.º, alíneas c), d) e f), do Código do Trabalho), no contexto em que ocorreram, não assumem, a nosso ver, gravidade bastante que coloque irremediavelmente em causa, a continuidade da relação de trabalho da autora, que já contava na ré 25 anos de antiguidade e sem qualquer passado disciplinar.
Assim, embora se admita merecer censura o comportamento da autora, por força do princípio da proporcionalidade em matéria de graduação de sanções disciplinares, art. 367.º do Código do Trabalho (segundo o qual a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais do que uma pela mesma infracção), o mesmo não é susceptível de uma sanção tão grave e expulsiva como é o despedimento. Este deve ser reservado para os casos limite de gravidade, em que não seja exigível para o empregador (normal) a manutenção do vínculo laboral, o que no caso, em nosso entender, não ocorre. O que significa que, em nosso entender, não ocorre justa causa para o despedimento da autora […].»
4.1. Como é sabido, a proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

No plano infraconstitucional, tendo o despedimento sido efectuado em 14 de Outubro de 2005, portanto, na vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime acolhido naquele Código, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

De harmonia com o preceituado no artigo 396.º constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1).

O conceito de justa causa formulado neste normativo integra, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Na concretização do critério geral para determinação da justa causa, o n.º 3 do artigo 396.º indica alguns comportamentos do trabalhador que podem configurar justa causa de despedimento, indicação que assume natureza exemplificativa.

Por outro lado, os deveres do trabalhador são listados no artigo 121.º, sendo que o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho [alínea f)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no artigo 119.º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea e)], que são apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

Como afirma MONTEIRO FERNANDES, «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)», sendo que, nos cargos de direcção ou de confiança, «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador», o que aponta no sentido de que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e que, encarado de um outro ângulo, «apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», «com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT», donde promana, «no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte» (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234).

Tal como determina o n.º 2 do artigo 396.º, «[p]ara apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Refira-se que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento (artigos 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e 435.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho).

4.2. Como acentua o aresto recorrido, «[d]a panóplia de factos que foram imputados à autora pela ré em sede de nota de culpa (fls. 291 a 325), face ao teor da decisão recorrida (onde se considerou ocorrer prescrição das infracções disciplinares consubstanciadas nas ausências ao serviço, na violação dos deveres de respeito para com os colaboradores, e se não provou a invocada traição à ré, a compra irregular do telemóvel e a obtenção indevida de um valor decorrente de um prémio e de combustível […]), importa agora, nesta sede, somente apreciar os que dizem respeito à não entrega do computador à ré e à falta de dinamização das divisões».

Assim é, desde logo porque não se poderá atender às infracções prescritas, na apreciação da justa causa de despedimento.

Consoante se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Março de 2005, Processo n.º 1374/04, da 4.ª secção, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento SJ200503160013744, «[t]endo sido declarada extinta, por prescrição, determinada infracção praticada pelo trabalhador, tal circunstância “apaga” da prestação do trabalhador ao serviço daquela entidade empregadora o comportamento censurável em causa: é como se ele não tivesse existido. Daí que, face à prescrição, tais factos/comportamentos não deveriam ter sido objecto da acção disciplinar. E, se tais factos não podem, em si mesmos, ser objecto de sanção disciplinar mal se compreenderia que já pudessem ser atendidos na apreciação conjunta com outros factos e na sanção disciplinar a aplicar; de outro modo, estar-se-ia a permitir por uma “via oblíqua”, aquilo que expressamente, pela “via directa”, o legislador quis evitar.»

E, doutra parte, não há que atender, na apreciação da justa causa, à aquisição de um telemóvel, com utilização de pontos da Vodafone, nem à alegada apropriação de um valor decorrente da retenção para efeitos de IRS de um prémio que lhe fora atribuído e que não descontou na atinente retribuição os montantes correspondentes aos consumos de combustíveis com o cartão BP.

Efectivamente, não resulta da matéria de facto provada [factos provados 60) a 65)] que a aquisição do dito telemóvel tenha sido feita sem a autorização da ré, como esta alegara e constava do quesito 56.º, dado como «Não provado», e em que se perguntava se «[t]udo isto fez a Autora sem qualquer autorização por parte da Direcção da Ré, tendo a aquisição sido efectuada contra a vontade da Ré».

E o mesmo se diga relativamente ao dito prémio e cartão BP, face à resposta negativa ao quesito 63.º, em que se perguntava se «[a] Autora gizou um estratagema no sentido de, à revelia da Direcção, extorquir da Ré o dinheiro que fora retido no prémio, a título de IRS», e tendo em conta as respostas dadas aos quesitos 69.º e 83.º, a que correspondem os factos provados 74) e 87), dos quais resulta, como sublinha o acórdão recorrido, «que a autora acabou por fazer contas com a ré e, em face do valor das despesas que apresentou, e que foram aprovadas, ainda se verificou ser credora da ré em euros 488,98 (cfr. facto 2.87). Assim, tendo a ré aceitado como boas as despesas da autora (e não se tendo provado que o não fossem), tendo feito acerto de contas com ela e ainda lhe devolvido a referida importância, também se não se vislumbra a existência de infracção disciplinar quanto a essa matéria.»

Improcedem, pois, as conclusões 10 a 21 da alegação do recurso de revista.

Delimitada a factualidade que releva para apreciar a justa causa questionada, refira-se que se extrai da matéria de facto apurada que «[a] ré é uma Associação que tem como objecto genérico coordenar toda a política de desenvolvimento dos sectores que abrange, representando, defendendo e promovendo os interesses comuns dos seus associados junto de terceiros», e que «[a] autora foi admitida ao serviço da ré no dia 1 de Dezembro do ano de 1980, tendo exercido a função de economista até 31 de Maio do ano de 1990, data a partir da qual passou a exercer a função de Directora-Geral-Adjunta», competindo-lhe, nessa qualidade, pelo menos em algumas ocasiões, «a representação da BB, por delegação da Direcção, nomeadamente junto de organismos nacionais e internacionais», «a coordenação do trabalho interno de apoio aos associados», «a elaboração de propostas, pareceres, exposições e documentos de apoio à Direcção», «o acompanhamento de assuntos económicos da CIP», «a presença em actos oficiais ligados à actividade da associação» e «a participação nas reuniões de Direcção, do Conselho Consultivo e Secretariado das Assembleias Gerais da BB, com elaboração das respectivas actas», sendo que, «[e]ntre a data de 31 de Janeiro e a data de 31 de Agosto do ano 2003, a autora assumiu a função de Directora-Geral Interina» e que, «[p]or comunicação datada de 22/09/2005 e recebida pela autora em 14/10/2005, a ré procedeu ao despedimento da autora» [factos provados 1) a 3), 5) e 171)].

A autora foi, assim, um quadro superior da ré, assumindo elevadas funções directivas, hierárquicas e de representação institucional, em quase 25 anos de serviço.

Mais resulta dos factos provados 38) a 52) que, em data indeterminada de 2004, o director-geral, informado de que a autora tinha em seu poder um computador portátil, marca «C...», modelo «P... 1500», em 23 de Abril de 2004, enviou à autora um e-mail, através do qual lhe comunicou ter sabido que a mesma tinha em seu poder um computador portátil que não estava a ser utilizado, e que o mesmo estava a fazer falta na associação, conforme então referiu, tendo pedido à autora que devolvesse o computador com a maior brevidade possível. A autora contactou pouco depois o director-geral, tendo-lhe dito que o computador lhe fora atribuído pelo anterior Presidente da Direcção, Eng. HH, e que este a autorizara a manter o computador em sua casa, tendo o director-geral aceitado naturalmente a explicação como sendo verdadeira; porém, no decurso de 2005, essa questão foi referida em conversa entre o director-geral e aquele antigo presidente da direcção, tendo este expressamente referido que não tinha dado autorização para o efeito. Em consequência, em data não determinada, mas durante o ano de 2005, o director-geral, verbalmente, deu uma ordem à autora no sentido de restituir à ré o computador que havia levado para sua casa, dizendo-lhe para entregar o computador ao colaborador JJ, sublinhando que o mesmo fazia falta à ré, mas a autora não cumpriu essa ordem, pelo que, apercebendo-se de tal facto, no dia 27 de Abril de 2005, o director-geral reiterou essa mesma ordem, tendo dito à autora para, de uma vez por todas, restituir o computador à ré, sendo que a autora persistiu no incumprimento da ordem, o que obrigou o director-geral, em 29 de Abril de 2005, a confirmar a ordem por escrito, tendo a autora devolvido o computador, no dia 2 de Maio de 2005, e, em simultâneo, através de e-mail enviado ao director-geral, com conhecimento aos demais membros da Direcção, afirmado, relativamente ao computador, que o mesmo lhe tinha sido atribuído, e que «o computador em apreço é um instrumento de trabalho que, como o próprio nome indica, me acompanhava diariamente quer na associação quer em casa, quer ainda nos demais locais onde se afigurava o recurso ao mesmo, em prol do interesse da Associação».

Porém, tal como decorre dos factos provados 53) a 59), tendo a ré analisado o conteúdo do computador em causa, verificou que, no mesmo, não estava instalado qualquer software pertencente à ré, que o software instalado nada tinha a ver com a actividade da ré, que a pasta «Meus documentos» estava completamente vazia, «não havendo sequer qualquer registo histórico de que essa pasta alguma vez tenha estado ocupada», que estavam instalados dois jogos de computador, um Dicionário Júnior e um software relativo a fotografias, e o próprio software relativo ao sistema anti-vírus, criado em 5 de Julho de 2004, sem o seu conhecimento, não lhe pertencia, e nenhum dos programas de software instalados no computador estava licenciado, sendo que, «[a]pesar da autora ter usado o computador portátil em reuniões de trabalho ao serviço da ré, tal computador era também pela mesma utilizado em seu benefício pessoal e de seu agregado familiar».

Assim, sem autorização da ré, a autora utilizou o dito computador em seu benefício pessoal e do seu agregado familiar, instalou naquele equipamento software não licenciado e que nada tinha a ver com a actividade da ré, invocou, sem que tal correspondesse à verdade, que aquele computador lhe fora atribuído por um anterior presidente da direcção, «e que este a autorizara a manter o computador em sua casa», e não cumpriu, por duas vezes, a ordem dada pelo director-geral para o devolver, desconsiderando a informação, que lhe foi dada, de que o mesmo «fazia falta à ré».

Resulta, por outro lado, dos factos provados 34) a 37) e 88) a 101), que a ré agrega empresas cuja principal actividade se situa nos sectores metalúrgico, metalomecânico, electromecânico e afins, englobando assim uma multiplicidade de subsectores, tendo criado internamente, há já muitos anos, as chamadas Divisões, correspondendo cada Divisão a um subsector, sendo que a autora, desde antes de 1999, detinha a responsabilidade executiva pela dinamização das Divisões em geral e, desde o novo organograma, que vigorou a partir do início do ano de 2005, ficou, também formalmente, com a obrigação de dinamizar toda a actividade das Divisões em geral e ainda de acompanhar a actividade específica de 22 Divisões. Todavia, a autora não elaborou um plano estratégico para as Divisões no sentido de o propor ao director-geral e à Direcção, bem como não apresentou, em resposta a solicitação da Direcção anterior, as contas das Divisões relativas aos anos de 2002 e 2003, trabalho que já antes de Outubro de 2003 lhe fora pedido, inúmeras vezes, mas que a autora não apresentou, pelo que, na reunião de Direcção realizada em 14 de Outubro de 2003, o pedido foi renovado; acresce que, na reunião de Direcção seguinte, realizada em 18 de Novembro de 2003, a autora não o apresentou, tendo justificado que «não fora possível concluir em tempo útil o trabalho com a identificação das contas relativas às Divisões, sublinhando que o mesmo apenas poderia ser apresentado na próxima reunião»; na reunião seguinte, realizada no dia 22 de Dezembro de 2003, a autora voltou a não apresentar o trabalho, justificando-se, «sublinhou que ainda não fora possível que o documento em causa explicitasse de forma pormenorizada todos os custos e receitas das várias Divisões, estando todavia a diligenciar no sentido de que tal venha a ser possível», e, na reunião de Janeiro de 2004, a autora voltou a não apresentar o trabalho e continuou a não o apresentar nas reuniões seguintes, e nem sequer depois de Julho de 2004 o fez, seja à Direcção, seja, ao director-geral, pelo que, no dia 11 de Maio de 2005, este insistiu na ordem em causa e, para esse efeito, enviou-lhe um e-mail, e só então a autora apresentou um trabalho sobre a matéria, mas, ainda assim, incompleto.

E colhe-se, ainda, dos factos provados 102) a 145) que a autora, no que se refere à generalidade das Divisões da ré, cuja actividade lhe competia promover, coordenar e acompanhar, não realizou qualquer reunião desde Julho de 2004, não diligenciou pela aprovação dos seus regulamentos internos e, pelo menos nos anos mais recentes, não convocou as empresas do sector para dinamizar as actividades.

Deste modo, como se afirma na sentença do tribunal de 1.ª instância, «a autora não realizou as tarefas de que fora incumbida de forma a contribuir para o cumprimento dos objectivos da ré e realizou outros de modo deficiente, omitindo, pois, o cumprimento dos […] deveres de diligência, zelo e cooperação».

Tal comportamento da autora — utilização de um computador portátil da ré, em benefício pessoal e do seu agregado familiar, instalação naquele equipamento de software não licenciado e que nada tinha a ver com a actividade da ré, invocação, sem que tal correspondesse à verdade, que aquele computador lhe fora atribuído por um anterior presidente da direcção, não cumprimento, por duas vezes, da ordem dada pelo director-geral para o devolver, desconsiderando a informação de que o mesmo «fazia falta à ré», e, no que toca à generalidade das Divisões da ré, cuja actividade lhe competia promover, coordenar e acompanhar, a não realização de qualquer reunião desde Julho de 2004, não ter diligenciado pela aprovação dos regulamentos internos respectivos e, pelo menos nos anos mais recentes, não ter convocado as empresas do sector para dinamizar as actividades — violou, grave e culposamente, os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções do empregador e do seu superior hierárquico, na execução do trabalho, de lealdade, tomado este no sentido de necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, e de boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho (artigo 121.º, n.os 1, alíneas c), d), e) e f), e 2, do Código do Trabalho de 2003).

Nesta parametrização, o apurado comportamento da autora não pode deixar de considerar-se particularmente grave e censurável, já que, ocupando, na ré, cargo com responsabilidades directivas, hierárquicas e de representação institucional, esse estatuto pressupunha uma maior exigência e acuidade quanto aos deveres de zelo, diligência, obediência, lealdade e boa utilização dos bens pertinentes ao seu trabalho.

4.3. Verificada a existência de um comportamento ilícito e culposo por parte da autora, terá de se ponderar se o respectivo despedimento, sanção máxima disciplinar, é proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade da infractora.

Ora, a autora, que desempenhava funções directivas proeminentes, utilizou um computador portátil da ré, em seu benefício pessoal e do seu agregado familiar, instalou naquele equipamento software não licenciado e que nada tinha a ver com a actividade da ré, invocou, sem que tal correspondesse à verdade, que o computador lhe fora atribuído por um anterior presidente da direcção, não cumpriu, por duas vezes, a ordem dada pelo director-geral da ré de o devolver, desconsiderando a informação de que o mesmo «fazia falta à ré», sendo que, no que toca à generalidade das Divisões da ré, cuja actividade lhe competia promover, coordenar e acompanhar, não realizou qualquer reunião desde Julho de 2004, não providenciou pela aprovação dos regulamentos internos respectivos e, pelo menos nos anos mais recentes, não convocou as empresas do sector para dinamizar as actividades, o que, para além de violar os deveres do trabalhador acima enunciados, afectou a relação de confiança que deve existir entre o empregador e o trabalhador, gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do desempenho das suas funções, bem como a inexigibilidade da manutenção da relação contratual, assente no cumprimento de um contrato intuitu personae, pelo que o despedimento mostra-se proporcional ao comportamento tido.

Refira-se, ainda, que a antiguidade da autora e a ausência de antecedentes disciplinares conhecidos são, sem dúvida, elementos a ponderar, mas não podem sobrepor-se à gravidade dos actos praticados; aliás, a mencionada antiguidade permitia-lhe ter plena consciência das consequências que a sua conduta iria provocar na permanência da confiança em que assentava a relação de trabalho, sendo que o bom comportamento anterior não a desoneravam do cumprimento das suas obrigações, antes sugeriam um maior cuidado no modo de cumprimento das obrigações contratualmente assumidas.

Tudo para concluir que a autora, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a sua manutenção, que não é razoável exigir à entidade empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho aplicável.

Assim, procedem as conclusões 4 a 9 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista, pelo que fica prejudicado o conhecimento das matérias enunciadas nas conclusões 22, 23, 24 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

De facto, o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

5. Resta, por conseguinte, ajuizar se a autora tem direito, desde 1 de Maio de 2005 até à data do despedimento, ao complemento retributivo mensal de € 661,18, pago a título de retribuição por isenção do horário de trabalho e, no caso afirmativo, se a autora, ao peticionar tal pagamento, agiu com abuso do direito.

5.1. Com relevo para a apreciação desta questão, resulta dos factos provados 6) a 24) que, nos recibos de vencimento da autora, constava a quantia de € 661,18, a título de «isenção de horário de trabalho» e que a autora tinha de cumprir um horário de trabalho, sem prejuízo de executar muitas das funções fora da empresa, quer no início, quer no fim do período de trabalho, sendo certo que, a partir do mês de Julho de 1981, a autora deu o seu acordo expresso ao pedido de isenção formulado pela ré, conforme cópia da declaração de acordo que então a autora assinou para o efeito, e que a ré formalizou de imediato a situação de isenção junto da Inspecção-Geral do Trabalho, tendo a autora e a ré renovado, anualmente, o dito acordo e requerimento, sendo este deferido expressamente por aquela Inspecção-Geral, «por um ano». No entanto, em 1994, tendo a ré enviado requerimento de isenção do horário de trabalho ao IDICT, junto com a declaração de concordância outorgada e assinada pela autora, o requerimento foi deferido pelo IDICT, conforme respectivo despacho de fls. 197, «sem aí se consignar prazo limite», pelo que, em 1995, «tanto a autora como o então Director-Geral, Eng.º DD, foram alertados pelo Departamento Jurídico para, à cautela, enviarem ao IDICT as renovações dos pedidos de isenção dos colaboradores da ré, ao que aqueles referiram que tal não seria necessário».

Mais se provou que «[a] ré comunicou à autora que deixaria de ter interesse, a partir de 1 de Maio de 2005, na isenção do seu horário de trabalho, através do documento de fls. 70, que aqui se dá por reproduzido, tendo cessado igualmente o pagamento do respectivo complemento no valor de € 661,18 [facto provado 25)].

Registe-se, ainda, que foi dado como «Não provado» que «[a] Ré pretendeu com a expressão “isenção de horário” constante dos recibos evitar “burburinho” na Associação Ré no que respeita ao vencimento dos outros seus quadros licenciados, não distorcendo a grelha salarial existente, pelo diferencial relativamente aos vencimentos dos demais funcionários» (resposta negativa ao quesito 2.º-A), termos em que decorre da matéria de facto provada que aquele complemento retributivo mensal foi pago a título de retribuição por isenção do horário de trabalho.
5.2. No regime jurídico anterior ao Código do Trabalho de 2003, o artigo 50.º da LCT estipulava que os trabalhadores isentos de horário de trabalho tinham direito, em regra, a retribuição especial (n.º 1) e que essa retribuição nunca seria inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia, sempre que a isenção implicasse a prestação do trabalho para além do período normal de trabalho (n.º 2), podendo renunciar àquela retribuição os trabalhadores isentos de horário de trabalho que exercessem funções de direcção na empresa ou auferissem remuneração superior à que, para o efeito, fosse estabelecida por portaria de regulamentação de trabalho ou convenção colectiva (n.º 3).

Por seu lado, o n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 409/71, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, dispunha, no que agora importa, que podia ser isento de horário de trabalho, mediante requerimento da entidade empregadora, o trabalhador que exercesse cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização [alínea a)] ou cuja actividade fosse exercida, regularmente, fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia [alínea c)], sendo que o artigo 14.º daquele diploma legal previa que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho fixariam as retribuições mínimas a que teriam direito os trabalhadores abrangidos por essa isenção (n.º 1) e que, na falta de tais disposições, os trabalhadores isentos de horário de trabalho tinham direito a uma retribuição especial, que não seria inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia (n.º 2), podendo renunciar àquela retribuição, os trabalhadores que exercessem funções de direcção na empresa (n.º 3).

E, no domínio do Código do Trabalho de 2003, o n.º 1 do artigo 177.º previa que, por acordo escrito, que devia ser enviado à Inspecção-Geral do Trabalho, podia ser isento de horário de trabalho, no que ora interessa, o trabalhador que exercesse cargos de administração, de direcção, de confiança ou de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos [alínea a)], bem como aquele com exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia [alínea c)].
Por sua vez, o artigo 256.º do mesmo diploma previa que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podiam fixar a retribuição mínima a que tinha direito o trabalhador abrangido pela isenção de horário de trabalho (n.º 1) e que, na falta de tais disposições, o trabalhador isento de horário de trabalho tinha direito a uma retribuição especial, que não seria inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia (n.º 2) ou duas horas de trabalho suplementar por semana, «quando se trate de regime de isenção de horário com observância dos períodos normais de trabalho» (n.º 3), podendo renunciar à referida retribuição «o trabalhador que exerça funções de administração ou de direcção na empresa» (n.º 4).

Tudo para concluir que o regime de isenção de horário de trabalho é, por natureza, transitório e reversível, dependendo de uma acção cuja iniciativa repousa na vontade da entidade empregadora, sendo que a correspectiva retribuição especial só é devida se e enquanto o trabalhador desfrutar dele.

Assim, tal como afirma o acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Janeiro de 2008, Processo n.º 2906/07, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento SJ200801090029064, embora as importâncias pagas a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, dadas as características de periodicidade e regularidade, não possam deixar de assumir natureza retributiva, daí não se pode concluir, sem mais, que as mesmas não possam ser retiradas.

E a este propósito, teceu as considerações seguintes:

«Como se deixou afirmado, em relação à retribuição, a lei […] estabelece um princípio de irredutibilidade, no sentido de que não pode ser diminuída a retribuição do trabalhador, salvo casos específicos previstos na lei, nas portarias de regulamentação do trabalho e nas convenções colectivas ou, quando precedendo autorização da autoridade administrativa, haja acordo do trabalhador.
Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, como tem sido entendimento uniforme deste tribunal — vide, entre outros, os acórdãos de 20-06-2001 (Rec. n.º 132/00), de 20-02-2002 (Rec. n.º 2650/01), de 25-09--2002 (Rec. n.º 1197/02), de 16-06-2004 (Rec. n.º 837/03), de 04-05-2005 (Rec. n.º 779/04), de 21-09-2005 (Rec. n.º 918/05) e de 17-01-2007 (Rec. n.º 2188/06), todos da 4.ª Secção — o princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art. 21.º, n.º 1, al. c) da LCT [corresponde ao artigo 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003] não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (vg. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho).
Embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.»

Nesta sequência, conforme foi decidido pelo mesmo acórdão, «a supressão da retribuição por isenção de horário de trabalho (independentemente da validade ou não desse regime) e de complemento de responsabilidade, não configuram diminuição da retribuição da Autora».

Assim, tendo a ré comunicado à autora que, a partir de 1 de Maio de 2005 deixava de ter interesse na isenção do respectivo horário de trabalho, cessando o pagamento do correspondente complemento retributivo, daí não resulta a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.

Consequentemente, terá de improceder o pedido formulado pela autora no que toca ao pagamento da quantia mensal de € 661,18, desde 1 de Maio de 2005 até à data do despedimento.

Nestes termos, procedem as conclusões 25 a 29 da alegação do recurso de revista, pelo que fica prejudicado o conhecimento da matéria contida nas conclusões 30 a 34 e 37, na parte atinente, da alegação do recurso de revista, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável, como já se referiu supra.
III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Julgar inadmissível a revista quanto ao segmento do acórdão da Relação que revogou a condenação da autora como litigante de má fé, dele não se tomando conhecimento;
b) Conceder parcialmente a revista trazida pela ré e, em consequência, revogar o aresto recorrido, excepto no que refere à inadmissibilidade do pedido reconvencional, absolvendo a ré do pedido deduzido pela autora.

Custas, nas instâncias e no Supremo, a cargo da autora e da ré, na proporção do respectivo vencimento.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)
Carlos Valverde
Fernandes da Silva