Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | RODRIGUES DOS SANTOS | ||
Descritores: | MÉDICO ACTO MÉDICO DANO RESPONSABILIDADE MÉDICA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CULPA NEXO DE CAUSALIDADE OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADOS LEGES ARTIS ÓNUS DA PROVA | ||
Nº do Documento: | SJ200910150018002 | ||
Data do Acordão: | 10/15/2009 | ||
Votação: | MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA REVISTA | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL: ARTIGOS 799º Nº 1, 487º, 342º,343º,344º E 1154º | ||
Sumário : | I - Em regra, a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual preenchem integralmente o campo da responsabilidade civil do médico no exercício da sua profissão, sendo irrelevante que o mesmo tenha a seu cargo uma obrigação de meios ou de resultado. II - Ao médico, seja qual for a sua obrigação, esteja ou não vinculado por contrato, exige-se que cumpra as Ieges artis com a diligência normal de um médico médio (reasonable doctor). III - Aplica-se à responsabilidade contratual médica a presunção de culpa contida no art. 799.º, n.º 1, do CC, presunção esta que fica ilidida com a demonstração pelo médico do cumprimento diligente das leges artis. IV - Recai sobre o paciente o ónus da prova do vínculo contratual, da existência de factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do médico, dos danos (e sua extensão), do nexo causal entre a violação das regras da arte e tais danos e da preterição do dever de informação, por parte do médico, ao paciente com vista à obtenção do seu consentimento esclarecido. V - Perante a dificuldade natural da prova de um facto por parte do paciente, o mais que pode acontecer é fazer-se uso da máxima iis quae dificcillioris sunt probationis, levioris probationes admittuntur (para maiores dificuldades na prova, menos exigência na sua aceitação). VI - Contributo relevante para a compreensão e solução desta problemática, é o Estatuto do Paciente, que, no passado recente se consolidou, nas vertentes de dignidade, visibilidade e parceiro total e igual, no binómio paciente - médico, sobretudo após o estabelecimento da doutrina do consentimento informado ou informed consent, donde resultou a vinculação do paciente ao dever de colaboração com o médico e o direito de obter deste o dever de prestar toda a informação sobre a natureza, características, técnicas a usar no exercício do acto médico, alternativas e riscos. VII - A tese que advoga uma alteração das regras legais gerais do regime da efectivação da responsabilidade civil, designadamente, no segmento da repartição do ónus da prova, em caso de responsabilidade civil médica, para além de carência de apoio legal, de falta de suporte na realidade hodierna do exercício da medicina e no actual estado de elevação do estatuto do paciente tem, pelo menos, duas principais consequências negativas: um forte abalo na confiança e certeza do direito e uma sequente e quase inevitável prática de uma medicina defensiva. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. AA e BB intentaram contra CC e DD acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, peticionando que os RR. fossem solidariamente condenados a pagar-lhes uma indemnização: a) A título de danos morais sofridos por EE pelo dano morte de € 240 000 e pelo período que antecedeu a morte de € 60 000; b) Pelos danos morais sofridos pelos AA. de € 150 000 para cada um; e c) Pelos danos patrimoniais causados à EE pela perda do direito de adquirir de € 150 000. Para tanto, alegaram, resumidamente: - Que a sua filha EE se decidiu submeter a uma lipoaspiração; - Que, na sequência de fármacos ministrados pelos RR. para actuação da anestesia local, a EE sofreu problemas cardíacos, vindo a falecer, três dias depois, no H. de S. José. - Que os RR. não dispunham no local dos meios adequados à reanimação; - Que os RR. Tardaram em chamar o INEM; - Que o R. CC se arroga a qualidade de cirurgião plástico, não o sendo; - Que os actos em causa tiveram lugar num consultório e não numa clínica, como indevidamente o local era designado; - Que a morte sobreveio em consequência destes factores; - Que a EE sofreu antes de morrer; - Que os próprios sofreram com a perda da filha. Os RR contestaram separadamente, impugnando o alegado pelos AA., no tocante à respectiva responsabilidade, considerando, em síntese, poder o R. EE praticar os actos para os quais se sentisse habilitado, estar o local devidamente equipado para a intervenção em causa, terem sido observados todos os deveres de cuidado e ter a EE falecido em consequência de um choque anafilático. Requereram ambos a intervenção principal provocada da seguradora "A... P... - C.a de Seguros, S.A.", com fundamento na circunstância de terem transferido para a esta a responsabilidade emergente da prática de actos da sua profissão, o que foi admitido, tendo a interveniente impugnado o aduzido pelos AA. no tocante à responsabilidade dos RR .. O processo foi saneado, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos. Foi interposto recurso do despacho que indeferiu o depoimento de parte do R. DD à matéria indicada pelo co-réu CC, que foi admitido como de agravo, a subir com o primeiro que depois dele houvesse de subir imediatamente, com efeito devolutivo. Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 5/6/2006) sentença final que Julgando a acção totalmente improcedente, por não provada, absolveu os RR. e a interveniente do pedido Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação da referida sentença, tendo a Relação assim decidido: Acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao presente recurso de Apelação, revogando a sentença recorrida e condenando os Réus/Apelados CC e DD a pagarem, solidariamente entre si, aos Autores as seguintes quantias: a) a ambos os Autores/Apelantes, em conjunto, a quantia de € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização pela supressão do direito à vida da filha de ambos; b) a cada um dos Autores a importância de € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pelos mesmos com a morte da sua filha EE; c) juros moratórios, à taxa legal, sobre as quantias referidas em a) e b), desde a data da prolação do presente ares to. Julgam-se, porém, improcedentes os demais pedidos indemnizatórios deduzidos contra os Réus/Apelados pelos Autores/Apelantes, absolvendo-se aqueles dos mesmos pedidos Inconformados, pediram revista os RR., separadamente e, também os AA e a A.... ficando estes dois últimos pelo caminho, o primeiro , deserto por falta de alegações e o segundo por a recorrente não ser parte vencida na causa. O R DD alegou e concluiu: a) Os médicos (ora RR) obrigaram-se a prestar os melhores cuidados ao seu alcance, e não a um determinado resultado, agindo segundo as exigências da "leges artis" e com os conhecimentos científicos existentes, actuando de acordo com um dever objectivo de cuidado. b) A distinção entre cirurgia estética e reparadora efectuada não pode ser, no entanto relevante, no que aos presentes autos diz respeito, porquanto "A EE bradicardizou na sequência da sedação e do início da administração da anestesia local" e por "o pedido, como é evidente, não visar a indemnização dos A.A. pela não obtenção do resultado cirúrgico pretendido, mas por aquilo que efectivamente ocorreu, e que foi o falecimento da operanda" . c) Relativamente ao 1 ° R. a responsabilidade cai no domínio da contratual e quanto ao 2° R. no domínio da extracontratual, cabendo no domínio da responsabilidade civil extracontratual ao lesado provar que houve culpa do lesante e que o dano sofrido lhe é imputável (no. 1 do 487° do Código Civil). d) Os AA não provaram, como lhes competia, a culpa do R. DD, não podendo o ora recorrente ser responsabilizado pela morte da EE ter resultado de um comportamento seu activo ou omissivo, violando o acórdão recorrido o disposto nos artigos 483° nº 1 e artigo 487°, ambos do Código Civil. e) Pelo contrário, ficou ampla e exaustivamente demonstrado na sentença proferida pela 1ª Instância que a conduta do R. DD, como dos R. CC se pautaram pelo cumprimento de todas e quaisquer regras, agindo segundo as exigências da "leges artis" e com os conhecimentos científicos existentes, actuando de acordo com um dever objectivo de cuidado. f) O acórdão recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, atendendo a que não foram alegadas pelas partes, existindo excesso de pronúncia. g) O acórdão é nulo, dado que o Tribunal se pronunciou sobre matéria cujo conhecimento lhe estava vedado, violando o disposto no artigo 668° nº1 d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 716 do C.PC.) e 664° e 264º do Código de Processo Civil. h) Correu termos pelo 1°JuÍzo Criminal de Lisboa, P Secção, o processo nº 23219/99.0TDLSB, no qual se visava apurar a eventual responsabilidade criminal do RR relativamente à intervenção efectuada a EE no dia 9 de Dezembro de 1999. i) Nos autos acima identificados ficou provado que "da matéria de facto provada não resulta que tenha existido qualquer actuação médica concreta integradora do conceito de negligência, em todos os seus critérios de avaliação, de forma a que se possa fazer uma imputação da morte a qualquer médico ou à omissão de qualquer actuação médica violadora da legis artis" j) Por sentença proferida no dia 11 de Abril de 2007, transitada em 15 julgado no dia 26-04-2007, os RR foram absolvidos da prática de um crime de homicídio por negligência (documento um). k) Ao abrigo do disposto artigo 706. ° do Código de Processo Civil deve esse documento ser junto aos presentes autos, atendendo a que a sua junção não foi possível até à presente data, atenta a data em que a sentença foi proferida e à data do respectivo trânsito em julgado. 1) Ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 674°-B do Código de Processo Civil, a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. m) A presunção anteriormente referida prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil - nº2 do artigo 674°-B do Código de Processo Civil. n) O critério de valoração e fixação do montante compensatório obedece exclusivamente a juízos de equidade, tendo presente as referências jurisprudenciais - art. 496, n03 do C. Civil, sendo o montante fixado pelo dano morte no Acórdão recorrido exagerado. o) O montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais também deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso, bem como devem ser considerados os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência. p) Atendendo aos critérios supram identificados, e aos factos considerados provados, é manifestamente exagerada a condenação pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos autores, violando os artigos 496°, 494° e 566° do Código Civil. São termos em que deve conceder-se a presente revista e revogar o Acórdão do Tribunal da Relação, absolvendo os R.R. do pedido, confirmando assim a sentença proferida pela 1 a Instância. Contra alegaram os AA., contrapondo a todas as questões avançadas pelo recorrente Por seu turno, o R CC alegou e concluiu: Atenta a procedência da apelação e entendendo-se no acórdão recorrido que os RR. estão constituídos na obrigação de indemnizar os prejuízos decorrentes do falecimento da paciente, impunha-se que fosse retomada a apreciação da decisão proferida em 1 a Instância nos termos da qual "a responsabilidade da interveniente principal A... P... existirá na medida em que se venha a apurar a responsabilidade de algum ou de ambos os RR.", e que, em conformidade, se condenasse a seguradora no cumprimento daquela obrigação de indemnização. Não o fazendo, o douto acórdão proferido incorre em nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que deixou de conhecer de questões que deveria ter apreciado. O Recorrente sufraga toda a extensa e maioritária doutrina e jurisprudência, também citada no acórdão recorrido, onde bem se sustenta que a presunção de culpa do devedor consagrada no art. 799°, nº 1, do Código Civil não tem lugar no domínio da responsabilidade civil médica. IV. Note-se que a matéria que cumpre apreciar nestes autos não se reconduz ao incumprimento das obrigações contratuais de um médico devedor, trata-se aqui de imputar à conduta dos médicos o falecimento da paciente EE e, no entanto, o acórdão recorrido intenta levar a cabo esta tarefa através da aplicação analógica de uma ficção jurídica - a presunção de culpa que onera o devedor de uma obrigação assumida no âmbito da responsabilidade contratual. V Sobre a putativa aplicação desta presunção de culpa, o acórdão recorrido incorre em duas falhas: (i) não sustenta se e em que medida e com que fundamentos de facto e de direito propende OU não para a aplicabilidade dessa presunção de culpa no caso concreto, omissão esta que afecta de nulidade o acórdão proferido; e (ii) sustenta que a presunção de culpa não foi i1idida por não ter resultado demonstrado que a paragem cardio-respiratória sofrida pela EE fosse decorrente de choque anafilático, quando bastará à parte onerada demonstrar que o facto não procedeu de culpa sua, não lhe sendo exigível que demonstre a causa que originou o facto. VI. Numa via jurídica alternativa também apreciada no acórdão recorrido, este baseia-se igualmente no accionamento de uma presunção, desta feita presumindo-se a negligência do médico e competindo-lhe, para a i1idir, demonstrar a inexistência de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano. VII. Para fazer operar esta inversão do ónus da prova, o acórdão recorrido conhece de factos novos, não alegados nem julgados em 1a Instância, quais sejam que os RR. só realizaram a entubação orotraqueal da paciente muitos minutos depois da paragem cardio-respiratória; e que numa situação de paragem cardíaca deve proceder-se imediatamente à entubação orotraqueal quando alguém habilitado para o fazer estiver presente. VIII. Ao conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, como é o caso dos citados factos novos, o acórdão recorrido incorre em nulidade e carece de fundamento para concluir pelo cometimento, na situação sub judice, de um "erro grosseiro" por parte dos RR., o que afasta a presunção de negligência destes e a consequente inversão do ónus da prova. IX. Além de conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, o acórdão recorrido fá-lo em sentido frontalmente contrário aos depoimentos de testemunhas e peritos inquiridos sobre a necessidade de uma entubação orotraqueal imediata no âmbito do processo-crime, conforme resulta da certidão da sentença junta pelo R. EE com as suas alegações de recurso. Perante os factos novos surgidos no aresto recorrido, caberia ao Recorrente alegar ex novo que a condução do processo de reanimação cárdio-respiratória de uma paciente, bem como a determinação das manobras concretas a seguir, são aspectos da exclusiva especialidade e competência do médico anestesista, o qual dá as instruções relevantes que a restante equipa se limita a executar, razão pela qual não seria imputável ao R. EE o cometimento de um "erro grosseiro" no campo das manobras de reanimação, que de todo o modo não se verificou. XI. Por fim, ainda que subsistisse qualquer dúvida quanto à aplicabilidade in casu das presunções referidas no acórdão recorrido, sempre as mesmas ficariam definitivamente afastadas por força da eficácia da decisão penal absolutória proferida em 11 de Abril de 2007, transitada em julgado e fundada, além do mais, na inexistência de qualquer actuação médica concreta integradora do conceito de negligência e na inexistência de qualquer acto ou omissão médica violadora da leges artis, da responsabilidade dos arguidos e ao qual possa ser imputado o dano. XII. A referida sentença penal absolutória faz operar a presunção legal de inexistência dos factos imputados aos RR., a qual prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil. XIII. Por todo o exposto, conclui-se que o acórdão recorrido incorreu em violação dos art°s 483°, 487° e 799°, nº 1, do Código Civil, bem como dos art°s 668°, 674°_8, 715°, nº 2, e 716° do CPC, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados nos termos sobreditos Contra alegaram os AA. II – Cumpre decidir Factos Considerados Provados nas Instâncias: Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes: 1) EE nasceu em 24-10-1978 e faleceu em 12-12- 1999. 2) - A EE era filha dos AA.. 3) - A EE decidiu submeter-se a uma intervenção de lipoaspiração dos culotes, tendo escolhido para realizar a intervenção o R. CC. 4) - O R. CC é médico. 5) - O R. CC licenciou-se em medicina, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no ano de 1986, tendo realizado o internato geral entre 1987 e 1988 no Hospital de Santa Maria, o internato complementar em cirurgia geral no Hospital de São José em 1989 e o internato em cirurgia cardiotorácica no Hospital de Santa Maria nos anos de 1991 e 1992. 6) - Ao longo de três anos, entre 1993 e 1995, o R. CC completou a especialização em cirurgia plástica e reconstrutiva na Universidade Católica do Rio de Janeiro, no Brasil, tendo paralelamente frequentado e intervindo nos cursos e conferências referidos no doc.. de fIs. 52 a 66. 7) - O R. CC diz de si próprio ter feito uma especialização em cirurgia plástica numa universidade brasileira. 8) - O R. CC não é reconhecido pela Ordem dos Médicos como cirurgião plástico ou como tendo outra especialidade médica (doe. de fIs. 67). 9) - O R. CC está autorizado a exercer todos os actos médicos para os quais se sinta devidamente habilitado, incluindo actos próprios da especialidade de cirurgia plástica 10) - A EE recorreu ao R. CC na sequência de indicações de amigas de que se tratava de cirurgião plástico e na sequência de convicção gerada por este de que estava habilitada para o efeito. 11) - O R. CC enviou à Ordem dos Médicos o escrito de que se mostra junta cópia a fIs. 112, datado de 21-1-1998, em que informa ter o seu consultório na Av. ...., n.º ..., ... andar A, em Lisboa, encontrando-se o mesmo preparado e equipado não só para a efectivação de consultas, mas também para a realização de intervenções de pequena cirurgia. Caso V. Exas. entendam eventualmente visitá-lo, encontra-se à vossa disposição. 12) - Em 29 de Dezembro de 1997, o consultório dirigido pelo R. CC, denominado "C.C.P.R. - C... DE C... P... R... DR. J... M..., LDA.", Candidatou-se ao Regime de Incentivos às Microempresas (RIME), aprovado pela Resolução de Ministros n.º 154/96 de 17 de Setembro (doc. de fls. 185 a 197). 13) - E foi aprovado pela Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, do Ministério do Equipamento e da Administração do Território em 23.09.1998. 14) - Na sequência de participação, a Ordem dos Médicos realizou vistoria ao consultório do R. CC, não tendo intimado este a proceder a quaisquer alterações. 15) - A Ordem dos Médicos foi de parecer que: "0 equipamento é adequado a Anestesia Geral e Manobras de Reanimação", ou seja, que o equipamento encontrado excede as necessidades das intervenções realizadas no consultório do R. CC, nas quais o paciente é submetido a anestesia local (doc. de fls. 194). 16) - Antes da submissão à cirurgia, por indicação do R. CC, a EE realizou exames médicos que não revelaram qualquer contra-indicação à realização da intervenção. 17) - A EE deu o seu consentimento à operação, cfr. doc. de que se mostra junta cópia a fls. 41, em que assinaladamente se lê ...o médico informou-me que todos os procedimentos técnicos médico-cirúrgicos são com vista a um bom resultado. Fui também informado, apesar disso, de possíveis complicações no pós operatório, nomeadamente hematomas, cicatrizes alargadas, etc .... Foi-me garantido todo o acompanhamento pelo médico de forma a obter os melhores resultados. Também estou ciente de que o Dr. CC estará ocupado com a cirurgia e que a não ser que seja administrada uma anestesia local, a administração e manutenção da anestesia geral são funções da responsabilidade do anestesista e por isso consinto que me sejam administradas tais anestesia ou outras que o anestesista julgue aconselháveis neste caso. 18) - Em 9-12-1999, a EE foi para a sala de operações e sujeita a anestesia local. 19) - A administração da anestesia foi realizada com a intervenção R. DD, médico anestesista. 20) - O R DD é médico com a especialidade de anestesista. 21) - O estado de saúde da EE não fazia prever qualquer contra-indicação à ministração de anestesia e sedação. 22) - A EE não tinha nenhuma malformação cardio-respiratória. 23) - O R CC iniciou a administração da anestesia local. 24) - Logo antes, o R DD, como anestesiologista a quem competia fazer uma sedação consciente, para a intervenção cirúrgica ser mais suportável pela doente, devido à duração e ao incómodo do acto, começou a administrar as drogas para fazer a sedação vigil. 25) - A EE bradicardizou na sequência da sedação e do início da administração da anestesia local. 26) - No período necessário à actuação da anestesia local a EE bradicardizou (retardamento das contracções cardíacas). 27) - A EE sofreu uma paragem cardio-respiratória aquando da administração da anestesia local, com sedação. 28) - Os RR, perante o referido sob o n.º 27), de imediato administraram fármacos à EE, diligenciaram pela sua colocação em decúbito dorsal, já que se encontrava em decúbito ventral (de barriga para baixo), procederam a massagem cardíaca externa (o R CC) e a ventilação manual (o R DD). 29) - Visto que a EE não recuperava, foi feita uma entubação orotraqueal, e dada continuidade à ventilação manual. 30) - Enquanto se solicitava a presença de uma equipa de urgência do Instituto Nacional de Emergência Médica (lNEM). 31) - O chamamento da equipa do I N.E.M. impôs-se dado que a reanimação da EE obrigava à sua transferência para uma Unidade de Cuidados Intensivos. 32) - Aquando da chegada ao local a equipa do INEM tomou a responsabilidade pela reanimação, tendo designadamente ministrado atropia e adrenalina, tendo sido obtida pulsação decorridos 5 minutos e, mediante a ministração de mais fármacos, pulsação e pressão arterial volvidos mais 5 minutos. 33) - Tudo tendo conduzido a que a actividade cardíaca da EE tivesse recomeçado. 34) - Antes da chegada do INEM os RR. actuaram nas técnicas de ressuscitação da EE no intuito de conseguir a sua reanimação, tendo-se mantido disponíveis após a chegada da equipa do INEM. 35) - A equipa do INEM prosseguiu o esforço de reanimação. 36) - A EE foi transportada por equipa do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para o Hospital de S. José, onde veio a falecer em 12-12-1999. 37) - No prédio onde a EE foi sujeita a anestesia uma maca normal não cabe no elevador e a EE foi transportada para a ambulância do INEM, pelo elevador, numa maca de vácuo ou moldável de que o INEM dispõe para estas circunstâncias. 38) - No local da intervenção existia, nomeadamente, o seguinte material: aparelho de anestesia com debitómetro de oxigénio e respectivos outlets para os sistemas de anestesia; sistema de Magill; máscaras de vários tamanhos; balas de oxigénio; CRITIKOM DINAMAP TR PLUS VITAL SIGNS - monitor com traçado electrocardioscópio + oximetria de pulso - frequência cardíaca + tensão arterial; desfibrilhador (FUKUDA DIUSHI DPS 2aspirador de alta pressão; laringiscópio com várias lâminas; AMBU; tubos endotraqueais de vários tamanhos; fármacos de emergência para uma reanimação cardio-respiratória (além dos fármacos da anestesia): sulfato de atropina, adrenalina, bicarbonato de sódio, cloreto de cálcio, nifedipina, efedrina, lidocaína, trandate, hidrocortisona, cordodopa, amiodarona 39) - Estes equipamentos e fármacos são os necessários à administração de anestesias locais, onde se incluem todos os equipamentos e fármacos necessários à reanimação. 40) - A intervenção e a ministração das doses referidas no n.º 35 da base instrutória e no doe. de fls. 120 podiam ter lugar no local em condições de segurança. 41) - O choque anafilático pode acontecer a qualquer pessoa que seja exposta a injecção de medicamento. 42) - O choque anafilático é absolutamente imprevisível, mesmo quando as doses anestésicas administradas são as correctas. 43) - À data do falecimento faltavam duas cadeiras para que a Rute Francisco concluísse o bacharelato em contabilidade. 44) - Os AA. sofreram e continuam a sofrer um profundo desgosto com a morte da filha, a quem os unia um profundo amor. 45) - Em 1996, o R. CC acordou com a seguradora A... UAP a constituição de um seguro de "responsabilidade civil profissional - médicos", traduzido na apólice n.º ..., em vigor em 9-12-1999 (doe. de fls. 164 e 165). 46) - Na sequência de uma operação de fusão, a A... P... assumiu os direitos e obrigações emergentes do contrato de seguro. 47) - Nos termos do art.º 1.º das condições especiais do contrato de seguro: "Fica garantida a responsabilidade civil em que possa incorrer o Segurado por danos Patrimoniais e não Patrimoniais causados aos seus clientes e a outros terceiros em consequência de actos ou omissões no exercício da sua profissão, por ocasião de consultas, visitas ou tratamentos, bem como os causados aos doentes em consequência de actos, omissões e erros profissionais cometidos em diagnósticos, prescrições ou aplicações terapêuticas e no decurso de tratamentos ou intervenções cirúrgicas." (doe. de fls. 166). 48) - Entre o R. DD e a A... P... - Companhia de Seguros, S.A. (ex A... UAP, S.A.) foi celebrado um contrato de seguro do Ramo Responsabilidade Civil Profissional (Profissões Médicas), nos termos da apólice nº932660/05, em vigor em 9 - 12 - 1999 49) - Em conformidade com o estabelecido no artigo 1.º das Condições Especiais do Contrato de Seguro, sob a epígrafe Objecto da Garantia, "Fica garantida a responsabilidade civil em que possa incorrer O segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos seus clientes e a outros terceiros em consequência de actos ou omissões no exercício da sua profissão, por ocasião de consultas, visitas ou tratamentos, bem como os causados aos doentes em consequência de actos, omissões e erros profissionais cometidos em diagnósticos, prescrições ou aplicações terapêuticas e no decurso de tratamentos ou intervenções cirúrgicas" (doc. de fls. 204). 50) - Nos termos da aI. c) do art.º 8.º das condições particulares do contrato de seguro celebrado entre o R. CC e a A... P... - C.ompanhia de Seguros, S.A., entre outros, não estão compreendidos no seguro os danos resultantes do exercício de actividade profissional para a qual o segurado ou os seus auxiliares não tenham a devida autorização legal (doc. de fls. 166); 51) - Nos termos da aI. c) do art.º 8.º das condições particulares do contrato de seguro celebrado entre o R. DD e a A... P... - C.ompanhia de Seguros, S.A., entre outros, não estão compreendidos no seguro os danos resultantes do exercício de actividade profissional para a qual o segurado ou os seus auxiliares não tenham a devida autorização legal (doc. de fls. 204). 52) - Corre termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca de Lisboa, um inquérito iniciado no ano de 2000 para apuramento da responsabilidade criminal dos RR. quanto aos factos dos presentes autos, no âmbito do qual os AA. se constituíram assistentes. 53) - O Hospital de S. José emitiu o relatório de fls. 120 e 121 a propósito do internamento da EE. 54) - Os serviços de anatomia patológica do Hospital de S. José emitiram o relatório anátomo - patológico de fls. 122 a 125. Factos considerados Não Provados nas Instâncias. Dentre os factos controvertidos incluídos na base instrutória, o tribunal a quo considerou não provados os seguintes: a) que só trinta minutos depois de a EE ter bracardizado é que os RR. Chamaram uma equipa do Instituto de Emergência Médica (lNEM); (Quesito 2°) b) que, em 9-12-1999, o R. CC não dispusesse no local de aparelhos de reanimação adequados; (Quesito 4°) c) que fosse por isso que o R. CC teve que chamar uma equipa do INEM; (Quesito 5°) d) que a EE tenha bracardizado na sequência de infiltração nas coxas de lidocaína e de adrenalina em excesso; (Quesito 6°) e) que, se a EE estivesse num local devidamente equipado e se o R. CC tivesse chamado imediatamente a equipa do INEM, não teria morrido; (Quesito 7°) f) que a EE tenha sofrido no período que antecedeu a morte; (Quesito 8°) g) que o R. DD tenha administrado em sequência à EE o seguinte: - após toma oral de Atarax de 25 mg, por sua indicação, cerca de 45 minutos antes da entrada daquela para a sala, iniciou-se um soro e administrou-se endovenosamente Droperidol 2,5 mg; - seguiu-se a administração de Dormicum 1 mg.; - depois começou um gota a gota de Propofol 10 ml por hora (1 ml = 10 mg), mais bolus SOS de 20 mg.; - encontrando-se a doente devidamente monitorizada com Dinamap T.M. plus (monitorização de traçado electrocardiográfico, monitorização da T.A. e saturação de oxigénio); (Quesito 17°) ) que a paragem cardio-respiratória sofrida pela EE fosse decorrente do choque anafilático (reacção alérgica medicamentosa grave aos fármacos anestésicos); (Quesito 19°) i) que a equipa do INEM tenha chegado ao local em cerca de 20 minutos; (Quesito 24º) j) que as doses anestésicas administradas tinham sido as correctas ( quesito 34º) l) que a morte da EE tenha sobrevindo em consequência da má formação artério venosa do cerebelo aludida no documento de fls 124 ( quesito 35º) Como é sabido o thema decidendum dos recursos é definido pelas questões postas nas conclusões das alegações do recorrente, sendo certo que, como é jurisprudência firme, por questões a resolver não devem tomar-se as considerações argumentos, motivações, juízos de valor produzidos pelas partes, porquanto o tribunal apenas tem que dar resposta especificada ou individualizada às questões que directamente se reportam à substanciação do pedido e da causa de pedir (cfr. art. ° 684º nº 3, 690º nº 1 e 660º nº 2. todos do CPC). Os recursos destinam-se a impugnar, alterar ou revogar as decisões dos tribunais inferiores; assim, os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça destinam-se, ressalvada a situação do recurso, nos termos do artigo 725º do CPC- a impugnar as decisões da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos. O nosso sistema jurídico segue o modelo de recurso de revisão ou de reponderação. o que quer dizer que o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre matéria não alegada perante o mesmo ou sobre pedidos que lhe não foram formulados (ver Teixeira de Sousa e Amâncio Ferreira em, respectivamente, Estudos Sobre o Novo Processo Civil pág. 395 e Manual Dos Recursos ... , 7ª Edição, pág. 155) E, nesta sede, apenas uma nota para lembrar que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é julga por princípio, só de direito. Residualmente, porém, intervirá na decisão da matéria de facto, ou seja no caso de ter havido preterição de exigência legal em sede de prova (v. artigos 722º nº 2, 729º n 2 do CPC), a chamada prova vinculada, podendo, ainda, reenviar o processo para que o tribunal recorrido complete o julgamento de facto (art. 729° nº 3), em duas situações, a saber: a) Quando a matéria de facto, vinda das instâncias, é insuficiente para se chegar a urna decisão de direito e, claro, se for possível a sua ampliação, face aos factos articulados pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, ou (e) b) Quando o Supremo entenda que a matéria de facto provinda do tribunal recorrido encerra contradições inviabilizadoras de uma decisão jurídica da causa. Deverá enfatizar-se em todo o caso que, como muito bem, a este propósito, faz notar o Conselheiro Lopes do Rego, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça estão, agora, intencionalmente, orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito, princípio que, seguramente, trará legitimidade bastante para a sindicância por parte do Supremo, de determinadas incongruências, ilogismos ou manifesta e flagrantes violação de lei no julgamento da matéria de facto, que afinal, poderão passar a simples questão de direito. É Karl Larenz (Metodologia da Ciência do Direito, 1977, pág. 433), quem afirma ser questão de direito tudo quanto se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica. No caso dos autos, os RR recorrentes põem várias questões para resolver. O R CC - Omissão de pronúncia sobre a transferência de responsabilidade para a seguradora - Presunção de culpa em actos médicos - Cometimento de um erro grosseiro pelo R. Mendia O R DD - As mesmas e ainda as presunções de culpa ilegítimas do acórdão recorrido, baseado em factos novos. - Presunção derivada do caso julgado penal Assim: Por uma simples razão de método, tomaremos os recursos como um só e analisaremos, em conjunto, uma questão comum a ambos, cujo sentido da decisão, por divergente da ora em recurso, bem poderá tornar inútil o conhecimento das restantes Antes de mais, diremos o seguinte. Algumas das respostas aos quesitos parecem estar em contradição, mas tal não acontece. Assim, vejamos: No facto 6 afirma-se que...ao longo de três anos entre 1993 e 1995 o R CC completou a formação em cirurgia plástica na Univ. Católica do R de Janeiro...enquanto que no facto 7 se diz que o R CC diz de si próprio ter feito uma especialização em cirurgia plástica numa Universidade Brasileira Uma leitura mais atenta concluirá que são compatíveis tais factos, ou seja, num diz-se que é... no outro, o R CC também diz que é. No facto 8 (resultante da resposta do doc. de folhas 67, diz-se... o R CC não é reconhecido pela O. Médicos como cirurgião plástico ou como tendo outra especialidade médica enquanto que, no facto 9 se diz que...está autorizado a exercer todos os actos médicos para os quais se sinta devidamente habilitado, incluindo actos próprios da especialidade de cirurgia plástica, sendo este facto resultante da resposta ao quesito 13 (formulado na negativa) mas apoiado nas respostas dos ofícios da O Médicos de folhas 323, 354, e 355 e do artigo 8ºdo Estatuto da O Médicos, sendo de salientar que num daqueles ofícios se diz que...quem sem deter formação diferenciada, em determinada área da medicina, praticar actos próprios da mesma assume uma acrescida responsabilidade perante o resultado. Passando agora a estar em causa o instituto da responsabilidade civil é oportuno recordar os seus pressupostos e mecanismos legais de actuação. A responsabilidade civil, em geral, colhe os seus fundamentos na verificação de determinados pressupostos que são como é consabido: o facto e nexo de imputação, o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, o facto é entendido na sua objectiva consideração e que consubstancia a violação do direito de outrem (ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios) - v. Prof. A. Varela "Das Obrigações em Geral" I, pág. 403-404 Prof. Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica", I pág. 337; Prof. Pereira Coelho "o nexo de causalidade na responsabilidade civil", pág. 64; Prof. Almeida Costa, "Direito das Obrigações", pág. 176 e segts. O que fica dito respeita tanto à responsabilidade civil contratual como à extracontratual existindo naquela, porém, numa prévia relação jurídica obrigacional que nesta não existe. O Código Civil (Artºs. 483, 496, 562 a 564 e 566, designadamente) regula, com rigor os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual, tanto a derivada de actos ilícitos ou subjectivos como a derivada de actos licítos ou objectivos. Nos actos ilícitos a ilicitude ou a antijuricidade destes funciona como um elemento caracterizador, não constituindo elemento ou pressuposto autónomo. O nexo de imputação ou ligação do facto ilícito (por acção ou omissão) ao agente há-de conter uma imputação culposa, subjectiva e compreende o juizo que o agente fez não só objectivamente injusto mas cuja injustiça ele conheceu ou pode conhecer e que tal lhe seja pessoalmente reprovável (Kart. Larenz "Derecho de Obligaciones", 11, 1959, pág. 570). O mecanismo da responsabilidade civil funciona, em geral, sempre da mesma forma, o facto (seja ilícito ou proveniente de uma actividade lícita) há-de ligar-se ao agente por um nexo de imputação (de natureza subjectiva ou objectiva respectivamente) e o dano ou prejuizo, por seu turno, há-de ligar-se a facto pou um nexo de causalidade (V. Dário Martins de Almeida " Manual de Acidentes de Viação", 3a. edição, pág. 50). É claro que se fala de causalidade adequada e esta não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas no processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Essencial, nesse mecanismo é que entre as condições do dano - que podem ser várias - esteja o facto ( v. Prof. A.Varela, cfr. cit., I, pág. 750 e 752 e ac. da Relação de Évora de 8.6.89 - C.J. 1989,3°., pág. 275). Quanto à culpa, ela é a expressão de um juizo de responsabilidade pessoal da conduta do agente que, face ás circunstâncias especiais do caso, deveria ter agido doutro modo, ou por este ter actuado ou deixado de actuar contra o dever que se lhe impunha quer em actuação diferente, quer em actuação que não levou a cabo, tudo de acordo com as normas jurídicas tomadas na sua função imperativa estatuidoras de deveres ainda que gerais (v. Prof. A.Varela, cfr. cit., I; pág. 442; Prof. Pessoa Jorge "Ensaio" sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 315 e Prof. Figueiredo Dias "o Problema de Consciência da Ilicitude). Por culpa deverá entender-se - diz Larenz (Derecho de Obligaciones II Vol. Pag.570) o juízo que o agente fez, não apenas objectivamente injusto, mas de cuja injustiça estava ciente ou podia estar. O critério de avaliação da culpa reside na formulação de um juizo de prognose póstuma de acordo com o qual, ponderando o condicionalismo concreto, se tenha de concluir segundo as regras de experiência comum, que os outros., agindo em condições e pressupostos análogos aos que se verificaram e levaram à actuação do agente, teriam previsto a realidade típica do evento. Pois bem: "In casu". A questão nuclear deste processo reside na definição do quadro legal conceptuais da responsabilidade civil dos médicos, no exercício do acto médico, designadamente, qual o tipo da obrigação assumida (se de meios se de resultado) se tem natureza contratual ou extra contratual, eventuais situações de presunção de culpa designadamente por apelo à aplicação do consignado no art. 493 nº2 do CC , inversão do ónus da prova, etc.) Cremos que a abordagem desta problemática tem sido feita, até há pouco tempo, de modo esparso, sem a preocupação, porventura, de obter uma síntese, não se vincando, por absolutamente indispensável, a importância do estatuto do paciente no binómio paciente - médico, ( "rectius", paciente - familiar acompanhante, por um lado, e médico e sua equipa, por outro.). Porém, no momento, é assinalável o número e a qualidade dos estudos, reuniões e outros eventos, a que não é, seguramente, alheia a crescente importância do tema da responsabilidade civil (e penal) do médico e outras áreas (bioética, procriação assistida, eutanásia, enfim, em geral das ciências da vida) necessariamente abrangentes, a evolução cientifica e do conhecimento e da modernização e apuramento das meios técnicos de intervenção, por um lado e resultante, doutra parte, dos notáveis ganhos adquiridos, pelo estatuto dos pacientes, sobretudo na consciencialização dos seus direitos e deveres. É porventura, também, a força interventora do Estado social, mormente na União Europeia, vinda dos Estados Membros e da própria União, mas tudo num plano multidiversificado, dinamizado, sobretudo, após o surgimento da Carta Europeia dos Direitos do Paciente, redigida em 2002 por Active Citizenship Network, que proclama 14 direitos do paciente, entre os quais os direitos á informação; ao consentimento livre e esclarecido e à dignidade (os de maior interesse para o nosso caso). Hoje, sobretudo por efeito do enraizamento da chamada doutrina do consentimento informado - que se chama à colação como contributo para melhor compreensão de toda esta problemática - ( e da evolução da Bioética e da Ética Médica, ao longo de mais de cem anos, verifica-se uma tomada de consciência colectiva sobre a necessidade de elevar o estatuto do paciente, tendo-se este tornando finalmente um parceiro visível, afirmativo, livre e consciente, no contexto de prestação de cuidados de saúde, perspectivando-se para o paciente, uma real majoração da sua autonomia (veja-se, a respeito, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre os Direitos do Paciente, in Jornal Oficial da União Europeia de 15/01 /2008)
Na relação médico-paciente e a propósito da prestação do médico, no exercício do acto médico, é usual distinguir-se aquela em obrigação de meios, de resultado e de garantia (Ver. Almeida Costa in Direito das Obrigações, 1968. pág.432). Aceitamos, sem qualquer esforço que, na actividade médica como de resto em tantas outras situações da vida possa ou não haver um contrato prévio (mesmo sem forma escrita, ou, puramente, consensual) e que, por isso o acto médico seja exercido sob responsabilidade de natureza contratual ou extra contratual, institutos muito semelhantes, porém, com subsunção a algumas normas específicas, como é sabido Responsabilidade civil contratual e extracontratual são, então, duas modalidades que, em regra preenchem integralmente o campo da responsabilidade civil do médico no exercício da profissão, sendo irrelevante que o médico tenha a seu cargo uma obrigação de meios ou de resultado. A responsabilidade pelo risco (artigo 483º nº2 do CC) não tem cabimento nesta sede pela razão de que (...só existe obrigação de indemnizar independente de culpa nos casos especificados na lei) como reza o segmento da norma atrás referido; e lei não existe em tal sentido Em qualquer caso, não deverá perder-se de vista que a actividade médica é uma actividade demasiado técnica, demasiado relevante na sociedade (e dela estruturante), para que nela se não atente e se valorize essa especificidade. Apesar disso não se vislumbram razões para. que a efectivação da responsabilidade civil do médico não decorra ao abrigo de todas as regras normativas inerentes aos dois regimes de responsabilidade civil; contratual ou extra contratual, nomeadamente, no concernente à presunção de culpa do médico na contratual e ao acolhimento integral das regras do ónus da prova (artigos 342, 343 e 344 do CCivil (neste sentido, a posição adoptada pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues - in Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos Revista Direito e Justiça 2000 ano XIV, nº3, pág. 183 182 e 138), Entende-se assim que se aplica à responsabilidade contratual médica a presunção de culpa contida no artigo 799º nº 1 do CC, dado não existirem nessa situação razões específicas que justifiquem o afastamento dessa regra. Ademais, alterar nessas circunstâncias, as regras de funcionamento dos institutos em causa, (responsabilidade civil contratual e extracontratual) representaria um dano considerável na confiança e na certeza do direito e mesmo a ofensa ao princípio da igualdade de armas. E teria ainda outra consequência; é que, como referem Luís A Guerreiro e Anabela Salvado (in Responsabilidade civil dos médicos - Revista da F M L Série 111 vol.5 nº 5) o agravamento sistemático da responsabilidade civil dos médicos pode trazer efeitos preversos, ou seja o chamado exercício defensivo da medicina. No caso de intervenções cirúrgicas. em que o estado da ciência não permite sequer, a cura mas atenuar o sofrimento do doente, é evidente que ao médico cirurgião está cometida uma obrigação de meios, mas se o acto médico não comporta, no estado actual da ciência, senão urna ínfima margem de risco, não podemos considerar que apenas está vinculado a actuar segundo as leges artis; ai, até por razões de justiça distributiva, haverá de considerar que assumiu um compromisso que implica a obtenção de um resultado Ao paciente incumbirá a prova do contrato (tratando-se de responsabilidade contratual) e dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso das leges artis e da devida diligência por banda do médico. Recorde-se que a justiça e o direito do caso concreto vem já do direito romano e encontrava-se espelhado no brocardo alemão "Am Anfang war der Fall". Portanto, não resultou provada qualquer violação das leges artis! Perfunctóriamente se referirá que em teoria, é possível a imputação objectiva do resultado à conduta ( por acção ou omissão) de acordo com a doutrina ou teoria da causalidade adequada entre nós consagrada (matéria de direito). |