Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
551/13.7TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE CRÉDITOS
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APÓLICE DE SEGURO
RISCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO DE CRÉDITO / APÓLICE GLOBAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / EXCEPÇÕES PEREMPTÓRIAS ( EXCEÇÕES PERENTÓRIAS ) - RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / SUPRIMENTO DE NULIDADES.
Doutrina:
- L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Coimbra, 2010, 156, nota 451.
- Margarida Lima Rego, em intervenção no colóquio “A crise e o Direito”, Universidade Nova de Lisboa, 22 de Maio de 2012, disponível em www.youtube.com .
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, I vol., anotação ao artigo 428.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 579.º, 684.º, N.º 1.
DECRETO-LEI N.º 183/88, DE 24 DE MAIO: - ARTIGOS 3.º, 5.º, N.º 1.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 72/2008, DE 16 DE ABRIL: - ARTIGO 161.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29 DE ABRIL DE 1999, WWW.DGSI.PT , PROC. N.º 99B077, DE 16 DE MARÇO DE 2010, WWW.DGSI.PT, PROC. N.º 97/2002.L1.S1, OU DE 16 DE JUNHO DE 1015, WWW.DGSI.PT, PROC. N.º 3309/08.1TJVNF.G1.S1.
-DE 30 DE SETEMBRO DE 2010, WWW.DGSI.PT , PROC. N.º 184/06.4TBTND.C1.S1.
Sumário :
I - A excepção de não cumprimento do contrato não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser invocada pelo contraente que pretende retardar a prestação a que está adstrito.

II - Não tendo sido invocada na contestação, não pode a excepção de não cumprimento ser extraída oficiosamente dos factos provados, como resulta do art. 579.º do CPC, pelo que tendo o acórdão recorrido conhecido desta, substituindo-se à ré, incorreu em excesso de pronúncia.

III - Verificando-se excesso de pronúncia de um acórdão da Relação do qual tenha sido interposto recurso de revista, incumbe ao STJ suprir o vício, declarando em que sentido se considera modificada a decisão da Relação e conhecendo dos demais fundamentos do recurso (art. 684.º, n.º 1, do CPC).

IV - Nos contratos de seguro de crédito, titulados por “apólices globais”, através das quais o segurador garante “todos os créditos do segurado face a terceiros seus clientes, dentro do ‘plafond’ que o segurador fixa para cada um deles” o risco garantido é o da falta de pagamento (ao qual frequentemente se faz equivaler a mora por um determinado tempo), resultante dos sinistros enumerados no contrato quanto a qualquer dos créditos concretos incluídos na carteira do cliente – valendo, na expressão utilizada pelos seguradores, o “princípio da globalidade”.

V - Em tais seguros o segurador não controla as decisões do segurado, das quais podem resultar créditos ou agravamento dos créditos que detém sobre os seus clientes, pelo que se impõem ao segurado exigentes deveres de informação ao segurador ao longo da vida do contrato e de permissão de acesso à sua escrita e documentação, podendo contratualmente restringir-se ou excluir-se o poder de decisão do segurado, por ex. exigindo a concordância do segurador para a prática de certos actos.

VI - Entre as partes do contrato de seguro de crédito – em especial no que se refere à possibilidade de prorrogação dos prazos de pagamento – ocorre, frequentemente, dissonância de interesses entre o segurado interessado em manter os clientes e o segurador interessado em cobrar o crédito independentemente dos efeitos que a cobrança possa ter, com reflexos evidentes no cumprimento das obrigações de informação por parte do segurado.

VII - O incumprimento, por parte do segurado, das obrigações de informação que sobre si recaiam, pode conduzir à perda do direito à indemnização quando o segurado opta por não cumprir essa informação.

VIII - No caso dos autos, resultou provado que a seguradora tinha o direito de exigir informação que o segurado não enviou no prazo contratualmente fixado.

IX - É admissível a criação convencional de prazos de caducidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, SA, instaurou uma acção contra BB - Comp. de Seguros de Crédito, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 80.203,72, com juros calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. Alega, para o efeito, que celebrou com a ré um contrato de seguro de crédito; que participou à ré em 9/12/2010 a “ameaça de sinistro” traduzida na “suspensão de pagamentos” da cliente CC Supermercados, SA, cuja insolvência veio a ser declarada; que, não obstante ter reclamado o seu crédito no processo de insolvência, nada recebeu; que, portanto, “formalizou a participação do sinistro à ré, relativamente às facturas em que havia manifestado a dita ‘ameaça de sinistro´”, remetendo toda a documentação “contratualmente fixada como necessária para a regularização do sinistro”; que a ré, alegando que “o valor reclamado no processo de insolvência” era “superior ao valor das mencionadas facturas e que constituem o objecto do sinistro” se “recusou a pagar a quantia devida em virtude da garantia de crédito que prestou à autora” (80% do valor reclamado).

A ré contestou. Em síntese, alegou que a autora não lhe deu conhecimento do montante real do crédito, quando comunicou a ameaça de sinistro – era superior ao comunicado –, nem lhe forneceu documentação e informações repetidamente solicitadas, imprescindíveis para a ré “analisar a cobertura (ou não) do contrato de seguro de crédito” e a cujo fornecimento estava contratualmente obrigada; que essa falta se manteve por tempo superior ao prazo de seis meses contratualmente acordado, a contar da notificação pela BB para o efeito, sob pena de a BB poder “proceder ao encerramento dos respectivos processos sem admitir ou regularizar o sinistro, nem processar qualquer indemnização” (nº 2 do artigo 11º das Condições Gerais); que, portanto, operou a caducidade do direito invocado pela autora; que, de qualquer modo, a indemnização nunca poderia exceder € 70.044,24, tendo em conta as exclusões contratuais (franquia, IVA a cobrar aos clientes).

A acção foi julgada improcedente, pela sentença de fls. 137. Em síntese, o tribunal entendeu, nos termos do disposto na cláusula 11º das condições gerais do contrato, que “caducou o direito da autora em ver-se ressarcida pela ré dos prejuízos (sinistros) ocorridos”, uma vez que se verifica que “a autora comunicou um sinistro à ré no valor de 100 mil euros, a ré veio a saber que o sinistro era superior a 200 mil euros, apesar de diversas solicitações para o efeito não esclareceu tais divergências no prazo contratualmente fixado (mesmo após prorrogação), pelo que, usando do direito que lhe assistia, a ré comunicou à autora o encerramento do processo sem o pagamento de qualquer indemnização”.

A autora recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, pelo acórdão de fls. 211, confirmou a decisão de improcedência, mas porque entendeu que o efeito da falta de fornecimento da informação pedida se traduzia antes na invocação da excepção de não cumprimento de uma obrigação contratual, justificando a recusa da ré em proceder ao pagamento da indemnização à autora: “em função dessa falta a ré podia recusar o cumprimento da obrigação de indemnização do sinistro mas essa recusa tem como causa jurídica a falta de informação e não a falta de qualquer dos elementos constitutivos do direito à indemnização, pelo que não assume a natureza de excepção material que impeça em definitivo o direito, extinguindo-o, mas de mera excepção de não cumprimento (…)”.

A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; mas o então relator não admitiu o recurso, por despacho que veio a ser revogado em conferência.

Tendo entretanto cessado funções o relator, houve nova distribuição.

Cumpre, portanto, conhecer do recurso.

2. Nas alegações apresentadas, deixando agora de lado as que respeitam à questão da admissibilidade do recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

«I - A recorrente não se conforma com o teor do Acórdão recorrido por considerar que o mesmo, salvo o devido respeito, padece de nulidade por excesso e pronúncia e erro de julgamento, violando a lei e errando na aplicação da lei do processo;

(…)

IV - Aliás, o Acórdão recorrido reconhece que a recorrida seguradora nunca invocou "expressamente" tal excepção [de não cumprimento] o que contraria a lei e o entendimento já expresso por este Mais Alto Tribunal no sentido de que "Para alem de articular factos que possam integrar a matéria de excepção de não cumprimento, deve ainda o Réu demonstrar, inequivocamente, que dela se pretende fazer valer".

V - Pelo que, o Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia;

VI  - O Acórdão recorrido entendeu que no contrato de seguro de crédito o segurado está onerado com um amplo dever de informação a favor da seguradora, sem ter afirmado que a recorrente tenha violado ou posto sequer em causa tal dever;

VII - Bem andou o Acórdão recorrido quando considerou que o segurado apenas tem de fornecer informações relativas aos créditos objecto da ameaça de sinistro, preenchendo assim os elementos constitutivos do seu direito à indemnização, e não de outros eventuais créditos;

VIII - Afirmando expressa e assertivamente que "A informação prestada pela autora é absolutamente suficiente para a seguradora ter por identificado o crédito seguro...", e por isso concluiu que "(...) em rigor, não estava verificada nenhuma das situações previstas no n° 2 do artigo 11° (do Contrato de Seguro, leia-se)" – Cláusula invocada pela recorrida para a sua exoneração – e motivar a caducidade do direito da recorrente e em que a fundamentação da sentença da 1.a Instância assenta;

IX - Outrossim, a alegada necessidade de comprovação de outros créditos ou dívidas que o Acórdão recorrido suscita – necessidade que recorrida não manifestou nos autos –, é absolutamente inconsequente e superabundante, pois não foram invocadas pela recorrida as causas de exoneração prevista nos termos do n.° 5 do artigo 3o das condições gerais;

X - Sendo certo que, a referida necessidade de mais informação a prestar pela recorrente não foi acompanhada, na alegação e prova pela recorrida, da existência de uma eventual prorrogação de prazo sem o seu consentimento, o que foi constatado e reconhecido pelo Acórdão recorrido;

XI - Pelo que, do teor do próprio Acórdão recorrido resulta que não se verifica nenhum dos fundamentos invocados pela recorrida seguradora com vista à improcedência da acção, ainda que numa inconsciente invocação da excepção de não cumprimento por não se estarem reunidos os seus requisitos;

XII - Na verdade, no entendimento que expendeu, o Acórdão recorrido faz impender sobre o tomador do seguro um ónus absolutamente desequilibrado relativamente à seguradora, legitimando esta a incumprir a sua obrigação até que se considere satisfeita de dados, informações ou documentos, mesmo que aquele não esteja obrigado a fornece-los;

XIII - Assim, a jurisprudência fixada no Acórdão recorrido, acaba por ser inaplicável aos presentes autos, uma vez que a matéria de excepção em que o mesmo assenta não foi validamente invocado pela recorrida, e nem existem factos que a fundamentem;

XIV - A recorrida não invocou factos que configurem alguma das situações previstas no art.° 11.° das Cl. Gerais que poderiam fundamentar a exoneração da recorrida seguradora;

XV - Nos termos do disposto nos art°s 426.° e 427.° do C. Com, os contratos de seguro são regulados pelas estipulações constantes da apólice que não sejam proibidas por lei, devendo os mesmos ser pontualmente cumpridos;

XVI - O artigo 1o das respectivas condições gerais da apólice estabelece que a recorrida se obriga a indemnizar a recorrente dos prejuízos sofridos em consequência da verificação do risco de crédito, por ocorrência de um dos factores previstos no n.° 1 do artigo 2°, relativamente aos créditos decorrentes da actividade indicada nas condições particulares da apólice, abrangidas pelo seguro;

XVII- Pelo que, ao abrigo das referidas normas e nos termos dos art.°s 1.°, 2.°, 3.° e 5.° da C. Gerais da apólice, é devida a indemnização à recorrente pela recorrida, não havendo fundamento para a exoneração da recorrida no seu pagamento;

XVIII - Assim, o Acórdão recorrido violou o disposto nos art.°s 426.° e 427.° do C. Com, 342.° e 409.° e 429.° do Código Civil, e art.° 615.° e 666.° do CPC.

Termos em que deve a presente Revista ser recebida e julgada procedente, e revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que julgue a acção totalmente procedente, com as legais consequências.»

Nas contra-alegações, para além de sustentar a inadmissibilidade do recurso, a recorrida defendeu a respectiva improcedência.

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 277 pronunciou-se no sentido de não se verificar a nulidade do acórdão de fls. 211, uma vez que se limitou a retirar consequências jurídicas da qualificação que deu a factos alegados pela ré na sua defesa, e dos quais a ré pretendeu extrair uma consequência (a “consequência máxima possível”) de maior alcance do que aquela a que o tribunal chegou: “No Acórdão não nos afastámos nem desses factos (os que traduzem o incumprimento da obrigação de prestação de informações pelo segurado) nem da questão para a qual os mesmos foram alegados (de saber se em virtude desses factos a seguradora ficou desonerada da obrigação de pagamento da indemnização)”.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

a] A Autora dedica-se à actividade comercial distribuição e fornecimento de produtos alimentares e bebidas para revenda, designadamente, cervejas, sumos, bebidas destiladas, entre outras. (1º da petição inicial).

b] O que faz com carácter habitual e fim lucrativo. (2º da petição inicial).

c] A Ré é uma empresa que se dedica à actividade seguradora, designadamente, nos ramos de crédito e caução. (3º da petição inicial).

d] O que também faz com carácter habitual e fim lucrativo. (4º da petição inicial).

e] No decurso de 2009 e no desenvolvimento das respectivas actividades comerciais, Autora e Ré, celebraram um contrato de seguro de crédito nos termos do qual esta se obrigava a indemnizar aquela dos prejuízos sofridos em consequência da verificação de risco de crédito. (5º da petição inicial).

f] Estando o referido contrato de seguro titulado pela apólice n.º 500…. (6.º da petição inicial).

g]  Sendo certo que, nos termos das respectivas condições gerais da apólice, constituíram, entre ambos, as seguintes coberturas do mencionado contrato: “Mora do cliente que subsista por prazo superior ao prazo de constitutivo do sinistro aplicável, fixado nas Condições Especiais ou nas Condições Particulares da Apólice; b) Falência ou insolvência do Cliente, comprovada por decisão judicial transitada em julgado; c) Concordata, moratória ou outra medida de efeitos equivalentes celebrada com o cliente e homologada no âmbito de processo judicial, oponível ao segurado (aqui Autora); d) Insuficiência de meios de pagamento do cliente comprovada judicialmente ou reconhecida pela Ré, nomeadamente, quando se verifique a cessão de actividade e inexistência de património penhorável do cliente. (7.º da petição inicial).

h] Outrossim, nos termos das condições gerais da referida apólice, são considerados indemnizáveis os créditos sobre clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares, até aos limites de crédito fixados ou aceites pela Ré para cada cliente, que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados até ao final do ano seguinte ao termo do período de vigência em que o crédito se constituiu. (8.º da petição inicial).

i] Sendo, contudo, aceites pela Ré os sinistros participados depois do referido prazo de um ano contado desde o termo do período de vigência em que o crédito se constituiu desde que não tenham decorrido mais de seis meses sobre a data da verificação do respectivo sinistro. (9.º da petição inicial).

j] Nos termos das condições particulares da apólice, Autora e Ré fixaram como mercados onde vigorava o seguro, o mercado interno português. (10.º da petição inicial).

k] Considerando-se que o cliente se constitui em mora para efeitos de verificação de sinistro, o decurso de 120 dias. (11.º da petição inicial).

l] E a percentagem garantida de créditos foi limitada pela Ré em 80% dos clientes do mercado interno. (12.º da petição inicial).

m] Nos termos do referido contrato de seguro, o prazo máximo de pagamento dos créditos a conceder pela Autora aos seus clientes tinha como limite máximo os 90 dias. (13.º da petição inicial).

n] Permitindo-se que a Autora concedesse aos seus clientes, sem autorização prévia da Ré, uma prorrogação do prazo para o pagamento dos créditos de 60 dias. (14.º da petição inicial).

o] Nos termos das condições particulares da apólice, foi fixada a franquia de 500€ para o período de 01 de Novembro de 2009 a 31 de Outubro de 2010 e de 250€ para o período de 01 de Novembro de 2010 a 31 de Outubro de 2011. (15.º da petição inicial).

p] E um capital máximo tarifável de 3.100.000€. (16.º da petição inicial).

q] Sendo o montante máximo indemnizável por cada ano correspondente ao factor 25. (17.º da petição inicial).

r] A Autora no exercício daquela sua actividade de distribuição alimentar e bebidas, forneceu ao seu cliente Freitas Supermercados, S.A., com o NIF 503…, com sede na Rua … 204/5, n.º 73, freguesia de Avidos, concelho de Vila Nova de Famalicão diversas mercadorias, tais como cervejas de marca Super Bock e Cristal, sumos de marca Frissumo e Guaraná, água de marca Vitalis, entre outras. (18.º da petição inicial).

s] A Autora forneceu ao seu cliente, para além de outras as mercadorias tituladas nas seguintes facturas:

1) Factura n.º 10…58 emitida em 17-09-2010, vencida em 01-10-2010 no valor de 114,88 €

2) Factura n.º 10…64 emitida em 17-09-2010, vencida em 01-10-2010 no valor de 13.209,46 €

3) Factura n.º 10…66 emitida em 20-09-2010, vencida em 04-10-2010 no valor de 13.543,76 €

4) Factura n.º 10…71 emitida em 21-09-2010, vencida em 05-10-2010 no valor de 9.866,96 €

5) Factura n.º 10…79 emitida em 22-09-2010, vencida em 06-10-2010 no valor de 5.386,91 €

6) Factura n.º 10…91 emitida em 27-09-2010, vencida em 11-10-2010 no valor de 114,88 €

7) Factura n.º 10…25 emitida em 04-10-2010, vencida em 18-10-2010 no valor de 114,88 €

8) Factura n.º 10…30 emitida em 04-10-2010, vencida em 18-10-2010 no valor de 13.209,46 €

9) Factura n.º 10…49 emitida em 11-10-2010, vencida em 25-10-2010 no valor de 114,88 €

10) Factura n.º 10…76 emitida em 18-10-2010, vencida em 01-11-2010 no valor de 2.924,84 €

11) Factura n.º 10…77 emitida em 18-10-2010, vencida em 01-11-2010 no valor de 86,22 €

12) Factura n.º 10…79 emitida em 19-10-2010, vencida em 02-11-2010 no valor de 5.878,87 €

13) Factura n.º 10…80 emitida em 19-10-2010, vencida em 02-11-2010 no valor de 13.209,46 €

14) Factura n.º 10…88 emitida em 20-10-2010, vencida em 03-11-2010 no valor de 9.866,96 €

15) Factura n.º 10…203 emitida em 25-10-2010, vencida em 08-11-2010 no valor de 3.960,81 €

16) Factura n.º 10…245 emitida em 04-11-2010, vencida em 18-11-2010 no valor de 114,88 €

17) Factura n.º 10….271 emitida em 15-11-2010, vencida em 29-11-2010 no valor de 114,88 €

18) Factura n.º 10….279 emitida em 18-11-2010, vencida em 02-12-2010 no valor de 8.306,78 €

19) Factura n.º 10…290 emitida em 23-11-2010, vencida em 07-12-2010 no valor de 114,88 €

t] O referido cliente na data prevista para o vencimento das mencionadas facturas não procedeu ao seu pagamento à Autora; (21.º da petição inicial).

u] Face à falta de pagamento das mencionadas facturas, em cumprimento do disposto no art.º 5.º, ponto II, al a) das CGA, a Autora comunicou em 09-12-2010 à Ré a “Ameaça de Sinistro”, pelo qual comunicou a suspensão dos pagamentos do mencionado cliente “CC Supermercado, SA”, e que o valor do conta-corrente naquela data era de 100.254,65 €. (22.º da petição inicial).

v] Por sentença de 28-03-2011, proferida nos Autos de Insolvência, Proc.º n.º 4594/10.4 TBGMR, pelo 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Famalicão, foi declarada a insolvência daquela cliente da Autora, a CC Supermercados, S.A. (23.º da petição inicial).

w] A Autora estava na posse de letras de câmbio no valor de 210.014,65€, as quais titulavam uma obrigação de pagamento à Autora pela referida CC Supermercados, SA; (24.º da petição inicial).

x] A Autora formulou a reclamação de créditos junto daqueles Autos de Insolvência tendo como fundamento aquela obrigação cartular assumida pela insolvente. (26.º da petição inicial).

y] A quantia reclamada naqueles Autos de Insolvência foi integralmente reconhecida, e bem assim, os juros vencidos à taxa legal. (27.º da petição inicial).

z] Não tendo a autora recebido, no âmbito do processo de insolvência, qualquer valor da quantia reclamada, estando em dívida a totalidade da quantia reclamada. (resposta aos artigos 28.º e 29.º da petição inicial).

aa] Declarada a insolvência da mencionada cliente em 28-03-2011, a Autora formalizou a participação do sinistro à Ré, relativamente às facturas em que havia manifestado a dita “ameaça de sinistro”. (30.º da petição inicial).

bb] Relativamente ao mencionado cliente CC Supermercados, S.A., a Ré mantinha válida a garantia de pagamento da quantia de 150.000€. (32.º da petição inicial).

cc] Com fundamento no facto de o valor reclamado no processo de insolvência ser superior ao valor das mencionadas facturas e que constituem o objecto do sinistro, a Ré recusou-se a pagar a quantia devida em virtude da garantia de crédito que prestou à Autora. (33.º da petição inicial).

dd] A Ré, apesar de por diversas vezes instada pela Autora para pagar, o certo é que não procedeu ao pagamento da mencionada quantia. (35.º da petição inicial).

ee] A comunicação da ameaça de sinistro, relativa ao crédito de €100.254,65, recepcionada em 9-12-2010 foi devidamente registada na ré. (4.º da contestação).

ff] E logo nessa data a ré solicitou à autora: “Dado que se encontram em falta cópias dos documentos que titulam os créditos em aberto e como estes são necessários à sua identificação e às respectivas condições de cobertura, solicitamos a V.Ex.as o seu envio, o mais rápido possível, sob pena de não podermos proceder à respectiva indemnização, caso venha a ocorrer o sinistro”. (5.º da contestação).

gg] Na data da comunicação da ameaça de sinistro, 09-12-2010, o crédito da autora sobre aquele seu cliente não ascendia a € 100.254,65 conforme a autora comunicou à ré, mas pelo menos a €210.014,65, resultante da soma das letras de câmbio de €95.000,00 que se venceu em 30-09-2010 e de €115.014,65 que se venceu em 15-11-2010. (6.º da contestação).

hh] Em 19-9-2011 a autora enviou à ré a certidão judicial emitida pelo 4.º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão no âmbito do processo n.º 4594/10.4TBGMR, relativa à insolvência da sua cliente CC Supermercados, Lda. (7.º da contestação).

ii] Dando a conhecer à ré que, afinal, o seu crédito sobre a insolvente, não era no montante constante da comunicação da ameaça de sinistro no valor de €100.259,65, mas sim de €213.853.78 conforme constava daquela certidão como crédito reconhecido. (8.º da contestação).

jj] Uma vez apurado que tal crédito de €213.853,78 integrou a lista definitiva dos créditos reconhecidos, em 3-8-2012, a ré solicitou à autora esclarecimentos sobre a razão da diferença entre o valor constante da comunicação da ameaça de sinistro e o valor que havia sido reconhecido à autora naquele processo de insolvência. (9.º da contestação).

kk] Ao que a autora respondeu, singelamente, que aquela diferença de valores estava em letras que se venceram posteriormente e foram devolvidas. (10.º da contestação).

ll] Mais tendo informado a ré que não comunicou o restante crédito de que era titular sobre a sua cliente, relativo à diferença do valor constante da comunicação da ameaça de sinistro para o valor que efectivamente lhe foi reconhecido no supra referido processo de insolvência, porque as facturas já estavam fora de prazo previsto contratualmente para a respectiva participação. (12.º da contestação)

mm] Ao que a ré em 19-9-2012, explicou à autora que a informação de que não comunicou o restante crédito porque as respectivas facturas já estavam fora de prazo não era aceite pela ré. (13.º da contestação).

nn] Mais solicitou a ré à autora que procedesse ao histórico completo da dívida indicando: Quais as facturas e/ou outros documentos que estão na origem de cada uma das letras iniciais – a soma dos documentos tem que ser, evidentemente, igual ao valor da letra; Qual a data de vencimento inicial e, caso tenha havido reformas, quais as datas e valores das novas letras; Se há créditos (facturas) que não tenham sido tituladas.” (16.º da contestação).

oo] A apólice do contrato celebrado entre autora e ré compreende as condições gerais constantes do documento junto com a contestação sob o n.º 6 e as condições particulares constantes dos documentos juntos com a petição inicial sob os n.º 2 e 3. (resposta ao artigo 19.º da contestação).

pp] A autora não forneceu logo os elementos pedidos. (resposta ao artigo 20.º da contestação).

qq] Pelo que a ré em 13-11-2012, lembrou à autora que o “processo se encontrava a aguardar os esclarecimentos solicitados” no e-mail de 19-09-2012 “sem os quais não poderemos dar andamento a este assunto.” (21.º da contestação).

rr] Em 21-11-2012, a autora informou a ré que após a comunicação da ameaça de sinistro tinham sido devolvidos um cheque (€15.000,00) e uma letra de (€95.000) enviando os documentos de liquidação. (23.º da contestação).

ss] Esclareceu também o número e o valor das facturas que seriam pagos pela letra e cheque supra referido, mas omitiu a datas de emissão e de vencimento daquelas facturas. (25.º da contestação).

tt] E nada mais esclareceu do que lhe havia sido solicitado pela autora. (26.º da contestação).

uu] Pelo que a ré solicitou novamente tais elementos à autora. (27.º da contestação).

vv] Como a ré lhe referiu por e-mail em 28 de Fevereiro de 2013, esclarecendo que era indispensável a indicação das datas de emissão e vencimento das facturas que deviam ter sido pagas pela letra e cheque supra referido e o envio de cópia das mesmas, como já tinha sido expressamente solicitado em 19-9-2012. (30.º da contestação).

ww] Mas a autora insistiu em não facultar tal informação à ré. (31.º da contestação).

xx] Pelo que em 30-4-2013, a ré insistiu novamente junto da autora, recordando que havia uma diferença entre o valor comunicado na ameaça de sinistro e o relacionado na lista de credores do devedor, que considerava que tal diferença tinha sido esclarecida pela existência da letra (€ 95.000,00) e cheque (€15.000,00) supra referidos, mas que se tornava necessário conforme o e-mail de 19-09-2012, que a autora informasse a ré do histórico da evolução da divida titulada pela letra e cheque, desde o valor inicial até ao valor actualmente em aberto. (32.º da contestação).

yy] Mais informou a ré que a relação das facturas em dívida enviada pela autora e cujo pagamento estava titulado pela letra e cheque supra referidos, sem o histórico das letras e sem a cópia das facturas, permitindo conhecer as respectivas datas de emissão e vencimento, não era possível aferir da cobertura do sinistro no âmbito do contrato de seguro, para que fosse possível proceder ao pagamento da indemnização. (33.º da contestação).

zz] Não obstante tais esclarecimentos terem sido solicitados diversas vezes, e já há muito tempo, a ré concedeu ainda um prazo adicional de 30 dias para que os mesmos fossem prestados, sob pena de encerrar o processo. (34.º da contestação).

aaa] Mas a autora, mais uma vez, nada esclareceu. (35.º da contestação).

bbb] Apesar de terem decorrido os seis meses a que se refere a cláusula 11.º n.º 2 das Condições Gerais, a ré em 30-4-2013, ainda concedeu um prazo adicional de 30 dias para que a autora prestasse os solicitados elementos. (41.º da contestação).

ccc] Mas a autora não os prestou. (42.º da contestação).

ddd]  A ré encerrou o respectivo processo sem admitir ou regular aquele sinistro ou proceder ao pagamento da indemnização. (44.º da contestação).


4. Estão portanto em causa as seguintes questões, colocadas pela recorrente:


– Nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia;

– Suficiência da informação prestada à recorrida;

– Não verificação de nenhuma das situações previstas no artigo 11º das condições gerais do contrato, que fundamentam a exoneração da seguradora;

– Preenchimento dos requisitos contratuais para o pagamento da indemnização reclamada pela recorrente.

5. A recorrente afirma que o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, por ter conhecido da excepção de não cumprimento do contrato, não alegada pela recorrida.

O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado repetidamente que a excepção de não cumprimento não é de conhecimento oficioso, carece de ser invocada pelo contraente que pretende retardar a prestação a que está adstrito, e na contestação, tendo em conta o princípio da concentração da defesa (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 29 de Abril de 1999, www.dgsi.pt, proc. nº 99B077, de 16 de Março de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 97/2002.L1.S1, ou de 16 de Junho de 1015, www.dgsi.pt, proc. nº 3309/08.1TJVNF.G1.S1).

Como se escreveu já no acórdão de 30 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 184/06.4TBTND.C1.S1: “não há qualquer dúvida de que a excepção de não cumprimento do contrato não é de conhecimento oficioso: tem de ser alegada pelo interessado, como meio de “paralisar temporariamente a pretensão da contraparte” (acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 674/02.8TJVNF.S1) – cfr. artigo 496º do Código de Processo Civil” então em vigor, correspondente ao actual artigo 579º. “Na verdade, traduz-se na faculdade, em cujo exercício o juiz se não pode substituir à parte, de recusar o cumprimento de uma obrigação contratual invocando a não realização, pela contraparte, de prestações “correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol. anotação ao artigo 428º do Código Civil), para cuja realização não haja prazos diferentes. Se procedente, conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cfr. o artigo 673º do Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado)” – actual artigo 621º –,” pois não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como excepção peremptória (cfr. artigo 493º, nº 2)” – actual artigo 576º, nº 3.

Ora, na contestação a ré não invocou a excepção de não cumprimento, nem expressa, nem implicitamente. Tal como no caso a que respeitou o acórdão de 30 de Setembro de 2010, “nada no respectivo texto indica que apenas pretendia paralisar temporariamente o direito” de exigir a indemnização.

Antes invocou a extinção do direito da autora, por caducidade, o que é incompatível com a vontade de o paralisar apenas temporariamente.

Não tendo sido invocada a excepção de não cumprimento – que, correspondendo a uma faculdade reconhecida aos contraentes nos contratos bilaterais, como se prevê no nº 1 do artigo 428º do Código Civil, não pode ser extraída oficiosamente dos factos provados, como resulta do artigo 579º do Código de Processo Civil actual, correspondente ao anterior artigo 496º –, o acórdão recorrido não poderia ter-se substituído à ré, julgando a acção improcedente em virtude da procedência da excepção. Consequentemente, incorreu em excesso de pronúncia,

Verificando-se excesso de pronúncia de um acórdão da Relação do qual tenha sido interposto recurso de revista, incumbe ao Supremo Tribunal de Justiça suprir o vício, declarando em que sentido se considera modificada a decisão da Relação e conhecendo dos demais fundamentos do recurso (nº 1 do artigo 684º do Código de Processo Civil).

Ora, da análise do acórdão recorrido conclui-se que, ainda que não considerasse a excepção de não cumprimento, a Relação teria absolvido a ré do pedido com fundamento em inexigibilidade do pagamento da indemnização, resultante de não haver ainda incumprimento da obrigação, contratualmente assumida pela seguradora, de indemnizar o sinistro.

Com efeito, retira-se do acórdão que a autora não forneceu
à ré a informação que, contratualmente, devia prestar, porque lhe permitiria averiguar da eventual verificação de
“uma situação superveniente de exclusão do seguro ex vi nº 5 do artigo 3º das condições gerais”; que essa falta de informação não é causa de caducidade do direito à indemnização, pois, foi prestada a informação suficiente para a identificação do crédito seguro e para se terem como comprovadas a existência de risco e a ocorrência do sinistro; que, na verdade, a falta de informação apenas afasta a mora em que incorreria a seguradora, por não ter pago a indemnização no prazo de 30 dias, previsto no ponto III.1 do artigo 7º das condições gerais do contrato.

Fica portanto prejudicado saber se, no caso, ocorreriam os requisitos necessários à procedência da excepção de não cumprimento, como, por exemplo, a correspectividade das obrigações contratuais em causa.


6. Cumpre assim conhecer dos demais fundamentos do recurso de revista, começando por apreciar a alegação de que a recorrente forneceu à ré informação suficiente para que esta seja obrigada a pagar-lhe a indemnização que pretende.

Em síntese, e deixando de lado as críticas que dirige à solução adoptada no acórdão recorrido quanto a considerar procedente a excepção de não cumprimento, a recorrente sustenta que apenas estava obrigada a enviar à ré a informação relativa aos concretos créditos comunicados com a participação de ameaça de sinistro e não a informação relativa a outros concretos créditos, também cobertos pelo seguro, que tinha sobre o cliente cuja insolvência veio a ser decretada, mas que não participou à ré. Cumpridos os deveres de informação correspondentes aos créditos participados, de modo a possibilitar à seguradora a “identificação do crédito seguro”, a “comprovação do risco” e a “verificação do sinistro” (nº 2 do artigo 11º das condições gerais), como aliás entendeu o acórdão recorrido, e verificados os demais requisitos contratualmente exigidos, a seguradora não poderia recusar o pagamento da indemnização devida, nomeadamente por não ter operado a caducidade que invoca (prevista nesse nº 2 do artigo 11º).

Diz ainda a recorrente que, provada a constituição do direito à indemnização, caberia à seguradora o ónus de provar “factos que a exonerassem do pagamento da indemnização contratualmente fixada (…), por se tratar de um facto impeditivo do direito [da] recorrente”, artigo 342º do Código Civil.

A recorrida contrapõe a caducidade do direito à indemnização, por não lhe ter sido fornecida informação que permitisse identificar o crédito seguro, não lhe sendo possível determinar “qual o crédito relativamente ao qual se verificou o risco coberto” em primeiro lugar. Segundo o princípio da globalidade dos seguros de crédito, “o seguro abrange toda a carteira dos seus clientes”, “até ao limite da garantia concedida pela seguradora”, não cabendo à autora o poder de escolher quais os créditos que participa. ”Crédito seguro é o crédito segurado sobre o mesmo cliente”.

Antes de mais, cumpre dizer que o paralelismo traçado com o acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Março de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 349/10.TVLSB.L1.S1 não procede, quanto à específica questão agora em causa; para além do mais, porque não se coloca o problema – essencial para esse acórdão – de o valor global dos créditos exceder em muito (“em mais do triplo”) o limite máximo abrangido pelo seguro, pretendendo o segurado, com a sua actuação, apenas “defender o seu crédito”.

No caso presente, vem provado, muito diferentemente, que a autora disse à ré que “não comunicou o restante crédito de que era titular sobre a sua cliente, relativo à diferença do valor constante da comunicação da ameaça de sinistro para o valor que efectivamente lhe foi reconhecido no (…) processo de insolvência, porque as facturas já estavam fora de prazo previsto contratualmente para a respectiva participação”.

Também não é exacto que o acórdão recorrido faça impender sobre o tomador do seguro um ónus de informação diabólico, “legitimando” a seguradora a “incumprir a sua obrigação até que se considere satisfeita de dados, informações ou documentos”, pois o acórdão recorrido tem a preocupação de encontrar no contrato a justificação para a obrigação de fornecer a informação que a prova revela que foi pedida e não fornecida.

Seja como for, a argumentação da recorrente assenta numa compreensão do contrato de seguro de crédito que não corresponde à configuração do contrato concretamente celebrado, manifestamente desenhado segundo a lógica da globalidade, e da qual retira que lhe é permitido escolher, de entre todos os créditos sobre o mesmo fornecedor e que estão abrangidos pelo seguro, os concretos créditos para os quais comunica a ameaça de sinistro e, verificado este, pede a indemnização correspondente. Nomeadamente, e para o que agora releva, que lhe permite não ter comunicado oportunamente a ameaça de sinistro relativamente “ao restante crédito de que era titular sobre a sua cliente” (ponto ll) da matéria de facto) correspondentes às letras referidas em gg).

7. Nos contratos de seguro de crédito como o dos autos, titulados por “apólices globais”, através das quais o segurador garante “todos os créditos do segurado face a terceiros seus clientes, dentro do ‘plafond’ que o segurador fixa para cada um deles”, valendo então “na expressão utilizada pelos seguradores”, o “princípio da globalidade” (L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Coimbra, 2010, pág. 156, nota (451)), o risco garantido é o da falta de pagamento (ao qual frequentemente se faz equivaler a mora prolongada por um determinado tempo, como aqui sucede, 120 dias, cfr. art.2º, nº 1, a) das condições gerais e ponto k) dos factos provados), resultante dos sinistros enumerados no contrato (cfr. artigo 2º das condições gerais e ainda artigos 3º do Decreto-Lei nº 183/88 e a enumeração exemplificativa do artigo 161º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril), quanto a qualquer dos créditos concretos incluído na carteira do cliente.

Mediante a celebração do contrato, e porque, por imposição legal, justificada pelo objectivo de manter o interesse do segurado na cobrança do crédito mesmo após a participação do sinistro, o seguro apenas pode abranger uma “percentagem do crédito seguro” – regra do descoberto obrigatório, nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio –, o risco do incumprimento (falta de pagamento) das obrigações dos clientes passa a ser repartido entre o segurador e o segurado. Ora, o segurador não controla as decisões do segurado, das quais podem resultar créditos ou agravamento dos créditos que detém sobre os seus clientes (no caso, os fornecimentos referidos nos pontos r) e s) dos factos provados); nomeadamente por esse motivo, nos contratos de seguro de créditos impõem-se ao segurado exigentes deveres de informação ao segurador, ao longo da vida do contrato, e de permissão de acesso à escrita e a documentação do segurado, cujo incumprimento é sancionado mais ou menos fortemente (cfr. diversas pontos das condições gerais); e restringe-se ou exclui-se o poder de decisão do segurado, por ex. exigindo autorização ou concordância do segurador para a prática de certos actos.

Assim sucede, em regra e por razões óbvias, quanto à possibilidade de prorrogação dos prazos de pagamento, expressa ou não – no contrato dos autos, cfr. por ex. o artigo nº 5 das condições gerais –, campo no qual se torna por vezes evidente a contraposição de interesses entre ambos, o segurado interessado em manter os clientes e em não os colocar numa situação difícil, o segurador interessado em cobrar o crédito, independentemente dos efeitos que a cobrança possa ter na esfera do cliente e, indirectamente, na do segurado. Margarida Lima Rego, em intervenção no colóquio “A crise e o Direito”, Universidade Nova de Lisboa, 22 de Maio de 2012, disponível em www.youtube.com, chamou a atenção para esta dissonância de interesses que frequentemente ocorre entre as partes do contrato de seguro de crédito, com reflexos evidentes no cumprimento das obrigações de informação por parte do segurado, e conduzindo, por vezes, à perda do direito à indemnização por incumprimento desses deveres, quando o segurado opta por não cumprir essa informação, para evitar os efeitos que possa desencadear – assim renunciando à cobertura pelo seguro.

É ainda o que manifestamente pode suceder com a falta de cumprimento da obrigação de comunicação de uma situação de ameaça de sinistro, situação de grande relevo na vigência do contrato, pelos efeitos drásticos que tem na configuração dos deveres recíprocos dos contraentes.

 

8. Com efeito, e considerando agora o contrato dos autos, verificando-se uma situação de ameaça de sinistro (artigo 5º, II, das condições gerais), o segurado fica obrigado a comunicá-la à seguradora no prazo previsto em III e, “no mesmo prazo, [a] enviar todos os documentos que titulem o crédito(…)”. O atraso na comunicação conduz à penalidade prevista em IV e a falta de comunicação terá consequências mais drásticas (exoneração da obrigação de pagamento, art. 5º, nº 3; eventualidade de repercussão no pagamento de indemnizações relativas a outros créditos incluídos na carteira do concreto cliente, como se verá).

Comunicada a situação de ameaça de sinistro, o contrato prevê, nomeadamente: sérias limitações aos poderes do segurado, relativamente à “cobrança dos créditos sobre clientes em situação de ameaça de sinistro” (artigo 6º, nº 1); suspensão da “entrega de bens ou (…) prestação de serviços ao cliente em causa, salvo acordo prévio da COSEC”, sob pena de a seguradora ter o direito de se “exonerar do pagamento de qualquer indemnização relativa à ameaça comunicada (….)” (artigo 5º, IV, nºs 2 e 3); exclusão do sinistro dos créditos que se constituam sobre clientes em situação de risco (artigo 3º, nº 3, d)); exclusão do poder de prorrogação dos prazos de pagamento (artigo 5º, nº 2, b)).

Note-se que, em conformidade com a regra da globalidade, os diversos preceitos referem-se à ameaça de risco do cliente e aos efeitos sobre os créditos desse cliente.

De acordo com o contrato dos autos, quando ocorrer um sinistro precedido da comunicação da situação de ameaça de sinistro, é exigido à segurada que preste informação sobre todos os créditos do cliente em risco, sob pena de não facultar à seguradora os elementos necessários à identificação do crédito seguro (essa carteira) e assim poder aferir do cumprimento ou incumprimento das limitações decorrentes da verificação da situação de ameaça de sinistro e do cumprimento dos prazos de participação.

9. No caso, vem provado que, em 9 de Dezembro de 2010, a autora comunicou à ré que o seu cliente “CC Supermercados, SA” se encontrava em situação de ameaça de sinistro (suspensão de pagamentos), e que “o valor do conta-corrente naquela data era de 100.254,65 €” (u)).Apurou-se, no entanto, ser superior, de € 210.014,65 (gg). Foi declarada a insolvência desse cliente por sentença de 28 de Março de 2011 (v)). Na insolvência, a autora reclamou créditos com base em letras de câmbio no valor de € 210.014,65, que foram integralmente reconhecidos, mas nada recebeu (w), x),y), z)). Declarada a insolvência, a autora participou o sinistro à ré, “relativamente às facturas em que havia manifestado a ‘ameaça de sinistro’” aa).A ré recusou o pagamento, invocando a divergência de valores.

A ré pediu por diversas vezes que lhe fossem fornecidos os documentos necessários à identificação do crédito e das condições de cobertura e à explicação da diferença de valores  (ffi), jj), nn), uu), vv), xx), yy),

A autora forneceu explicações não aceites pela ré (vencimento posterior das letras, ultrapassagem do prazo para apresentação das facturas (kk), ll). Forneceu os elementos e os esclarecimentos referidos em rr), ss), tt), mas não todos os solicitados (ww), zz) aaa), bbb), ccc)).

Foi concedido pela ré o prazo de seis meses previsto no artigo 11º, nº 2 das condições geris e ainda um prazo adicional de 30 dias (bbb)), sem sucesso.

A autora encerrou o processo, sem proceder ao pagamento (ddd)), considerando extinto o direito ao pagamento da indemnização.

Na contestação desta acção, a ré invocou a respectiva caducidade.

Resulta dos termos do contrato que a ré tinha o direito de exigir os documentos necessários à identificação do crédito do cliente CC Supermercados, SA, que incluía os elementos relacionados com as letras que justificavam a diferença de montantes, descritos em xx) e yy), que a autora não prestou (ccc)). E que esses elementos eram necessários à identificação do crédito global da autora, que é o objecto do contrato de seguro, e à averiguação da cobertura do sinistro. Nomeadamente, quanto ao preenchimento dos prazos e à participação dos concretos créditos incluídos na carteira global da autora, sobre o cliente em falta, e à relacionação da comunicação da ameaça de sinistro e da verificação do sinistro com os créditos não pagos, contando com aqueles a que se referem as letras de kk) e ll).

Conclui-se, portanto, que a seguradora tinha o direito de exigir a informação que a autora não enviou; e que se encontra preenchido o pressuposto de aplicação do artigo 11º, nº 2, das cláusulas contratuais gerais.

10. Nesse nº 2 do artigo 11º das condições gerais, fixa-se um prazo de caducidade do direito à indemnização, de seis meses, contado nos termos ali descritos.

É admissível a criação convencional de prazos de caducidade (nº 2 do artigo 298º do Código Civil); não vem sequer questionada essa admissibilidade, nem tão pouco a validade da convenção.

Assim sendo, resta concluir pela improcedência da acção, por caducidade do direito invocado pela autora nesta acção; portanto, nada mais há a apreciar.

11. Nestes termos, concede-se provimento parcial ao recurso, no que diz respeito à nulidade por excesso de pronúncia; quanto ao mais, julga-se extinto o direito da autora, por caducidade.


Custas por recorrente e recorrida, fixando-se a proporção de 90% e 10%, respectivamente.


Lisboa, 07 de Dezembro de 2016


Maria dos Prazeres Beleza (Relator)

Salazar Casanova

Lopes do Rego