Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19384/16.2T8LSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
LEGALIDADE
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso. 

II. Para a consecução desse objetivo é essencial o empenhamento partilhado de ambos os progenitores, o que requer a manutenção de relações de estreita convivência ou proximidade entre pais e filhos.

III. O artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais. Só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar.

IV. O superior interesse do filho não é alheio a uma adequada inserção dele no meio familiar de cada um dos progenitores mediante aprendizagem dos novos modos de relacionamento e de respeito mútuo pelos direitos e legítimos interesses de cada pessoa que passe a integrar esses agregados familiares.    

V. Não cabe ao tribunal de revista sindicar a ponderação da Relação sobre a conveniência e oportunidade de reatamento de um regime de residência alternada dantes estabelecido, mas apenas aferir da estrita legalidade com que, para tanto, foram observados o superior interesse da criança e os direitos e interesses legítimos dos progenitores.  

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. BB requereu, em .../07/2018, contra AA a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, sob o regime de guarda conjunta e residência alternada por períodos semanais, relativas à filha de ambos CC, nascida a .../.../ 2009, que fora estabelecido mediante acordo homologado por sentença de 24/01/2017, alegando, em síntese, o seguinte:

. A situação de residência de CC com a mãe, ora Requerida, deixara de ser a melhor, uma vez que, segundo o que a menor transmitira ao Requerente, quando ela se encontrava com a mãe, o namorado desta dava-lhe beliscões, empurrões e pontapés, por debaixo da mesa, chamando-lhe piegas;

. E segundo o relato da menor, a mãe dizia-lhe para não se queixar, chegando a apertar-lhe o braço.

. Por sua vez, o Requerente apercebeu-se de que a filha passou a autocensurar-se por aquilo que dizia ao pai, mostrando-se inquieta e com tensão nervosa e queixando-se, quer às primas quer a amigos de família, de que o namorado da mãe lhe batia.

. A CC está segura e é bem tratada em casa do Requerente, que tem condições para assumir exclusivamente a guarda daquela. 

Concluiu o Requerente a pedir que fosse alterado, com urgência, o regime das responsabilidades parentais estabelecido, desde logo, provisoriamente, no sentido de ser atribuída a guarda da criança apenas a ele.

2. Foi então proferida a decisão de fls. 42-42/v.º, de 25/07/2018, a fixar um regi-me provisório, autorizando, a título cautelar, que a menor CC permanecesse em casa do pai, caso manifestasse essa vontade, sem prejuízo de manter convívios com a mãe, mas sem a presença do namorado desta e com o apoio da Segurança Social.

3. Citada, a Requerida veio responder, negando a prática dos factos alegados na petição inicial, tanto os imputados a ela como os atribuídos ao seu namorado, afirmando ainda que a CC é a sua prioridade e que a restruturação da sua vida familiar tem sido feita de harmonia com essa opção, respeitando o ritmo da criança.  

Nessa base, pugnou pela aplicação do regime de guarda alternada com supervisão técnica pelo período mínimo de dois meses, com avaliação psicológica a si e ao Requerente e acompanhamento de CC por psicólogo a indicar pelo tribunal, sem prejuízo de eventual articulação com a profissional que vem acompanhando a menor no Centro de Saúde, pelo menos desde setembro de 2017.

4. Realizada a audição da menor e iniciada a conferência de pais, sendo também ouvida a técnica da Segurança Social que acompanhava os autos, em 05/09/2018, foi introduzida nova regulação provisória a manter a residência de CC junto do pai e a fixar um regime de convívio com a mãe, por períodos determinados, sem a presença do companheiro desta, conforme despacho constante de fls. 150-152.

5. Em 04/12/2018, foi reaberta a conferência de pais e ouvida a técnica da Segurança Social sobre o modo como decorreu o regime provisório, na sequência do que foi estabelecida nova alteração do regime de visitas, com a inclusão de fins de semana alternados da criança com a mãe, mas sem a presença do companheiro desta, conforme despacho de fls. 200-201, agendando-se a continuação da conferência para avaliação da evolução conseguida.

6. Em 20/03/2019, foi realizada nova sessão de conferência de pais, determinando-se algumas alterações temporais do regime de convívio da menor com a mãe, sem a presença do companheiro desta, conforme despacho de fls. 214-216.

7. Apresentadas alegações, foi realizada a audiência final, no decurso da qual, na sessão de 22/09/2020, foi novamente alterado o regime provisório, alargando-se o período de convívio da menor com a mãe, conforme o despacho de fls. 648.

8. Terminada a audiência final, foi proferida a sentença constante de fls. 786-807, de 05/04/2021, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição da Requerida do pedido de alteração das responsabilidades parentais.

9. Inconformado, o Requerente recorreu para o Tribunal da Relação ..., em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 874-892, de 07/10/2021, a julgar parcialmente procedente a apelação, modificando alguns dos pontos de facto impugnados e decidindo “alterar” a sentença recorrida com a fixação do regime de regulação das responsabilidades parentais de CC nos seguintes termos:

   «1) Até 31 de Março de 2022:

a) mantém-se o regime actualmente em vigor, fixado em 24 de Janeiro de 2017 e alterado pelos despachos de 4 de Dezembro de 2018, de 20 de Março de 2019 e de 22 de Setembro de 2020, com as aclarações entretanto feitas;

b) mantém-se o afastamento do convívio entre a CC e o companheiro da mãe com reintrodução gradual de tal convívio se e quando considerado adequado pelo técnico que acompanhará a CC.

   2) Após 31 de Março de 2022 e até 31 de Agosto de 2022:

a) cessa o afastamento do convívio da CC com o companheiro da mãe, estando a revogação condicionada a prévio parecer favorável dos técnicos que acompanharem a CC, a mãe e o companheiro desta e ao envio de relatórios mensais sobre a evolução da situação por parte dos mesmos técnicos;

b) a estada da CC com a mãe passa a iniciar-se à quarta-feira (em vez da quinta-feira);

c) reinicia-se o regime de férias estabelecido em 24 de Janeiro de 2017.

  3) Após 31 de Agosto de 2022, mediante parecer positivo dos técnicos que acompanharem as famílias nucleares da CC, será retomado na íntegra o acordo de regulação das responsabilidades parentais fixado por decisão de 24 de Janeiro de 2017.

  4) O regime agora estabelecido será acompanhado pela entidade indicada na sentença de primeira instância - Equipa Tutelar Cível de ...da Santa Casa de ... -, sem prejuízo das alterações que seja necessário fazer no decurso do acompanhamento e que à primeira instância caberá estabelecer.

  5) O acompanhamento envolverá os pais, os seus companheiros e a CC, sem prejuízo da possibilidade de recusa, cuja incidência no regime agora estabelecido será objecto de apreciação.»

9. Desta feita, inconformada, a Requerida veio pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Será de concluir pela improcedência da ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais com a consequente absolvição da recorrente do pedi-do formulado, conforme sentença, proferida em 05/04/2021;

Porquanto:

2.ª - A consecutiva mudança do Regime de Contactos e Convívios da criança com os respetivos progenitores, bem como a imposição de alterações abruptas no seu quotidiano, infligem à menor instabilidade e insegurança, tão rápido se decidiu pela viabilidade do regime da residência alternada, como se o teve de alterar para um modelo de gradual complexidade;

3.ª - O afastamento do companheiro da mãe da criança, aquando dos períodos de convívio com a mãe, foi inicialmente decretado a 25/07/2017, findando com a decisão proferida a 05/04/2021, não se compreendendo como se poderá caminhar em sentido inverso àquele que se estava a caminhar no sentido da promoção da tão desejada adaptação gradual do convívio entre a CC e o companheiro da mãe, parecendo tratar-se de impor uma escolha entre duas famílias, a que uma criança não deve ser submetida, parece lesar o princípio do superior interesse da criança

4.ª - A regulação das responsabilidades parentais deve visar assegurar essencialmente o interesse da criança, mas também proteger as capacidades e legítimos interesses dos progenitores.

5.ª – Na regulação das responsabilidades parentais, não poderá tal regulação ingerir-se na integridade dos pais, na sua liberdade pessoal, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

6.ª - O acórdão recorrido enferma da desjudicialização da decisão, tratando-se efetivamente de uma decisão submetida a condição, cabendo única e exclusivamente ao Tribunal, órgão que se ocupa da apreciação do caso concreto, munido do respetivo poder jurisdicional proferindo decisões capazes de produzir efeitos, "in casu", na esfera jurídica interna das partes, poder que não cabe às referidas Instituições, nomeadamente a técnicos de acompanhamento;

7.ª - De outro modo, admitir-se-ia que os Tribunais se fizessem substituir, na fixação de decisões judicias, o que contenderia de modo gravoso com o Estado de Direito Democrático, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa

8.ª - Conclui-se ainda pelo pedido de efeito suspensivo ao presente recurso, uma vez que estamos perante uma questão sobre o estado de pessoas.

Pede a Recorrente que se julgue a ação improcedente com a sua consequente absolvição do pedido.

10. O Digno Representante do Ministério Público contra-alegou, arguindo a inadmissibilidade da revista, pugnando, no mais, pela manutenção do efeito meramente devolutivo do recurso e pelo seu não provimento.

11. O Recorrido também contra-alegou, concluindo pela confirmação do acórdão recorrido, exceto se for entendido que os regimes provisórios são inadequados, caso em que, em atenção ao superior interesse da criança, bem como à sua segurança e estabilidade, se deverá estabelecer que a menor fique a residir com o pai, sendo atribuído à mãe um fim de semana quinzenal para passar com a filha e um jantar por semana com ela no fim se semana que não lhe couber.

12. A Exm.ª Relatora da Relação admitiu o recurso, por considerar ser fundado em alegada violação de lei, atribuindo-lhe o efeito meramente devolutivo, atendendo à gradualidade de adaptação do regime fixado e á sua inadequação ao efeito suspensivo.    

  

II – Da questão prévia sobre a admissibilidade e efeito da revista


Quanto à questão prévia da admissibilidade da revista, não obstante estarmos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, em que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade, nos termos do art.º 988.º do CPC, o certo é que, no caso, a Recorrente invoca violação de lei, especialmente do disposto no artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC (no respeitante ao alcance do “superior interesse da criança”), nos artigos 2.º, 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, 111.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição e ainda dos artigos 3.º, 5.º, 8.º e 18.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças.

Nessa sede de estrita legalidade, impõe-se tomar conhecimento do objeto da revista.


Quanto ao efeito do recurso, afigura-se que o efeito meramente devolutivo é o mais adequado à necessidade de adaptação da menor a uma preconizada transição gradual para o regime da residência alternada que não perturbe a linha de estabilidade, de algum modo, resultante dos sucessivos regimes provisórios.

Termos em que se mantém a fixação atribuída pelo tribunal a quo.        


III – Fundamentação   


1. Factualidade dada como provada                                      

Vem dada como provada a seguinte factualidade:

1.1. CC é filha do requerente e da requerida, tendo nascido a .../.../2009.

1.2. Por sentença proferida no processo-crime que correu termos junto do J... do Juízo Local Criminal ... – Comarca ... sob o n.º 8/16.... o aqui requerente foi condenado pela prática em autoria material de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo art. 86º, n.º 1, al. d), por referência aos arts. 2º, n.º 3, als. p) e ac), e 3º. nºs1, 2, al. a), 3 e 4, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro na pena de 82 de multa à taxa diária de € 7,00, tendo sido absolvido da prática de um crime de violência doméstica previsto e punido no art.º 152.º, nº 1, als. a) e c), e n.º 2, do Código Penal, em que era ofendida a aqui requerida.

1.3. Tal sentença é datada de 20/03/2017 tendo transitado em julgado de modo pacífico.

1.4. Na sequência de separação dos pais, a CC passou a residir em semanas alternadas com cada um dos progenitores, sendo as responsabilidades parentais exercidas em conjunto.

1.5. No dia .../07/2018, o requerente apresentou um requerimento ao Tribunal pedindo a sua exoneração imediata da obrigação de partilhar a guarda da menor com a requerida, a audição da criança, a marcação de uma conferência de pais e a sua própria audição urgente.

1.6. Por despacho proferido nestes autos a .../07/2018 foi decidido, cautelarmente, autorizar a menor, até à data de audição, a permanecer em casa do pai até à sua audição caso manifestasse essa vontade, podendo e devendo manter convívios com a mãe sem a presença do companheiro desta, nos termos a acordar entre os pais, nomeadamente com o apoio da Segurança Social.

1.7. A … de setembro de 2018 foi ouvida a menor em Tribunal, bem como os seus pais e a técnica de Segurança Social.

1.8. Na sequência daquela diligência foi mantida a residência de CC junto do pai, com um regime de visitas à mãe alargado e sem a presença do namorado daquela.

1.9. A … de dezembro de 2018, prosseguiu a conferência de pais com a audição da técnica da Segurança Social, mantendo-se a guarda da criança entregue ao pai, com continuação da conferência em … de março de 2019.

1.10. A … de março de 2019, não tendo os progenitores logrado chegar a acordo nos autos foi determinado que alegassem e apresentassem prova para que as suas pretensões fossem objeto de apreciação em julgamento.

1.11. Em julho de 2018, o pai apresenta pedido de alteração de regulação de responsabilidades parentais, alegando factos que conduziram a que o Tribunal determinas-se que CC ficaria provisoriamente a permanecer em casa do pai.

1.12. A título provisório também, ficou determinado que a CC podia e devia manter convívios com a mãe, sem a presença do companheiro desta,

1.13. A requerida deveria ir buscar a filha a casa do pai a 1 de agosto de 2018 sem saber da existência de qualquer processo judicial ou de decisão provisória de 31 de julho, tendo recebido a seguinte comunicação do pai de CC “Boa noite AA, A CC não quer ir para tua casa. Vontade que está devidamente acautelada por decisão judicial. Por isso escusa de a vir buscar. BB.”

1.14. Durante as férias de CC com o pai a requerida falara habitual e normalmente ao telefone com a criança, não lhe tendo a mesma dito que não queria estar com ela e não tendo o pai partilhado qualquer situação anómala que impedisse o convívio com a mãe.

1.15. A requerida deslocou-se à esquadra de polícia a informar o sucedido tendo o pai de CC dito àquela entidade que existia uma medida de afastamento da criança em relação à mãe.

1.16. No dia 6 de agosto a requerida foi citada, uma vez que se deslocou ao Tribunal a fim de conseguir saber o que se passava, recebendo nesse dia o pedido de alteração de regulação de responsabilidades parentais.

1.17. A CC e a mãe apenas se reencontraram na esquadra de campo de ... pelas 15h00 do dia 13 de agosto.

1.18. No âmbito destes autos, a CC e os seus progenitores foram apoiados pelos C..., ..., Casa ... (onde o companheiro da mãe teve sessões individuais), M..., bem como assistência técnica da Segurança Social.

1.19. A requerida reside numa habitação que é bem próprio e a casa tem todas as condições para que a mãe e a filha voltem a residir juntas.

1.20. Era ali que residia a CC até julho de 2018.

1.21. A requerida cumpriu com o estipulado em Tribunal e solicitou a assistência técnica que faz o acompanhamento.

1.22. A requerida paga a pensão de alimentos provisoriamente estipulada para a CC.

1.23. A requerida promove os contactos telefónicos entre pai e filha e também com os demais familiares paternos, em particular a avó DD.

1.24. A requerida procura manter-se a par da situação escolar da CC.

1.25. A requerida está atenta à saúde, higiene e bem-estar físico de CC.

1.26. A requerida procura ter momentos de lazer com a filha, que para ambas são importantes e gratificantes.

1.27. A requerida está extremamente preocupada com a pressão psicológica a que acredita que a menor tem estado sujeita por parte do pai, situação que crê agravada pelo facto de a menor residir em exclusivo com aquele.

1.28. A mãe nunca permitiu, nem permitiria que o seu companheiro agredisse ou maltratasse a CC, nem a mãe o faria.

1.29. A requerida nunca se apercebeu de que a relação da CC com o padrasto não era bem recebida pela menor.

1.30. O padrasto da CC sai de casa da mãe quando a criança a vai visitar para que mãe e filha possam estar juntas e foi acompanhado pela Casa ... no sentido de corrigir alguns comportamentos.

1.31. Em duas ou três situações, durante a execução do regime provisório, a CC viu o padrasto.

1.32. A requerida teve também acompanhamento e lida com a filha com maior flexibilidade.

1.33. O pai nunca falou com a mãe sobre este assunto.

1.34. Em novembro de 2017, enviou uma comunicação eletrónica à mãe que foi respondida em consonância com o que então era a realidade vivida.

1.35. O pai fez algumas sessões na M....

1.36. A CC experimenta dificuldade na relação com a mãe, tendo embora um vínculo afetivo muito forte com ela, com quem gosta de estar, viver e conviver e com quem se sente feliz, embora insegura, por recear as reações da mãe em situações em que é contrariada – na redação introduzida pela Relação;   

1.37. A CC sente que a mãe se zanga com facilidade e receia a insistência da mãe em a confrontar com as queixas que fez nos autos – na redação introduzida pela Relação;  

1.38. A CC sente-se incomodada com a interação com o namorado da mãe, por entender que este tem consigo “brincadeiras” agressivas – facto incluído pela Relação;  

1.39. A mãe da CC perde por vezes o controle das emoções perante situações que a contrariam, zanga-se muito e exprime, exteriormente, essa zanga, o que gera insegurança na CC – facto incluído pela Relação;  

1.40. A CC não narra livremente em casa do pai o que se passa em casa da mãe ou na casa desta o que se passa na daquele – facto incluído pela Relação;   

1.41. Os progenitores não têm confiança um no outro.

1.42. A 1 de abril de 2018, o requerente pediu à requerida a nova morada da casa onde ela passou a viver com o namorado e a CC, informação que lhe foi dada a 2 de junho de 2018, sem menção do andar exacto.

1.43. O requerente informou a requerida de que tinha arranjado uma explicadora para a CC, propondo-se arcar com os custos e sugerindo forma de enquadrar as idas e vindas da criança das explicações.

1.44. A mãe não viabilizou as explicações na sua semana, dizendo simplesmente por email ao pai “organize as explicações na semana em que a CC está com o pai”.

1.45. Por alturas dos testes, a CC fica mais nervosa com queixas físicas de mal-estar e desconforto.

1.46. Tais queixas mantêm-se apesar de a criança estar a residir com o pai.

1.47. Em outubro de 2017, a CC queixou-se ao pai de que o namorado da mãe a beliscava e que a mãe nada fazia para impedir essa situação.

1.48. Referiu-lhe em concreto uma situação ocorrida no dia dos seus anos no ... quando foi com a mãe e o namorado desta comer pizza para aquele local.

1.49. O pai num primeiro momento não deu importância às queixas da menor.

1.50. Perante a insistência, enviou email à mãe da criança no dia 18 de novembro de 2017, dizendo:

“A CC tem-se queixado de atitudes e brincadeiras que o teu namorado tem com ela. Beliscões e empurrões são de todo inaceitáveis. As queixas duram algum tempo e aconselhei a CC a falar contigo, segundo me disse o fez por duas vezes sem que tivesses feito algo para pôr cobro à situação. Contou ainda, bastante emocionada, no dia de anos, que durante o almoço dessa tarde, ao ser beliscada, quando lhe gritou que parasse, tu lhe apertaste o braço, causando-lhe dor. (…) Ou este tipo de tratamento cessa imediatamente ou usarei todos os meus ao meu alcance o devido bem-estar da CC. (…)”.

1.51. Em 21 de novembro de 2017, a requerida respondeu ao email do requerente negando a existência de qualquer contacto impróprio com a filha e qualquer companheiro, familiar ou amigo, reforçando que não admitia as ameaças veladas que lhe estavam a ser, no seu entender, feitas.

1.52. No dia 25 de novembro de 2017, o requerente respondeu: “A situação não é levantada por mim, mas sim pela CC e deixo o aviso. Não é uma ameaça, mas sim uma situação constatada em queixas com a CC.”

1.53. Não houve resposta a tal email.

1.54. Em data concretamente não apurada de 2018, quando a namorada do pai a foi buscar à consulta de psicologia, a CC disse que o namorado da mãe lhe batia, que o pai sabia, mas que a EE ainda não sabia.

1.55. Entre abril e maio de 2018, a criança apresentou dores de dentes, vómitos e queixou-se de dores de barriga.

1.56. Em maio de 2018, quando o requerente foi buscar a filha à escola ouviu-a dizer aos colegas que o namorado da mãe lhe batia.

1.57. A criança disse-lhe que o namorado da mãe lhe tinha enfiado um saco na cabeça, tendo o requerido considerado que se tratava de uma brincadeira entre os dois.

1.58. A menor em casa das primas disse à prima FF que o namorado da mãe lhe batia, desabafo ouvido pela GG e HH.

1.59. As primas da menor contaram à respetiva mãe, II que no dia seguinte ligou ao requerente, seu irmão, para o informar do sucedido.

1.60. O requerente pediu a um amigo de família de quem a menor é próxima, JJ, para ir lanchar com ela a uma pastelaria ao lado da oficina.

1.61. JJ disse à criança que ela teria de ter muita coragem e que ninguém a ia abandonar.

1.62. Durante as férias do Verão existiram duas ou três situações por alguns minutos em que a CC viu o namorado da mãe, quando este entrou em casa para ir à casa de banho e ambas brincaram com o facto de ele não ter ido à cozinha, não vendo a pizza que as duas tinham feito e que estava no frigorífico.

1.63. Os quinze dias de férias foram passados com outras pessoas da família e a menor mostrou-se sempre confortável com as dinâmicas e a presença da mãe.

1.64. A Dr.ª KK nunca abordou a mãe para aferir da veracidade das situações descritas.

1.65. A requerida foi-se apresentar à diretora de turma, Prof. LL, em virtude de o pai não transmitir a informação referente ao ano letivo, tendo a professora informado que já tinha recebido o pai e que este apresentou o acordo provisório e aproveitou não para saber como estava a filha, mas para denegrir a imagem da mãe.

1.66. A CC estava com recados sistemáticos na caderneta do aluno de mau comportamento, a mãe foi à escola falar com a Diretora de Turma, na sala de reunião, chamou a CC e a professora referiu que tem chamado à atenção a criança em sala de aula, e que esta não recebe com melhorias as diretrizes dos professores e que continua a desrespeitar os professores.

1.67. Depois referiu que a CC tinha dito que a mãe lhe tinha apertado o pescoço, e que a tinha magoado. Ao ser confrontada com a situação, a CC desmentiu. Inclusivamente a professora mostrou como poderia ter sido (nunca de forma agressiva ou magoando a CC), e no final acalmaram a CC que se sentou em ambos os colos, chorosa e com afeto. Por ser obrigado pelo pai a mentir.

1.68. Existem emails referentes à vida e rotinas da CC, que são efetivamente comunicadas ao pai e partilhadas com a CC. Quando o pai responde por vezes a requerida diz-lhe também para ficar descansada e conversam sobre o conteúdo e o ponto de vista dos pais, dela e de outros envolvidos se for o caso.

1.69. O fim de semana de passeio em que se realizou o passeio de bicicleta era o fim de semana em que cabia à CC usufruir da presença e convívio com a mãe.

1.70. Por entender que a filha passa pouco tempo com ela e por a mesma não ter manifestado interesse no passeio, a mãe não anuiu a que a filha fizesse aquela atividade.

1.71. O material de estudo deve ser acompanhado pela criança de acordo com as suas necessidades, pelo que na escola existia à data a possibilidade de um cacifo para poder guardar em segurança os seus pertences, e não ser a mãe nem o pai a ir ou a vir buscar as suas coisas. Aliás este é uma das situações que acontece face aos dias avulso em que a mãe está com a filha.

1.72. Os horários da natação escolhidos pelo pai foram escolhidos sem o acordo da mãe.

1.73. Assim e ainda inicialmente a mãe alterou o dia de visita com a filha, para poder estar com ela. Ficou acordado que não iria à natação à segunda-feira, pois se assim fosse, não passaria tempo nenhum com a menor.

1.74. Foi explicado à CC que o namorado da mãe não estava e que precisava de ir levar um artigo à sua irmã no Centro de cuidados continuados.

1.75. Foram as duas comprar o artigo e deslocaram-se lá.

1.76. Na receção é necessário dar entrada na folha de registos foi colocado o nome e a hora de entrada, bem como de saída.

1.77. A CC aguardou na receção junto à rececionista por poucos minutos, estando bem.

1.78. A CC foi ao funeral da avó materna.

1.79. KK e o requerente aceitaram que a menor fosse ao funeral da avó materna.

1.80. A requerida foi buscar a CC à escola na sexta à tarde e foram para a Igreja de ....

1.81. Tendo sido pedido à prima da requerida (MM e NN) que estivessem mais tempo com a CC, pois deveria ser melhor a requerida estar a receber os amigos e familiares, e assim poderiam acompanhar a CC.

1.82. A NN não conhece o companheiro da requerida.

1.83. NN não notou na criança qualquer alteração de comportamento durante o funeral.

1.84. Requerida e filha estiveram juntas na oração no funeral.

1.85. A requerida pediu à CC para ir à outra sala buscar os lenços que estavam na mala da mãe. A CC foi e veio, continuando a assistir à cerimónia.

1.86. Terminadas as cerimónias fúnebres a requerida esteve com a filha.

1.87. Ao terminar, saíram com a madrinha OO e a CC e foram almoçar à Fundação ... e estiveram a passear pelos jardins.

1.88. O fim de semana com a CC foi passado em harmonia.

1.89. A mãe da CC não pratica represálias sobre aquela.

1.90. A Drª PP acompanhou e realizou as sessões da díade da mãe e da filha e cabe a técnica operacionalizar o seu programa das sessões.

1.91. Mãe e filha regressaram da escola e estiveram na Fundação ... num atelier aberto de serigrafia.

1.92. A CC esteve tão entusiasmada que retardaram o jantar e o regresso a casa. Foram a casa buscar umas coisas necessárias e saíram.

1.93. O pai responde tardiamente aos pedidos e solicitações da mãe para organizar a vida da filha em comum.

1.94. A mãe conversa com a CC sobre os dias que são de um e do outro, pois são situações importantes da vida da menor e não a coloca de castigo.


2. Do mérito do recurso


Estamos no âmbito de uma ação intentada pelo pai contra a mãe de CC, nascida a .../.../2009, que tem por objeto a alteração da respetiva regulação do exercício das responsabilidades parentais estabelecida mediante acordo homologado por sentença de 24/01/2017, conforme certidão de fls. 25-27/v.º

Nos termos desse regime e no que aqui releva, foi estabelecida a residência da menor junto de ambos os progenitores por semanas sucessivas alternadas com o exercício conjunto das responsabilidades parentais.

Todavia, em 16/07/2018, o pai da menor instaurou a presente ação sob a alegação de que ela se queixava de, quando se encontrava com a mãe, ser importunada pelo namorado/companheiro desta, nomeadamente com “beliscões, empurrões e pontapés”, e de o mesmo, por vezes, lhe bater.  

No decurso do processo foi fixado um regime provisório que sofreu sucessivas alterações, a saber:

i) – Logo no início em 25/07/2018, foi autorizado, a título cautelar, que a menor CC permanecesse em casa do pai, caso manifestasse essa vontade, sem prejuízo de manter convívios com a mãe, mas sem a presença do namorado/companheiro desta e com o apoio da Segurança Social;

ii) – Em 05/09/2018, aquando do início da conferência de pais, foi mantida a residência de CC junto do pai e fixado um regime de convívio com a mãe, por períodos determinados, sem a presença do namorado/companheiro desta;

iii) - Em 04/12/2018, depois de ouvida a técnica da Segurança Social sobre o modo como decorreu o regime provisório, foi introduzida nova alteração no regi-me de convívio com a inclusão de fins de semana alternados da criança com a mãe, mas sem a presença do companheiro desta;

iv) - Em 20/03/2019 e 22/09/2020, foi alargado o regime de convívio da menor com a mãe, mas continuando sem a presença do companheiro desta.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 05/04/2021, a julgar a ação improcedente, repondo, assim, o regime de guarda conjunta com residência alternada semanal da menor juntos dos pais, que tinha sido estabelecido em 24/01/2017, e, portanto, sem restrições à presença do companheiro da requerida, quando esta se encontrasse com a filha.

Previsto o reinício da guarda partilhada para a semana subsequente à notificação da sentença, a fim de assegurar estabilidade e continuidade na transição do regime provisório para aquele, foi determinado o acompanhamento dos autos pela Equipa Tutelar Cível de ...da Santa Casa de ... durante seis meses.

Em síntese, a 1.ª instância desmereceu as queixas da menor que deram origem à presente ação, porquanto algumas delas teriam sido desvalorizadas pela mesma e outras respeitavam a factos que não se provaram (as agressões da mãe à filha). E ali foi considerado que a CC vivia em regime de guarda alternada já há dois anos e que, apesar dos conflitos entre os pais, não havia notícia de que tal situação em si mesma lhe tenha sido perniciosa, estando adaptada àquele regime, sem apresentar qualquer queixa quanto ao mesmo; que não foi a aplicação ou adequação da residência alternada que motivou por si a presente ação, mas sim as queixas da criança quanto a um comportamento do padrasto que lhe desagradava, salientando que a própria menor reconhece vivências positivas com o padrasto, sem prejuízo dos aspetos negativos que lhe mereceram reação.

Foi também realçado o empenhamento da mãe de CC e do padrasto, durante o regime provisório, com vista a retomar o regime da residência alternada, considerando-se, por fim, que este regime pode contribuir para que a menor recolha ensinamentos importantes ao continuar a beneficiar da presença dos dois progenitores na sua vida, com as suas diferenças de personalidade e modo de estar.

Por sua vez, a Relação começou por introduzir os seguintes factos provados:

1.36. A CC experimenta dificuldade na relação com a mãe, tendo embora um vínculo afetivo muito forte com ela, com quem gosta de estar, viver e conviver e com quem se sente feliz, embora insegura, por recear as reações da mãe em situações em que é contrariada;  

1.37. A CC sente que a mãe se zanga com facilidade e receia a insistência da mãe em a confrontar com as queixas que fez nos autos; 

1.38. A CC sente-se incomodada com a interação com o namorado da mãe, por entender que este tem consigo “brincadeiras” agressivas;

1.39. A mãe da CC perde por vezes o controlo das emoções perante situações que a contrariam, zanga-se muito e exprime, exteriormente, essa zanga, o que gera insegurança na CC;

1.40. A CC não narra livremente em casa do pai o que se passa em casa da mãe ou na casa desta o que se passa na daquele.    

   E, em sede de fundamentação fáctico-jurídica, ponderou a Relação o seguinte:

   «Em concreto, está em questão saber se deve manter-se a residência alternada da CC com o pai e com a mãe ou se, ao invés, deve estabelecer-se a residência da CC com o pai e um regime de convívio com a mãe. Ou o contrário, porque não está vedada regulação não preconizada pelos pais.

   A residência alternada foi o regime acordado pelos pais e sufragado pelo Tribunal em 24 de Janeiro de 2017. Tal regime foi fixado na vigência do artigo 1906.º, do Código Civil, na redacção anterior à actual, a decorrente da entrada em vigor da Lei 65/2020, de 4 de Novembro. Esta lei deu mais um passo no sentido de estabelecer a residência alternada como regime geral, dispensando o acordo dos pais nesse sentido, desde que o tribunal entendesse que o superior interesse da criança o exigia.

   A residência alternada não provou ser desadequada à CC até aos acontecimentos que deram origem a este processo. Importa saber se o deixou de ser, o que passa por analisar os factos provados relacionados com a alteração de circunstâncias da menor que podem influir em tal desadequação superveniente.

   Entre eles os seguintes [pontos de facto 36 a 41, 47, 48 54, 56 a 58]

   (…)

   Em suma, o que resultou provado nos autos é que a CC experimenta dificuldade na interacção com o namorado da mãe, que se queixou a diversas pessoas da maneira como é por ele tratada e que também a relação com a mãe é difícil por a CC se sentir insegura com as oscilações de temperamento e com as “zangas” da mãe.

   Mais resulta dos próprios autos que dura desde 4 de Dezembro de 2018 a alteração da residência da CC (deixando de alternar entre o pai e a mãe e ficando a residir com aquele) e o afastamento da CC do convívio com o namorado da mãe, mesmo nos períodos em que convive com esta e permanece na residência da mãe.

   Resulta também que a CC rejeita o convívio com o namorado da mãe e o alargamento do convívio com esta pela insegurança que sente nessas interacções.

  Desta factualidade decorre que não se apurou exatamente o que ocorreu no convívio com o namorado da mãe, mas apurou-se que a CC rejeita esse convívio e reage com temor ao reatar da relação.

   Estas são circunstâncias da criança supervenientes ao acordo a atender na ponderação da manutenção da regulação anterior ou da sua alteração. E são circunstâncias que militam a favor da alteração, nomeadamente de modo a permitir à CC a adaptação à relação e a vivência dela com sentimentos de segurança e bem-estar essenciais ao seu desenvolvimento.

   Outras circunstâncias existem, por isso que se provou igualmente o seguinte [factos 19 a 32, 63, 78 a 81, 86 a 89, 91 a 94]

   (…)

   Desta factualidade (…) decorre que a CC tem uma relação afectiva forte com a mãe, que passam juntas momentos gratificantes para ambas, que a mãe se empenha efectivamente na educação e apoio à CC e que o faz de modo adequado e altruísta.

   Salienta-se que prescindiu da vivência com o seu companheiro, nos termos “normais” e que constituíam o projecto de ambos, privilegiando o convívio com a filha e aceitando o afastamento do namorado durante os períodos de convívio entre ambas; teve em atenção os receios dela em relação ao seu namorado mesmo numa situação de enorme desgosto pela morte da mãe e nas próprias exéquias; que teve o cuidado de, após as cerimónias fúnebres, proporcionar à CC momentos de descontração; em suma que sabe colocar a filha em primeiro lugar e adequar a sua vida às necessidades dela.

   Estes factores são de grande relevância sobretudo se considerarmos a pressão a que a mãe tem estado sujeita e que bem exprimiu nas suas declarações em audiência, aliás em consonância com o que a generalidade das pessoas experimentaria se colocada no seu lugar.

  Factos que militam no sentido de que é imperioso estabelecer um regime que permita um convívio alargado com a mãe e que possibilite que esta tenha efectivamente um lugar na vida e acompanhamento da filha.

   (…)

   Mais relacionados com o pai da CC, estes factos indicam-nos que foi confrontado com as queixas da criança, demorou a dar-lhes crédito, mas acabou por o fazer e agiu em conformidade com esse crédito solicitando medida provisória de alteração da regulação das responsabilidades parentais, tendo acompanhado a filha ao longo deste percurso com preocupação com a educação e protecção da CC.

   Está também assente que neste momento o pai e a mãe não confiam um no outro.

   Em conclusão:

    - A CC tem um pai e uma mãe que têm todas as competências necessárias para exercerem as responsabilidades parentais em favor da filha;

    - Os vínculos afectivos entre a CC e o pai e a CC e a mãe são fortes, investidos e gratificantes.

    - A CC rejeita o convívio com o companheiro com quem a mãe coabita e sente insegurança com as mudanças de temperamento da mãe quando contrariada.

    Uma última anotação para referir que circunstâncias supervenientes não são necessariamente factos ocorridos externamente no tempo e no espaço, podendo os estados de espírito, emoções e sentimentos consubstanciar tal superveniência de circunstâncias. Concretamente, deve ter-se como circunstância superveniente a atender o estado de espírito da criança, as suas emoções e a sua dificuldade em integrar uma relação. Pela razão simples de que são relevantes na perspectiva do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.

   Pese embora a procedência parcial da impugnação da matéria de facto, não resultaram provados factos que consubstancia a prática de agressões contra a CC e, por maioria de razão, a complacência da mãe com tais atitudes.

   Esta conclusão não determina sem mais que se concorde com a improcedência total do pedido de alteração pelo que já se referiu.

   Assim é que se provou que a criança tem uma relação conturbada com o namorado da mãe, que considera que o tratamento e relação com ele tem um carácter agressivo, mesmo quando admite que para ele esses comportamentos possam ser considerados como brincadeiras.

   Mais resultou provado que a CC tem um vínculo afectivo forte com a mãe e gosta de estar e conviver com ela, embora se ressinta de um temperamento impulsivo da mãe, das zangas dela quando contrariada e receie a insistência em questões relacionadas com estes autos e o que neles a CC narrou.

    Certo é que é natural o incómodo expressado pela mãe quando ouvida em julgamento quanto a tudo o que consta nos autos, quanto à situação vivida neles no que se refere à relação com a filha e a dificuldade em omitir a referência a esta questão na relação com a filha.

Conclui-se, em consequência, que se verificam circunstâncias supervenientes que aconselham a ponderação da adequação do regime de residência alternada.»

   Em resumo, a 1.ª instância não relevou as queixas de CC que estiveram na origem desta ação, considerando que não punham em causa o regime de residência alternada estabelecido em 24/01/2017 e interrompido, a título provisório, com a propositura da ação em 16/07/2018, e concluiu que aquele regime poderia ser retomado de imediato e nos mesmos termos.

Diferentemente, a Relação considerou verificado um relacionamento conturbado entre CC e o companheiro da mãe, que a levam a rejeitar o convívio com este, a par de algum ressentimento pelo temperamento impulsivo da mãe, concluindo que tais condições dificultavam a retoma imediata e sem mais do regime de residência alternada, mas que, apesar disso, se impunha providenciar pela retoma plena daquele regime, de forma gradual e calendarizada, mormente no sentido de fazer cessar a restrição ao convívio da menor com o companheiro da mãe, em conformidade com prévio parecer favorável por parte dos técnicos que acompanham a menor, a mãe e o companheiro desta.

Nessa base, foram fixadas três etapas, a saber:

i) - Uma primeira etapa, até 31/03/2022, a manter o regime provisoriamente alterado pelos despachos de 04/12/2018, de 20/03/2019 e de 22/09/2020 com o afastamento do convívio entre CC e o companheiro da mãe, mas com a reintrodução gradual deste convívio, se e quando considerado adequado pelo técnico que acompanhará a CC;

ii) – Uma segunda etapa, após 31/03/2022 e até 31/08/2022, fixando o início da estadia de CC com a mãe às quartas-feiras (em vez das quintas-feiras) e o reinício do regime de férias estabelecido em 24/01/2017, e prevendo a cessação do afastamento do convívio de CC com o companheiro da mãe, sob a condição de prévio parecer favorável dos técnicos que acompanharem a CC, a mãe e o companheiro desta e do envio de relatórios mensais sobre a evolução da situação por parte dos mesmos técnicos;

iii) – Por fim, após 31/08/20212, a preconizar a retoma plena do regime de guarda conjunta e residência alternada estabelecido em 24/01/2017, mediante parecer positivo dos técnicos que acompanharem as famílias nucleares de CC.

Para tanto, foi determinado que este regime de transição fosse acompanhado pela Equipa Tutelar Cível de ...da Santa Casa de ..., sem prejuízo das alterações necessárias a estabelecer pela 1.ª instância no decurso desse acompanhamento, envolvendo os pais, os seus companheiros e a CC, mas ainda com a reserva de ulterior apreciação de recusa incidente sobre o regime agora estabelecido.

Em face disso, a Recorrente questiona a legalidade deste regime de transição e das suas condicionantes, sustentando que o mesmo viola o interesse superior da criança, mormente quanto a uma equilibrada inserção desta no seio das duas famílias dos progenitores, bem como os direitos e interesses legítimos da mãe, em especial no respeitante a uma concomitante convivência com o seu companheiro, à luz do disposto nos artigos 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC, 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, da Constituição e ainda dos artigos 3.º, 5.º, 8.º e 18.º da Convenção Sobre os Direitos das Crianças.

E questiona também a sujeição daquelas medidas a meros pareceres técnicos favoráveis sem a necessária intermediação judicial, em violação do disposto nos artigos 3.º, 111.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição.

Vejamos.


Quanto à legalidade do regime de transição fixado no acórdão recorrido  

   O artigo 1906.º do CC, na redação dada pela Lei n.º 65/2020, de 04-11, sob a epígrafe exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio (…), prescreve, no que aqui releva, o seguinte:

5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6 – Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente do mútuo acordo nesse sentido (…)

7 – (…)

8 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles.

    É assim que a lei consigna a prevalência do superior interesse do filho menor como critério decisório orientador na regulação do regime das responsabilidades parentais entre os progenitores separados.

    O superior interesse da criança encontra-se também inscrito como vetor fundamental no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20/11/1959, nos artigos 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26/01/1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, e no artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adotada em Estrasburgo, a 25/01/1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27-01.

   Nessa conformidade, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso. 

   Para a consecução desse objetivo é essencial o empenhamento partilhado de ambos os progenitores, o que requer a manutenção de relações de estreita convivência ou proximidade entre pais e filhos.

Todavia, no caso de progenitores separados, nem sempre se mostra fácil estabelecer um modo de convivência concomitante do filho com ambos os pais, levando, não raras vezes, a que o filho tenha de residir com um deles, assegurando-se um regime de visitas ou de convívio com o outro.

É precisamente para esse tipo de situações que o artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais por parte destes. Só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar.

Na ponderação entre o interesse superior do filho e os direitos e interesses legítimos dos progenitores, no acórdão do STJ, de 17/12/2019, proferido no processo n.º 1431/ 17.2T8MTS.P1.S1, citado pela Recorrente e disponível no site da dgsi, foi afirmado o seguinte:

  “O interesse superior da criança define-se como o interesse que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo, seja o dos pais, seja o dos adultos terceiros.

  Mas o interesse superior da criança não é incompatível com a satisfação de interesses legítimos de qualquer dos progenitores desde que não sejam meros interesses egoísticos e a pensar exclusivamente no bem-estar do progenitor.

  A progenitora, cumprindo os seus deveres parentais, como mãe, proporcionando a estabilidade à filha, não tem de prescindir dos seus direitos; pode e deve, depois da separação, reorganizar a sua vida pessoal e profissional. 

De resto, o superior interesse do filho não é alheio a uma adequada inserção dele no meio familiar de cada um dos progenitores mediante aprendizagem dos novos modos de relacionamento e de respeito mútuo pelos direitos e legítimos interesses de cada pessoa que passe a integrar esses agregados familiares, só assim se proporcionando uma sã convivência entre todos.    

Ora, no caso dos autos, os progenitores de CC, aquando da sua separação, acordaram no regime de guarda conjunta com residência semanal alternada e que teve início em 24/01/2017.

  Porém, a Requerida constituiu outro agregado familiar, o que veio introduzir o relacionamento de CC com o companheiro da mãe e que deu azo às queixas desta, despoletando a presente ação com os contornos acima relatados.

Sucede que a perturbação revelada por CC com tal relacionamento, nos termos dados como provados, e o subsequente afastamento entre ela e o companheiro da mãe, entretanto determinado, no decurso do processo, a título de regime provisório, foram considerados pela Relação de molde a não permitirem optar sem mais e de imediato pela retoma do regime de residência alternada, muito embora reconheça que:

«A relação de cada um dos progenitores com a filha, as competências parentais de cada um e o modo como são exercidas, o vínculo afectivo da CC com o pai e com a mãe, a proximidade das residências e a complementaridade das intervenções, tudo aconselha a residência alternada como regime adequado para a CC.»

  A tal propósito, no acórdão recorrido, foi ainda ponderado o seguinte:

   «Neste contexto e no longuíssimo período de pendência dos autos, gerou-se ainda uma situação de dificuldade no convívio entre a mãe e a filha decorrente da pressão sentida pela mãe, das reacções da mesma que a criança sentiu como intempestivas e geradoras de insegurança, apesar de a relação mãe/filha ser gratificante e afectiva.

   Não é claro se tal era prévio aos factos que deram origem ao processo ou foi desencadeado por este. Mas é claro que existe e que perturba a CC. Nessa medida, tem de ser tido em conta. E a própria mãe o tem vindo a ter em conta com esforços no sentido de ultrapassar esta dificuldade. Esforços que é necessário apoiar para o bem da filha.

   No que ao pai diz respeito o processo é muito mais omisso. Mas a relação deste com a filha e o modo como perspectiva a relação da CC com a mãe são essenciais e implicam esforços da sua parte que igualmente necessitam de apoio.

   O envolvimento do companheiro da mãe é uma decorrência da relação entre ambos estabelecida que carece de suporte que permita ultrapassar sentimentos pretéritos e seu enquistamento, evoluindo para uma situação de relação familiar inclusiva, satisfatória, que dê segurança e enriqueça a CC e a sua família.

   Em suma, tudo isto apenas pode ser alcançado com um apoio efectivo, de longa duração, com todos os envolvidos e com um regime de evolução até à residência alternada que provou bem nos primeiros tempos de vida da CC após a separação dos pais, alterando-se o regime fixado concretizando a gradualidade como meio de o retomar plenamente.»

   Trata-se, claramente, de um juízo de conveniência e de oportunidade sobre a retoma imediata do regime de residência alternada, o que é da competência das instâncias, cuja sindicância está, como tal, vedada a este tribunal de revista, como decorre do disposto no art.º 988.º, n.º 2, do CPC.

Resta saber se o regime de transição gizado pela Relação viola o superior interesse de CC e os direitos e interesses legítimos da Requerida, inclusive, na esfera da sua convivência com o companheiro, ou seja, aferir somente da estrita legalidade com que, para tanto, foram observados aquele superior interesse da criança e os direitos e interesses legítimos dos progenitores.    

Ora, como já se referiu, no acórdão recorrido foi reconhecida a adequação do regime de guarda conjunta e residência partilhada estabelecido em 24/01/2017.  

Porém, em face da verificada rejeição ou reserva de CC ao restabelecimento do convívio com o companheiro da mãe, para mais tendo havido um prolongado afastamento entre ambos no decurso do regime provisório, foi considerado pela Relação que a reintrodução desse relacionamento, de modo a permitir depois a retoma plena do regime de residência alternada, teria de ser gradual e acompanhada de necessário apoio psicológico.

Assim, não cabendo aqui sindicar tal avaliação, mas apenas aferir da estrita legalidade do regime transitório adotado, não se divisa que este regime ofenda o invocado superior interesse de CC, antes permitindo que a retoma do pleno regime da guarda conjunta e residência alternada se faça com as devidas cautelas de modo a recuperar a confiança daquela no reatamento dos convívios com o companheiro da mãe, com o necessário apoio e orientação psicológica.

Por outro lado, é assegurada, no essencial, a relação de proximidade e convivência entre CC e a sua mãe, mediante um alargamento tecnicamente acompanhado dessa convivência, com vista a superar as hesitações e os receios de CC - que, no entender da Relação, ainda persistem-no preconizado reatamento do regime de residência alternada.

Neste quadro, afigura-se que o superior interesse da criança foi respeitado na sua dimensão normativa, mormente na perspetiva da reinserção plena de CC no agregado familiar da Requerida, e compatibilizado, na medida do possível, com os direitos e legítimos interesses desta, tanto em relação à sua filha como no que concerne à sua convivência familiar com o companheiro.

Termos em que não se têm por violadas as invocadas disposições dos artigos 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC nem os indicados normativos da Convenção Sobre os Direitos das Crianças, nem tão pouco o núcleo dos direitos fundamentais consagrado nos artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República.

Quanto à legalidade das medidas de acompanhamento técnico determinadas pela decisão recorrida.              

Neste particular, sustenta a Requerida que a sujeição daquelas medidas a meros pareceres técnicos favoráveis, sem a necessária intermediação judicial, viola o disposto nos artigos 3.º, 111.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição.

É certo que a Relação, perante a avaliação feita, condicionou a progressão do regime de transição e a retoma do regime de residência alternada a prévios pareceres favoráveis dos técnicos que acompanharem a CC, a mãe e o companheiro desta e do envio de relatórios mensais sobre a evolução da situação por parte dos mesmos técnicos.

Para tanto, foi determinado que este regime de transição fosse acompanhado pela Equipa Tutelar Cível de ...da Santa Casa de ..., sem prejuízo das alterações necessárias a estabelecer pela 1.ª instância no decurso desse acompanhamento, envolvendo os pais, os seus companheiros e a CC, mas ainda com a reserva de ulterior apreciação de recusa incidente sobre o regime agora estabelecido.

Daí não se extrai que tal exigência seja de molde a afastar a intervenção judicial no controlo das medidas preconizadas a adotar.

Trata-se de pareceres técnicos e de relatórios sobre a evolução da situação, mormente em sede de assessoria técnica nos termos previstos nos artigos 20.º, 21.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 22.º do RGPTC, e que, por tal natureza, supõem a competente apreciação jurisdicional por parte da 1.ª instância, não invadindo o âmbito da função judicial nem comprometendo a reserva do juiz nos termos consagrados nos invocados artigos 111.º, n.º 1 e 2, e 202.º, n.º 1, da Constituição.


IV – Decisão 

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.


Lisboa, 27 de janeiro de 2022


Manuel Tomé Soares Gomes (relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching