Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14143/07.6TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: DANO MORTE
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
INFRACÇÃO ESTRADAL
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL
SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 494º, 496º
DL Nº 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, EM WWW.DGSI.PT :

– DE 25 DE JUNHO DE 2002, PROC. Nº 02A1321;
– DE 28 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. 272/06.7TBMTR.P1.S1;
– DE 23 DE NOVEMBRO DE 2011, PROC. Nº 90/06.2TBPTL.G1.S1;
– DE 31 DE JANEIRO DE 2012, PROC. Nº 875/05.7TBILH.C1.S1.
Sumário :
1. Tendo em conta as concretas circunstâncias do lesante, do lesado e do acidente, devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo, que não estava legalmente habilitado a conduzir e que infringiu regras elementares de circulação, é equitativa uma compensação de € 80.000,00 pela perda do direito à vida de um jovem de 19 anos, fixada na Relação.
2. Essas mesmas circunstâncias justificam a manutenção da indemnização pelos danos não patrimoniais de € 25.000,00 a cada um dos autores, pais da vítima.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e BB, “por si e na qualidade de herdeiros legais de CC”, instauraram uma acção contra a Companhia de Seguros ..., SA, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de € 256.331,27 (€ 218.335,00 de capital e € 37.996,27 de juros vencidos) “ou, em alternativa, de € 225.518,54” (€ 192.089,67 de capital e € 33.428,87 de juros vencidos, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Alegam, para o efeito, que seu filho CC foi vítima mortal de um acidente causado por culpa exclusiva de DD, que, sem a necessária habilitação legal, conduzia um veículo automóvel segurado na ré, que lhe havia sido emprestado pelo respectivo proprietário.

A ré contestou, por impugnação, e requereu a intervenção acessória de DD, que foi admitida. O chamado contestou, negando ter intervindo no acidente.

A acção foi julgada parcialmente procedente, pela sentença de fls. 295. A ré foi condenada a pagar aos autores a quantia total de € 132.195,00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação, quanto a € 17.195,00 e desde a data da sentença quanto a € 115.000,00, até efectivo e integral pagamento.

Em síntese, a sentença considerou que o acidente se ficou a dever “a uma conduta ilícita e culposa do condutor” DD e que dele resultaram danos patrimoniais (perda de rendimento dos autores, correspondente à ajuda financeira que a vítima lhes prestava, € 15.000,00, valor do veículo destruído, € 1.000,00, despesas com o funeral, € 1.195,00) e não patrimoniais (€ 65.000,00 pela perda do direito à vida, € 25.000,00 para cada um dos autores pelos danos não patrimoniais próprios), pelos quais a ré é responsável.

Desta sentença recorreram autores e ré. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 408 negou provimento ao recurso da ré e deu provimento parcial ao dos autores, aumentando para € 147.195,00 o montante da indemnização, por ter fixado em € 80.000,00 a compensação pela perda do direito à vida, e confirmando a sentença quanto ao mais.

2. De novo recorreram os autores e a ré, agora para o Supremo Tribunal de Justiça. Os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram admitidos como revista, com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentaram, os autores formularam as seguintes conclusões (que quase reproduzem o corpo das alegações):

“(…) C)Das três questões a que o Venerando Tribunal da Relação do Porto se propôs a responder, os recorrentes não concordam com a resposta dada por esse Venerando tribunal a quo quanto aos danos morais consistentes no desgosto sofrido pela morte do seu filho, e qual o valor a atribuir pela indemnização pela perda do direito à vida do malogrado CC:

D)Entendem os recorrentes, com o devido respeito por opinião contrária, que o Venerando Tribunal da Relação do Porto, nas respostas que formulou às questões em recurso violou a lei substantiva aplicável, quer na aplicação que dela fez, quer na interpretação que despendeu sobre as normas aplicáveis.

E)Desde logo, os recorrentes não podem conformar-se com o valor atribuído pelo meritíssimo juiz de primeira instância, no valor que foi confirmado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, investido da pele de ora tribunal a quo, quanto aos danos morais consistentes no desgosto sofrido pela morte do seu filho em valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros).

F)Entendem os recorrentes que quanto a este particular existe uma clara violação da lei substantiva, quer na aplicação, quer na interpretação dos artigos n°s 4°, alínea b), 494º, 496°, 562º. 563º. 564º, e 566º, n° 3. do Código Civil.

G)No âmbito da responsabilidade civil extracontratual vigora o princípio geral de que "Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação" (Cfr. artigo 483°, do Código Civil)

H) E claro que, os sofrimento e o desgosto causados pela perda da morte de um herdeiro directo, no caso concreto, um filho, são claramente prejuízos que, nos termos do previsto no artigo 496°, n° 1, do Código Civil, merecem a tutela do direito,

I) Aliás, não bastando a inclusão deste prejuízo no conceito indeterminado deste normativo legal, o legislador consagrou a necessidade de indemnização deste prejuízo, por autonomização constante nos n°s 2 e 3, daquele referido normativo legal.

J) No entanto, in casu não é possível quantificar matematicamente o valor que permita determinar, sem margem para dúvidas uma indemnização aos progenitores sobrevivos, que compense (e não indemnize) pelo desgosto e sofrimentos tidos com a perda de um filho.

K) O legislador deixou bem claro que, com todas estas dificuldades, o arbitramento da compensação devida deveria assentar nas regras da equidade (Ç/r. artigo 496°, nn 3, do Código Civil).

L) No caso de morte, o artigo 496°, nº 2, do Código Civil, remete para os elementos a ter obrigatoriamente (mas não só!) em conta pelo tribunal na determinação da indemnização, assim, a razão da remissão efectuada para os critérios previstos no artigo 494°, do Código Civil.

M) É aqui que os Recorrentes consideram que aplicou mal a lei o tribunal a quo, porque esse Venerando Tribunal a quo estribou a sua convicção e fundamentação nos pontos n°s 36 a 41, da matéria de facto dada como provada em decisão da 1ª Instância, que dizem respeito, exclusivamente, à relação mantida entre os recorrentes e o malogrado filho, vítima do acidente de viação em apreço;

N) Ora, ficaram por ter em conta pelo Venerando Tribunal a quo e que deveriam ter sido tomadas em consideração no momento de se calcular o valor indemnizatório por danos não patrimoniais a conceder aos recorrentes.

O) Deveria, obrigatoriamente, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, ter tido em consideração todos os outros elementos objectivos do acidente de viação em questão e que potenciaram enormemente o sofrimento e as provações dos recorrentes, bem como, todos os elementos pessoais do malogrado filho dos recorrentes, bem como, as condições pessoais do agente provocador do prejuízo, bem como a condição económica modesta dos próprios recorrentes.

P) Assim, os pontos n°s 2, 3,4,5, 6. 7, 8, 9,10,11,12,13,14,18, 20, 26", 31.32.33.34. 35 e 42. da matéria de facto dada como provada deveriam ter sido tomadas em consideração, como critérios balizadores do cálculo equitativo da compensação a atribuir, fazendo crescer o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos para o valor peticionado de € 70.000,00 (setenta mil euros) a atribuir conjuntamente aos recorrentes.

Q) Somente desta forma se poderá dizer que a lei substantiva foi correctamente aplicada e se fez justiça material no caso em apreço.

R) Além disso, desde [há] alguns anos para cá se tem vindo a acentuar a posição Jurisprudencial de que os padrões de indemnização que são tradicionalmente muito baixos, chegando a acentuar-se que enfaticamente que esta tradição miserabilista não pode continuar a manter-se, sob pena dos tribunais não estarem a acompanhar a evolução da vida, causando, eles próprios, prejuízos irreparáveis aos lesados em acidente de viação (…).

S) De resto, nesta linha de evolução, entre outros tópicos apela-se, por exemplo, aos critérios de convergência real das economias, no seio da União Europeia, facto notório, não carecido de alegação ou prova; aos montantes mínimos de seguro automóvel obrigatório fixados pelo D.L. 3/96, de 25 de Janeiro, em aplicação da Directiva do Conselho, 84/5, de 30/12/83 (Segunda Directiva - Seguros), aos seus constantes aumentos e dos respectivos prémios, como índices emergentes da preocupação legal de protecção dos lesados em matéria de acidentes de viação.

T) Tudo isto significando que os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados!

U) Os recorrentes também não se podem conformar com a decisão tomada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto no que concerne ao valor atribuído à supressão do valor vida do seu desditoso filho CC.

V) Entendendo que houve, salvo o devido respeito por opinião diversa, incorrecta aplicação do disposto nos artigos 24º, da Constituição da República Portuguesa, 4º,483º, 494aº, 495º, 496º, 562º, 563º, 564° e 566º, do Código Civil.

W) Aqui importa afirmar – e deixar bem realçado, aliás como é bem vincado na própria decisão do meritíssimo juiz da 1ª instância e devidamente vincado pelo Venerando Tribunal a quo, e na profusa Jurisprudência que versa sobre a presente questão – que, o direito à vida é o bem superior. É a primeira e última ratio de protecção jurídica. Trata-se de um direito considerado natural e com protecção constitucionalmente consagrada (Cfr. artigo 24°, da Constituição da República Portuguesa).

X) Teoricamente ao direito à vida, em absoluto, não tem preço!

Y) Na realidade, desde [há] alguns anos para cá se tem vindo a acentuar a posição Jurisprudencial de que os padrões de indemnização que são tradicionalmente muito baixos, chegando a acentuar-se que enfaticamente que esta tradição miserabilista não pode continuar a manter-se, sob pena dos tribunais não estarem a acompanhar a evolução da vida, causando, eles próprios, prejuízos irreparáveis aos lesados em acidente de viação;

Z) De resto, nesta linha de evolução, entre outros tópicos apela-se, por exemplo, aos critérios de convergência real das economias, no seio da União Europeia, facto notório, não carecido de alegação ou prova; aos montantes mínimos de seguro automóvel obrigatório fixados pelo D.L. 3/96, de 25 de Janeiro, em aplicação da Directiva do Conselho, 84/5, de 30/12/83 (Segunda Directiva – Seguros), aos seus constantes aumentos e dos respectivos prémios, como índices emergentes da preocupação legal de protecção dos lesados em matéria de acidentes de viação;

AA)      Entendendo que houve, salvo o devido respeito por opinião diversa, incorrecta aplicação do disposto nos artigos 24º, da Constituição da República Portuguesa, 4°, 483º, 495°. 496°. 562°. 563°. 564º e 566°, do Código Civil:

BB) Aqui importa afirmar – e deixar bem realçado, aliás como é bem vincado na própria decisão do Venerando Tribunal a quo e na profusa Jurisprudência que versa sobre a presente questão – que, o direito à vida é o bem superior. É a primeira e última ratio de protecção jurídica. Trata-se de um direito considerado natural e com protecção constitucionalmente consagrada {Cfr. artigo 24º, da Constituição da República Portuguesa);

CC)É, acima de tudo, o valor supremo e absoluto independentemente das características próprias de cada ser humano. (…)

DD)     Assim, à míngua de critérios legalmente estabelecidos, na determinação do concernente quantum compensatório para o seu ressarcimento importa ter em linha de conta os critérios da equidade.

EE) Por conseguinte, o julgador, ao actuar em sede de critérios de equidade, não está cerceado pela estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar a sua actuação por critérios de justiça concreta, procurando a solução mais justa face às características da situação em análise, aliás, ponto de vista partilhado pelo Venerando Tribunal a quo;

FF)      Pelo raciocínio exposto e considerando a matéria de facto dada como provada deveria o valor a atribuir pela supressão do direito vida do malogrado CC, ter sido na ordem dos € 100.000,00 (cem mil euros) e não no valor de € 80.000,00 (oitenta mil euros) fixado.

GG)     In casu, entendem os AA./recorrentes que a actuação do meritíssimo juiz a quo, com o devido respeito por opinião diversa, não andou bem, ao não estabelecer um valor superior ao dano produzido pela morte do seu filho, tendo em consideração aquilo que ficou provado nos pontos n°s 1 a 14,16 a 20,24 a 26,28,31 a 40,42,44 e 46, da matéria de facto dada como provada, o meritíssimo juiz a quo, deveria ter o valor a atribuir aos AA/recorrentes, como compensação do prejuízo por supressão do direito à vida do seu filho, nunca deverá ser inferior ao valor inicialmente peticionado de € 100.000,00 (cem mil euros), só desta forma, iniciar-se-á uma real e legalmente desejada aproximação dos valores indemnizatórios à realidade dos nossos tempos;

HH)     Em jeito de conclusão, os recorrentes entendem que o Venerando Tribunal da Relação do Porto, investido na qualidade de tribunal a quo, deveria, tendo em consideração a aplicação dos normativos legais de cuja aplicação errada se recorre e considerando a matéria de facto dada como provada para efeitos de cálculo equitativo da compensação pelos danos morais sofridos pelos recorrentes e do prejuízo decorrente da supressão do direito à vida do seu filho, ter condenado a R., Companhia de Seguros ... S.A., ao pagamento da quantia total indemnizatória de € 187.195,00 (cento e oitenta e sete mil e cento e vinte e cinco euros), acrescido dos juros de mora, à taxa legal vigente, calculados do modo indicado na decisão ora em crise.

Nestes termos e nos melhores de Direito que com certeza V. Exas. suprirão, alterando a decisão ora em crise, por uma que condene a Ré Companhia de Seguros ..., S.A., no pagamento da quantia total de €187.195,00 (cento e oitenta e sete mil e cento e noventa e cinco), acrescida dos juros de mora, à taxa legal vigente, calculados do modo indicado na decisão, farão a inteira e costumada,

JUSTIÇA!”

Quanto ao recurso da ré, foram estas as conclusões com que rematou as alegações de recurso:

“1.O valor indemnizatório de 65.000,00 atribuído pela sentença de primeira instância e alterado para 80.000,00 pelo acórdão recorrido, é excessivo;

2.Tendo em conta a média das decisões jurisprudenciais sobre esta matéria, é mais equitativo o valor de 50.000,00.

3.O acórdão recorrido, ao alterar a sentença de primeira instância, violou o disposto no art°. 496° n° 2 e no art° 566°, ambos do Código Civil.

4.O montante da indemnização fixado a título de danos não patrimoniais também não parece equitativo.

5.A indemnização a atribuir a ambos os recorridos, em conjunto, pelos referidos danos não patrimoniais não deveria ser superior a 40.000,00.

6.O acórdão recorrido, ao confirmar a sentença de primeira instância, violou, pois, os n° 2, do art° 496° e o art° 566°, ambos do Código Civil.

Nestes termos, dando provimento ao recurso e alterando a decisão recorrida no sentido do exposto, reduzindo a indemnização pela perda do direito à vida para 50.000,00 e a indemnização por danos não patrimoniais para 40.000,00 e corrigindo o total da indemnização a atribuir aos AA. para 107.195,00 €, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!”

Os autores contra-alegaram, concluindo assim:

“A)Com a morte do CC existiu um dano não patrimonial na esfera jurídica dos A.A./Recorridos;

B)Justificada a existência de um dano não patrimonial na esfera dos A.A./Recorridos, não faria qualquer sentido que não fosse estabelecido um valor tendo em vista o seu ressarcimento;

C)Uma coisa é a existência deste dano não patrimonial e a factualidade em que se apoia, com a qual estamos de pleno acordo, subscrevendo a douta sentença;

D)Outra coisa é o raciocínio e os juízos de equidade em que assenta a aplicação do normativo legal que estão inerentes à atribuição do valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com o qual não se concorda;

E)E necessário ter presente que a sua ressarcibilidade visa proporcionar aos lesados meios económicos que de alguma maneira compensem a dor sofrida;

F)Daí que os A.A./Recorridos não podem aceitar aquele valor, muito menos a redução defendida pela Alegante/Recorrente;

G)Também se discorda dos argumentos aduzidos pela Alegante/Recorrente para justificar a fixação de um valor mais baixo pelo dano morte;

H) A justeza do valor fixado ainda não é compatível com o bem superior que é o direito à vida;

I)O direito à vida é o bem superior, sendo a primeira e última ratio de protecção jurídica, trata-se de um direito natural com protecção constitucional (Cfr. artigo 24º da C.R.F.):

J) À semelhança do que foi referido quanto à indemnização dos danos não patrimoniais o valor fixado ainda está longe de ser o mais justo;

K) Devendo também aqui o valor ser mais elevado;

L) O acórdão recorrido, com o devido respeito não viola o nº 2 do artigo 496°, nem o nº 2 do artigo 566° do Código Civil;

M) Viola a lei substantiva, quer na aplicação quer na interpretação o disposto nos artigos 4º, al. b), 494º, 496°; 562°, 563°, 564° e 566º, nº 3, do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito que com certeza V.Exas. suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, fazendo-se inteira e sã JUSTIÇA”.

3. Vem provado o seguinte:

“1.No dia 13/07/2003, pelas 23.50 horas, na..., concelho de Vila Nova de Gaia, ocorreu um embate entre o veículo automóvel marca Renault, modelo Clio, matrícula ...-FT, conduzido por CC, e o veículo automóvel marca Mercedes, modelo Vito, matrícula ...-JI, propriedade de EE (AL. A) da MFA).

2.No circunstancialismo de tempo e lugar referido em 1., o veículo JF era conduzido por DD (matéria do quesito Io, assente por acordo das partes)

3.O local referido em 1. situa-se dentro de uma localidade (matéria do quesito 2o, assente por acordo das partes).

4.Antes do embate, DD, conduzia o veículo automóvel de matrícula ...-JF na referida Rua ..., no sentido Serzedo -Perosinho e pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido de marcha (matéria do quesito 3o, assente por acordo das partes).

5.O condutor do veículo JF imprimia a este veículo velocidade superior a 50 km/hora (matéria do quesito 4º, assente por acordo das partes).

6.Ao chegar ao cruzamento da Rua de... com a Rua..., o condutor do JF não desacelerou a marcha (matéria do quesito 5o, assente por acordo das partes)

7.O veículo ...-FT provinha da Rua..., apresentando-se do lado direito da Rua de..., atento o sentido Serzedo - Perosinho, e ingressou na Rua de... (matéria do quesito 6o, assente por acordo das partes).

8.Não existia no local qualquer sinalização vertical ou horizontal que implicasse a não aplicação da conhecida regra de prioridade aos veículos motorizados provenientes da direita (matéria do quesito 7º, assente por acordo das partes).

9.O condutor do veículo JF embateu violentamente com a parte frontal do veículo que conduzia na parte lateral esquerda do veículo FT, na altura em que veículo FT circulava em pleno cruzamento formado pela Rua de... e a Rua... (matéria dos quesitos 8o e 9°, assente por acordo das partes).

10.O embate originou o arrastamento lateral do veículo ...-FT, (relativamente ao seu rodado), pela Rua ..., cerca de 18,70 metros, tendo-se apenas imobilizado quando chocou contra o muro existente em frente do número de polícia 2193 da referida artéria (matéria do quesito 10°, assente por acordo das partes).

11.E originou ainda, o encarceramento do seu condutor, tendo este ficado encurralado, dado que o automóvel que tripulava resultou numa autêntica amálgama de ferro retorcido, obrigando à intervenção de uma equipa de desencarceramento dos bombeiros para o poder retirar do local (matéria do quesito 11°, assente por acordo das partes).

12.No local embate a faixa de rodagem tem a largura de 7 (sete) metros é configura uma recta em patamar com cruzamento, com boa visibilidade (matéria do quesito 12°, assente por acordo das partes).

13.Na altura do embate, o tempo atmosférico estava bom (matéria do quesito 13°, assente por acordo das partes)

14.Em consequência do embate, o veículo de matrícula ...-FT ficou completamente destruído, não só pela violência do choque, mas também devido às manobras de desencarceramento levadas a cabo pelos bombeiros que ocorreram ao local (matéria do quesito 14°, assente por acordo das partes).

15.Não se justificando economicamente a sua reparação, tendo em conta o seu custo (matéria do quesito 15°, assente por acordo das partes)

16.No dia do acidente, o veículo ...-JF era detido DD a quem EE o havia emprestado para que dele retirasse to as vantagens inerentes à sua condução, (ai. B) da MFA).

17.À data do acidente, a responsabilidade civil por danos ocasionados pela circulação do veículo ...-JF estava transferida para a Ré Companhia de Seguros ..., por contrato de seguro, titulado pela apólice n° 0000967860 (ai. C) da MFA).

18.Na data referida e 1., DD, nascido em 27.03.86, não era titular de licença de condução que o habilitasse a conduzir veículos automóveis (ai. D) da MFA).

19.Em consequência das lesões sofridas no embate, CC, faleceu em 13 de Julho de 2003 (ai. E) da MFA).

20.CC nasceu em 19 de Dezembro de 1983, sendo filho de AA e de BB e de e á data do seu falecimento era solteiro (ai. F) da MFA).

21.O veículo FT era propriedade do Autor AA (matéria do quesito 16°, assente por acordo das partes).

22.O valor comercial de veículo idêntico ao veículo FT, à data do acidente, ascendia ao montante de € 1 000,00 (matéria relativa ao quesito 17°, assente por acordo das partes).

23.Com o funeral de seu filho, os Autores despenderam a quantia de €1.195,00 (mil cento e noventa e cinco euros) (resposta ao quesito 18°)

24.À data da sua morte, CC prestava serviço militar obrigatório no Exército Português (matéria do quesito 19°, assente por acordo das partes).

25.Anteriormente havia exercido profissão remunerada, trabalhando na fábrica da Sociedade Tintas ... - ... e Ca, Lda. (matéria do quesito 20°, assente por acordo das partes).

26.CC entregava parte do seu salário aos AA, com quem vivia, contribuindo, assim, para as despesas do lar (resposta ao quesito 21°).

27.No último mês em que trabalhou na empresa acima referida CC auferia a quantia de € 447,80 mensais (resposta ao quesito 22°, assente por acordo das partes).

28.Era tão bom trabalhador que os responsáveis daquela unidade fabril lhe haviam prometido que retomaria o seu antigo emprego logo que terminasse a prestação de serviço militar obrigatório (resposta ao quesito 23°).

29.Sendo previsível que fosse o montante referido 27. o que viria a receber com a celebração do novo contrato de trabalho com a dita empresa (resposta ao quesito 24°)

30.Era previsível que o Autor aos 29 (vinte e nove) anos se autonomizaria totalmente do meio familiar onde se inseria (resposta ao quesito 25°).

31.O Autor está aposentado e a Autora é doméstica, dispondo de modestos rendimentos (resposta ao quesito 26°)

32.À data da sua morte, CC gozava de excelente saúde (resposta ao quesito 270)

33.Era um jovem alegre, jovial, dinâmico, trabalhador, responsável, com projectos para o futuro (resposta ao quesito 28°)

34.No meio em que se movia era tido com grande carinho e admiração, pautando a sua atitude por uma constante ajuda aos seus companheiros e amigos (resposta ao quesito 29°)

35.Era pessoa bem formada e educada, adequando todos os seus comportamentos a uma sã convivência social (resposta ao quesito 30°)

36.Entre a vítima e os AA., seus pais, existiam laços recíprocos de forte união e afectos, contribuindo a vítima decisivamente para o equilíbrio, felicidade e vontade de viver de seus pais, ora Autores (resposta ao quesito 31°)

37.Vivendo todos em perfeita comunhão de vida (resposta ao quesito 32°).

38.Os Autores sentem profundamente a falta daquele seu filho (resposta ao quesito 33°).

39.Apesar de terem mais filhos, a vítima CC, que morreu sem deixar descendência, era um amparo emocional dos AA., era o seu filho mais novo, com quem mantinham uma relação muito próxima e um afecto desmesurado (resposta ao quesito 34º).

40.Toda a envolvência da morte de seu filho, o choque na via pública, as lesões sofridas e todas as manobras de desencarceramento que foram efectuadas, agravaram o desgosto e dor dos AA (resposta ao quesito 35°).

41.Tendo os AA. sofrido imenso com toda esta provação, chorando, não dormindo, não se encontrando, ainda (nem nunca), refeitos da morte de seu filho (resposta ao quesito 36°).

42.DD não tinha conhecimentos técnicos para conduzir e não tinha experiência de condução, o que contribuiu decisivamente para a ocorrência do embate (resposta ao quesito 37°).

43.Os AA remeteram à Ré, que a recebeu a carta, sob registo, datada de 31.07.03, cuja cópia se encontra junta a fls. 77 dos autos e cujo conteúdo se dá por reproduzida (ai I) da MFA).

44.Por virtude do acidente referido em 1. corria termos, à data da propositura da acção, pelo 1º Juízo criminal deste Tribunal, o processo crime n° 2617/03.2TAVNG, em que é arguido DD e são assistentes os ora Autores, e no qual foi proferida em Ia instância a sentença junta a fls, 52 a 69, cujo teor se dá por reproduzido, que o condenou pela prática de um crime de homicídio negligente, sendo que essa sentença, nesta data, ainda não transitou, por ter sido dela interposto recurso pelo arguido (ai. G)

45.No processo acima identificado, foi decidido remeter as partes quanto à indemnização civil para os tribunais civis (ai. H) da MFA).

Por resultar comprovado por certidão junto aos autos, considero ainda provado o seguinte facto:

46.No processo referido em 44., foi em proferido Acórdão da Relação do Porto, transitado em julgado em 19.01.09, que confirmou a sentença proferida em Ia instância, à excepção do que se refere ao período de suspensão de execução da pena em que o arguido foi condenado, que reduziu para período de tempo igual ao da pena aplicada, ou seja, um ano e dez meses (cfr. certidão de fls. 206 e seg).”

4. Nos termos do nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, estão apenas em causa os montantes indemnizatórios atribuídos pelo dano da morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores.

Trata-se em ambos os casos, como é evidente, de danos não patrimoniais.

Como se escreveu no acórdão de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), e se tem recordado por diversas vezes, para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º). Este recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”

Tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, de acordo com o já citado nº 3 do artigo 566º do Código Civil, e como o Supremo Tribunal da Justiça observou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”.

Está fora de dúvida, entre nós, que o dano da morte é indemnizável; o mesmo sucedendo em relação aos outros danos não patrimoniais sofridos pelos autores, todos abrangidos pelos nºs 1 e 2 do artigo 496º do Código Civil; apenas se discute, como se viu, o montante de indemnização a fixar.

5. No que toca ao dano da morte, viu-se que a 1ª Instância considerou equitativo o montante de € 65.000,00 e a Relação aumentou-o para € 80.000,00; os autores sustentam que deve ser fixado em € 100,000,00, a ré em € 50.000,00.

Recorda-se no já citado acórdão de 31 de Janeiro de 2012 que “a compensação atribuída tem oscilado nos últimos anos entre os 50 e os 80 mil €, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais (cfr, a título de mero exemplo, os acórdãos do STJ de 10/1/08 (Revª 3716/07-6ª) e 24/6/08 (Revª 1185/08 - 6ª), ambos desta conferência de juízes, de 8/9/11 (Revª 2336/04.2TVLSB.L1.S1-2ª) e de 27/9/11 (Revª 425/04.2TBCTB.C1.S1-6ª).” No caso então apreciado, o Supremo Tribunal da Justiça, observando que não havia então “que ponderar a situação económica do lesante visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização, e considerando, em especial, a juventude da vítima à data do acidente e o futuro radioso que tinha à sua frente” – de 27 anos de idade – elevou para 75.000,00 a compensação fixada pelas instâncias em € 60.000,00.

Também agora está em causa a morte de um jovem que, como se diz no acórdão recorrido, “gozava de perfeita saúde e tinha apenas 19 anos de idade, ou seja, atravessava a fase mais fulgurante do seu desenvolvimento físico”; as circunstâncias do acidente (cfr. nº 2 do artigo 496º e 494º do Código Civil) conduziram a atribuir a culpa exclusiva ao condutor do veículo segurado na ré e revelam uma culpa grave, não só por não estar legalmente habilitado a conduzir mas também porque infringiu regras elementares de circulação, como se verifica dos factos provados. Mas sabe-se que a Seguradora ré poderá vir a exercer direito de regresso relativamente às quantias que for condenada a pagar, como se recorda no acórdão recorrido (artigo 19º, c) do Decreto-Lei nº 522785, de Dezembro, vigente à data do acidente).

Analisados todos os dados fornecidos pela matéria de facto provada, e ponderados os pontos especialmente acabados de referir e os limites de controlo do Supremo Tribunal da Justiça atrás referidos, entende-se não alterar o montante fixado pelo Tribunal da Relação, € 80.000,00.

6. Relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, os autores afirmam que a indemnização deve ser fixada em € 70.000,00, “a atribuir conjuntamente aos recorrentes” (alegações). Ambas as instâncias consideraram equitativo o montante de € 25.000,00 a cada um; a ré afirma que o mesmo “não deveria ser superior a 40.000,00 € (20.000,00 para cada um)” (alegações).

Como igualmente se dá conta no acórdão de 31 de Janeiro de 2012, os montantes arbitrados pelas instâncias ”já se encontram no patamar mais elevado das que no STJ têm sido arbitradas em situações paralelas”. Também aqui se entende que deveriam ser mantidos, não se encontrando motivo para censurar o juízo de equidade que a Relação confirmou.

É certo que, tal como os recorrentes observam, para além do que ficou demonstrado quanto às relações existentes entre os autores e seu filho (cfr. pontos 36 a 41 dos factos provados), devem igualmente ter-se em conta “todos os outros elementos objectivos do acidente de viação em questão e que potenciaram enormemente o sofrimento e s provações dos recorrentes, bem como, todos os elementos pessoais do malogrado filho dos recorrentes, bem como, as condições pessoais do agente provocador do prejuízo, bem como a condição económica modesta dos próprios recorrentes”, chamando a atenção para os pontos nºs 2 a 14, 18º, 20º, 26º, 31º a 35º e 42º.

Mas são precisamente essas circunstâncias que, tal como no ponto anterior, justificam o montante arbitrado, e excluem o seu abaixamento, como sustenta a ré.

7. Nestes termos, nega-se provimento aos recursos. Custas pelos recorrentes, relativamente ao recurso que interpuseram, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam os autores.

Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Maio de 2012

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lopes do Rego

Orlando Afonso