Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
767/14.9TBALQ-A.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
QUESTÃO PREJUDICIAL ADMINISTRATIVA
BENFEITORIAS ÚTEIS E VOLUPTUÁRIAS
DIREITO AO LEVANTAMENTO E INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / POSSE / EFEITOS DA POSSE / BENFEITORIAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APLICAÇÃO NA LEI NO TEMPO - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA / QUESTÕES PREJUDICIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1273.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 91.º, 92.º
LEI N.º 1/90, DE 13-1: - ARTIGO 37.º, N.ºS 1 E 3.
LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGO 7.º, N.º1, 1.ª PARTE.
Sumário :
I. Incidindo o litígio que opõe as partes, em acção de reivindicação, autónoma e decisivamente em puras razões de direito privado, que não têm a menor conexão com o tema da classificação dos terrenos em causa no PDM - e não existindo por isso nos autos, face ao objecto e natureza do litígio, uma questão prejudicial administrativa, que implicasse a apreciação da questão da pretensa ilegalidade do PDM, - carecem os tribunais judiciais de competência material para abordarem e se pronunciarem sobre matéria situada no campo do direito público e que nenhuma relevância apresenta para a boa decisão da causa.

II. Tendo os AA/reivindicantes assumido que não se opõem , de nenhum modo, a que o possuidor/reivindicado proceda ao levantamento/destruição do resultado das obras que realizou nas instalações desportivas sediadas no imóvel, independentemente do detrimento que tal possa ocasionar à coisa principal, está excluído qualquer direito de indemnização que pudesse resultar da qualificação das benfeitorias como úteis – já que tal indemnização apenas visa compensar o possuidor da inviabilidade do levantamento, por via do detrimento que tal possa ocasionar na coisa principal.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL demandaram, em acções apensadas, a Associação Desportiva do Carregado, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios identificados, que a ré seja condenada a desocupar e a restituí-los aos autores, a pagar uma indemnização pelos danos decorrentes da não entrega imediata dos prédios, equivalente ao rendimento que os AA. poderiam obter de imediato pela promessa de venda, venda ou aproveitamento urbanístico dos prédios, a liquidar em execução de sentença.

          Alegaram, para tanto, que, na sequência de pedido efectuado pela Câmara Municipal de Alenquer, das instituições da terra, de vários cidadãos e da própria ré, alguns dos autores e o seu ascendente MM arrendaram-lhe os prédios, por uma renda mensal simbólica, no valor de Esc. 100$00 para que a ré aí instalasse o seu campo de jogos e instalações desportivas, o que sucedeu, denominando-se as instalações “Campo de Jogos MM”.

Na década de 80, a pedido da ré, em situação de dificuldade financeira, acederam a que esta deixasse de pagar a renda acordada e continuasse a utilizar os prédios até que fosse encontrado outro espaço para instalar o campo de jogos.

Os prédios estão classificados como espaços urbanos destinados à construção de edifícios, tendo por este motivo os autores iniciado contactos com a Câmara de Alenquer e a ré para ser assegurado um outro terreno para construção de um novo campo de jogos, com características adequadas às exigências de equipamento desportivo.

Na contestação, a ré excepcionou a ineptidão da petição, impugnou o alegado pelos autores e deduziu reconvenção, invocando a aquisição da propriedade por usucapião e acessão industrial, peticionando a condenação dos reconvindos à transferência dos prédios da esfera patrimonial dos autores para a da ré, ou, em alternativa, a condenação dos autores a reconhecer as benfeitorias efectuadas de boa-fé nos prédios, no valor de Esc. 183.000.000$00, ou seja, €912.800,20,



Replicaram os autores, concluindo pela improcedência da excepção

Em requerimento avulso, a ré, atento o alegado pelos autores de que o espaço onde se encontra implantado o Campo de Futebol ou Estádio foi classificado no PDM de Alenquer como Espaço Urbano dedicado ou destinado à construção, requereu a extracção de certidão a enviar ao MP, com fundamento no facto de que, quer a deliberação da Assembleia Municipal que aprovou o PDM, quer a Resolução do Conselho de Ministros 13/95, publicada no DR Iª série – B, de 14/2/95, violaram o princípio da legalidade – arts 37/1 e 3 da Lei 1/90 de 13/1 e 79 da CRP – fls. 116 a 120.

Os autores pronunciaram-se pelo desentranhamento do requerimento.

Sobre o requerido caiu despacho de fls. 139 v. do seguinte teor: “Nada a ordenar ao requerido dado que não será esta a sede para a apreciação do que se suscita, cabendo aos réus, caso o entendam, suscitar a questão no foro criminal, apresentando a competente denúncia”.

Faleceu, em 3/6/2009, BB, tendo sido habilitados, ocupando a sua posição na acção, NN, OO, PP, QQ, RR, SS e TT, como únicos herdeiros do falecido.

Após julgamento, foi proferida sentença que, julgando as acções parcialmente procedentes, condenou a ré a reconhecer os autores como donos e legítimos proprietários dos prédios em litígio, a desocupar e a restituí los aos autores, absolvendo a ré da indemnização pelos danos decorrentes da não entrega imediata dos imóveis, salvo no respeitante à pretensão indemnizatória deduzida por AA, condenando-se a R. a pagar a este e à chamada UU a quantia de €500,00 mensais, desde 2001 até entrega efectiva e juros moratórios consequentes - Julgando ainda improcedentes as reconvenções deduzidas pela R..


2. Inconformada, a ré apelou da sentença, tendo todavia a Relação confirmado inteiramente a sentença apelada, após considerar fixada a seguinte matéria de facto subjacente ao litígio:

7 – Os 1ºs a 9ºs autores são donos e a 10ª usufrui do prédio urbano sito no Carregado, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob a ficha nº 01035/…, sendo que o 11º autor dono do prédio contíguo àquele, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer sob o nº 35… – alínea A) do apenso A.

8 – Os prédios têm uma área total de 13.892m2 (respectivamente, 13.722 m2 + 170 m2) e integram-se na malha urbana do Carregado, sendo rodeados por diversos edifícios habitacionais de três e quatro pisos – alínea B) do apenso A).

9 - A ré, por escrito particular, datado de 21 de Junho de 2002, informou os autores de que iria implantar um piso sintético no espaço dedicado à prática de futebol – alínea C) do apenso A).

10 - À data da entrada em juízo da p. i. os autores reconheceram que a ré através da sua equipa de futebol, treina, joga e participa em actividades federadas, utilizando para o efeito um recinto, balneários e bancadas alínea D) do apenso A).

11 - Alguns dos autores e o seu ascendente MM com vista a proporcionar à população do Carregado um campo de jogos e instalações desportivas, cederam temporariamente à ré mediante o pagamento de uma quantia mensal de Esc. 100.000 os prédios identificados em A) e B) para que esta aí instalasse o seu campo de jogos e instalações desportivas - resposta ao art. 1 da BI do apenso A.

12 - O que veio a acontecer, tendo essas instalações sido denominadas Campo de Jogos MM - resposta ao art. 2 BI do apenso A.

13 - Na década de 1980, os proprietários dos prédios acederam a que a ré deixasse de pagar a renda, continuando a utilizar os prédios aludidos em A) e B) - resposta ao art. 3 BI do apenso A.

14 - Desde então a ré vem utilizando os prédios como parque de jogos, reconhecendo os autores como proprietários dos mesmos, o que fez até Julho de 2001, altura em que procedeu à construção de um muro no parque de jogos - resposta ao art. 4 BI do apenso A.

15 - Os autores, a ré e a Câmara Municipal de Alenquer iniciaram negociações no sentido de ser assegurado à ré um outro terreno para a construção de um novo parque de jogos da ré - resposta ao art. 5 BI do apenso A.

16 - No âmbito dessas negociações e desde que verificadas determinadas condições, os autores aceitaram disponibilizar outro terreno para a construção do novo parque de jogos da ré - resposta ao art. 6 BI do apenso A.

17 - A ré desde 1951 usou e fruiu o imóvel que se alude em A) - resposta ao art. 8 BI do apenso A.

18 - Desde o ano de 1951 e até Julho de 2001 (altura em que ocorreu a edificação do muro à volta do campo de jogos) que a ré é autorizada pelos autores ou ascendentes a utilizar o imóvel referido em A) - resposta ao art. 9 BI do apenso A.

19 - Desde o ano de 1951 até ao presente a ré utiliza o imóvel aludido em A) à vista de toda a gente - resposta ao art. 10 BI do apenso A.

20 - A ré desenvolve desde 1951 as acções descritas em D) - resposta ao art. 11 BI do apenso A.

21 - A ré levou a efeito as seguintes obras:

a – implantação de relvado, cujo custo foi avaliado em € 120.000,00;

b – construção/implantação de muro, cujo custo está avaliado em  € 30.000.00;

c – construção/implantação de bancada, cujo custo de execução foi avaliado em €  35.000,00;

d – implantação de iluminação nocturna para competição desportiva cujo custo foi avaliado em  € 60.000,00, dos quais cerca de € 30.000,00 podem ser recuperados se se pretender transferir o campo para outro local;

e – construção de balneários e outras construções existentes no recinto nomeadamente: armazéns, garagem, bar e bilheteiras, cujo custo se encontra avaliado em  € 60.000,00; e

f - vedação em murete entre o recinto de jogos e o local destinado ao público assistente, cujo custo de execução foi avaliado em  € 10.000.00 - resposta ao art. 12 BI  do apenso A.

22 - O espaço onde se encontra implementado o estádio do Carregado é composto para além do referido na resposta ao artigo anterior, por um recinto para a prática de futebol e um terreno destinado à assistência - resposta ao art. 13 BI do apenso A.

23 - O mencionado espaço até 2012 estava rodeado por vedação em rede - resposta ao art. 14 BI do apenso A.

24 - Após o ano de 2001, o espaço onde funciona o estádio do Carregado encontra-se compreendido dentro de um muro de vedação do terreno com uma altura média de 2 metros, com duas frentes para a rua, que tem passeios e faixa de rodagem e ao longo da rua existe rede de águas, rede de esgotos, rede eléctrica e de telecomunicações e rede de gás - resposta ao art. 15 BI do apenso A.

25 - As obras acima referidas foram presenciadas pela população do Carregado e levadas a efeito faseadamente - resposta ao art. 19 BI do apenso A.

26 - Os autores reagiram contra a obra de construção do muro realizada pela ré nomeadamente através de acção judicial interposta em juízo no ano de 1985 - resposta ao art. 20 BI do apenso A.

27 - O estádio é frequentado anualmente por cerca de 200.000 pessoas - resposta ao art. 22 BI do apenso A.

28 - O estádio é frequentado semanalmente – sábados e domingos pelos atletas e pelo público em geral - resposta ao art. 23 do apenso A.

29 - Por várias vezes, os autores comunicaram à ré, designadamente através do envio de cartas recepcionadas por esta e reuniões tidas com os representantes desta última e contactos mantidos com os mesmos representantes e com o Sr. Presidente da Câmara de Alenquer o seu desagrado e oposição relativamente à construção do muro que esta efectuou nos prédios aludidos em A) e B) e bem assim à ausência de uma comunicação prévia dessa obra - resposta ao art. 25 BI do apenso A.

30 - É do conhecimento das gerações mais antigas da população do Carregado e expressamente admitido por alguns ex-representantes da ré que os autores são os legítimos donos dos prédios referidos em A) e B) da matéria assente - resposta ao art. 26 BI do apenso A.

31 – A ré comunicou aos autores algumas das obras efectuadas nos prédios - resposta cio art. 27 BI do apenso A.

32 - A ré não realizou as obras em nome próprio mas sim recorrendo a terceiros e a fornecedores quanto aos materiais e a mão de obra - resposta ao art. 26 BI do apenso A.

33 - Os autores e os seus ascendentes não autorizaram as obras posteriores a 1980 realizadas nos prédios referidos em A) e B), tendo reagido contra as mesmas - resposta ao art. 29 BI do apenso A.

34 - E a ré sabe, pelo menos desde a data da publicação do PDM de Alenquer que não pode utilizar os prédios como campo desportivo - resposta ao art. 30 BI do apenso A.

35 - A ré não dispõe de licença de utilização dos prédios emitida pelas autoridades competentes - resposta ao art. 30 BI do apenso A.

36 - Não há procura para aquisição de campos de futebol mas o terreno compreendido no campo de jogos e que corresponde aos prédios identificados em A) e B) têm um valor de cerca de Euros 1.100,000 (um milhão e cem mil euros) - resposta ao art. 32 BI do apenso A.

37 - O relvado sintético que aí se implantou, pode ser removido e instalado noutro local - resposta ao art. 34 BI do apenso A.


3. Passando a abordar as questões suscitadas pela recorrente, considerou o acórdão recorrido:

     Sustenta a apelante que a sentença é nula por omissão de pronúncia porquanto, não se pronunciou sobre a ilegalidade e inconstitucionalidade do regime da Resolução do Conselho de Ministros nº 13/95 de 14/2 que aprovou o Regulamento do Plano Director Municipal de Alenquer classificando, nos arts. 22 e 54/3 a contrario, os imóveis dos autos como solos urbanos, quando na realidade estes correspondem a uma área afecta à competição desportiva federada, violando a mencionada Resolução o art. 37 da Lei 1/90 de 13/1 – arts. 615/1 d) e 608/2 CPC, 7 e 12 CC e 112, 203 e 204 CRP.

No caso em apreço, em nenhum dos articulados apresentados foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade.

      Conforme extractado supra, a ré, na sequência da alegação dos autores no sentido de que o espaço onde se encontra implantado o campo de futebol ou estádio foi classificado no PDM de Alenquer como espaço urbano dedicado/destinado à construção, requereu a extracção de certidão a enviar ao MP com fundamento no facto de que quer a deliberação da Assembleia Municipal que aprovou o PDM, quer a Resolução do Conselho de Ministros nº13/95 in DR. Iª série - B, de 14/2/95, violaram o princípio da legalidade.

Sobre o requerido recaiu despacho de fls. 139 cujo teor foi: “Nada a ordenar, não sendo esta a sede para apreciação do suscitado, cabendo aos réus, caso o entendam, suscitar a questão no foro criminal, através de denúncia”.

       Com o requerimento efectuado a apelante pretendeu a extracção de certidão para entrega ao Ministério Público, tendo como o leit motiv subjacente o facto de que, quer a deliberação da Assembleia Municipal de Alenquer que aprovou o PDM, quer a Resolução do Conselho de Ministros nº 13/95, in DR Iª série – B, de 14/2/95, violarem o princípio da legalidade.

É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art. 615/1 d) CPC (art. 668/1 d) LV).

A sentença do juiz deve corresponder à acção, i. é, deve resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – art. 608 CPC (art. 660 LV).

O juiz deve conhecer, em regra, todas as questões suscitadas pelas partes.

Pedido é toda a questão que a parte submete ao juiz, todo o ponto acerca do qual reclama julgamento, um juízo lógico.

Pedido(s) não é só a questão principal, a existência ou não da relação litigiosa, pedidos são também as questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução daquela.

Pedidos não são unicamente os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do juiz, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito que se arroga), são também os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa – vd. A. Reis. CPC anotado, Coimbra Editora, 81, V, p. 50 e sgs.

Para caracterizar e delimitar todas as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados, é necessário atender também nos fundamentos em que elas assentam, i. é, para além dos pedidos é necessário ter em conta a causa de pedir.

A acção é assim delimitada pelos sujeitos, objecto e causa de pedir (princípio da coincidência entre a acção e a sentença).

Para se determinar a extensão do julgado há que atender, antes de mais nada, à parte dispositiva da sentença, à decisão propriamente dita.

É aí que o juiz exprime a sua vontade quanto ao efeito jurídico que tem em vista declarar ou produzir, é aí que formula o comando a impor aos litigantes; em suma é a decisão que nos há-de esclarecer, em princípio, sobre o conteúdo do julgamento, sobre as questões que o juiz quis arrumar e resolver.

A nulidade da alínea d) do art. 615/1 CPC (art. 668/1 d) LV) está em correspondência directa com o preceituado no art. 608/2 CPC (art. 660/2 LV).

Atento o supra mencionado, os factos e a decisão recorrida, a conclusão que se extrai é a de que a sentença não enferma deste vício.

A sentença pronunciou-se sobre as questões que devia apreciar e que foram suscitadas nos articulados apresentados conhecendo dos pedidos formulados.

Ainda que se considerasse ter havido uma deficiente apreciação e fundamentação, o que não sucedeu, esta deficiência não constituiu nulidade.

Acresce, que o pedido de extracção de certidão, visando um determinado fim, não só é de todo alheio à acção, como não é confundível com os pedidos aqui formulados.

Destarte, inexiste omissão de pronúncia, falecendo a conclusão da apelante.


Defende a apelante que o Tribunal ao concluir que entre os autores e a ré existiu um arrendamento seguido de comodato, deveria ter considerado a p.i como inepta com fundamento constante na lei 1/90 de 13/1 e seu art. 2/2 f) e, ao não tê-lo feito violou também o art. 79/1 e 2 CRP, na medida em que retirou à comunidade Carregado a possibilidade de acesso à cultura física e ao desporto, reduzindo a nada o que determinava o art. 37 da Lei 1/90 de 13/1.

É nulo todo o processo quando for inepta a p.i – art. 186/1 CPC (art. 193/1 LV).

É inepta a p.i. quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir – nº 2 b) cit. art.

A causa de pedir consiste no fundamento da acção e traduz-se no acto ou facto jurídico (núcleo essencial) em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido – art. 581 CPC.

O autor tem que alegar os factos que suportam o seu pedido, tem que especificar a causa de pedir, indicar a fonte desse direito, o facto ou acto que, no seu entender, o direito procede.

Daqui se extrai, que “o pedido tem, como a decisão, o valor e o significado de uma conclusão e a causa de pedir, tal como os fundamentos de facto da sentença, é a base, a premissa em que assenta a conclusão.

Assim, entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão.

Ora, se a conclusão em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, ou seja, uma conclusão errada – cfr. A. Reis in Comentário ao CPC, Vol. II – 380 e sgs., Coimbra Editora.

Defende a apelante que “constando da causa de pedir, que a posse dos prédios é titulada por contrato de arrendamento, a reivindicação dos prédios, sem se pedir a resolução do contrato de arrendamento não é possível, é anómalo, existindo manifesta contradição entre a causa de pedir e o pedido”.

Ora, in casu, a acção é de reivindicação - arrogando-se os autores proprietários do “terreno”, sustentam que o deram de arrendamento à ré e, posteriormente, como esta não pudesse suportar o pagamento da renda acordada, aceitaram que a ré usufruísse o “terreno”, sem qualquer contrapartida, tendo concluído pela condenação da ré no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre o “terreno”, a restituí-lo/entregá-lo aos autores, acrescido de uma indemnização pelos danos decorrentes da sua não entrega imediata.

Ora, do articulado (p.i.) apresentado não se vislumbra a existência de qualquer contradição entre o pedido e causa de pedir.

Na verdade, não colhe o argumento da apelante, porquanto os autores afirmaram que, inicialmente deram de arrendamento o “terreno” à ré, mediante renda simbólica tendo, posteriormente, por falta de possibilidade de pagamento da renda por parte da ré, aceite que esta utilizasse o “terreno”, a título gratuito (comodato).


Defende a apelante a aquisição da propriedade dos imóveis por via do instituto da acessão industrial imobiliária porquanto realizou benfeitorias nos prédios, desde 1951 até hoje, no valor de Esc. 183.000.000$00, benfeitorias essas efectuadas de boa-fé, sendo certo que o valor das obras por si realizadas é superior à soma do valor dos dois prédios à data de 1951, inexistindo qualquer comodato.

       A acessão constitui uma forma de aquisição originária do direito de propriedade – art. 1317 d) CC.

A acessão tem lugar quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia –art. 1325 CC.

Reportando-se a aquisição do direito ao da verificação dos factos respectivos – cfr. art. 1317 já cit.

     Dispõe o art. 1340/1 CC que: Se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio ou, e o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras ….”.

    Distinto do regime da acessão existe o regime das benfeitorias regulado nos arts. 1273 a 1275 CC.

As benfeitorias consistem em melhoramentos feitos na coisa por outrem que não o proprietário, a saber: o possuidor (arts. 1273 a 1275 CC), o comproprietário (1411 CC), o usufrutuário (art. 1450 CC), o usuário e morador usuário (art. 1450 ex vi art. 1490 CC), o locatário (art. 1406/1 CC) e o comodatário (art. 1138/1 CC).

      Tal como referido na 1ª instância “ a benfeitoria e a acessão, embora objectivamente se apresentem com carácter idêntico, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela …; são assim benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo locatário (arts. 1046, 1074 e 1082 CC), comodatário (art. 1138 CC); são acessões os melhoramentos feitos por terceiros, não relacionados juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional.

    As benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule à pessoa a coisa beneficiada.


 A acessão implica/importa a incorporação da coisa acrescida no terreno alheio (solo ou subsolo).

Formando-se com a acessão um único corpo, logo há-de resultar dela uma ligação material, definitiva e permanente, entre a coisa acrescida e o prédio, que torne impossível a separação sem alteração da substância da coisa” – cfr. P.Lima e A. Varela, in CC Anot., Coimbra Edit., III vol., anotação ao art. 1340.

Chamando à colação os factos apurados constata-se que durante o período entre 1951 a 1980, existiu um contrato de arrendamento entre os autores e a apelante/ré.

E que, desde 1980, não obstante o não pagamento de rendas respectivas, a ré utiliza os prédios referidos como parque de jogos tendo sempre reconhecido os autores como proprietários dos terrenos, até Julho de 2001, data em que construiu um muro no parque de jogos, sem lhes pedir autorização.

Assim, a partir de 1980, a relação/vínculo jurídico estabelecido entre autores e apelante/ré, reconduz-se a um comodato, traduzindo-se este no contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir – art. 1129 CC.

Ora, tendo os autores logrado provar, de tal tendo o ónus (art. 342/1 CC), os factos constitutivos do seu direito, nomeadamente, o contrato de comodato existente, afastada está a aquisição da propriedade, por acessão imobiliária dos terrenos, por parte da apelante.

Acresce, que tendo sido apurado que a apelante efectuou obras no imóvel reivindicando – implantação do relvado e bancada, construção de um muro, instalação de iluminação nocturna para competição desportiva, construção de balneários, armazéns, garagem, bar, bilheteira e vedação em murete entre o recinto de jogos e o local destinado ao público -, as mesmas reconduzem-se ao conceito de benfeitorias - melhoramentos feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico -, que in casu, foram efectuadas por esta na qualidade de comodatário.

Destarte, falece a pretensão da apelante.


Pugna a apelante pela classificação das benfeitorias como sendo benfeitorias necessárias – art. 216/3 CC – porquanto as mesmas tiveram lugar não só para satisfazer o sentido e alcance do art. 37 da Lei 1/90 de 13/1, mas também porque as instalações estavam afectas à competição federada.


Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, podendo ser necessárias, úteis ou voluptuárias.

As benfeitorias necessárias são as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para o recreio do benfeitorizante – cfr. art. 216 CC.

O princípio consagrado quanto às benfeitorias necessárias é o de que o possuidor, esteja de boa ou de má-fé, goza do direito a ser indemnizado, i. é, o titular do direito tem que o indemnizar.

Nas benfeitorias úteis, admite-se que o possuidor de boa ou de má-fé as possa levantar, inexistindo detrimento da coisa.

Em caso de detrimento da coisa, não há lugar ao levantamento das benfeitorias, mas o possuidor tem direito a uma indemnização – cfr. arts. 1273 e 1138/1 CC.

No caso das benfeitorias voluptuárias o possuidor de boa-fé tem direito a levantá-las, desde que não haja detrimento da coisa, sendo que em caso de detrimento, não as pode levantar, nem a haver o seu valor; o possuidor de má-fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja efectuado (cfr. art. 1275 e 1138/1 CC).

In casu, de acordo com os factos apurados, constata-se que a partir dos anos 80, estabeleceu-se um contrato de comodato entre os autores e a ré/apelante, no que ao terreno concerne, tendo a ré realizado obras no terreno - cfr. facto 21 -, nomeadamente, implantação do relvado (amovível), construção de um muro, bancadas, balneários, armazéns, bilheteira, bar, instalação de iluminação nocturna para realização e prática desportiva, entre outros.

Atento o art. cit. e as obras realizadas, afastada está a sua classificação como benfeitorias necessárias.

Apurado ficou também que os terrenos em causa não podem ser utilizados como campo desportivo (PDM de Alenquer).

Assim, as obras realizadas terão de ser classificadas, tal como referido pela 1ª instância, como benfeitorias voluptuárias porquanto, não contribuíram para a valorização do terreno, ou seja, o terreno não sofreu qualquer valorização, considerando-se secundárias e acessórias relativamente à utilização do terreno, pelos autores, como campo de jogos.

Classificadas as obras realizadas no terreno como benfeitorias voluptuárias e sendo a ré/apelante enquanto comodatária equiparada ao possuidor de má-fé, não há lugar ao seu ressarcimento.


4. Novamente inconformada, interpôs a R. , a fls. 1323 e segs., recurso de revista excepcional, encerrando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

I.

Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a decisão proferida em primeira instância e determinou a condenação da Recorrente a reconhecer os AA. como legítimos proprietários do prédio urbano sito no Carregado, todos melhor identificados nos autos, e a desocupá-lo e restitui-lo aos AA., absolvendo a Recorrente da indemnização por danos decorrentes da não entrega imediata ou do não reconhecimento imediato do direito de propriedade e julgando a reconvenção improcedente.

II.

O recurso de revista é interposto ao abrigo do regime legal vigente anterior à Lei nº 41/2013 de 26/6 (N.C.P.C) e ao DL 303/2007 de 24/8 por ser este o que o Recorrente entende aplicável atenta a data da autuação da presente acção (11/11/2002) mas, não tendo sido proferido despacho sobre o requerimento de interposição de recurso já efectuado, a presente interposição e alegações são efectuadas também dentro do prazo a que alude o nº. 1 do art.º 638º do N.C.P.C. , para a hipótese de assim não se entender e de se fazer tramitar o recurso pelo regime decorrente do DL 303/2007 de 24/8 e da Lei nº. 41/2013 de 26/6 (que sempre permitiria a presente revista atenta a ressalva feita na parte final do nº 1 do seu art.º 7º), caso em que fica assegurada a sua tempestividade.

III.

E é interposto com fundamento na preclusão do interesse público e de particular relevância social bem como com fundamento na contradição do acórdão recorrido com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-10-2002, junto como Doc. 1 por se entender que mesmo que não estivesse a salvo da ressalva da proibição de recurso em caso de dupla conforme, sempre  o  presente  recurso  poderia  assumir a  natureza   de  uma  revista excepcional porquanto se verificam aqueles dois pressupostos previstos nas als. b) e c) do nº. 1 e 2 do art.º 672º do N.C.P.C. (preclusão do interesse público e contradição com acórdão anterior proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e transitado em julgado.)

IV.

Do acórdão recorrido resulta um gravíssimo prejuízo para um interesse de relevância social e, como tal, de natureza pública constitucionalmente protegido (art.º 79º da C.R.P.): a comunidade do Carregado ficará privada do único complexo desportivo de que se dispõe.

V.

O acórdão recorrido está, também, em clara contradição com decisão anterior, transitada em julgado, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (de 8-10-2002), circunstância que se comprovou através da junção do mesmo a estes autos e que releva para o preenchimento a al. c) do nº. 1 e 2 do art.º 672º do N.C.P.C.

VI.

O acórdão recorrido padece de nulidades sendo a primeira delas decorrente da circunstância de não se ter o mesmo pronunciado sobre a reclamação apresentada do despacho de 23-6-2014 que permanece inapreciada até à data.

VII.

A Recorrente reclamou desse despacho para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa ao abrigo do regime legal que entendeu aplicável, o anterior ao DL 303/2007, fundamentando a sua reclamação. Caso não se entendesse aplicável este regime sempre a reclamação deveria ser objecto de apreciação ao abrigo do constante do N.C.P.C.

VIII.

O Tribunal de primeira instância entendeu convolar a reclamação para recurso (fls. 1253).

IX.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 1/6/2015 julgou que essa convolação não devia ter lugar (fls. 1274) pois que "tendo sido efectuada uma reclamação, subscrita por um profissional do foro, não se pode, sem mais, convolar a mesma em recurso /..."e, concluiu afirmando que «não se admite o "recurso" ».

X.

Nesse despacho o Tribunal não conhece da reclamação apresentada ou dos seus fundamentos: apenas conclui que a mesma não poderá tramitar como recurso.

XI.

Tal posicionamento não merece reparo por parte da Recorrente pois que lhe é favorável: esta aguardou a decisão a proferir sobre a reclamação apresentada.

XII.

Sucede que, nenhum outro despacho foi proferido e o acórdão, de que se recorre em momento algum alude à reclamação apresentada, conhecendo-a e julgando-a.

XIII.

Pelo que se conclui que a pretensão da Recorrente/Reclamante ficou sem resposta nos autos (não foi apreciada ao abrigo do regime processual anterior ao DL 303/2007 nem ao abrigo do regime processual do N.C.P.C.).

XIV.

Tal constitui nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia que se invoca a coberto do disposto nos arts. 721º nº. 2 e 668º nº. 1 d) do anterior C.P.C, ou se assim entendido, ao abrigo do disposto nos arts. 674º nº. 1 c) e 615º nº. 1 d) do N.C.P.C.

XV.

Verifica-se também a nulidade por omissão de pronúncia por não ter o acórdão recorrido conhecido de questão de ilegalidade e inconstitucionalidade suscitadas nos autos, com influência na decisão proferida.

XVI.

O acórdão recorrido não apreciou a questão da inconstitucionalidade suscitada nos autos decorrente da aplicação do regime dos arts. 22º e 54º nº. 3, a contrario, da Resolução do CM. Nº 13/95 de 14/2 que aprovou o Regulamento do PDM de Alenquer e classificou os solos em causa nos autos como urbanos, aplicação essa que ao colidir, directamente com o regime vigente ao tempo dos art.º 37º nºs 1 e 2 da Lei nº 1/90 de 13/1 redunda em ilegalidade e inconstitucionalidade por violação do disposto nos art.º 79º da CRP e, correlativamente, do disposto nos arts. 7º e 12º do C. Civil (em matéria de vigência e aplicação da lei no tempo) e 112º da C.R.P. (sobre a hierarquia das normas) e 203º e 204º também da C.R.P., do que o acórdão recorrido não conheceu.

XVII.

O acórdão recorrido devia ter conhecido da questão suscitada, definido o regime legal vigente aplicável à situação fáctica que lhe foi posta a apreciação (o da Lei nº 1/90 de 13/1) e tinha que afastar a aplicação de norma posterior, de sentido inverso, mas de valor inferior e, por isso ilegal e inconstitucional (os arts. 22º e 54º nº. 3 a contrario, da Resolução do Conselho de Ministros nº. 13/95 de 14/2 concluindo que o solo em causa correspondia a área afecta a competição desportiva federada, de interesse público e por isso insusceptível de classificação como solo urbano.

XVIII.

A questão não tinha que ter sido suscitada nos articulados.

XIX.

Foi suscitada nos autos (sendo que o pedido de extracção de certidão para o M.P. de fls. 116 a 120 destinou-se a fazer relevar a questão também fora dos autos) sendo, no mínimo, anacrónico entender-se que, porque se requereu a passagem de certidão, o Recorrente se conformara com a aplicação das normas em causa nos próprios autos.

XX.

Até porque a questão da constitucionalidade sempre seria de conhecimento oficioso por aplicação do disposto na última parte do nº. 2 do art.º 660º do C.P.C..

XXI.

Isso mesmo foi entendido por este Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, no acórdão datado de 8-10-2002, transcrito nos autos, (junto como Doc.1) in www.dgsi. pt proferido sobre situação igual em que se conclui, inequivocamente pela nulidade por omissão de pronuncia decorrente da falta de apreciação de questão de inconstitucionalidade suscitada relevante na decisão proferida a final.

XXII.

Requer-se pois a declaração da nulidade por omissão de pronúncia também por essa razão.

XXIII.

Em sede de violação de lei substantiva entendeu-se e mantém-se que a petição inicial deveria ter sido declarada inepta pois que os Recorridos invocaram como causa de pedir que a posse dos prédios era titulada por contrato de arrendamento e, contraditoriamente, avançam para o pedido de reivindicação da propriedade sem peticionarem a resolução desse contrato de arrendamento que invocam como causa de pedir.

XXIV.

Ao não assinalar essa contradição entre pedido e causa de pedir, mantendo a sentença da primeira instância, o acórdão recorrido violou o disposto nº. 1 do art.º 193º do C.P.C, (actual 186º nº. 1 N.C.P.C).

XXV.

Também em sede de violação de lei substantiva invoca a Recorrente a violação do disposto nos arts. 1316ºº, 1317º al. d) e 1340º do C. Civil pois o Recorrente entende que foi feita errada aplicação do Direito aos factos provados quando se concluiu pela existência de um contrato de comodato sem qualquer suporte fáctico para tal conclusão.

XXVI.

E foi por entender que existia um comodato que o acórdão recorrido manteve a decisão de afastar a aplicação do regime da acessão industrial imobiliária invocado pela Recorrente como suporte para a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos autos.

XXVII.

Impõe-se o afastamento do regime do comodato e a conclusão pela aplicação do disposto nos arts. 1316º, 1317º al. d) e 1340º do C. Civil, concluindo-se que a recorrente adquiriu a propriedade por acessão industrial imobiliária, sob pena de violação destes normativos.

XXVIII.

Por último, para a hipótese de improceder o anterior relativamente à aquisição do direito de propriedade subsiste a questão da classificação das obras efectuadas pela Recorrente que, mercê da aplicação que fez dos arts. 22º e 54º nº. 3, a contrario, da Resolução nº. 13/95 de 14/2 o acórdão recorrido manteve como benfeitorias voluptuárias.

XXIX.

Aplicando os mencionados normativos o acórdão recorrido manteve a conclusão segundo a qual "os terrenos em causa não podem ser utilizados como campo desportivo" o que determinou que considerasse que as obras realizadas, por ser atinentes à pratica desportiva não tinham acrescentado valor aos prédios.

XXX.

Ora, a não aplicação da Resolução com fundamento na sua inconstitucionalidade, o que se requer por via da presente revista determina que se tivesse concluído que os prédios em causa não podiam ter, ao tempo, outra afectação que não a prática desportiva, função que desempenharam e desempenham em prol do interesse público estando a Recorrente obrigada à manutenção e conservação do espaço para esse fim o que fez, sempre, a expensas suas e de boa fé.

XXXI.

Pelo que as benfeitorias realizadas sempre serão de classificar como necessárias.

XXXII.

E a Recorrente sempre será credora do valor que dispendeu - ponto 21 als. a) a f) dos factos provados - e goza de direito de retenção sobre as mesmas nos termos do art.º 754º do C.Civil sendo que, na improcedência de tudo o que antecede sempre os Recorridos estariam obrigados a restituir aquilo com que injustamente se locupletaram por se verificarem os pressupostos dos nºs. 1 e 2 do art.º 473º do C. Civil.

XXXIII.

Pelo que, também por este fundamento, conexo com a omissão de pronúncia relativa à inconstitucionalidade, se imporia a revogação do acórdão recorrido com fundamento na violação dos arts. 216º. e 1273º. nº. 1 do C.Civil.


Os recorridos contra alegaram, questionando a verificação dos pressupostos da revista excepcional e pugnando subsidiariamente pela confirmação do decidido pelas instâncias.


5. Importa começar por solucionar as dúvidas que – aliás injustificadamente – a recorrente vem colocando acerca da aplicação das normas transitórias que regem o regime de recursos no actual CPC: na verdade, se se tiver em conta que a presente acção se iniciou em 2002 e nela foi proferida sentença em 5/6/14, conclui-se obviamente que:

- é aplicável à tramitação dos recursos interpostos de tal sentença o regime do novo CPC, por força da regra da aplicação imediata  que consta do art. 7º, nº1, primeira parte, da Lei 41/2013 ( pelo que não tem o menor fundamento a tese da entidade recorrente, segundo a qual se aplicaria ainda o anterior regime de interposição dos recursos, traduzido na cisão entre o respectivo requerimento e a apresentação das alegações do recorrente);

- a circunstância de a presente revista ser interposta numa acção que já estava pendente quando entrou em vigor a reforma de 2008 implica que não vigore a limitação ao acesso ao STJ que decorre da regra da dupla conforme – então introduzida no nosso ordenamento processual e mantida no actual CPC – como resulta claramente da parte final do citado preceito legal: tal implica que seja, no caso dos autos, perfeitamente admissível a revista, apesar da existência de dupla conforme, o que naturalmente dita a absoluta irrelevância da controvérsia acerca da verificação dos pressupostos da revista excepcional.


6. Começa a recorrente por invocar a nulidade por omissão de pronúncia, decorrente de o acórdão proferido se não haver pronunciado sobre a reclamação, endereçada ao Presidente da Relação de Lisboa, a fls. 961, através da qual se pretendia impugnar o despacho judicial que, a fls. 948, determinara o regime de direito transitório aplicável à tramitação dos recursos que viessem a ser interpostos da sentença proferida.

  Tal argumentação carece, porém, manifestamente de fundamento, já que nunca caberia ao acórdão proferido sobre a apelação dirimir uma reclamação endereçada ao Presidente da Relação – que constitui obviamente um procedimento autónomo, apenso à causa principal.

   Saliente-se que esta questão tem, na sua base, um processamento, perfeitamente anómalo, imputável à própria recorrente: na verdade, esta começou por impugnar pela via do procedimento de reclamação um despacho que manifestamente não havia rejeitado ou retido qualquer recurso; perante tal erro ostensivo na utilização dos meios processuais, o juiz a quo começou por determinar a respectiva convolação para impugnação recursória – tendo, porém, o relator do recurso de apelação, entretanto interposto da sentença final, concluído que tal convolação não teria, no caso, cabimento ( fls. 1274).

   Ora, a A.- confrontada com esta situação – não tomou qualquer iniciativa processual que pudesse solucionar o problema por ela injustificadamente criado, já que:

- não reclamou para a conferência da decisão do relator que excluiu do âmbito do recurso as questões relativas ao dito despacho, o que naturalmente ditou o trânsito em julgado do despacho;

- não requereu que a dita reclamação fosse processada nos termos requeridos, instruindo-se o respectivo apenso e apresentando-o ao Presidente da Relação, a que vinha endereçado – sendo certo que manifestamente se não verificavam os pressupostos do procedimento de reclamação, já que o despacho reclamado não continha nenhuma decisão de rejeição ou retenção de recurso!

   Ora, nestas circunstâncias, era evidente que nunca seria o acórdão que julga a final a apelação a ter de pronunciar-se acerca de uma reclamação para o Presidente da Relação que o próprio reclamante, na sua inércia, abandonou – o que obviamente exclui o pretenso vício de omissão de pronúncia.

   Acresce, como atrás já se referiu e decidiu, que à tramitação dos recursos interpostos da sentença final é efectivamente aplicável o regime procedimental constante do novo CPC, pelo que nenhuma questão fica por decidir acerca deste tema.


7. Invoca, de seguida, a recorrente uma outra nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido, traduzida agora em este se não ter pronunciado sobre a questão da pretensa ilegalidade dos actos normativos que continham o PDM de Alenquer, suscitada na 1ª instância, em requerimento avulso.

   Como é manifesto, a questão suscitada situa-se no âmbito de uma típica relação regida pelo Direito administrativo, consubstanciada na classificação de determinados solos como afectos a fins de construção urbana, de utilização rural ou à implantação de determinados equipamentos de interesse colectivo – estando, como é óbvio, tal matéria excluída, em princípio, do âmbito da competência dos tribunais judiciais: não compete obviamente a estes, mas antes aos tribunais administrativos, a apreciação de um litígio acerca da legalidade e validade de um acto regulamentar com as características do PDM, pelo que, se a A. entendia que a defesa dos seus direitos implicava a formulação de um pedido de ilegalidade/nulidade do PDM da autarquia em causa, deveria naturalmente ter desencadeado a pertinente acção administrativa.

    A competência dos tribunais judiciais para se pronunciarem sobre este tema só poderia, assim, configurar-se como uma competência incidental, pressupondo que a questão suscitada acerca da legalidade do PDM tivesse uma decisiva influência na dirimição do litígio de direito privado que lhe cumpria apreciar e julgar, nos termos dos arts. 91º/92º do CPC: note-se que, no caso dos autos, estamos confrontados com uma típica acção real, sendo causa determinante do pedido de restituição dos imóveis a lesão do direito de propriedade dos AA. e a falta de título bastante para a R. os continuar a deter- matérias que, como é óbvio, não têm a menor conexão com o tema da pretensa ilegalidade do PDM municipal.

    Ou seja: no caso dos autos, a perda da fruição pela A. dos prédios em litígio assenta, autónoma e decisivamente, em puras razões de direito privado, que não têm a menor conexão com o tema da classificação dos terrenos em causa no PDM: e, nestas circunstâncias, não existindo nos autos, face ao objecto e natureza do litígio, uma questão prejudicial administrativa, que implicasse a apreciação da questão da pretensa ilegalidade do PDM, é evidente que carecem os tribunais judiciais de competência material para abordarem e se pronunciarem autonomamente sobre uma matéria manifestamente situado no campo do direito público…

   É, aliás, este o sentido do despacho proferido em 1ª instância acerca da invocada ilegalidade administrativa, ao afirmar não ser essa a sede para apreciação do suscitado, considerando-se, assim, que se tratava de matéria que – por manifestamente extravasar o objecto de uma acção entre sujeitos privados, assente na invocação de direitos reais – não cumpria solucionar e decidir.

   Não há, pois, omissão de pronúncia, já que, em bom rigor, o tribunal se pronunciou sobre a irrelevância da questão para o julgamento da causa, entendendo que não lhe cumpria dirimir, no âmbito de uma acção real, uma questão de legalidade de actos administrativos que nenhuma influência podia ter na concreta composição da lide, incidente sobre os direitos reais invocados pelos litigantes sobre determinados imóveis.

   Saliente-se ainda que a questão de ilegalidade administrativa suscitada foi apreciada, de modo aprofundado, pelo representante do MºPº junto do TAC de Lisboa, concluindo pela inexistência de qualquer ilegalidade no PDM e determinando o arquivamento dos autos iniciados com o referido requerimento da R. (cfr. fls. 633 e segs).

   Desse despacho resulta, aliás, com clareza o vício de raciocínio cometido pela R., ao sustentar que a desconsideração pelo PDM do tipo de utilização desportiva dos prédios em causa traduziria violação do art. 37º da Lei 1/90, olvidando que – como decorre da matéria de facto fixada (ponto 35) - a R. não dispõe de licença de utilização dos prédios emitida pelas autoridades competentes : como se refere no dito despacho de arquivamento, o que aquela norma legal impõe é que os PDM reservem zonas para a prática desportiva (as quais obviamente não têm de coincidir com os terrenos em que, sem qualquer licenciamento válido, venham sendo, em termos puramente factuais, levadas a efeito actividades desportivas) – exigência que se mostra respeitada pelo PDM em vigor; saliente-se, por outro lado, que o regime constante do nº3 do citado art. 37º pressupõe, conforme resulta dos termos expressos da lei, que a proibição de desafectação dos espaços e infra estruturas ligados a práticas desportivas só funciona quando os mesmos se mostrem devidamente licenciados para tal fim – o que, como se viu, não ocorre no caso dos autos.

   Não se mostra, pois, cometida a nulidade imputada à decisão recorrida.


8. No caso dos autos, não tem a menor consistência a renovação da tese da ineptidão da petição inicial – que inclui indiscutivelmente os elementos que integram o núcleo essencial de uma acção de reivindicação, - bem como o pedido de desconsideração da existência de uma relação de comodato, resultante claramente da factualidade consignada nos pontos 11/14 da matéria de facto – e que obviamente implica a inviabilidade manifesta da pretensão de aquisição dos prédios mediante acessão industrial.

   Resta, deste modo abordar a questão da qualificação das benfeitorias, realizadas ao longo do tempo pela R. nas instalações desportivas que usou reiteradamente .

   Saliente-se liminarmente que, numa situação com a configuração factual da dos presentes autos, está obviamente excluída a qualificação das obras realizadas nas instalações desportivas, fruídas pela R,. como benfeitorias necessárias, já que as mesmas não tiveram como objecto ou fim evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio: tratou-se, na verdade, de ir introduzindo melhoramentos substanciais nas ditas instalações, de modo a adequá-las aos fins desportivos para que a R subjectivamente as pretendia utilizar, mas sem que as obras realizadas se destinassem obviamente a evitar à perda ou degradação do imóvel – ou seja, estamos confrontados com a realização de obras de substancial beneficiação de certas instalações desportivas, adequando-as aos fins subjectivos prosseguidos pelo possuidor , e não de manutenção ou conservação das instalações  no estado originário em que a R. as havia recebido.

   A especificidade do caso dos autos permite, no entanto, alguma dúvida acerca da sua configuração como benfeitorias úteis, na medida em que teriam aumentado a qualidade das instalações desportivas, podendo, consequentemente, dizer-se que – ao menos numa perspectiva puramente objectivada - valorizaram as instalações usadas pela R.: o problema peculiar que o caso dos autos suscita traduz-se, porém, em que essa possível valorização ou beneficiação das instalações não reveste a menor utilidade para os AA/reivindicantes, essencialmente por duas razões: por um lado, porque não pretendem obviamente destinar o imóvel reivindicado a quaisquer fins desportivos, pelo que essa adequação, resultante dos investimentos feitos ao longo do tempo pela R., não tem qualquer utilidade, face ao destino a que reservam o imóvel reivindicado; por outro lado, pela circunstância de, como resulta da matéria de facto, as instalações em causa não se mostrarem licenciadas pelas autoridades competentes para uma utilização para fins desportivos, como decorre do ponto 35 da matéria de facto: ou seja, mesmo que se pretendesse, porventura, manter o tipo de utilização que vinha sendo dado ao prédio, sempre seria indispensável ultrapassar os constrangimentos decorrentes da falta de licenciamento, o que naturalmente – ao ignorar-se se tal licenciamento seria ou não viável – determinaria seguramente uma redução do valor objectivo acrescentado às instalações desportivas…

   De qualquer modo, na especificidade do caso dos autos – e tendo em conta a posição assumida pelos AA. no recurso de apelação, a fls. 1142, - nenhum problema relevante se suscita a propósito do levantamento das benfeitorias incorporadas no prédio, já que:

- nada obsta a que se proceda ao levantamento das que, face à sua natureza, podem ser retiradas sem causar qualquer dano relevante à coisa principal, como parece suceder com o relvado e com o sistema de iluminação implantado, face ao teor dos pontos 37 e 21 d) da matéria de facto;

- relativamente às outras construções implantadas no local, e cuja incindibilidade material com o imóvel reivindicado implica provável afectação do estado da coisa principal, decorre da posição assumida pelos AA que estes não deduzem qualquer oposição ao respectivo levantamento ou destruição, pois nenhuma dessas soluções acarreta qualquer prejuízo para os terrenos, que assim ficarão livres de construções ilegais e sem valor de mercado, isto é, os terrenos serão valorizados com o seu levantamento.

   Ora, perante esta posição explicitamente assumida pelos reivindicantes, traduzida em autorizar sem qualquer restrição o levantamento ou destruição pela R. do produto das obras realizadas nas instalações desportivas que vinha utilizando, está obviamente excluída a aplicação do segmento normativo que prevê a obrigação de indemnizar, nos termos da figura do enriquecimento sem causa, o possuidor que haja implantado benfeitorias úteis; na verdade, tal indemnização visa compensar a inevitabilidade de uma deterioração da coisa principal aquando do respectivo levantamento: ora, no caso dos autos, tendo a R. carta branca para proceder ao levantamento/destruição do produto resultante das obras realizadas nas instalações desportivas – que nenhum préstimo apresentam para os AA – independentemente do detrimento que tal levantamento/demolição possa acarretar à coisa principal, é manifesto que está excluída a verificação dos pressupostos de que poderia emergir um direito ao ressarcimento do possuidor (decorrente de uma inviabilidade de levantamento das benfeitorias úteis, para obviar ao detrimento da coisa principal, nos termos do nº2 do art. 1273º do CC).


9. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando o decidido no acórdão recorrido – deixando-se consignado, perante a posição assumida pelos AA na apelação, que a R. está autorizada a proceder ao levantamento/destruição do resultado das obras que efectuou no local, independentemente do detrimento que tal possa implicar para as instalações desportivas por ela fruídas.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 08 de Setembro de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor