Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3/21.1T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: REFORMA DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
LAPSO MANIFESTO
JUROS DE MORA
ATUALIZAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I - Tendo sido a revista parcialmente procedente não cabe à recorrente pagar a totalidade custas da revista, pois ficou parcialmente vencedora. Trata-se de um lapso detetável pela mera análise do dispositivo do acórdão que agora se retifica, condenando a recorrente e a recorrida nas custas da revista, na proporção do respetivo decaimento.

II - A decisão atualizadora foi o acórdão do STJ que condenou a seguradora a uma indemnização nos termos da equidade, pelo que os juros de mora contam-se a partir da notificação desse acórdão, datado de 17-01-2023, nos termos do AUJ n.º 4/2002, de 27-06.

Decisão Texto Integral:
 

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. INVICTA MARMORISTA UNIPESSOAL, LDA., Autora/recorrente, veio pedir esclarecimentos e a reforma do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 666º do CPC., ex vi artigo 685º do CPC e com os seguintes fundamentos, que aqui se transcrevem:

«Ressalvando sempre o devido respeito por melhor entendimento, tudo aponta para que o d. acórdão esteja inquinado de um lapso quanto à determinação da responsabilidade das custas processuais na presente revista, bem como nas custas da apelação e, consequentemente, de todo o processado.

Precisando o que acabámos de dizer, o d. acórdão concede parcialmente revista e condena a R/seguradora a pagar uma indemnização à A/recorrente no valor de 10.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento. No d. aresto é lá referido que “no mais, mantém-se o acórdão recorrido” e “custas da revista pela recorrente”.

Em face do teor decisório do d. acórdão de revista e apesar da A/recorrente ter vencimento de causa, vê-se a mesma confrontada com duas condenações em custas: as custas da apelação e as custas da revista.

Parece-nos que à luz do direito positivo aplicável e no que se reporta às custas do processo, a A/recorrente não pode ser condenada no pagamento das custas relativas às instâncias uma vez que a mesma obteve ganho de causa.

Conforme decorre do art. 533º, nº 1 do CPC: «as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais».

Em consonância com esta norma, o nº 1, do art. 527º do CPC estabelece que «a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito».

“Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Frei-tas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).

Concretizando cronologicamente os presentes autos quanto à determinação das custas processuais, verifica-se que, por d. sentença proferida pela 1ª Instância, foi julgada a ação parcialmente procedente tendo sido determinado que a custas serão suportadas na proporção de 80% para a R/Seguradora e 20% para a A.

Inconformada, apelou a A. da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães decidido julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, embora com fundamento diferente, tendo condenado a A/apelante nas custas do recurso de apelação.

Inconformada, ainda, com o d. acórdão da Relação de Guimarães, interpôs a A/recorrente recurso de revista normal para o STJ que decidiu conceder parcialmente a revista e condenar a R/seguradora a pagar uma indemnização à A/recorrente no valor de 10.000,00 € acrescida de juros de mora desde a data de decisão até efetivo e integral pagamento.

No d. acórdão do STJ encontra-se, ainda, lá consignado que “no mais, mantém-se o acórdão recorrido”.

Bem como as “custas da revista pela A/recorrente”.

É deste segmento decisório que a A/recorrente vem pedir a presente reforma uma vez que ao ter-lhe sido dado provimento no recurso de revista e em face do princípio da causalidade prescrito no CPC: paga as custas a parte que lhes deu causa, isto é, quem pleiteia sem fundamento e quem no processo exerce uma actividade injustificada.

Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.

No nosso modesto discernir, o princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado.

Em geral, não deve impor-se um sacrifício patrimonial à parte em benefício da qual a actividade do tribunal se realizou, uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que tem razão.

Pelo que não pode a parte que tem vencimento de causa ser onerada no pagamento das custas processuais devidas pelo recurso de apelação e pelo recurso de revista que concedeu provimento parcial ao pedido da A/recorrente.

No caso dos autos, a A/recorrente obteve “ganho de causa”, relativamente à pretensão recursória que trouxe a juízo, ou seja, logrou obter a condenação integral pela reparação da avaria da máquina e, através do presente recurso de revista, obteve também a condenação, embora parcial, da R/recorrida na indemnização de 10.000,00 € pela violação dos deveres de conduta.

Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-01-2019 (Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1, 7ª Secção, relatora MICAELA SOUSA), consultável em www.dgsi.pt: “existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respectivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta do n.° 1 do art. 527°, do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito. Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso) (…). Nestas situações, impõe-se encontrar uma outra solução. Será apenas quando perante a resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtidas”.

Só se entende o caminho seguido pelo d. acórdão com base no lapso da atribuição da condenação das custas à A/recorrente que teve vencimento de causa, quando, na verdade, é a R/seguradora que deverá suportar as custas processuais por ter sido a parte que lhes deu causa, que não tem razão, que litiga sem fundamento e exerce no processo uma atividade injustificada.

Assim sendo, e perante o lapso na determinação das custas à A/recorrente, não pode deixar de se entender estar-se na presença da previsão legal do art. 666º, do C.P.C., o que sustenta o presente pedido de reforma.

Pelo que e ressalvando sempre o devido respeito por melhor entendimento, deve a presente revista ser reformada quanto à condenação das custas processuais e, consequentemente, requer-se a V. Ex.as que seja apurado a responsabilidade pelas custas referentes à 1ª Instância e à Relação, condenando a R/seguradora no pagamento da sua totalidade por ter sido a parte que lhes deu causa e que saiu vencida.


II

Por outro lado, parece-nos que o d. aresto de revista não é suficientemente claro quanto à determinação da contagem dos juros de mora devidos pela condenação da R/seguradora quanto à indemnização de 10.000,00 € à A/recorrente. Pelo que se requer seja esclarecido se a data de contagem dos aludidos juros de mora tem o seu início a partir da notificação do presente acórdão de revista ou a partir da data da decisão proferida pela 1ª instância.

Termos em que,

No provimento do presente, e seguindo a correspondente tramitação legal, se requer os esclarecimentos e a reforma do acórdão, nos termos solicitados».

2. Notificada a ré seguradora, Liberty Seguros, esta veio dizer que as custas da revista foram atribuídas à recorrente e assim se devem manter.  

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. A reclamante solicita uma reforma quanto a custas, entendendo que a condenação da recorrente em custas se trata de um lapso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 17-01-2023, que, concedendo parcialmente o recurso de revista por si interposto e condenado a seguradora a pagar-lhe uma indemnização de acordo com a equidade no valor de 10.000 euros, devia ter condenado a recorrida a suportar as custas da revista, porque quem ficou vencida foi a seguradora. 

2. O dispositivo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tem o seguinte teor:

«Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e condenar a seguradora a pagar uma indemnização à autora no valor de 10.000,00 euros acrescida de juros de mora desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento.

No mais, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas da revista pela recorrente».

3. Tem razão a reclamante quando entende que se trata de um lapso, pois que, tendo sido a revista parcialmente procedente não lhe cabe pagar a totalidade das custas da revista, na medida em que ficou parcialmente vencedora. Este lapso é detetável pela mera análise do dispositivo do Acórdão, pois não se coaduna, em termos lógicos e ostensivos, a procedência parcial da revista com a condenação da recorrente na totalidade das custas da revista.

4. Todavia, tendo a recorrente, nas conclusões da revista, pedido o valor indemnizatório de € 23.850,00   (vinte e três mil oitocentos e cinquenta euros) por perdas e danos sofridos e tendo obtido um valor inferior de €10.000 (dez mil euros), de acordo com a equidade, o seu ganho de causa não foi integral e decaiu num valor de 13.850,00 euros, pelo que, de acordo com o princípio da causalidade consagrado no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, as custas da revista devem dividir-se entre recorrente e recorrida na proporção do respetivo decaimento.

Assim, defere-se parcialmente o pedido de reforma e condena-se ambas as partes nas custas da revista na proporção do respetivo decaimento.

4. Suscita ainda a reclamante um esclarecimento quanto à interpretação da condenação em juros no dispositivo do Acórdão, onde se dispõe, “ juros de mora desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento”, solicitando a este Supremo resposta à questão de saber se os juros de mora são devidos desde a data da notificação do Acórdão do Supremo ou deste a data da decisão do tribunal de 1.ª instância.

Nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 27 de junho «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».

5. No caso concreto a decisão atualizadora foi o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que arbitrou a indemnização equitativa em causa, pelo que os juros de mora contam-se a partir da notificação do Acórdão de 17-01-2023, que determinou o pagamento desta indemnização à autora.

6. Anexa-se o seguinte sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - Tendo sido a revista parcialmente procedente não cabe à recorrente pagar a totalidade das custas da revista, pois ficou parcialmente vencedora. Trata-se de um lapso detetável pela mera análise do dispositivo do Acórdão que agora se retifica, condenando a recorrente e a recorrida nas custas da revista, na proporção do respetivo decaimento.

II - A decisão atualizadora foi o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que condenou a seguradora a uma indemnização nos termos da equidade, pelo que os juros de mora contam-se a partir da notificação desse Acórdão, datado de 17-01-2023, nos termos do AUJ n.º 4/2002, de 27 de junho.


 

III – Decisão

Pelo exposto, defere-se parcialmente o pedido de reforma e retifica-se o dispositivo do Acórdão de 17-01-2023, de forma a condenar recorrente e recorrida nas custas da revista na proporção do respetivo decaimento.

Sem custas.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2023

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)