Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
941/09.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: DIREITO À HONRA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
JORNALISTA
SEGREDO DE JUSTIÇA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ - Nº 259 - A. XXII - T. III/2014 - P. 81-90
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DA PERSONALIDADE - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL - SUJEITOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL / JORNALISTAS - REGIME CONSTITUCIONAL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A COMUNICAÇÃO SOCIAL ( LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DIREITO DE INFORMAÇÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA E LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL).
DIREITO COMUNITÁRIO - DIREITOS FUNDAMENTAIS.
DIREITO INTERNACIONAL - DIREITOS HUMANOS.
Doutrina:
- Adriano De Cupis, Os Direitos da Personalidade, 1961, 129.
- Alberto dos Reis, “Código Processo Civil” Anotado, vol.. V, pp. 49 e ss, 143.
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- Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 2010, pp. 54 e segs.,74-76.
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Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, N.º1, 80.º, N.ºS 1 E 2, 335.º, N.º1, 483.º, 484.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 660.º, N.º 2, 668.º, N.º 1, AL. D), 713.º, N.º 5, 726.º, 771.º, AL. F).
CÓDIGO DEONTOLÓGICO – APROVADO EM 04/05/1993, EM ASSEMBLEIA-GERAL DO SINDICATO DOS JORNALISTAS – PONTOS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP). – ARTIGOS 1.º, 8.º, N.º 2, 16.º, N.º2, 18.º, 25.º, Nº1, 26.º, 37.º, 38.º.
ESTATUTO DO JORNALISTA, APROVADO PELA LEI N.º 1/99, DE 13/01 (ALTERADO PELA LEI N.º 64/2007, DE 06/11): -ARTIGO 11.º, N.º1.
LEI DA IMPRENSA – APROVADA PELA LEI N.º 2/99, DE 13/01, ENTRETANTO ALTERADA PELAS LEIS N.ºS 18/2003, DE 11/06, E 19/2012, DE 08/05 (SENDO QUE ESTA ÚLTIMA VERSÃO É INAPLICÁVEL AOS AUTOS): - ARTIGOS 1.º, N.º 2, 3.º.
Legislação Comunitária:
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA (CDFUE) (2010/C 83/02) [CF. VERSÃO PUBLICADA DE 30/03/2010, JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA C 83/389]: - ARTIGOS 11.º, 16.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH), DE 04/11/1950: - ARTIGOS 8.º, N.º1, 10.º.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH), DE 10/12/1948: - ARTIGOS 12.º, 19.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- N.º 292/2008, DE 29/05/08 (VIDE VOTO DE VENCIDO).
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05/03/1996, CJ (STJ), ANO IV, T1, 122 E SS..
-DE 29/10/1996, BMJ Nº 460º, 686.
-DE 15/05/2003, PROC. Nº 02B2754, DE 4/03/2004, PROC. Nº 04B522, E DE 16/12/2010, PROC. Nº 2401/06.1TBLLE.E1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10/07/2008, PROC. N.º 08A1824.
-DE 17/12/2009, PROC. Nº 159/07.6TVPRT-D.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 30/06/2011, PROC. N.º 1272/04.7TBBCL.G1.S1.
-DE 14/02/2012, PROC. N.º 5817/07.2TBOER.L1.S1.
-DE 02/12/2012, PROC. N.º 714/09TVLSB.L1.S1.
-DE 08/05/2013, PROC. N.º 1755/08.0TVLSB.L1.S1.
Jurisprudência Internacional:
DECISÕES DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH):
– DUROY E MALAURIE V. FRANÇA (2004)
– WEBER V. SUÍÇA (2005)
- DUPUIS E OUTROS V. FRANÇA (2007)
- CAMPOS DÂMASO V. PORTUGAL (2008)
- PÚBLICO – COMUNICAÇÃO SOCIAL E OUTROS V. PORTUGAL (2010)
- PINTO COELHO V. PORTUGAL (2011)
- BARGÃO E DOMINGOS CORREIA V. PORTUGAL (2012)
- AMORIM GIESTAS E JESUS COSTA BORDALO V. PORTUGAL (2014)
Sumário :
I - A prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que aquelas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.

II - O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia – interesse público –, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade.

III - A verdade noticiosa não significa verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objectividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade.

IV - Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público.

V - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem acentuado que a liberdade de imprensa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher as informações com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática.

VI - No que toca ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão e de informação, o TEDH tem-se pronunciado contra as restrições à liberdade de expressão que não considera serem necessárias, designadamente quando as informações em causa já sejam públicas.
Decisão Texto Integral:

                    Revista nº 941/09.0TVLSB.L1.S1[1]



   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

        I – RELATÓRIO

AA, residente no Caminho …, nº …, …, intentou a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, demandando BB, director do semanário “CC”, DD, director-adjunto, EE e FF, sub-directores, GG, jornalista, e HH, S.A., todos com residência profissional e sede na Rua …, nº …, Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia global de 50.000,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais vencidos, desde a data da prática dos ilícitos, e juros vincendos até integral pagamento.

Para o efeito, alega que na edição de 08/12/2006, do semanário II, foi publicado um artigo intitulado “...”, no qual se dá conta da pendência de uma investigação criminal à gestão do porto do Funchal, que já estaria concluída, devendo o MP tomar uma decisão de acusação.

A notícia em causa revela a existência de vários arguidos, entre os quais o autor, imputando-lhe a prática de diversos crimes e a inclusão numa rede de esquemas fraudulentos, referenciando-o como um dos principais visados e elemento-chave do alegado “esquema”, sendo-lhe atribuídos factos que são falsos e revestem natureza caluniosa.

 Na edição de 13/10/2007 do mesmo semanário, foi publicada nova notícia sob o título “”, em que se insinua que o autor, ex arguido no processo denominado “”, está envolvido num esquema de corrupção dos Magistrados do Ministério Público, motivo pelo qual o aludido processo teria sido arquivado.

As insinuações feitas sobre o autor são falsas e ofensivas do seu bom-nome e honra.

A 5.ª ré elaborou as notícias divulgando factos sujeitos a segredo de justiça, e por isso violou os mais elementares deveres da profissão de jornalista, além de que reproduziu informações falsas sobre factos alegadamente praticados pelo autor, revelando incúria e displicência, e os demais réus, devido ao seu estatuto de dirigentes do semanário, tinham a obrigação de analisar o conteúdo das notícias e impedir a respectiva divulgação.

Nunca o contactaram dando-lhe a possibilidade de contraditório, o autor que goza de um reconhecimento generalizado no sector, assente na competência, credibilidade e confiança, sentiu uma enorme revolta e sofreu angústia, depressão e ansiedade, bem como problemas de saúde, devido à publicação das notícias, danos de natureza extra-patrimonial que devem ser indemnizados.

Citados, os réus contestaram alegando, em síntese, que as notícias em causa são um relato objectivo de factos verdadeiros e já amplamente divulgados na comunicação social, como sucede com artigos publicados no “” de 26/06, 29/06 e 05/07/2001.

A 5.ª ré é uma jornalista com diversos anos de experiência, redigiu os artigos após uma investigação feita com rigor e isenção, estando convencida da verdade das afirmações reproduzidas, e os factos foram apurados no seguimento de investigação jornalística sem violação de segredo de justiça, sendo que na notícia de 13/10/2007 o autor nem sequer é referido.

O 1.º, 2.º, 3.º e 4.º réus não tiveram conhecimento do teor das notícias antes da sua publicação, nem o autor sofreu danos por causa de factos praticados pelos réus, que pugnam consequentemente pela sua absolvição.

O autor apresentou réplica, admitida por se considerar que traduzia resposta às excepções peremptórias invocadas na contestação, em sede de audiência preliminar foi lavrado tabelar despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, que não foi objecto de reclamações.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente assim decidiu:

A) Condenar a 5.ª  ré, JJ, a pagar ao autor uma indemnização de € 25 000 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal, por ora de 4%.

B) Absolver os demais réus do peticionado” (fls. 864 a 885).

Inconformados, apelaram autor e ré JJ, sem êxito, uma vez que por acórdão de 20/06/13, a Relação de Lisboa, por unanimidade, negou provimento ao recurso, confirmando aquela decisão.

Manifestando o seu inconformismo com esta decisão, a ré JJ interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, ex vi do art. 721.º-A do CPC, na versão emergente do DL n.º 303/2007, de 24/08 (cf. actual 672.º, n.º 1, al. a) do NCPC), arguindo, outrossim, a nulidade daquele aresto.

A Relação dirimiu as nulidades assacadas ao acórdão recorrido mediante deliberação constante de fls. 1319 a 1328, e neste Supremo Tribunal, apreciados os pressupostos específicos de admissibilidade de revista excepcional pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 daquele art. 721.º-A, a mesma foi admitida ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1.

No final das alegações recursivas, a recorrente JJ alinhou, além do mais e no que aqui releva[2], as seguintes conclusões:

“Q. Estamos num Estado de Direito Democrático, baseado no pluralismo de expressão, que assegura a liberdade de pensamento e a sua livre divulgação e os órgãos de comunicação social desempenham um papel de primordial importância, pois são titulares do dever de informar e, em último lugar, garantem o direito que todos os cidadãos são detentores: o direito de serem informados;

R. Pelo que, os direitos de informação, de imprensa e de expressão do pensamento, traduzem-se, entre outras manifestações, na existência de uma imprensa livre, plural e responsável, o que está consagrado nos artigos 1.º e 2.º da Lei de Imprensa e nos artigos 37.º e 38.º da CRP e artigo 10.º da CEDH;

S. No caso concreto, estamos perante um pedido de condenação por responsabilidade civil por facto ilícito, sujeita aos requisitos previstos no artigo 483.º do CC, sendo que a causa de pedir é uma notícia que relata factos relacionados com um Processo 711/01.3 TAFUN, que correu termos na Procuradoria da República do Funchal, aberto por causa de notícias publicadas em 2001, por um jornal regional com mais leitores na Madeira do que o jornal II;

T. Da notícia em causa e dos autos resulta que a jornalista não foi determinada por qualquer intuito persecutório, conluio, campanha malévola com intuitus persona ou intenção de ofender, mas antes foi, sim, determinada pelo animus narrandi, necessariamente presente no exercício da sua profissão;

U. Ora, como é defendido na jurisprudência - Ac. ReI. Lx. (José Manuel Simões Ribeiro), 18/2/97, BMJ 464, pg. 606:

“I. Tendo o arguido a intenção de relatar as informações que recolheu e investigou, não tendo ultrapassado a fidelidade do que apurou, agiu com animus narrandi, o que exclui o propósito difamatório;

II. Quando o conteúdo de uma notícia for verdadeiro ou justificadamente acreditado como tal e respeitar a factos socialmente relevantes, tal notícia é desprovida de censura jurídico-criminal, ainda que dela advenha qualquer desprestígio para os envolvidos”;

V. Sendo que o animus narrandi, ocorrido nas circunstâncias supra-descritas, não só justifica o facto, como isenta de culpa o seu autor, até porque só se deve responsabilizar quem actua com desprezo pela verdade, porque só isso verdadeiramente defrauda o direito dos outros à informação;

W. A nível de doutrina, refere Iolanda A. S. Rodrigues de Brito: “Em matéria de liberdade de expressão, o Estado português tem sido condenado pelo TEDH, por violação do artigo 10.º da CEDH, com base na falta de verificação do requisito da necessidade de restrição numa sociedade democrática. Com efeito, como salientou no caso KK e LL c. Portugal (2007), as instâncias judiciais nacionais não encontraram um justo equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos dos jornalistas à liberdade de expressão e a necessidade de proteger os direitos e a reputação do visado. Sustentou, ainda, que a motivação avançada pelos tribunais portugueses para justificar a condenação, embora pertinente, não era suficiente, nem correspondia a qualquer necessidade imperiosa. Concluindo, assim, que a condenação não representou um meio razoavelmente proporcional à prossecução do interesse legitimo em causa, tomando em consideração o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de imprensa, pelo que tinha ocorrido uma violação do artigo 10.º da CEDH."

“ ... como foi realçado pelo TEDH no caso Thorgeir Thorgeirson v. Iceland (1992), ... Além disso, não se pode exigir à imprensa que publique apenas factos provados ou prováveis, porque, se assim fosse, estaria impedida de publicar praticamente tudo.”

“A liberdade de expressão é válida não apenas para as informações ou ideias admitidas favoravelmente ou consideradas como inofensivas e indiferentes, mas também para as que ferem, chocam ou incomodam. Estas são as exigências do pluralismo, da tolerância e do espírito de abertura, sem os quais não há sociedades democráticas." – in Liberdade de Expressão e honra das figuras públicas, Coimbra Editora;

X. Com base nesta linha doutrinária, o Estado Português foi recentemente condenado por violação do artigo 10.º da CEDH, nos casos MM, SA e outros c. Portugal, Processo 39324/07 por decisão proferida a 7/12/2010 e NN, Processo 28439/08 por decisão proferida a 28/06/2011, em que havendo o confronto entre o direito à honra e a liberdade de informação e de expressão, estes devem prevalecer;

Y. Prevê o artigo 484.º do CC, é necessário a imputação de um facto, assim, o mero relato do que está em investigação judicial, onde não se menciona o Recorrido, não é susceptível de ser qualificado juridicamente, como imputação de um facto a este;

Z. No entanto, o acórdão recorrido afirma que “No mais, para fundamentar a responsabilidade civil nos termos do art. 483.º do CC, é necessário que o facto do agente seja ilícito. O facto deverá, pois, revestir um carácter de contrariedade por parte do lesante com os comandos que lhe são impostos pela ordem jurídica, ou seja, de infracção de deveres jurídicos, quer de abstenção, quer, em determinados casos, de acção. No caso de o agente violar o seu dever de abstenção face à personalidade física ou moral de outrem, o lesante pratica uma acção ilícita.”, pretendendo com isto justificar os requisitos do artigo 483.º do CC;

AA. Acontece porém que, a responsabilidade civil no que à imprensa diz respeito, de acordo com o artigo 29.º n.º 1 da Lei 2/99 de 13/01, é determinada de acordo com os princípios gerais, ou seja, artigo 483.º do CC;

BB. Defende Faria Costa: “exigir para a publicação de uma notícia que o jornalista tivesse um grau de certeza equiparável, por exemplo, ao grau de certeza necessário para proferir uma condenação, seria inviabilizar de todo, mas de todo, o direito de informação.”

CC. Quanto à ilicitude, o acórdão proferido considera-a verificada por suposta violação do direito de presunção de inocência, violação do segredo de justiça e de regras deontológicas;

DO. Ora, o certo é que o processo por alegada violação do segredo de justiça intentado pelo Recorrido contra a Recorrente foi arquivado e este crime tutela interesses gerais da aplicação da justiça e não direitos pessoais;

EE. A presunção de inocência decorre de processo judicial, não cabendo a um jornalista tecer considerações sobre a mesma, por ser óbvia, nem a Recorrente afirma que o Recorrido é culpado;

FF. No caso concreto, as denúncias foram feitas em 2001 por órgãos de comunicação regional, o que deu origem a um processo judicial, de que a Recorrente escreveu a notícia legitimamente, no exercício do dever de informar;

GG. Não estamos perante um facto ilícito, pois como defende a Exma. Senhora Dra. Juiz Conselheira, Maria Lúcia Amaral, no seu voto de vencida exarado no Acórdão 292/2008 do Tribunal Constitucional: “A diferença entre o exercício de expressar o pensamento e o exercício do direito de informar corresponde à diferença que vai entre a divulgação da opinião e a divulgação notícia. Seguramente que a segunda, que se reporta a factos e não a juízos de valor, deve ser verdadeira. Contudo, a questão é a de saber qual o standard de comprovação da verdade que razoavelmente se requer, tendo em conta a dimensão objectiva do direito (liberdade de expressão) e o consequente 'tipo' alargado do seu âmbito de protecção constitucional. É para mim claro que tal standard terá que pressupor a boa-fé e a diligência razoável de quem informa. Exigir para além disso – como se as notícias só pudessem ser transmitidas após uma verificação e comprovação exaustiva da veracidade – parece-me que é exigir mais do que é permitido pelo âmbito de protecção da norma constitucional, justamente pelo efeito inibitório, que daí decorrerá, para o exercício do direito de informar.”

HH. Os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito, devem ser analisados com a salvaguarda dos direito de informação e liberdade de expressão, vigentes no nosso ordenamento jurídico de acordo com os artigos 18.º, 37.º e 38.º da CRP e artigo 10.º da CEDH, segundo as regras defendidas e aplicadas pelo TEDH, o que pela sua relevância jurídica, importa analisar à luz desses princípios, para se evitar dissonâncias interpretativas e porem em causa a boa aplicação do direito, nas instâncias nacionais e assim evitar condenações no TEDH, assegurando-se assim a tranquilidade e paz social, com a credibilização das instituições e a aplicação correcta do direito;

II. O acórdão recorrido omitiu a pronúncia sobre o facto de a notícia se reportar a factos de relevante interesse público;

JJ. E, por outro lado, não consta do acórdão, a necessária análise dos elementos para a fixação dos danos não patrimoniais enumerados no n.º 1 do artigo 496.º do CC, nem fundamentou de facto e de direito a fixação do valor indemnizatório:

KK. A não especificação dos fundamentos de facto e de direito, constituem também nulidades nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º, agora 615.º do CPC;

LL. E, por não ter sido alegado pelo Recorrido, que a Recorrente sabia que os factos relatados eram falsos, o que impedia de tecer considerações sobre tal matéria, sob pena de violar o disposto no artigo 264.º do CPC, em vigor à data da prolação da decisão;

MM. Assim, o acórdão proferido é nulo, nos termos das alíneas d) do n.º 1 do artigo 668.º, agora 615.º do CPC, por se ter pronunciado e conhecido de questões de que não podia conhecer e por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia;

NN. Para além do supra exposto, os danos dados como provados, foram angústia e ansiedade, o que na sociedade de hoje e alegadamente sofridos por um gestor de diversas sociedades e administrador de uma empresa de trabalho portuário, não merece a tutela jurídica;

00. Na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e não todos e quaisquer meros inconvenientes – n.º 1 do artigo 496.º do CC;

PP. Não devia, por isso, ser fixada uma indemnização no valor de 25.000 euros, pois o montante deve ser fixado equitativamente, analisando as capacidades económicas do lesado e do lesante, para além das demais circunstâncias dos factos, como prevê o n.º 3 do artigo 496.º do CC;

QQ. Para além de que, na actual conjuntura económica, por causa de angustias e ansiedades, a indemnização não deve ser fixada em valor que ponha em causa a vida financeira e subsistência de alguém;

RR. Nestes termos, deve ser admitido e considerado procedente o presente recurso de revista excepcional e, em consequência, ser o acórdão proferido revogado; decretando-se a absolvição da Recorrente, ou se assim se não entender, a fixação de um valor indemnizatório simbólico, face ao supra exposto;

SS. Sob pena de violação, nomeadamente dos artigos: 70.º, 335.º; 483.º, 484.º e 496.º do CC; 668.º, 721.º e 721.º-A, agora correspondente aos 615.º; 666.º e 672.º do CPC, 18.º, 37.º e 38.º da CRP; 10.º CEDH.

O autor contra – alegou pugnando pela improcedência recursiva da ré.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                   ªª

As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684.º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil[3] – doravante CPC) – consubstanciam as seguintes questões:

a) Nulidades do Acórdão;

b) Se, ao publicar a notícia de 08/12/2006[4], a ré/recorrente exorbitou o âmbito do seu direito e liberdade de informar, tendo, por essa via, violado o direito à honra e ao bom-nome e reputação do autor.

                                                              

             II-FUNDAMENTAÇÃO

 DE FACTO

As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 8 de Dezembro de 2006, o jornal semanário Sol publicou um artigo intitulado “...”, da autoria da 5.ª ré, com o seguinte teor:

Os gestores do porto são arguidos num caso em que foram desviados € 15 Milhões.

A investigação criminal à gestão do porto do Funchal – iniciada há mais de cinco anos, após várias denúncias públicas de gestão danosa – já está concluída. Segundo o II apurou, em breve o Ministério o Público tomará uma decisão sobre os termos da acusação.

Sete arguidos.

Sete pessoas foram constituídas arguidas ao longo do inquérito, entre as quais os administradores da empresa que gere em regime de exclusividade (há quase 20 anos) as operações portuárias no Funchal: a OO. O principal responsável da empresa é PP, primo do antigo vice-presidente do Governo Regional da Madeira, PP, dono de um dos maiores grupos económicos da Região.

Os responsáveis pela antiga empresa pública QQ – que gere a mão-de-obra portuária e onde tinha assento um representante do Governo Regional, um representante dos sindicatos dos estivadores e PP, enquanto representante da referida OO – estão também entre os arguidos.

Segundo soube o II, a investigação criminal, que abrangeu um período de cerca de três anos a partir de 2001, concluiu que foram criadas 20 empresas, apenas para prestar serviços fictícios à QQ, emitir facturas por esses serviços e receber o respectivo pagamento. Isto com o objectivo de, alegadamente, desviar parte dos lucros da referida empresa. No total, os investigadores apuraram um valor da ordem dos 15 milhões de euros pagos a estas “empresas – fantasmas”.

Um dos principais visados na investigação é o antigo sindicalista AA - representante dos sindicatos na administração da QQ e que, entretanto, se descobriu ser sócio da OO (a empresa de PP). Na investigação, AA é considerado um dos elementos-chave do alegado esquema, uma vez que se descobriu que o ex-sindicalista tinha uma participação em quase todas as empresas que prestaram os falsos serviços.

AA foi já ouvido no âmbito, deste inquérito, assim como os outros administradores da OO e da QQ e PP.

O inquérito foi aberto em Junho de 2001, na sequência de denúncias feitas por estivadores do Porto do Funchal, que alegavam estar a trabalhar na casa particular de AA (na altura administrador da QQ) e a receber pela empresa. Os estivadores denunciaram ainda que trabalharam também em armazéns da OO, mas que foram igualmente pagos pela QQ.

Rede de empresas.

Os investigadores detectaram a existência de uma rede de empresas, em nome de AA e de elementos da sua família, mas sem quaisquer funcionários, que prestavam serviços de consultadoria e de informática à QQ. Uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório.

A empresa da família RR tem desde os anos 80 o controlo das operações portuárias no Funchal, depois de uma concessão feita nesse sentido pelo Governo Regional da Madeira.

Trata-se de um negócio altamente rentável, pois o Porto do Funchal, com uma posição estratégica no Atlântico, é desde há vários anos um dos mais caros do Mundo.

Uma das vertentes do negócio portuário é a mão-de-obra, cuja gestão no Funchal, passou, na sequência daquela concessão, a ser feita por uma empresa pública criada para o efeito (a QQ), mas onde o Grupo RR sempre teve uma posição de destaque.

O actual vice-presidente do Governo Regional da Madeira, SS, foi, durante cinco anos, o representante do Governo Regional na administração da QQ. Abandonou estas funções em 2000, antes da investigação criminal ter sido iniciada.”.

2. O autor é gerente da empresa TT.

3. Em 2 de Novembro de 1994, foram alterados os Estatutos da UU — …. que passou a ter a denominação de “….– QQ”, nos termos de fls. 100 a 115, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. Em 7 de Maio de 2003 foi efectuada alteração parcial dos estatutos da “… – QQ”, nos termos de fls. 117 a 131, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. Em 22 de Novembro de 1999 foi efectuada alteração parcial dos estatutos da “… — QQ”, nos termos de fls. 133 a 135, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. A “… — QQ”, após a sua criação não requereu nem obteve a declaração do estatuto de utilidade pública.

7. Em 13 de Outubro de 2007, o jornal II, publicou na página 10, uma notícia, intitulada “”, da autoria da 5.ª Ré com o seguinte teor:

“Pelo menos um dos casos que consta do dossier de denúncias de corrupção na Madeira – que o PS regional levou, anteontem, ao Procurador-geral da República para que fosse investigado – já foi alvo de despacho de arquivamento do Ministério Público (MP) do Funchal.

Trata-se do caso conhecido como “Porto do Funchal”, no qual a investigação policial descobriu que cerca de 20 empresas fictícias facturaram àquele organismo milhões de milhões de euros em serviços inexistentes. Segundo uma informação prestada ao II, nesta semana, pelo gabinete de Pinto Monteiro, o inquérito foi arquivado pelo MP a 31 de Julho passado, apesar de o relatório final da investigação apontar para a acusação. Um dos investigados no caso do Porto do Funchal foi o vice-presidente do Governo Regional, SS, que durante vários anos integrou a administração do Porto.

A gestão deste organismo foi entregue pelo Governo Regional a uma empresa da família RR, RR, primo de um dos líderes do PSD Regional e presidente do Conselho de Administração do Porto, foi um dos principais alvos deste inquérito - crime, tendo chegado a ser constituído arguido.

Entretanto, a iniciativa socialista de denunciar alegados casos de violação da lei envolvendo dirigentes do PSD que exercem cargos políticos, não se ficou pela ida do secretário - geral do partido a Lisboa. Ontem mesmo, VV - deputado independente, eleito pelas listas do PS nas últimas eleições regionais — entregou no junto do Ministério Publico uma queixa-crime contra o presidente da Câmara do Funchal, XX, por alegada “prática do crime de tráfico de influências”, disse o deputado ao II.

A queixa aponta para a existência de indícios criminais no processo de licenciamento de um hotel, que ainda está em construção pertencente ao empresário ZZ. Este caso, em relação ao qual os vereadores do PS também levantaram dúvidas em diversas sessões na Câmara do Funchal, é um dos cerca 20 relatados no dossier entregue a Pinto Monteiro, esta semana.

Numa operação mediática inédita, os socialistas decidiram denunciar publicamente a falta de respostas do MP da Madeira, dizendo que tinham de entregar o dossier directamente ao PGR por não adiantar de nada fazê-lo aos magistrados da região. «Nós conhecemos casos em que o profissionalismo de alguns agentes do MP deixa muito a desejar e isso é consubstanciado em arquivamentos inexplicáveis e na prescrição de processos, que ficaram esquecidos na gaveta de um qualquer procurador», disse AAA, o secretário - geral do PS - M, à saída do encontro com o PGR.”.

8. Os réus BB, DD, EE e FF, são Director, Director Adjunto e Subdirectores do jornal semanário II, respectivamente.

9. O autor é administrador da QQ, indicado pelos sindicatos.

10. Correu termos na Procuradoria da República do Funchal, um inquérito, com o n.° 711/01.3TAFUN, no qual foram constituídos arguidos diversos indivíduos, entre os quais o autor, em 30 de Maio de 2006.

11. No processo acima referido foi proferido despacho de arquivamento com o seguinte teor:

“ (…) Os presentes autos tiveram origem numa notícia publicada no …  de 26/6/2001 dando conta que trabalhadores eventuais da QQ/RAM, associação responsável pela gestão de mão-de-obra portuária dos portos da RAM, teriam sido utilizados para diversos trabalhos nas residências particulares de um dos seus Administradores, AA, bem como na casa de sua filha, BBB, também profissionalmente ligada à empresa.

Os trabalhadores eventuais teriam igualmente executado trabalhos para o genro do Administrador AA, CCC, (casado com a arguida BBB) na pintura de uma igreja situada em … e ainda em obras num armazém da OO situada no Porto do Funchal e ainda em casa do presidente de um sindicato.

Para além dos factos que deram origem ao presente inquérito, a investigação, teve também em consideração, a notícia veiculada pelo …, nomeadamente artigos publicados nos dias 29 de Junho e 5 de Julho de 2001, dando conta da existência de pagamentos de montantes muito elevados efectuados pela QQ a diversas sociedades, algumas das quais criadas para o efeito, pertencentes a administradores ou seus familiares, bem como presidentes dos sindicatos de trabalhadores portuários, relativos a consultorias, assessorias que alegadamente não teriam sido prestadas.

Foi deste modo efectuada uma perícia contabilista e financeira levada a cabo pelo Departamento de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária tendo por base o período compreendido entre 1998 e 2001 visando a QQ e as outras empresas que alegadamente teriam sido constituídas para celebrar negócios jurídicos de molde a absorver, sem fundamento, os lucros provenientes da QQ.

A QQ é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, (cujo objecto é o exercício da actividade de cedência temporária de trabalhadores portuários nos Portos da Região Autónoma da Madeira) cujos sócios fundadores foram os dois Sindicatos Portuários, o Governo da RAM e a OO (constituída em 18/3/1988 de que é sócia única a DDD Ida, sendo por seu turno sócios da DDD, EEE, FFF Lda, GGG Lda, HHH, Lda, III, JJJ Lda, KKK, JJJ Lda, LLL Lda, MMM Lda.) que recruta trabalhadores à QQ e os coloca onde entende necessário.

Foram constituídos arguidos nos presentes autos:

1 - NNN, Presidente do Conselho de Administração da QQ, nomeado em representação do Governo pela Resolução n.° 1205/99 de 5/8 e nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta Perícia volume I A doc. 1 a 302).

2 - AA, Presidente do Conselho de Administração da QQ nomeado em representação dos Sindicatos em 2/1/99 e 2/1/2002 (Acta n° 98 e Acta n° 117 – Relatório pericial volume 1 A doc. A1 a 302).

3 - BBB - Directora Financeira e Directora Técnica da QQ,

4 - OOO, Administrador da QQ em representação da OO até 1998.

5 - PP, Administrador da QQ em representação da OO, da qual era Presidente, desde finais de 1998, nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta n.° 108 de 2/1/2001 - relatório pericial volume I A doc. n.° 1 a 302)

6 - AAAA, trabalhador portuário que desempenha funções administrativas nos escritórios da QQ e efectuava a contabilidade do SLCD.

7 - SSS, Presidente do Sindicato do SLCD, trabalhador portuário com a categoria de Superintendente.

ª

Das diligências investigatórias realizadas nos autos veio a confirmar-se que vários trabalhadores eventuais da QQ prestaram trabalho para os arguidos AA e BBB na construção de duas moradias, bem como no arranjo de dois apartamentos pertencentes aos mesmos arguidos, bem como na igreja de Santo Amaro e ainda nas instalações da OO.

Apurou-se ainda que o arguido AA procedeu a pagamento de mão-de-obra recebida da QQ, em 26 de Junho de 2001, desconhecendo-se se o pagamento correspondeu ao total da dívida até então ou se ficaram parcelas por pagar.

É certo que a prestação de trabalho por parte de funcionários da QQ para AA e BBB se prolongou até meados de Agosto de 2002, conforme escutas operadas, data posterior ao do pagamento acima referido e depois de a comunicação social ter veiculado a situação descrita nos autos, seja a utilização de mão-de-obra da QQ em proveito dos arguidos.

Também na casa de SSS  foi utilizada mão-de-obra da QQ.

ª

Da análise contabilística e financeira realizada confirmou-se igualmente que os arguidos dos autos constituíram ou se associaram a diversas sociedades nomeadamente a BBBB, CCCC, DDDD, TT, RRR, EEEE Lda., FFFF Lda., GGGG, OO, DDD, AA e Costa, HHHH, EEE, IIII, JJJJ, GGG, de que eram igualmente sócios ou seus familiares, com quem, em representação da QQ, vieram a celebrar diversos negócios jurídicos, nomeadamente a prestação de assessorias quanto às quais não existe prova cabal da sua realização, não tendo eventualmente sido todas prestadas, mas tendo sido determinado o seu pagamento aos administradores da QQ ora arguidos e seus familiares e ainda a outras sociedades, ainda também por intermediação dos sindicatos, e que envolvem montantes muito elevados conforme resulta da perícia realizada.

O relatório pericial inserto nos autos contém a descrição de todas as operações financeiras havidas não só com a QQ mas também com as outras sociedades, de que os arguidos não quiseram genericamente prestar esclarecimentos por estarem fora do âmbito da QQ, empresa que se encontrava em investigação.

Ainda aos arguidos:

1 - NNN, Presidente do Conselho de Administração da QQ nomeado em representação do Governo pela Resolução n° … de 5/8 e nomeado Presidente do Conselho de Administração por Acta n° … de 3/1/2000,

2 - OOO (que exerceu funções no Conselho de Administração ate 1998 em representação da OO e

3 - PP (que exerceu funções no Conselho de Administração em finais de 1998 em representação da OO)

foram pagas assessorias através de empresas acima referenciadas GGG e BBBB, que foram também indicadas pela comunicação social entre o mais, como empresas constituídas para absorver os lucros da QQ.

Assim a GGG entre 1/1/98 e 31/12/2000 facturou à QQ 39930.332$00 pela assessoria prestada aos arguidos OOO e PP, tendo por base um contrato celebrado em 15/7/93.

A assessoria prestada a NNN foi prestada pela BBBB, tendo o mesmo prescindido no primeiro ano de remuneração solicitando depois que lhe fosse prestada assessoria através da BBBB, passando a ser advogado desta sociedade.

Veio assim a apurar-se que estas assessorias foram pagas em substituição da remuneração mensal que os arguidos poderiam auferir pela contrapartida do trabalho prestado no Conselho de Administração da QQ.

Por deliberação de 24/6/1991 (Acta n.° 1 de 24/6/91 - volume I E 1298 a 1303) fixou-se a remuneração dos membros do Conselho de Administração da QQ/RAM e preveniu-se que teriam direito a assessoria os membros do Conselho de Administração que não estivessem a receber remuneração, a produzir efeitos em 1/1/1999.

Por deliberação de 20/9/99 (Acta n.° 41 de 20/9/99-Volume I E anexos 1304 a 1307), preveniu-se que os representantes da RAM podiam solicitar que lhes fossem prestados os mesmos procedimentos aplicáveis aos demais administradores, nomeadamente as disposições da Acta n° 1.

Assim os arguidos prescindiram das suas remunerações na QQ e passaram a receber através de assessorias as verbas equivalentes aos salários que deveriam receber.

Também o arguido AA recebeu assessorias provenientes da QQ.

Com efeito a QQ pagou à AA e Costa 53.926.560$00 por assessoria técnica prestada por AA.

A PPP foi constituída em 6/12/90, sendo sócios, o arguido AA (Administrador da QQ), EEE SGPS (da qual é sócia a QQQ Limited sendo gerente da mesma BBBB), UUU, CCC, e a arguida BBB, Directora Financeira e Técnica da QQ.

A sociedade tem como objecto social a prestação de serviços em matéria de contabilidade, fiscalidade, auditoria, gestão de empresas informática e venda de equipamento informático.

O pagamento de assessorias ao arguido AA foi efectuado no mesmo contexto que aos outros membros do Conselho de Administração da QQ, prescindindo da sua remuneração e passando a receber assessoria técnica, fornecida pela sociedade de que é sócio.


ª

Quanto ao Dr. SS, que também exerceu funções na QQ em representação do Governo e cujo interrogatório foi sugerido, constata-se que o mesmo recebeu sempre directamente da QQ (relatório de fls,. 61, 62 e 63 ponto 4.2.19-Encargos com remunerações quadro AF) recebendo 15.663.493$00 de 1/1/98 a 31/8/99 como trabalhador dependente e Administrador da QQ, pagando impostos sobre a remuneração recebida. Entre Setembro de 99, e Novembro de 2000 recebeu como consultor jurídico trabalhador independente 12.247.446$00.

ª

Através da análise contabilística deu-se também conta da existência na QQ de irregularidades em assessorias no âmbito dos seguros.

Em 15/12/93 a RRR ofereceu os seus serviços de assessoria e consultadoria no âmbito de acidentes de trabalho ao Sindicato Livre dos Carregadores e Descarregadores, sendo celebrado o respectivo contrato (fls. 1454 e 1455) e na mesma data propôs a celebração de contrato ao Sindicato dos Estivadores Marítimos, sendo o mesmo celebrado, (fls. 1469, 1470, 1471).

Nas próprias cláusulas sextas do contrato prevê-se que a RRR receba a avença dos Sindicatos após pagamento pela AGMOP -QQ/RAM ao Sindicato.

Assim a GGG recebeu da QQ, com intermediação dos Sindicatos e da RRR o montante de 61.551.168$00 por assessoria técnica no âmbito dos seguros.

Nesta operação os Sindicatos nada ganharam lucrando a RRR 5072344$00 (conforme ponto 4.4 de fls. 8 do relatório pericial).

Nos termos do artigo 135° do CCT (fls. 1460 a 1461 do volume I E documentos anexos) para o Sector dos Trabalhadores Portuários, os Sindicatos, Sindicato Livre dos Carregadores e Descarregadores dos Portos da RAM (relativamente ao qual é arguido SSS) e Sindicato dos Estivadores Marítimos do Arquipélago da Madeira (relativamente ao qual é responsável TTT) cobravam à QQ um determinado montante.

Através da cláusula 137° do mesmo contrato a RRR e Companhia Lda., cobrava o mesmo valor aos Sindicatos.

A GGG invocando a realização de trabalhos especializados cobrou à RRR um valor praticamente igual ao recebido dos Sindicatos pela QQ.

A RRR lucrou o diferencial entre o que recebeu dos Sindicatos e o que pagou à GGG no valor global de 5.072.344$00 (cfr. fls. 8 do relatório pericial VI inserto no relatório pericial volume I- conclusões).

Contudo a alegada assessoria prestada aos Sindicatos para orientação e aconselhamento dos sinistrados de acidente de trabalho não foi efectuada em moldes pertinentes.

Com efeito a RRR, através de João Manuel RRR, pai de um dos sócios da firma, profissional de seguros da companhia de seguros Bonança e após a sua reforma passou a prestar ”assessoria” aos Sindicatos limitando-se a apurar se a companhia prestava um bom serviço e regularizava a tempo e horas os sinistros; se as taxas aplicadas eram as mais correctas; se o sinistrado era bem acompanhado e se a prestação de serviços médicos era a mais adequada; tentava ainda obter as melhores condições e garantias em caso de acidente; aconselhava os advogados aceitarem ou não as percentagens de incapacidade atribuídas aos sinistrados.

Estas alegadas assessorias foram sempre verbais, não existindo relatórios ou informações sendo os casos directamente tratados pelos presidentes dos sindicatos SLCD e SEM.

Era emitida pelo acima referenciado VVV uma factura mensal em nome da RRR pela prestação de serviços a cada um dos sindicatos.

A QQ pagou com estas “alegadas assessorias” o valor global de 67.243.720$00.

ª

No âmbito da QQ apurou-se igualmente a existência de pagamento de serviços de contabilidade não justificadas.

Também a QQ pagou à TT, de que era sócio o arguido AA montantes relativos à realização de contabilidade que não terá sido efectuada ou de que não se justificará a sua prestação.

A TT foi constituída em 6/12/1990 tendo por objecto a prestação de serviços em contabilidade, fiscalidade, informática, auditoria e gestão de empresas e compra e venda de acessórios e equipamento informáticos, de escritório) electrónico, designadamente relativos a rádio e som, electrodomésticos.

Eram sócios AA, UUU (mulher do 1.º), CCC (engenheiro da QQ) e mulher, a arguida BBB. A QQ pagou à TT o montante de 35.474.512$00 (com Iva) a título de assistência contabilística a troco de uma avença mensal de 13.681.404$00 – no período compreendido entre 1998 a 2001.

Estas assistências contabilísticas não se justificariam por a QQ ter a sua própria secção de contabilidade.


ª

Apurou-se ainda que os empregados da QQ e familiares dispunham de um seguro de saúde que foi aprovado por decisão do Conselho de Administração.

ª

Não foram aqui tomadas em consideração os negócios jurídicos e inerentes pagamentos que foram celebrados e vigoraram entre as demais sociedades que não a QQ, apesar de serem sócios das mesmas administradores da QQ, atento o carácter privado das demais sociedades a quem não foi atribuído o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa não se considerando nesta parte a OO face às condições especiais do seu regime jurídico.

ª

Considerada a natureza pública da QQ (o que não está demonstrado) e a qualidade de funcionários dos seus empregados nos termos do artigo 386° do CP, (o que também não está demonstrado) os factos indiciados seriam susceptíveis de integrar:

1 - a prática de um crime de peculato (quanto à utilização de mão-de-obra) p. e p. pelo artigo 375° do CP [(cuja moldura penal é a pena de 1 a 8 anos de prisão),-/ou o crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382° do CP se se considerar ser insusceptível de apropriação o trabalho dos subordinados – cfr. C. Conimbricense, Tomo III, pág. 693, crime p. pelo artigo 382° do CP com pena de prisão até 3 anos -/

2 - um crime de participação económica em negócio p. e p. pelo artigo 377° n.° 1 do CP( relativamente às transacções encetados pelos arguidos com a QQ, p. com a pena de prisão até 5 anos),

3 - e ainda um crime de administração danosa, p. e p. pelo artigo 235° do CP,( cuja moldura penal é a pena prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias),

cujos prazos prescricionais são de 10 anos nos termos do artigo 118° alínea b) do CP (excepto o crime de abuso de poderes cujo prazo prescricional é de 5 anos nos ternos do artigo 118.° n.° 1 alínea c) do CP), mas interrompendo-se a prescrição com a constituição de arguido - artigo 121° n.° 1 alínea a) do CP, ocorrendo sempre a prescrição quando desde o seu inicio e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (artigo 121.° n.° 3 do CP).

Os factos em investigação nos autos são relativos ao triénio 1998 a 2001 excepto a utilização de mão-de-obra que se prolongou até Agosto de 2002.

          ª

Dispõe o artigo 375.° do CP: “1- O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”

Dispõe o artigo 377.° do CP:  “1 - O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administra, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5 anos".

Dispõe o artigo 235.° do CP: “1 - Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.

Dispõe o artigo 386.° do CP:

“1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange: a) O funcionário Civil; b) O agente administrativo; e c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função publica administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.

2 -Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas pública, nacionalizadas, de capitais públicos ou com a participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.”

O sector público ou cooperativo previsto no artigo 235.° do CP abrange as unidades económicas do sector público ou cooperativo (C. Conimbricense tomo II pág. 555) o que não ocorre, no caso da QQ por se tratar de uma associação de direito privado, como adiante melhor se explicitará.

A menção feita no artigo 386.° n.° 1 alínea c) do CP a organismos de utilidade pública corresponde ao conceito, corrente no direito administrativo, de pessoas colectivas de utilidade pública, isto é, pessoas colectivas de direito privado que mereçam a qualificação de interesse público, ou seja, a declaração de utilidade pública, independentemente do substrato que lhes presida. Podem ser pessoas colectivas de mera utilidade pública, instituições particulares de solidariedade social ou pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. (cfr. C. Conimbricense, tomo III, pág. 815) exigindo-se assim uma declaração de utilidade pública quer através de norma quer de declaração de entidade competente.


ª

Como prévia a todos os factos denunciados e investigados suscita-se a questão da natureza jurídica da QQ, dado que os crimes denunciados pressupõem o carácter público da pessoa colectiva e a figura de funcionário para efeitos penais p. pelo artigo 386.° do CP como acima se referiu.

ª

No dia 29 de Abril de 1991, por escritura pública lavrada no Cartório Nacional de Santana, foi constituída a AGMOP/RAM - Associação de Gestão de Mão-de-Obra Portuária, depois de em 28/12/90, ter sido assinado um protocolo entre o Governo Regional da Madeira, os Sindicatos, a ACIF, a Sociedade de Operações Portuárias da Madeira.

Intervieram na sua constituição a RAM, representada pelo Secretário Regional da Administração Pública, XXX, o Sindicato Livre dos Carregadores e Descarregadores dos Portos da RAM (LSLCD) representado por SSS, o Sindicato dos Estivadores Marítimos do Arquipélago da Madeira (SEM) representado por TTT, a Sociedade de Operações Portuárias da Madeira Lda. (OO), representada por ZZZ.

A constituição da presente associação teve por base, nomeadamente, o DL 151/90 de 15/5 que estabelece o Regime jurídico da Operação Portuária (artigo 34.° e ss).

O DRR n.° 23/90/M de 21/12 adaptou à RAM o regime jurídico da operação portuária prevenindo-se no artigo 2.º que “por acordo entre Governo Regional, as Associações Sindicais representativas dos Trabalhadores Portuários e os Operadores Portuários ou as suas associações é criado o organismo de gestão de mão-de-obra portuária “OGMOP” tendo como objecto o registo dos operadores portuários bem como a admissão, a inscrição e a identificação dos contingentes dos portos e a distribuição e o pagamento aos trabalhadores do contingente comum da RAM”.

O n.° 3 do mesmo diploma dispõe que “nos portos da RAM, o exercício de actividade de operador portuária depende de licenciamento nas condições previstas no DL n.° 151/90 de 15/5 e nos Regulamentos aplicáveis.

Nos termos do artigo 11.° n.° 1 do mesmo diploma “o “OGMOP”, criado nos termos e para os efeitos referidos no artigo 2.º do presente diploma é uma pessoa colectiva de carácter associativo de direito privado e de utilidade pública administrativa sem fins lucrativos”.

“2- O disposto no número anterior impõe que o “OGMOP” respeite os seguintes requisitos:

a) não limitar o seu quadro de associados ou de beneficiários a estrangeiros ou através de qualquer critério contrário ao n.° 2 do artigo 13° da Constituição;

b) ter consciência da sua utilidade pública fomentá-la e desenvolvê-la, cooperando com a administração na realização dos seus fins”.

“3 -E aplicável ao “OGMOP” a legislação relativa às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, com as adaptações constantes dos artigos seguintes e relativas à natureza associativa do “OGMOP”.

ª

Segundo os seus Estatutos a OGMOP/RAM é uma pessoa colectiva de direito privado (artigo 1.º e n.° 2), tendo com o objecto a gestão de mão-de-obra portuária dos portos da RAM (artigo 2.º), sendo a única estrutura legalmente constituída para a gestão dos trabalhadores portuários da RAM (com excepção das enumeradas na 2.ª parte do artigo 5.º) e não tem fins lucrativos; a RAM detém na Assembleia Geral tantos votos quantos os sócios da categoria mais numerosa; o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal são formados por três membros, sendo um designado pela RAM.

Pelo DRR n.° 23/90/M de 22/12 esta Associação foi classificada como pessoa colectiva de carácter associativo de direito privado e de utilidade pública administrativa, sem fins lucrativos (artigo 11.º n.° 1).

Em 2/11/94 a Associação passou a designar-se "Associação Portuária da Madeira -Empresa de Trabalho Portuário" perdendo o seu Estatuto de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública, nos termos dos artigo: 12° n.° 3 do DL 280/03 de 13/8 e 15° n.° 1 do Decreto Regulamentar n.° 2/94 de 28/1, por não ter solicitado a confirmação do estatuto de utilidade público de que beneficiava.

Convém referir que face à publicação da nova legislação para o sector designadamente o DL n.° 280/03 de 13/8 que estabelece o regime jurídico do trabalho portuário, foram introduzidas várias alterações que terão estado na génese da alteração do estatutos da AGMOP/RAM.

O artigo 12° do diploma citado, que prevê a transformação dos organismos de gestão de mão-de-obra portuária, refere no seu n°3 que tais organismos conservam o estatuto de utilidade pública se cumprirem os requisitos constantes das alíneas a) e b).

O Decreto Regulamentar n° 2/94 de 28/1 no artigo 15° sob a epígrafe “MANUTENÇÃO DO ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA” prevê: as empresas de trabalho portuário sem fins lucrativos, abrangidas pelo artigo 12° n° 3 do DL 280/93 de 13/8, devem entregar no ITP (Instituto do Trabalho Portuário) dentro do prazo estabelecido no n° 1 do citado artigo requerimento dirigido ao Ministério do Mar, solicitando a confirmação do estatuto de utilidade pública de que beneficiam.

No caso vertente a pessoa colectiva QQ não fez este pedido de confirmação de utilidade pública pelo que deixou de ter esta qualidade, apesar da actividade que desenvolve e das condições que detém para ser qualificada como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, em si insuficientes, para que por si só lhe advenha tal qualidade.

Pelo exposto atento que os factos apurados pressupõem a natureza pública da pessoa colectiva e ou a condição de funcionário, determina-se o arquivamento dos autos, na parte tocante aos actos ilícitos praticados no âmbito da QQ, nos termos do artigo 277.° n° 1 do CPP.

Cumpra o disposto no artigo 277° n° 3 do CPP.


ª

Do depósito em conta particular de cheques provenientes da QQ.

Apurou-se ainda nos autos que dos cheques emitidos pela QQ, para pagamento ao SLCD de acordo com o contrato celebrado em 15-12-93 e nos termos da cl.ª 135 do CCT para os trabalhadores portuários da RAM, alguns não foram depositados na conta do SLCD.

Os cheques em questão foram todos emitidos sobre a conta n° … do BTA e titulada pela QQ. – ver fls. 5 e 6 do RP XIV.

De acordo com o relatório apurou-se que o arguido AAAA levantou o cheque n° …, no valor de 1.373.785$00 e o cheque número 72709560, no valor de 959.155$00, levantados em 2 de Junho de 1999 e em 7 de Junho de 2000 respectivamente e ambos emitidos pela QQ sobre a conta anteriormente referida.

O arguido AA depositou na sua conta pessoal no BPI com n° … o cheque …, no valor de 1.373,785$00, mas posteriormente efectuou uma transferência para a conta do SLCD no BPT - conta n° ….

Depositou na sua conta no BPI o cheque número … no valor de 1462.120$00, emitido pela QQ sobre a conta desta entidade no BTA. Deste valor o AAAA depositou na conta n° … do B…e titulada pelo SLCD, o montante de 1.002314$00 (existe um diferença de 459.806$00).

O Cheque n.° …, no valor de 1.435.647$00, emitido sobre a conta da QQ no BTA, foi levantado pelo AAAA em 30-08-2001. No entanto efectuou um depósito no valor de 1.120.655$00, na conta do SLCD acima referida (existe um diferencial de 314.992$00).

Assim o AAAA ficou na sua conta com o montante de 3.107.738$00 divididos em vários períodos, no lapso de tempo decorrido entre 02-06-1999 e 30-08-2001.

Esta circunstância deve-se ao facto de o arguido utilizar a sua conta pessoal para pagar contas do Sindicato, não estando esta entidade contudo prejudicada em qualquer montante, situação que se esclareceu depois de sucessivos interrogatórios do arguido que numa primeira fase assumiu a responsabilidade pelo não depósito das verbas na conta do Sindicato mas que depois esclareceu o modo como se processavam os pagamentos do sindicato por intermédio da sua conta particular.

Os factos em abstracto seriam susceptíveis de integrar a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205° n° 4 alínea c) 1 do CP.

Contudo é elemento do tipo de ilícito a inversão do título da posse e que o agente passe a dispor da coisa animo domini, o que não ocorre no caso vertente, limitando-se o arguido a utilizar a sua própria conta para fazer pagamentos do sindicato com quem tem já regularizada a prestação de contas.

Nestes termos e face ao disposto no artigo 277.° n.° 2 do CPP determina-se o arquivamento dos presentes autos.

Cumpra o disposto no artigo 277.° n.° 3 do CPP.

ª

O DL 298/93 de 28 de Agosto estabeleceu o regime jurídico da operação portuária, definindo as respectivas condições de acesso e de exercício.

Nos termos do artigo 2.º do diploma entende-se por operação portuária a actividade de movimentação de cargas a embarcar ou desembarcadas na zona portuária, compreendendo as actividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, bem como de decomposição de unidades de carga, e ainda de recepção, armazenagem e expedição de mercadorias.

No artigo 3.º n.° 1 sob a epígrafe “Interesse público” a lei considera que “a prestação ao público da actividade de movimentação de cargas é considerada de interesse público”.

A OO constituída em 7/6/88 (apresentação n° …) tem por objecto a execução na Área dos Portos da RAM e respectivos “hinterlands” de operações portuárias, considerando-se como tais as relativas a estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação em cais, terraplenos, armazéns e terminais, formação e decomposição de unidades de carga, grupagem, armazenagem e entrega, operações complementares e, em geral, todas as operações que requeiram as mercadorias desembarcadas ou destinadas a embarque (cfr. Pacto social actualizado-1991-anexo 24 página 9).

A referida sociedade detém assim interesse público, ou melhor dizendo, utilidade pública, pelo que interessa investigar em autónomo os eventuais ilícitos penais que tenham sido cometidos na sua actividade.

Assim extraia certidão, despacho final, relatório da PJ, síntese conclusiva do relatório do DPFC (volume XIX), relatórios periciais II, III, V, VI, VII, VIII, IX, X,XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVIII relatório do NAT, interrogatórios dos arguidos e inquirições dos Presidentes dos Sindicatos (SSS e TTT) a fim de ser instaurado procedimento criminal autónomo relativamente à OO visando também a parte penal fiscal consoante resulta do relatório do NAT.

A certidão será remetida à PJ para aí ser investigada.

        ª

Dado que o sistema de assessorias na QQ é prática contínua ocorrendo eventualmente a verificação de crime fiscal extraia certidão do relatório da PJ e do despacho final e remeta aos Serviços Centrais da Direcção Geral dos Impostos em Lisboa, mais precisamente DSIFAE para investigação.

Comunique-se:

- à Ex.Ma Procuradora Geral Distrital;

- à Ex.Ma Procuradora Geral Adjunta Directora do DCIAP.

- à Alta Autoridade para a Concorrência com cópia do relatório da Policia Judiciária e Informação do NAT.

Cumpra o artigo 277.° n.° 3 do C.P.C.

Funchal, 31 de Julho de 2007 (à noite) (...)”.

12. No jornal … de 26 de Junho de 2001 foi publicada uma notícia com o título “”, “Administrador da QQ garante que pagou os Serviços”, nos termos de fls. 192, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

13. O mesmo jornal publicou em 29 de Junho de 2001 um artigo com o título “…, AA preciosa na OO”, nos termos de fls. 193, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. Em 5 de Julho de 2001, o mesmo jornal publicou um artigo com o título “… QQ”, e na mesma data um artigo com o título “” nos termos de fls. 194 e 195, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. O autor, entre outros, apresentou uma queixa-crime contra os 1.º a 5.º réus, por violação do segredo de justiça e difamação, que foi objecto de despacho de arquivamento, quanto ao primeiro crime, nos termos de fls. 214 a 220, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

16. Nesse inquérito, o autor e demais queixosos foram notificados para deduzirem acusação particular pelo crime de difamação e não o fizeram.

17. Os fornecimentos de material de escritório à QQ pela TT, foram inferiores, por ano, a 50.000 Euros, totalizando a venda e prestações de serviços: 22.241,87 Euros, em 2001; 27.481,49 Euros, em 2002; e 36.455,91 Euros, em 2003.

18. Nos anos de 2001, 2002 e 2003 a facturação da TT foi inferior a meio milhão de contos.

19. O autor introduziu procedimentos e regras na QQ visando a análise por parte das entidades de supervisão, fiscalização e investigação.

20. Os ROC que auditam as contas da QQ, têm aprovado as contas sem Reservas.

21. As acções de inspecção da administração fiscal não têm sido desfavoráveis à organização da contabilidade da QQ.

22. O autor construiu, ao longo dos anos, uma reputação de integridade e competência na área da gestão de pessoal e no domínio da gestão de pessoal portuário, merecendo a confiança dos trabalhadores do Porto e dos respectivos sindicatos representativos.

23. O autor dedicou a sua vida à tarefa de gerir com eficácia a actividade da mão-de-obra portuária.

24. O que implica um conhecimento profundo do sector, uma relação próxima com cada trabalhador, um reconhecimento generalizado da sua autoridade assente na competência, na credibilidade e na confiança.

25. O autor é um dos principais garantes da paz social no porto do Funchal, sem greves, falhas ou paragens da movimentação de cargas.

26. Tem sido indicado como administrador da QQ em representação dos sindicatos pela confiança e pelo respeito de que goza entre os trabalhadores sindicalizados e os seus representantes sindicais.

27. O autor sempre viveu com grande discrição.

28. Sofreu angústia e ansiedade.

29. A 5.ª ré é uma jornalista com diversos anos de experiência.

30. Os factos relatados na notícia foram apurados após uma investigação Jornalística.

31. Os 1.º, 2.°, 3.º e 4.º réus não tiveram conhecimento das notícias referidas em 1) e 7), antes da publicação das mesmas.

32. Nem autorizaram a publicação das notícias.

33. A função de ler e ordenar a publicação de artigos foi delegada nos editores das respectivas secções que compõem o jornal.

            DE DIREITO

A) Nulidades do Acórdão  

A recorrente considera que o acórdão padece de nulidades atinentes à pronúncia – por omissão e por excesso –, em virtude de, por um lado, ter omitido pronúncia sobre a circunstância da notícia se reportar a factos de relevante interesse público e, por outro lado, não constar do aresto a necessária análise dos elementos para a fixação dos danos não patrimoniais – não estando fundamentada, de facto e de direito, a fixação do valor indemnizatório estipulado; em segundo lugar, pelo contexto do acórdão ter exorbitado da factualidade alegada pelo recorrido, porquanto este não invocou que a recorrente sabia que os eventos relatados na notícia eram falsos, o que impedia a Relação de tecer considerações sobre tal matéria, sob pena de violar o art. 264.º do CPC.

Ao processo em apreço, como se disse já, aplicam-se os normativos do CPC, na versão anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06, que aprovou o Novo CPC (NCPC).

Do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, na parte pertinente, emerge que é nula a decisão judicial quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, tendo esta nulidade de ser conferida com a parte inicial do art. 660.º, n.º 2: aí se dita que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (ou aquelas de que deva conhecer oficiosamente).

Em contraponto, há excesso de pronúncia, quando o juiz, desrespeitando os factos alegados pelas partes, exubera o seu perímetro e deixa de observar os limites da causa de pedir invocada – ou aprecia excepções na exclusiva disponibilidade das partes – o que, outrossim, inquina a decisão tomada nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte.

As nulidades assinaladas – omissão e excesso de pronúncia – são carreadas frequentemente em sede de recurso e originadas na confusão que se estabelece, amiúde, entre questões a apreciar e as razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 660.º, nº 2 e 668.º, nº 1, al. d), do CPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes[5].

Importa salvaguardar que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito (cf. art. 264.º do CPC, actual art. 5.º, n.º 3, do NCPC) –, e, como tal, os argumentos, motivos ou razões jurídicas não vinculam o tribunal.

Quando tal se imponha, o tribunal pode – e deve – julgar as questões que constituem o objecto do processo com base em razões jurídicas diversas das invocadas pelas partes; e, do mesmo modo, o juiz não é obrigado a esgotar a análise dos argumentos mas, apenas, a explicar e considerar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.

Compete, porém, ter em linha de conta que se não confundem os conceitos de argumentação fáctico-jurídica e de questões essenciais de facto ou de direito em que as partes centralizam o litígio, incluindo as excepções, sendo que só a estas o normativo em análise se reporta[6].

Ora, à luz dos aludidos normativos, constata-se que o acórdão recorrido conheceu da matéria em apreço em termos que se inserem perfeitamente no objecto do recurso, tal como o mesmo foi definido nas conclusões formuladas pela ré/apelante nas suas alegações.

Assim sendo, dando-se por acolhidas, nessa estrita medida, as considerações tecidas na deliberação de fls. 1319 a 1328 que se dão por reproduzidas, nos termos do art. 713.º, n.º 5, aplicável ex vi do art. 726.º do CPC, e sem necessidade de maiores considerandos, julga-se improcedente a questão suscitada, atinente às nulidades do acórdão recorrido.

B) Se, ao publicar a notícia de 08/12/2006, a ré/recorrente exorbitou o âmbito do seu direito e liberdade de informar, tendo, por essa via, violado o direito à honra e ao bom-nome e reputação do autor

A acção que originou este recurso – em que é formulado um pedido de condenação decorrente de responsabilidade civil por facto ilícito, nos termos do art. 483.º do Código Civil (CC) –, tem como causa de pedir uma notícia publicada pela ré JJ, no semanário II, na qual, alegadamente, são narrados factos relacionados com o Proc. n.º 711/01.3TAFUN, que correu termos na Procuradoria da República do Funchal, cingindo-se esta revista excepcional, como já antes explanado, à notícia publicitada em 08/12/2006.

A recorrente reitera que, contrariamente ao veredicto das instâncias, a sua conduta foi absolutamente lícita, por respaldada no direito de informar os leitores do II, e na liberdade de expressão – direitos consagrados, designadamente, nos arts. 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) –, em contraponto com o direito ao bom-nome e reputação do recorrido, igualmente consagrado constitucionalmente (cf. art. 26.º da CRP).

Haverá que indagar, nesta sede, se as instâncias, mormente a Relação de Lisboa, ajuizaram bem a causa, ao determinar a condenação da jornalista recorrente a pagar ao autor a quantia de 25.000,00€, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que o mesmo alega ter sofrido com aquela publicação, por violação do seu direito à honra e ao bom-nome.

O processo em referência é paradigmático de como a Justiça e a comunicação social estão indelevelmente obrigadas a viver em conjunto, o que decorre, por um lado, dos princípios da transparência e da publicidade da administração da justiça e, por outro lado, da necessidade do escrutínio democrático dos cidadãos relativamente aos poderes do Estado[7], falando-se da omnipresença da informação mediática no espaço público, o que acarreta a convivência necessária entre as duas áreas, não se podendo encarar a Justiça como algo sacralizado e afastado do mundo real – a Justiça escondida numa “torre de marfim”.

A comunicação social, e o jornalismo de imprensa mais especificamente, traduz um serviço público que tem por missão primordial o dever de informar, analisar e comentar os factos, explicando-os de uma forma clara e directa, para os dar a conhecer – e entender – à comunidade[8], entroncando a problemática da concatenação entre os campos da Justiça e da comunicação social, prima facie, nos ritmos distintos de ambos: “classicamente lento, o tempo da Justiça tem óbvias dificuldades no acompanhamento do tempo imediatista dos media[9], dificilmente se compatibilizando com as exigências da comunicação social, com um ritmo cada vez mais célere e voraz.

Indo ao caso concreto, escreveu-se a fls. 51/52 do aresto (págs. 1098/1099 dos autos): “Afirma-se na notícia que o Ministério Publico tomará uma decisão sobre os termos da Acusação contra o ora autor./ Tal afirmação é antecipatória e não correspondeu à verdade, conforme resulta do facto provado n.° 11, que é o despacho de arquivamento que iliba o ora autor de qualquer responsabilidade criminal./Daí decorre, que não houve qualquer acusação proferida contra o autor./ Na notícia afirma-se ainda que «os investigadores detectaram a existência de uma rede de empresas, em nome de AA e de elementos da sua família, mas sem quaisquer funcionários, que prestavam serviços de consultadoria e de informática à QQ. Uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório./ O certo é que, a empresa que fornecia material de escritório à QQ era a TT./ De acordo com os factos provados n.°s 17 e 18, os fornecimentos de material de escritório à QQ pela TT, foram inferiores, por ano, a 50.000 Euros, totalizando a venda e prestações de serviços: 22.241,87 Euros em 2001; 27.481,49 Euros em 2002 e 36.455,91 Euros em 2003 e nos anos de 2001, 2002 e 2003 a facturação da TT foi inferior a meio milhão de contos./ Tal factualidade demonstra claramente a falsidade da afirmação constante da notícia./ Estes factos – que aliás não foram alvo de recurso por parte da recorrente, demonstram inequivocamente a falsidade da notícia./ Entende-se, na senda do sufragado pelo recorrido, que estes factos falsos são o cerne da notícia, na medida em que pretendem credibilizar e legitimar a insinuação de que o autor, ora recorrido, seria um criminoso, envolvido numa rede de empresas que havia desviado 15 milhões de euros, num esquema de «empresas fantasma»./ A recorrente olvida a notícia na parte em que afirma igualmente «Segundo soube o II, a investigação criminal, que abrangeu um período de cerca de três anos a partir de 2001, concluiu que foram criadas 20 empresas, apenas para prestar serviços fictícios à QQ, emitir facturas por esses serviços e receber o respectivo pagamento. Isto com o objectivo de, alegadamente desviar parte dos lucros da referida empresa. No total, os investigadores apuraram um valor da ordem dos 15 milhões de euros pagos a estas "empresas - fantasmas"./ E prossegue «Um dos principais visados na investigação é o antigo sindicalista AA – representante dos sindicatos na administração da QQ e que, entretanto, se descobriu ser sócio da OO (a empresa de PP). Na investigação, AA é considerado um dos elementos-chave do alegado esquema, uma vez que se descobriu que o ex-sindicalista tinha uma participação em quase todas as empresas que prestaram os falsos serviços.»”.

Depois, na pág. 53 do acórdão (fls. 1100), exarou-se: “Na verdade, a fundamentação da conclusão da sentença de que é manifesto para o leitor médio do II que o autor aparece como um dos principais responsáveis na montagem de um esquema fraudulento, decorre linearmente da leitura directa da notícia. (…) / Além do exposto, dir-se-á ainda que existiu também ofensa à norma legal vigente que determinava o segredo de justiça para os processos crime em fase de inquérito (…)”.

Já na pág. 54 (fls. 1101), prossegue-se: “Na verdade, a pendência de um inquérito contra alguém é muito diferente da existência de uma Acusação./ O leitor médio encara esta última, como o resultado de uma investigação por entidades oficiais que resultou na verificação e existência de matéria criminal, da qual, segundo a notícia, o autor seria aliás peça chave./ Já a existência de um inquérito mais não é do que uma investigação, um apuramento de factos, que não assume os mesmos contornos de censura social que uma acusação”.

E continua-se, na pág. 55 (fls. 1102): “Ora está demonstrado nos autos que não houve acusação, existiu despacho de arquivamento, cujas razões se afiguram inabaláveis. É imbatível o argumento da natureza jurídica da entidade que afasta a qualidade do sujeito jurídico exigido pela norma criminal./ (…) O que está demonstrado não carece de maior esclarecimento./ Não está demonstrado que «...os investigadores detectaram a existência de uma rede de empresas, em nome de AA e de elementos da sua família, mas sem quaisquer funcionários, que prestavam serviços de consultadoria e de informática à QQ./ Não está demonstrado que uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório./ O que resulta quer pelas contas da QQ juntas aos autos quer pelos depoimentos das testemunhas./Donde se deve concluir que recorrente noticiou várias informações falsas, o que afasta o alegado interesse público”.

Refere-se, depois, no último parágrafo da pág. 56 (fls. 1103): “A Ré ora recorrente ao publicar uma notícia que apontava como conclusão de um inquérito criminal a dedução de uma acusação e considerava que teria ficado provada a prática de crimes que descreve violou ainda a obrigação de respeitar a presunção de inocência prevista no art. 14.° n.° 1 al. c) da Lei n.° 1/99 (Estatuto do Jornalista) que prescreve a recusa de formular acusações sem provas e a defesa da presunção de inocência”. E chega-se a escrever, na pág. 58 (fls. 1105): (…) mesmo que os factos relatados fossem verdadeiros e não está demonstrado que o sejam, (já que o autor nunca foi acusado pelos factos constantes da notícia ou sequer por quaisquer outros que consubstanciassem a prática de crimes), o facto da respectiva divulgação causar danos, como comprovadamente causou seria suficiente para fundar a obrigação de indemnizar./ O cidadão médio que lesse a notícia publicada pelo semanário II entenderia necessariamente que, numa investigação criminal que já terminara, se tinha apurado a prática de crimes pelo Autor ora recorrido, e que no culminar dessa longa investigação de mais 5 anos as certezas da prática desses crimes eram tão grandes que o Ministério Público inevitavelmente produziria uma acusação”.

Por fim, afirma-se na pág. 59 (fls. 1106): “A conduta da ré é ainda ilícita porque violou dever deontológico expressamente previsto no art. 14,° n.° 1 al. c) da Lei n.° 1/99 (Estatuto do Jornalista) que prescreve a recusa de formular acusações sem provas e a defesa da presunção de inocência no caso tanto mais grave quanto o processo objecto da notícia veio a ser arquivado por não existir crime”, para rematar: “Na senda do exposto, não pode a recorrente invocar qualquer princípio da proporcionalidade na ponderação dos valores violados porque a oportunidade escolhida para a respectiva publicação desvela a vontade deliberada de atingir a honra dos visados e de violar o princípio da presunção de inocência sem que qualquer interesse relevante justificasse a necessidade de tal publicação no momento em que aconteceu”.

Destacadas as passagens mais impressivas que o Acórdão recorrido teceu, para fundamentar a condenação da recorrente, detenhamo-nos na situação sub judice.

Como pano de fundo, aparece a estatuição genérica do art. 483.º do CC, segundo a qual “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Em sede específica de prática de factos ilícitos – interessando aqui, os veiculados pela comunicação social/imprensa –, para haver lugar à fixação de uma indemnização, decorrente de responsabilidade civil, é imprescindível que estejam reunidos os seguintes requisitos: a) publicitação da notícia; b) acto ilícito; c) dolo ou culpa; d) dano; e, e) nexo causal entre o acto ilícito e o dano[10].

O elemento fundante da responsabilidade é o facto do agente – jornalista –, o qual – no âmbito da sua actividade de imprensa –, se traduz num facto positivo – publicitação da notícia – que viola um dever geral de abstenção – dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito afectado –, bastando, para fundamentar a responsabilidade civil, a possibilidade de controlar o acto, não sendo necessária uma conduta predeterminada, orientada para certo fim.

Para que o facto possa ser imputado ao agente – maxime, notícia difamatória – é necessário que o jornalista tenha agido com culpa, que haja certo nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante: em termos gerais, ter agido culposamente significa ter agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, devia e podia ter actuado de modo diferente. Nesse campo, o Código Civil consagrou, expressamente, a tese da culpa em abstracto: a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto. Por fim, tem de registar-se um dano na esfera jurídica de outrem – o visado pela notícia – e existir um nexo de causalidade entre esse dano e a publicação da notícia[11].

Para a aferição da responsabilidade civil decorrente da actividade dos jornalistas cumpre densificar e compaginar os direitos em confronto, porquanto eles encontram-se disseminados por diversos instrumentos legais, vigentes quer na ordem jurídica interna, quer internacional.

O direito à honra e ao bom-nome, a que alude o art. 26.º, n.º 1, da CRP, condensa o direito ao desenvolvimento da personalidade, ao estatuir que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação“, conferindo dimensão específica ao direito à auto-exposição ou à identidade social, onde se inclui o direito ao bom-nome e reputação[12].

Ao nível da legislação ordinária, o bem jurídico da personalidade humana encontra-se, jus-civilisticamente, tutelado, como direito autónomo, pelo art. 70.º, n.º 1, do CC, dispondo que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral “, sendo a respectiva tutela concretizada na norma atinente à ofensa do crédito ou do bom-nome, que integra o art. 484.º desse Código[13]. Por sua vez, o art. 80.º, n.º 1, do CC, estipula que “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem”, acrescentando, no n.º 2, que “a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas[14].

No plano dos instrumentos legais de natureza internacional, importa destacar que o art. 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04/11/1950, directamente vigente na ordem jurídica portuguesa ex vi do art. 8.º, n.º 2, da CRP[15], proclama, além do mais, que “qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar”.

Realce-se, outrossim, que o art. 16.º, n.º 2, da CRP, impõe que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devam ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 10/12/1948, a qual estabelece que ninguém sofrerá “ataques à sua honra e reputação” (cf. o respectivo art. 12.º).

O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada – como explicitámos no Acórdão do STJ, de 02/12/12[16] -, consiste no direito de qualquer pessoa a que os acontecimentos íntimos da sua vida privada, que só a ela se referem, não sejam divulgados, sem o seu consentimento, independentemente do carácter ofensivo da reputação[17]. Traduzem-se naqueles actos que, não sendo secretos em si mesmos, devem subtrair-se à curiosidade pública, por naturais razões de resguardo e melindre, tais como os sentimentos e afectos familiares, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas./Para determinar a amplitude da reserva da intimidade da vida privada, o legislador ordinário manda atender, para além da condição das pessoas, elemento subjectivo que contende com a posição social do titular, igualmente, à natureza do caso, que deriva de caracteres objectivos, isto é, de traços específicos, identificadores de determinada situação concreta, que não dependem da qualidade do sujeito envolvido[18]./Assim, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar analisa-se em dois direitos menores: a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar; b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem [19]./Por seu turno, o direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social, mediante imputação feita por outrem. Neste sentido, este direito constitui um limite para outros direitos (designadamente, a liberdade de informação e de imprensa)[20]./O direito ao bom nome não pode andar à mercê de uma informação pouco preocupada com o rigor das notícias, susceptíveis de denegrir a reputação dos cidadãos”.

De outra banda, revela-se o direito à liberdade de expressão e informação pela imprensa, considerando-se neste último, em particular, o direito do público a ser informado e o direito a informar.

Dispõe, a este respeito, o art. 37.º da CRP, no seu n.º 1, que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” e, no respectivo n.º 4, que “a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos”.

O art. 38.º, n.º 1, da CRP, por seu turno, prescreve que “é garantida a liberdade de imprensa”, a qual implica, nomeadamente, atento o correspondente n.º 2, al. a), “a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional”.

No plano da legislação ordinária, a Lei da Imprensa – aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13/01, entretanto alterada pelas Leis n.ºs 18/2003, de 11/06, e 19/2012, de 08/05 (sendo que esta última versão é inaplicável aos autos) –, dispõe, igualmente, no seu art. 1.º, n.º 2, que “a liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações[21].

Idêntico reconhecimento tem assento, no ordenamento jurídico internacional a que Portugal está vinculado, em especial, nos arts. 19.° da DUDH – “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão” –, e 10.°, n.° 1, da CEDH – “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras (…)”[22].

O exercício da liberdade de expressão e de informação, eventualmente, limitador de outros direitos de personalidade, deve, porém, obedecer (sempre) à realização de um interesse legítimo que será, por via de regra, um interesse geral ou um “interesse público”, enquanto conceito normativo, e não, meramente, “um interesse do público” só podendo a divulgação justificar a ofensa dos direitos de personalidade fundamentais, na medida em que da mesma sobressaiam aqueles interesses, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas[23]/[24].

Delimitado o núcleo central da questão decidenda, e do feixe dos direitos que ali confluem, é importante acentuar que todos eles fazem parte do elenco dos direitos fundamentais, mas não são absolutos, pois que podem ser objecto de restrições, devendo as eventuais restrições limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que conduz necessariamente a conflitos.

A CRP não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom-nome e reputação, e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. art. 26.º, n.º 1), e o direito à liberdade de expressão e informação, através da imprensa, que estabelece (cf. arts. 37.º e 38.º).

Tratando-se qualquer deles de direitos fundamentais e invioláveis, mas admitindo o n.º 3, do art. 37.º da CRP, o estabelecimento de sanções para “as infracções cometidas no exercício” do direito de expressão e informação – ao contrário do que sucede para o caso do “direito ao bom nome” –, e assegurando o n.º 4, o direito a indemnização pelos danos sofridos com essas infracções – a par de o n.º 2 do art. 26.º assegurar o estabelecimento de garantias efectivas contra a utilização abusiva de informações relativas às pessoas e famílias –, poder-se-ia ser levado a concluir que se procedeu a uma hierarquização dos direitos em confronto, de modo a que o direito à livre expressão ceda perante o direito ao bom-nome e reputação, prevalecendo os direitos de personalidade sobre os direitos menos importantes.

Contudo, a prevalência do direito à honra e ao bom-nome, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que a afirmação, embora potencialmente ofensiva, serve o fim legítimo do direito de informação, não ultrapassando ela o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa[25].

Destarte, a solução de uma situação concreta de colisão ou conflito daqueles direitos terá de passar pela harmonização de ambos, razão pela qual, na análise e ponderação das reais circunstâncias em equação e na busca dessa concordância prática, há-de intervir o princípio da proporcionalidade, procurando a solução que se apresente mais conforme aos valores constitucionalmente tutelados (cf. art. 18.º da CRP), tal como dispõe o art. 335.º, n.º 1, do CC: “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”.

Não deve perder-se de vista, como antes se salvaguardou, no que tange ao conteúdo da liberdade de informação, que o direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia, o que vale por dizer que deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade.

Se há um qualquer interesse público a prosseguir, com a informação a contribuir para a formação dos destinatários dela ou para o grau de exigência e rigor que entidades públicas e privadas devem pôr no respeito pela comunidade – ponderou-se no Acórdão deste Tribunal de 14/01/10, Proc. 1869/06.0TVPRT.S1 –, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais; se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação”.

Por isso, “a necessária composição dos bens jurídicos conflituantes, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de restrição de direitos fundamentais – como se decidiu no Acórdão do STJ de 14/02/12[26] –, impõe o dever de obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua optimização, traduzida numa mútua compreensão, por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, sem pôr em causa o seu conteúdo essencial, e sem prejuízo da introdução de limitações indispensáveis à conservação do núcleo essencial do direito à informação, maxime, no que tange ao livre exercício da função pública da imprensa[27], mas que terá de recuar, por força da necessária ponderação, quando a sua actualização redundar em lesão de interesses de outrem dignos de tutela e de maior relevância, e a divulgação seja efectuada por forma a exceder o necessário à defesa do bom-nome e reputação do visado”.

Não se escamoteie, outrossim, que os limites à liberdade de imprensa serão mais amplos – como adverte Rodrigues de Brito – “quando o visado for uma figura pública, como um político, e não um simples particular, na medida em que aquele, agindo na sua qualidade de personagem pública, se expõe, inevitável e conscientemente, ao escrutínio dos jornalistas e dos cidadãos em geral, devendo, por isso, demonstrar maior tolerância perante o controlo atento das suas palavras e atitudes, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos”[28].

        ª

Revertendo este quadro normativo e axiológico, longamente exposto, à matéria dos autos, é manifesto, desde logo, que o autor, ora recorrido – além do mais, administrador da “…  – …  – QQ” (QQ), indicado pelos sindicatos, e administrador da empresa TT – é uma pessoa com notoriedade regional, no arquipélago da Madeira, ali desenvolvendo uma actividade de inegável relevância sócio-económica: trata-se de uma figura pública[29].

Essa notoriedade tem um custo, correlativo, que o autor não pode escamotear, e que se traduz numa maior sujeição da actividade empresarial por si desenvolvida à sindicância pela comunidade, em geral, e pelos órgãos da comunicação social, em particular, sejam regionais, sejam continentais.

Neste âmbito, cumpre assinalar que, em tese, o tema atinente à actividade portuária da Madeira e ao universo empresarial que ali gravita reveste, manifestamente, interesse público, sendo esse o âmago da notícia.

O elenco dos factos provados demonstra que a notícia veiculada em 08/12/2006, não é uma notícia que surge desgarrada. Ela foi levada ao conhecimento dos leitores do jornal II quando, a nível regional, muito tempo antes, o … já tinha trazido o tema para a comunicação social nas suas edições de 26/06/2001, 29/06/2001 e 05/07/2001, fazendo-o cair na praça pública.

Com efeito, foi esse periódico que publicou, em primeira linha, as notícias relativas ao tema, sob os títulos “”, “… QQ …” (edição de 26/06/2001), “… – AA … OO” (edição de 29/06/2001), “… QQ”, e “” …” de milhares de contos” (edição de 05/07/2001) (cf. fls. 192 a 195).

Acresce, ainda, que o texto noticioso aqui visado (de 08/12/2006) deve ser atendido na sua integralidade, ponderando o teor do corpo do texto e, igualmente, o (s) título (s) da notícia.

Desde logo, não podemos deixar de dissentir da asserção constante do Acórdão recorrido, de acordo com a qual “afirma-se na notícia que o Ministério Público tomará uma decisão sobre os termos da acusação contra o ora autor”, tendo a ré/recorrente produzido, segundo aí se escreve, uma afirmação que “é antecipatória e não correspondeu à verdade, conforme resulta do facto provado n.º 11, que é o despacho de arquivamento que iliba o ora autor de qualquer responsabilidade criminal”, donde decorre que não houve qualquer acusação proferida contra o mesmo.

Salvo o devido respeito, a jornalista não escreve, em momento algum, que o autor foi ou vai ser acusado; apenas refere que “o Ministério Público tomará uma decisão sobre os termos da acusação”, em inquérito no qual “sete pessoas foram constituídas arguidas”, o que é bem diverso. Nem, tão-pouco, quer no título, quer no corpo do texto da notícia, o reputa como criminoso.

A expressão “tomará uma decisão sobre os termos da acusação” não pode ser lida em sentido técnico-jurídico estrito, nem como assertiva de que seguramente irá ser deduzida e dirigida “acusação” contra o autor/recorrido, não obstante o destaque que o mesmo merece no corpo da notícia, quando são sete os arguidos constituídos, sendo certo, aliás, que se limita a reproduzir, quase ipsis verbis, o teor do último parágrafo das conclusões do “Relatório Final ” da Polícia Judiciária - Departamento de Investigação Criminal do Funchal, de 19/10/2006 (cf. fls. 557 a 674), que precedeu o despacho proferido pelo MP, no âmbito do Proc. NUIPC 711/01.3TAFUN, onde se exarou: “ (...) Assim, apresentem-se os autos, para ulterior tramitação, ao Digno Magistrado titular, tendo em vista a sua apreciação e decisão de acusação face aos resultados probatórios demonstrados”.

Ou seja, na notícia de 08/12/2006, o primeiro parágrafo reporta-se à descrição do termo da investigação policial do processo, limitando-se na prática a jornalista a reproduzir a conclusão da investigação criminal, sem extravasar daquilo que consta do relatório da PJ.

Recorde-se, ademais, que o dever de sigilo profissional dos jornalistas implica uma especial reserva quanto à identidade da fonte que forneceu as informações, constituindo um direito consagrado no Estatuto profissional e um dever de compromisso estabelecido no Código Deontológico[30].

Depois, quando se escreve na notícia que “os investigadores detectaram a existência de uma rede de empresas, em nome de AA e de elementos da sua família, mas sem quaisquer funcionários, que prestavam serviços de consultadoria e de informática à QQ. Uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório”, sendo embora verdade que o teor da notícia não é 100% correcto, no que se prende com o valor referido, não se pode concluir, de modo algum, que a jornalista falseou os factos noticiados, e muito menos se compreende que o Acórdão recorrido se tenha fixado em tal segmento noticioso, obnubilando, na quase totalidade, todos os restantes factos que são relatados na notícia.

Efectivamente, constam do despacho de arquivamento proferido no Proc. n.º 711/01.3TAFUN – cf. fls. 679 a 690 e nº 11 dos factos provados –, entre muitas outras, as seguintes passagens, que o Acórdão não valorou de modo algum, e que apontam na direcção que a notícia veiculou, corroborando, em grande medida, o seu conteúdo. Em especial:

- “ (…) Foi deste modo efectuada uma perícia contabilista e financeira levada a cabo pelo Departamento de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária tendo por base o período compreendido entre 1998 e 2001 visando a QQ e as outras empresas que alegadamente teriam sido constituídas para celebrar negócios jurídicos de molde a absorver, sem fundamento, os lucros provenientes da QQ;

A QQ é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, (cujo objecto é o exercício da actividade de cedência temporária de trabalhadores portuários nos Portos da Região Autónoma da Madeira) cujos sócios fundadores foram os dois Sindicatos Portuários, o Governo da RAM e a OO (constituída em 18/3/1988 de que é sócia única a DDD Lda, sendo por seu turno sócios da DDD, EEE, FFF Lda, GGG Lda, HHH, Lda, III, JJJ Lda, KKK II, JJJ Lda, LLL, MMM Lda.) que recruta trabalhadores à QQ e os coloca onde entende necessário”;

- “ (...) Das diligências investigatórias realizadas nos autos veio a confirmar-se que vários trabalhadores eventuais da QQ prestaram trabalho para os arguidos AA e BBB na construção de duas moradias, bem como no arranjo de dois apartamentos pertencentes aos mesmos arguidos, bem como na igreja de … e ainda nas instalações da OO (sublinhados nossos).

Apurou-se ainda que o arguido AA procedeu a pagamento de mão-de-obra recebida da QQ, em 26 de Junho de 2001, desconhecendo-se se o pagamento correspondeu ao total da dívida até então ou se ficaram parcelas por pagar.

É certo que a prestação de trabalho por parte de funcionários da QQ para AA e BBB se prolongou até meados de Agosto de 2002, conforme escutas operadas, data posterior ao do pagamento acima referido e depois de a comunicação social ter veiculado a situação descrita nos autos, seja a utilização de mão-de-obra da QQ em proveito dos arguidos;

- “ (…) Da análise contabilística e financeira realizada confirmou-se igualmente que os arguidos dos autos constituíram ou se associaram a diversas sociedades nomeadamente a BBBB, CCCC, DDDD, TT, RRR, EEEE Lda., FFFF Lda., GGGG, OO, DDD, PPP, HHHH, EEE, IIII, JJJJ, GGG, de que eram igualmente sócios ou seus familiares, com quem, em representação da QQ, vieram a celebrar diversos negócios jurídicos, nomeadamente a prestação de assessorias quanto às quais não existe prova cabal da sua realização, não tendo eventualmente sido todas prestadas, mas tendo sido determinado o seu pagamento aos administradores da QQ ora arguidos e seus familiares e ainda a outras sociedades, ainda também por intermediação dos sindicatos, e que envolvem montantes muito elevados conforme resulta da perícia realizada.

O relatório pericial inserto nos autos contém a descrição de todas as operações financeiras havidas não só com a QQ mas também com as outras sociedades, de que os arguidos não quiseram genericamente prestar esclarecimentos por estarem fora do âmbito da QQ, empresa que se encontrava em investigação”;

- “ (…) Também o arguido AA recebeu assessorias provenientes da QQ.

Com efeito a QQ pagou à PPP 53.926.560$00 por assessoria técnica prestada por AA.

A PPP foi constituída em 6/12/90, sendo sócios, o arguido AA (Administrador da QQ), EEE SGPS (da qual é sócia a QQQ Limited sendo gerente da mesma BBB), UUU, CCC, e a arguida BBB, Directora Financeira e Técnica da QQ.

A sociedade tem como objecto social a prestação de serviços em matéria de contabilidade, fiscalidade, auditoria, gestão de empresas informática e venda de equipamento informático.

O pagamento de assessorias ao arguido AA foi efectuado no mesmo contexto que aos outros membros do Conselho de Administração da QQ, prescindindo da sua remuneração e passando a receber assessoria técnica, fornecida pela sociedade de que é sócio;

- “No âmbito da QQ apurou-se igualmente a existência de pagamento de serviços de contabilidade não justificadas.

Também a QQ pagou à TT, de que era sócio o arguido AA montantes relativos à realização de contabilidade que não terá sido efectuada ou de que não se justificará a sua prestação.

A TT foi constituída em 6/12/1990 tendo por objecto a prestação de serviços em contabilidade, fiscalidade, informática, auditoria e gestão de empresas e compra e venda de acessórios e equipamento informáticos, de escritório) electrónico, designadamente relativos a rádio e som, electrodomésticos.

Eram sócios AA, UU (mulher do 1.º), CCC (engenheiro da QQ) e mulher, a arguida BBB.

A QQ pagou à TT o montante de 35.474.512$00 (com Iva) a título de assistência contabilística a troco de uma avença mensal de 13.681.404$00 – no período compreendido entre 1998 a 2001.

Estas assistências contabilísticas não se justificariam por a QQ ter a sua própria secção de contabilidade;

- “Considerada a natureza pública da QQ (o que não está demonstrado) e a qualidade de funcionários dos seus empregados nos termos do artigo 386° do CP (o que também não está demonstrado) os factos indiciados seriam susceptíveis de integrar:

1 - a prática de um crime de peculato (quanto à utilização de mão-de-obra) p. e p. pelo artigo 375° do CP [(cuja moldura penal é a pena de 1 a 8 anos de prisão),-----/ou o crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382° do CP se se considerar ser insusceptível de apropriação o trabalho dos subordinados – cfr. C. Conimbricense, Tomo III, pág. 693, crime p. pelo artigo 382° do CP com pena de prisão até 3 anos —/

2 - um crime de participação económica em negócio p. e p. pelo artigo 377° n.° 1 do CP( relativamente às transacções encetados pelos arguidos com a QQ, p. com a pena de prisão até 5 anos),

3 - e ainda um crime de administração danosa, p. e p. pelo artigo 235° do CP,( cuja moldura penal é a pena prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias),

cujos prazos prescricionais são de 10 anos nos termos do artigo 118° alínea b) do CP (excepto o crime de abuso de poderes cujo prazo prescricional é de 5 anos nos ternos do artigo 118.° n.° 1 alínea c) do CP), mas interrompendo-se a prescrição com a constituição de arguido - artigo 121° n.° 1 alínea a) do CP, ocorrendo sempre a prescrição quando desde o seu inicio e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (artigo 121.° n.° 3 do CP).

Os factos em investigação nos autos são relativos ao triénio 1998 a 2001 excepto a utilização de mão-de-obra que se prolongou até Agosto de 2002”;

- “ (…) No caso vertente a pessoa colectiva QQ não fez este pedido de confirmação de utilidade pública pelo que deixou de ter esta qualidade, apesar da actividade que desenvolve e das condições que detém para ser qualificada como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, em si insuficientes, para que por si só lhe advenha tal qualidade.

Pelo exposto atento que os factos apurados pressupõem a natureza pública da pessoa colectiva e ou a condição de funcionário, determina-se o arquivamento dos autos, na parte tocante aos actos ilícitos praticados no âmbito da QQ, nos termos do artigo 277.° n° 1 do CPP.

Cumpra o disposto no artigo 277° n° 3 do CPP”;

- “ (…) Dado que o sistema de assessorias na QQ é prática contínua ocorrendo eventualmente a verificação de crime fiscal extraia certidão do relatório da PJ e do despacho final e remeta aos Serviços Centrais da Direcção Geral dos Impostos em Lisboa, mais precisamente DSIFAE para investigação.

Comunique-se:

- à Ex.Ma Procuradora Geral Distrital;

- à Ex.Ma Procuradora Geral Adjunta Directora do DCIAP.

- à Alta Autoridade para a Concorrência com cópia do relatório da Policia Judiciária e Informação do NAT.

Cumpra o artigo 277.° n.° 3 do C.P.C.” [31].

Perante estes factos, vertidos no despacho de arquivamento, será que a ré excedeu o seu papel de jornalista e se converteu no julgador do autor, imputando-lhe crimes que este não praticou? Não nos parece.

A referência a um montante de meio milhão de contos, alegadamente facturado à QQ, por seu turno, não se refere ao autor mas a uma empresa – evidentemente, com personalidade jurídica própria e diversa –, sendo certo que a expressão empregue pela jornalista recorrente[32], embora parcialmente incorrecta, foi retirada, quase ipsis verbis, da notícia do , intitulada “… – AA preciosa na OO”, publicada na edição de 29/06/2001, em que se escreveu: “ (…) AA, esposa, filha e genro são também sócios das empresas «TT«, «JJJJ» e «IIII», as quais facturaram à QQ cerca de 500 mil contos por ano, pela aquisição de bens diversos (lápis, canetas, material de escritório, etc.) e por serviços de informática e contabilidade” (cf. fls. 193).

Discorda-se, também, e categoricamente, do Acórdão recorrido quando nele se considera que “ (…) estes factos falsos são o cerne da notícia, na medida em que pretendem credibilizar e legitimar a insinuação de que o autor, ora recorrido, seria um criminoso, envolvido numa rede de empresas que havia desviado 15 milhões de euros, num esquema de «empresas fantasma»”, quando, no cotejo da globalidade da notícia de 08/12/2006 com as passagens acima reproduzidas do despacho de arquivamento, se retira que o relato daquela narra factos que, no geral, correspondem à verdade material, pois, com efeito: o autor AA foi arguido no processo crime n.º 711/01.3TAFUN, tendo utilizado trabalhadores da QQ para efectuar, em proveito próprio, obras particulares cujo modo de pagamento suscitou dúvidas, e tinha as relações familiares descritas na notícia, desempenhando os cargos aí assinalados nas empresas identificadas, constando daquele processo que foram cobradas quantias (de montante não concretamente apurado) relativas a serviços eventualmente não prestados ou injustificados, que só conduziram ao arquivamento do processo atenta, designadamente, a natureza jurídica da QQ, e indiciavam, na verdade, a prática de um catálogo de ilícitos penais aí indicados – peculato, participação económica em negócio e gestão danosa.

Importa frisar, que mesmo assim se ordenou naquele despacho a extracção de certidão do seu teor e do relatório da PJ e a sua remessa aos Serviços Centrais da Direcção Geral dos Impostos – DSIFAE, por se considerar que o (…) sistema de assessorias na QQ é prática contínua ocorrendo eventualmente a verificação de crime fiscal”.

Refere, ainda, o Acórdão recorrido que “ (…) existiu também ofensa à norma legal vigente que determinava o segredo de justiça para os processos crime em fase de inquérito (…)”, prosseguindo que “ (…) a pendência de um inquérito contra alguém é muito diferente da existência de uma Acusação. O leitor médio encara esta última, como o resultado de uma investigação por entidades oficiais que resultou na verificação e existência de matéria criminal, da qual, segundo a notícia, o autor seria aliás peça chave./ Já a existência de um inquérito mais não é do que uma investigação, um apuramento de factos, que não assume os mesmos contornos de censura social que uma acusação”, para concluir que “ (…) está demonstrado nos autos que não houve acusação, existiu despacho de arquivamento, cujas razões se afiguram inabaláveis. (…) /Donde se deve concluir que a recorrente noticiou várias informações falsas, o que afasta o alegado interesse público”.

É ostensivo que a situação noticiada bule, efectivamente, com as questões do segredo de justiça, não sendo fácil, por norma, estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, com a publicitação do envolvimento de algum cidadão em processos especialmente melindrosos.

Quanto ao segredo de justiça é imperioso salientar, como já o fazia Vital Moreira, em 2004, que “o segredo de justiça só pode vincular os jornalistas se isso não implicar uma limitação desmesurada da liberdade de informação”, sendo certo que é de criticar “a amplitude excessiva do segredo de justiça, quer no tempo, quer na extensão, traduzindo-se portanto numa considerável limitação da liberdade de informação em geral e da liberdade de imprensa em especial”[33].

É inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público.

Por outro lado, no confronto do interesse público que deve presidir à prática jornalística, não é negligenciável, como já antes frisámos, o critério (ético) relativo à reserva da vida privada de qualquer cidadão, sendo certo que o facto de estarem em causa figuras públicas não legitima de per si a devassa das respectivas vidas familiares, implicando que a informação deve ser confinada aos adequados limites imanentes à prossecução de um efectivo interesse público, respeitando o princípio da proporcionalidade[34].

Isto dito, consideramos que a notícia de 08/12/2006 se moveu no campo estrito daqueles ditames não tendo violado tal princípio, sendo certo, aliás, que quanto à questão da violação do segredo de justiça, alegadamente cometida pela jornalista/recorrente – e co-réus, já antes absolvidos do pedido –, o autor apresentou queixa-crime, que deu azo ao Proc. n.º 1255/07.5TAFUN, tendo sido proferido despacho de arquivamento (cf. fls. 213 a 220).

Mais a mais, no que toca ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem-se pronunciado contra restrições à liberdade de expressão (e de informação) que não considera serem necessárias – DuRoy e Malaurie v. França (2004) , nomeadamente por as informações em causa já serem públicas – Weber v. Suíça (2005) –, sendo incontestável que, in casu, a notícia do II de 08/12/2006, transmitiu factos que já eram do conhecimento público desde, pelo menos, o ano de 2001[35].

Rejeita-se, igualmente, a conclusão do acórdão, segundo a qual a “recorrente ao publicar uma notícia que apontava como conclusão de um inquérito criminal a dedução de uma acusação e considerava que teria ficado provada a prática de crimes que descreve violou ainda a obrigação de respeitar a presunção de inocência prevista no art. 14.° n.° 1 al. c) da Lei n.° 1/99 (Estatuto do Jornalista)”, pois, como já antes dissemos, a jornalista se cingiu ao relato do que constava do processo em que o autor foi arguido.

Acresce que o TEDH, como dá nota o Conselheiro Henriques Gaspar, considerou já, num caso com algumas semelhanças – Campos Dâmaso v. Portugal (2008) – “que o interesse em informar o público prevalecia sobre o dever de respeitar a presunção de inocência, uma vez que os artigos vinham na sequência de outras referências anteriores, que haviam mesmo determinado a abertura do inquérito, e não tomavam posição sobre a eventual culpabilidade da pessoa visada, limitando-se a descrever o conteúdo da acusação do Ministério Público[36].

Neste âmbito, o jornalista terá de saber distinguir, com especial acuidade e cuidado, a fronteira entre uma informação credível e certificada de uma informação anónima, pouco ou nada qualificada, fazendo a destrinça devida entre ambas, de modo a não incorrer na divulgação inusitada e mesmo falsa de alguns factos, sendo essa realidade particularmente relevante quando o processo se encontra em fase de inquérito (e eventualmente submetido ao segredo de justiça).

Porém, como escreve Jónatas Machado, “um jornalista que torna conhecidos indícios da existência de um escândalo público não deve ter que provar completamente a verdade dos factos, mas apenas a plausibilidade racional desses indícios. Caberá ao debate público, sem prejuízo do exercício da função jurisdicional, determinar a verdade ou a falsidade dos factos através de «mais discurso» e não da repressão do discurso produzido. Isto, tanto mais quanto é certo que, em muitos casos, os responsáveis pelo irregular funcionamento das instituições políticas e sociais são os primeiros a ocultar as informações necessárias para provar essa irregularidade[37].

A verdade noticiosa, como tal, não tem o sentido de “verdade absoluta”: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um “esforço de objectividade”[38] e seguindo um critério de “crença fundada na verdade”[39].

Por isso mesmo, como enfatiza Faria Costa, “não pode ser dada a mesma relevância quando se confrontam, por exemplo, o exercício de um ius narrandi com o pleno exercício do direito de crítica ou mesmo de opinião”[40].

Este autor, ao fazer a exegese do ilícito penal ínsito no art. 180.º do Código Penal (Difamação), salienta que o legislador foi mais longe na tutela da função pública da imprensa, quanto às causas de justificação, “ao admitir a possibilidade de justificação mesmo em situações em que não se logre fazer a prova da verdade. Tal justificação pode ocorrer, ainda, no caso em que, apesar de não se ter feito a prova da verdade dos factos, o agente tivesse fundamentos sérios para, em boa fé, os reputar como verdadeiros. Presta-se aqui, deste jeito, uma forte homenagem à imprensa, na medida em que o risco inerente ao desempenho dessa actividade pode justificar lesões à honra levadas a cabo por imputações de factos falsos”. E acrescenta: “Na verdade, exigir para a publicação de uma notícia que o jornalista tivesse um grau de certeza equiparável, por exemplo, ao grau de certeza necessário para proferir uma sentença de condenação, seria inviabilizar de todo, mas de todo, o direito de informação. Por isso, situações há em que, no julgamento, com os meios e o tempo de investigação mais dilatados, se comprova que, afinal, a imputação não correspondia à verdade, e, apesar isso, a conduta é ainda justificada penalmente”[41].

Tudo radicará, por conseguinte, na boa fé do jornalista, não com uma significação subjectiva, mas com um respaldo objectivo de averiguação conscienciosa da veracidade dos factos noticiados, que, como se disse, pode não ocorrer sempre, o que está dependente do respeito pelas regras de cuidado inerentes ao exercício da actividade de imprensa.

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 14/02/12, já citado, “ (...) A solução mais conveniente com vista a superar o conflito existente entre a tutela do direito à honra e do direito de informação, de acordo com os princípios constitucionais e legais vigentes, reconduz-se a considerar como pressupostos da justificação das ofensas à honra, cometidas através da imprensa, causa de exclusão da ilicitude da conduta, a exigência de que a imprensa, ao fazer a imputação, tenha actuado dentro da sua função pública de formação da opinião publica e visando o seu cumprimento [a], utilizando o meio, concretamente, menos danoso para a honra do atingido [b], com respeito pela verdade das imputações [c], em que, fundadamente, acreditou [d], depois de ter cumprido o seu dever de esclarecimento e comprovação, o dever de verificação da verdade da imputação [e][42].

Só que, quanto a este último, não se trata de uma verdade absoluta e, por inteiro, correspondente ao facto histórico narrado, pois o que importa, em definitivo, é que a imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba serem inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se, suficientemente.

Mas aquela comprovação não pode, por seu turno, revestir-se das exigências da comprovação cientifica ou mesmo da comprovação judiciaria, antes hão-de a ela bastar-se as exigências derivadas das «legis artis» dos jornalistas, que se não contentarão com um convencimento meramente subjectivo, mas imporão que aquele repouse numa base objectiva, de que resulta que, no quadro do direito de informação, uma crença fundada na verdade haverá que possuir o mesmo efeito que esta, como elemento da justificação [43]”.

Nesse aspecto, por lapidares, citam-se as palavras de Maria Lúcia Amaral, exaradas no voto de vencido ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 292/2008, de 29/05/08: “A diferença entre o exercício do «direito de expressar o pensamento» e o exercício do «direito de informar» corresponde à diferença que vai entre a divulgação da opinião e a divulgação notícia. Seguramente que a segunda, que se reporta a factos e não a juízos de valor, deve ser verdadeira. Contudo, a questão é a de saber qual o standard de comprovação da verdade que razoavelmente se requer, tendo em conta a dimensão objectiva do direito (liberdade de expressão) e o consequente «tipo» alargado do seu âmbito de protecção constitucional. É para mim claro que tal standard terá que pressupor a boa fé e a diligência razoável de quem informa. Exigir para além disso – como se as notícias só pudessem ser transmitidas após uma verificação e comprovação exaustiva da veracidade – parece-me que é exigir mais do que é permitido pelo âmbito de protecção da norma constitucional, justamente pelo efeito inibitório, que daí decorrerá, para o exercício do direito de informar[44].

ª

O que se consigna supra, vai, aliás, na linha da jurisprudência do TEDH, no que se reporta em especial à interpretação do art. 10.º da CEDH[45]. Como frisado por Henriques Gaspar, “na jurisprudência do TEDH, a liberdade de expressão tem sido considerada como super liberdade e um dos direitos mais preciosos do homem, condição sine qua non de uma verdadeira democracia pluralista, necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade; a sociedade democrática repousa precisamente sobre o pluralismo de ideias e opiniões livremente expressas”[46].

A relevância daquela jurisprudência internacional é apreensível, em termos processuais civis, pela leitura do art. 771.º, al. f) do CPC (que o DL n.º 303/2007, de 24/08, veio introduzir) e que possibilita a revisão de decisão (nacional) transitada em julgado quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” (cf. o actual art. 696.º, al. f), do NCPC).

Neste Supremo Tribunal, o Acórdão de 30/06/11, Proc. n.º 1272/04.7TBBCL.G1.S1, após efectuar uma resenha breve da jurisprudência do TEDH, no tocante à interpretação do alcance do art. 10.º da CEDH, relembra que a CEDH se situa num plano superior ao das leis ordinárias internas, por força dos arts. 8.º e 16.º, n.º 1, da CRP, concluindo que o direito à honra não é tutelado, no plano geral, pela Convenção, a ele se reportando apenas como possível integrante das restrições à liberdade de expressão enunciadas no n.º 2 do art. 10.º.

Especificamente, o TEDH, no caso Lingens v. Áustria (1986), sublinhou o papel de cão de guarda (watchdog) exercido pela imprensa, sustentando que a liberdade de imprensa é essencial numa sociedade democrática, tendo reforçado, no caso Thorgeirosn v. Iceland (1992) que a condenação de um jornalista é susceptível de desencorajar o debate aberto de questões de interesse público. O TEDH postulou, ainda, que não se pode exigir à imprensa que publique apenas factos provados ou prováveis, porque, se assim for, a imprensa estaria impedida de publicar praticamente tudo.

Detendo-se na análise da jurisprudência portuguesa, pelo TEDH, Rodrigues de Brito, tece os seguintes considerandos: “Em matéria de liberdade de expressão, o Estado português tem sido condenado pelo TEDH, por violação do art. 10.º da CEDH, com base na falta de verificação do requisito da necessidade da restrição numa sociedade democrática. Com efeito, como salientou o TEDH no caso KK e SIC v. Portugal (2007), as instâncias judiciais nacionais não encontraram um justo equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos dos jornalistas à liberdade de expressão e a necessidade de proteger os direitos e a reputação do visado. Sustentou, ainda, que a motivação avançada pelos tribunais portugueses para justificar a condenação, embora pertinente, não era suficiente, nem correspondia a qualquer necessidade social imperiosa. Concluindo, assim, que a condenação não representou um meio razoavelmente proporcional à prossecução do interesse legítimo em causa, tomando em consideração o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de imprensa, pelo que tinha ocorrido uma violação do art. 10.º do CEDH”[47].

Subsequentemente a este caso, o TEDH produziu variadíssima jurisprudência similar, visando o Estado português, considerando que ocorreu postergação do art. 10.º da CEDH, designadamente, nos casos (i) Campos Dâmaso v. Portugal (2008)[48], (ii) Público – Comunicação Social e Outros v. Portugal (2010)[49], (iii) Pinto Coelho v. Portugal (2011), (iv) Bargão e Domingos Correia v. Portugal (2012), (v) Amorim Giestas e Jesus Costa Bordalo v. Portugal (2014).

Da análise de todos esses processos, deflui que o TEDH tem acentuado que a liberdade de imprensa – caracterizada como cão de guarda/watchdog/ chien de garde – constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher informações e de as transmitir, constituindo a “ingerência” das autoridades – nas condições enumeradas no parágrafo 2.º do art. 10.º da CEDH – o epicentro do controlo jurisprudencial daquela instância jurisdicional.

A sociedade democrática e os seus princípios estruturantes são o verdadeiro limite à “ingerência” que tem de se revelar necessária: “a necessidade tem de ser definida como exigência social imperiosa para defesa dos valores e equilíbrios entre direitos, segundo critérios de proporcionalidade, comandados pelas ideias de tolerância, abertura e pluralismos inerentes à sociedade democrática”[50].

Tudo dito, é manifesto que, no caso sub judice, é injustificada a ingerência dos tribunais, mediante a atribuição de qualquer indemnização ao autor, a título de danos não patrimoniais, uma vez que a notícia, de 08/12/2006, se moveu dentro dos quadros constitucionais e legais permitidos, não tendo a ré/recorrente exorbitado da sua função de jornalista ou violado, de forma ilícita, os direitos de outrem.

Saliente-se, para terminar, que as expressões utilizadas na notícia, tais como, “serviços fictícios”, “empresas-fantasma”, “AA é considerado um dos elementos-chave do alegado esquema”, “falsos serviços”, “rede de empresas” e “negócio altamente rentável”, não podem ser desenquadradas do contexto global da narração, e têm de ser devidamente balizadas à luz da factualidade carreada nos autos de inquérito correspondentes ao Proc. 711/01.3TAFUN, e não obstante se reconhecer a contundência de tais expressões, elas são próprias de um assunto que não tem de ser aflorado com punhos de renda, não revestindo, quando interpretadas no conjunto do texto noticioso, qualquer carácter difamatório.

Por muito que isso custe ao autor, não se pode escamotear o papel dos media, por vezes decisivo e determinante, para o eclodir de investigações e para a abertura de inquéritos penais – como, de resto, aconteceu in casu, tal como dá notícia o próprio despacho de arquivamento do MP –, sendo de atribuir mérito aos profissionais da informação, jornalistas, que conseguem fazer despertar a atenção da opinião pública, e das suas estruturas formais de poder, para o eventual cometimento de irregularidades, em actividades de manifesto interesse público e social, que são tantas vezes ocultadas e que muitas vezes podem consubstanciar a prática de ilícitos penais.

Tudo visto, e regressando ao caso em apreciação, é de concluir que a ré/recorrente agiu com a diligência que era exigível a quem desenvolve a actividade jornalística, e ao elaborar a notícia publicada no semanário II de 08/12/2006, não praticou qualquer facto ilícito e culposo, razão pela qual se impõe concluir pela sua absolvição total e incondicional do pedido aduzido pelo autor, com a necessária revogação da decisão recorrida.

    ª

Resta sumariar:

I - A prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, relativamente a afirmações lesivas do mesmo, não se compadece com as situações em que aquelas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa.

II - O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia – interesse público –, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade.

III - A verdade noticiosa não significa verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objectividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade.

IV - Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público.

V - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem acentuado que a liberdade de impressa constitui um dos vértices da liberdade de informação, não podendo as autoridades nacionais, por princípio, impedir o jornalista de investigar e recolher as informações, com interesse público, e de as transmitir, o que é inerente ao funcionamento da sociedade democrática.

VI - No que toca ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão e de informação, o TEDH tem-se pronunciado contra as restrições à liberdade de expressão que não considera serem necessárias, designadamente quando as informações em causa já sejam públicas.


III-DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista (excepcional) e revogar o acórdão recorrido, absolvendo a recorrente do pedido.

As custas processuais ficam a cargo do autor/recorrido.

                                                                       ª

Por estar em causa o direito à informação, dê-se cumprimento, após o trânsito em julgado deste acórdão, ao estatuído no art. 10.º, n.º 2, da Lei n.º 53/2005, de 08/11 (comunicação à ERC—Entidade Reguladora para a Comunicação Social).

                       Lisboa, 21/10/14

Gregório Silva Jesus (Relator)

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

____________________________
[1] Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de RR e Gabriel Catarino.
[2] Com efeito, as conclusões A) a P) do recurso destinaram-se a fundamentar a admissibilidade da revista excepcional, por verificada dupla conforme.
[3] O regime do Novo CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, não é aplicável à situação sub judice (cf. arts. 7.º, n.º 1, e 8.º), porquanto tendo a acção sido instaurada em 17/04/09 o acórdão recorrido foi proferido antes do início da vigência daquele diploma.
[4] Não oferece quaisquer dúvidas que, relativamente à notícia publicada na edição do SOL de 13/10/2007, se operou definitivamente caso julgado material, com a confirmação da absolvição de todos os réus – e que os 1.º a 4.º réus ficaram, outrossim, definitivamente absolvidos do pedido aduzido neste pleito, no que se reporta à notícia datada de 08/12/2006.
[5] Cfr. neste sentido Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol.. V, pág. 143, Antunes Varela, RLJ, ano 122.º, pág. 112, e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972, pág. 228.
[6] Cfr. Alberto dos Reis, ob. cit., vol. V, pág. 49 e seguintes, Acs. do STJ de 15/05/03, Proc. nº 02B2754, de 4/03/04, Proc. nº 04B522, e de 16/12/10, Proc. nº 2401/06.1TBLLE.E1.S1 desta Secção, acessíveis em texto integral – tal como os demais arestos que se mencionarem sem referência em contrário – no sítio da internet do IGFEJ.

[7] A este respeito, veja-se o estudo de Joaquim Fidalgo e Madalena Oliveira, Da justiça dos tribunais à barra da opinião pública – as relações entre a Justiça e a Comunicação Social, 2005, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho.
[8] Para Faria Costa, a Comunicação Social é sobretudo “comunicação aberta” sustentada em fluxos informacionais em constante movimento. Este autor distingue entre a noção de “comunicação fechada”, que “traduz todo o tipo de troca de informação que os sujeitos da relação comunicacional assumem e querem fechada”, e o conceito de “comunicação aberta” que se define, “no essencial, como um fluxo de informação cujo número de destinatários é indeterminado e se quer indeterminado” – cf. Direito Penal da Comunicação (Alguns Escritos), 1998, pág. 42 (e pág. 129).
[9] A expressão é de Joaquim Fidalgo e Madalena Oliveira, op. cit, pág. 5. Regressando ao texto destes autores: “O ideal de transparência da justiça – cuja garantia está, de algum modo, depositada no desempenho dos jornalistas e dos meios de comunicação social – não é, em si, questão transparente. Por um lado, o aparelho judicial nem sempre está preparado para as exigências mínimas de publicidade da justiça e, não fornecendo a informação adequada em tempos e moldes adequados, indirectamente estimula nos media a busca e difusão de informação por canais menos fiáveis, quando não meramente especulativos ou manipuladores. Por outro lado, o aparelho mediático nem sempre consegue também restringir-se (sobretudo quando estão em causa processos de grande impacto político e social) às informações de evidente interesse público, aproveitando o acesso a fontes reservadas para noticiar tudo o que lhes é transmitido, com o óbvio perigo de instrumentalização por alguma das partes em litígio” – idem, pág. 6.
[10] Cf., neste sentido, o Acórdão do STJ, de 10/07/08, Proc. n.º 08A1824.
[11] Precisamente a respeito de uma situação de abuso de liberdade de imprensa, remetemos para o nosso Acórdão de 02/12/12, Proc. n.º 714/09TVLSB.L1.S1, desta conferência (inédito).

[12] Decorre do art. 1.º da CRP que Portugal é uma República soberana, baseada, além do mais, na dignidade da pessoa humana, dispondo o art. 25.º, n.º 1, que a integridade moral das pessoas é inviolável.
[13] Esta disposição legal, revestindo natureza especial, procura reforçar a tutela do bom-nome, em obediência ao carácter absoluto e inviolável dos direitos de personalidade.
[14] Ainda no plano da lei ordinária, na área penal, intitula-se o Capitulo VI do Código Penal, de “Crimes Contra a Honra”, ali se contemplando vários ilícitos penais correspondentes à violação desse direito.
[15] Deflui daquele preceito da Constituição que as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna portuguesa após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, sendo pacífico que a Convenção em causa, à semelhança do restante direito internacional pactício vinculativo de Portugal – tratados –, se sobrepõe à lei ordinária portuguesa, em face desta disposição constitucional.
[16] Citado na nota de rodapé n.º 13.
[17] Adriano De Cupis, Os Direitos da Personalidade, 1961, 129.
[18] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit -,(Código Civil Anotado) -, vol. I, 4ª ed., pág. 110.
[19] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 3ª ed., revista, págs. 180/181; cfr. a este título o Ac. do STJ de 17/12/09, Proc. nº 159/07.6TVPRT-D.P1.S1, desta Secção, no ITIJ.
[20] Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., págs. 180/181.

[21] Importa realçar, que a liberdade de imprensa, reconhecida pela Lei de Imprensa, deve respeitar as “barreiras” consagradas no respectivo art. 3.º, que estabelece que “a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática”.
[22] Não se negligencie, por fim, a extrema relevância jurídica que actualmente deve ser dada ao art. 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) (2010/C 83/02) [cf. versão publicada de 30/03/2010, Jornal Oficial da União Europeia C 83/389], sob a epígrafe “Liberdade de expressão e de informação”, que estabelece: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. 2. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social”. Também relevante, o art. 16.º, titulado “Liberdade de empresa”: “É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais”. Em Dezembro de 2009, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a CDFUE foi investida de efeito jurídico vinculativo, à semelhança dos Tratados da União Europeia, não sendo todavia aplicável aos factos que se dirimem neste processo (por serem anteriores).
[23] Paulo Mota Pinto, O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada, BFDC, volume LXIX, 1993, pág. 566.

[24] Escreveu-se no Acórdão do STJ, de 14/02/12, Proc. n.º  5817/07.2TBOER.L1.S1: “Porém, o direito do público a ser informado tem como parâmetro a utilidade social da notícia, ou seja, deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, sendo certo que a importância social da notícia deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe a utilização pelo jornalista de fontes de informação fidedignas, tanto quanto possível, diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos “.
[25] Cf. J. M. Coutinho Ribeiro, A Nova Lei de Imprensa (Anotada), face ao novo Código Penal, Coimbra, 1995, pág. 19.
[26] Acórdão mencionado na nota de rodapé n.º 24.
[27] Figueiredo Dias, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ, Ano 115º, 100 e ss; STJ, de 29/10/1996, BMJ nº 460º, 686.
[28] In Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 2010, pág. 76.
[29] Acompanhando o Acórdão do STJ, de 08/05/13, Proc. n.º 1755/08.0TVLSB.L1.S1: “Figura pública será uma pessoa que se encontra numa posição em que, pelo seu protagonismo social, está focada a atenção pública. Ao que aqui importa, será de considerar um conceito de figura pública integrando no respectivo conceito a perspectiva «do interesse público» e não apenas de «de um interesse do público»”.

[30] Dispõe o n.º 1 do art. 11.º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13/01 (alterado pela Lei n.º 64/2007, de 06/11): ”Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, directa ou indirecta”. De igual modo, o art. 14.º daquele Estatuto prevê, como dever fundamental do jornalista: exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção; procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem; abster-se de formular acusações sem provas; preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas; não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público.

Por seu turno, emana do Código Deontológico – aprovado em 04/05/1993, em Assembleia-Geral do Sindicato dos Jornalistas – no seu ponto 1, que “o jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso“; no ponto 2, que “o jornalista deve combater... o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas... como graves faltas profissionais“; e no ponto 6 que “o jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem ser sempre atribuídas”.

Trata-se, em bom rigor, de um dever essencial de lealdade do jornalista para com as fontes de informação e não tanto de uma prerrogativa inerente à condição de jornalista. Há, todavia, um conflito latente entre aquele sigilo profissional e o preceituado, designadamente, no art. 135.º do Código do Processo Penal, que confere aos tribunais, em determinadas situações, o direito de obrigar o jornalista a revelar as suas fontes de informação.
[31] É de realçar, outrossim, o teor da Informação n.º 044/NAT/2007, do Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República, de 18/07/2007 (cf. fls. 691 a 713), em cuja “Síntese conclusiva e Proposta”, se consignou, além do mais e no que aqui releva:
“- Encontra-se comprovado nos autos a utilização abusiva, para fins particulares e alheios à movimentação de cargas, de diversos trabalhadores portuários eventuais, cujos vencimentos e encargos patronais foram pagos pela QQ/RAM ao longo dum período temporal, que se supõe bastante alargado, e que se prolongou para além do início da presente investigação. Caso a Associação mantenha o estatuto de utilidade pública, poderá ser qualificado como crime de apropriação abusiva e ilegítima de avultados recursos monetários da QQ/RAM que foram desembolsados para pagamento desses trabalhadores «desviados»; (…)
- A OO é a única empresa de estiva operar nos portos da RAM, e tem vindo a praticar, de forma livre, tarifas das mais altas do País, o que lhe vem proporcionando a obtenção de lucros elevados. Em consequência, e desde o início da sua actividade, que a OO delineou uma estratégia concertada de dissimulação de lucros, procurando empolar os custos através da celebração de contratos de assessoria e consultoria técnica, de forma articulada com um grupo de empresas pertencentes aos presidentes dos sindicatos do sector portuário, à família de AA e ao denominado grupo RR.
Podendo estar-se perante eventuais ilícitos de natureza tributária, associados à contabilização de sobre custos e/ou operações simuladas, e considerando que esta estratégia de dissimulação de lucros por parte da OO deverá ter características continuadas, afigura-se pertinente propor que este conjunto alargado de empresas seja objecto de uma acção de fiscalização por parte da Administração Fiscal”.
[32]Uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório”.
[33] Liberdade de Informação e Segredo de Justiça, Público, 19/10/2004.
[34] A este respeito, Cunha Rodrigues, Comunicar e Julgar, 1999. Com maior desenvolvimento e actualidade, cf. Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 2010, designadamente págs. 54 e segs..
[35] A este respeito, cf. Teixeira da Mota, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão – Os casos portugueses, 2009, pág. 37. Cf., igualmente, Ferreira Alves, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada e Protocolos Adicionais (Doutrina e Jurisprudência), 2008, pág. 255: “Infringe o artigo 10.º a punição dos jornalistas que, alegadamente, violaram o segredo de justiça quando toda a informação por eles veiculada já era do domínio público” – Dupuis e outros v. França (2007).
[36] Cf. o artigo do actual Presidente do STJ intitulado Liberdade de Expressão: o Artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma leitura da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Figueiredo Dias”, Volume I, 2009, pág. 709.
[37] Liberdade de Expressão – Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, 2002, pág. 807.
[38] Miguel Reis, Legislação da Comunicação Social Anotada, págs. 111/112.
[39] Figueiredo Dias, op. cit. (nota 27 ), pág. 171, que assinala, no mesmo escrito (cf. pág. 136), que a imprensa cumpre uma função pública que se traduz na “actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica, cultural”.
[40] Obra citada na nota 8.
[41] Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, 2.ª edição, 2012, pág. 927.
[42] Ac. do STJ, de 5-3-1996, CJ (STJ), Ano IV, T1, 122 e ss.
[43] Figueiredo Dias, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, RLJ, Ano 115º, 170 a 173.
[44] Aresto publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 141, de 23/07/2008. O voto de vencido citado é destacado por Melo Alexandrino, pela sua relevância jurisprudencial e doutrinária, in Constituição Portuguesa Anotada, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª ed., 2010, pág. 857.
[45] É a seguinte a redacção completa do art. 10.º da CEDH:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.
[46] Op.cit., pág. 688.
[47] Op. cit., págs. 74-76.
[48] Em que se enfatizou que o papel dos jornalistas de investigação é o de informar e alertar o público, nomeadamente, quanto a fenómenos relacionados com processos relativos a eventuais infracções, de natureza fiscal ou de desvio de fundos públicos, imputados a políticos, os quais, diversamente dos cidadãos em geral, estão expostos, inevitável e conscientemente, a um controlo atento dos seus factos e feitos, tanto pelos jornalistas, como pelos cidadãos. Neste caso, o TEDH concluiu que “o interesse da publicação litigiosa prevalecia sobre o fim, também legítimo, de preservar o segredo de justiça”.
[49] Em que o TEDH sublinha que o eventual desrespeito pelas obrigações fiscais por certos contribuintes é um assunto de interesse geral para a comunidade, sobre o qual a imprensa deve poder transmitir informações.
[50] Henriques Gaspar, op. cit., pág. 693.